quarta-feira, 22 de abril de 2020

Opinião do dia – Ulysses Guimarães*

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo.

A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.

Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.

Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.

Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (Aplausos)

*Discurso na promulgação da Constituição, 5/10/1988.

O poder que Bolsonaro quer – Editorial | O Estado de S. Paulo

O poder que Bolsonaro almeja é aquele exercido sem que tenha de prestar conta às instituições democráticas, como o ditador Hugo Chávez

Em meio ao repúdio unânime das instituições à sua participação num comício de caráter golpista em Brasília no domingo passado, o presidente Jair Bolsonaro defendeu-se dizendo que “falta um pouco de inteligência para aqueles que me acusam de ser ditatorial”. Segundo Bolsonaro, “o pessoal geralmente conspira para chegar ao poder”, mas “eu já estou no poder, eu já sou presidente”. E concluiu: “Então eu estou conspirando contra quem, meu Deus do céu?”.

De fato, Bolsonaro já está no poder, conferido a ele pelos eleitores no pleito de 2018. A questão é que esse poder Bolsonaro não quer, não só porque, no fundo, sabe que não tem a menor ideia de como exercê-lo, tamanho é seu despreparo, mas principalmente porque é um poder regulado pela Constituição e limitado pelos freios e contrapesos institucionais. Um presidente “pode muito, mas não pode tudo”, como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, ao criticar a convocação, feita por Bolsonaro, de protestos contra o Congresso, em fevereiro. Ou seja, já naquela ocasião, o presidente deixava explícito que não pretendia se submeter aos controles constitucionais, pois, em sua visão, sua Presidência é “o povo no poder”, como bradou aos seus seguidores no domingo passado. Depreende-se que Bolsonaro almeja presidir um regime plebiscitário, em que a voz do que ele chama de “povo” se impõe como a lei, tendo o presidente como zeloso intérprete, submetendo todos os demais Poderes a seu tacão.

Merval Pereira - Golpe frustrado

- O Globo

Generais avaliaram que o presidente deu um passo em falso ao convalidar as reivindicações antidemocráticas

O presidente Bolsonaro tentou dar ares de apoio dos militares à sua presença na manifestação antidemocrática que avalizou no domingo em Brasília, mas soube, antecipadamente, que a área militar se incomodava com a escolha como moldura de uma ação política o Forte Apache, como é conhecido o Quartel-General do Exército.

Ele convidou para acompanhá-lo o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que recusaram, por considerarem que a presença deles sugeriria que o Exército avalizava a manifestação.

Por ser político, os generais consideram que Bolsonaro tem o direito de participar de manifestações políticas, mas, diante da repercussão negativa, avaliaram que o presidente deu um passo em falso ao convalidar as reivindicações antidemocráticas.

Por isso tiveram uma reunião com ele na noite do mesmo domingo, onde ficou combinado que Bolsonaro falaria no dia seguinte para desfazer o clima político tenso, e à noite o Ministério da Defesa deu uma nota oficial garantindo que as Forças Armadas obedecem à Constituição.

A frase proferida por Bolsonaro na manhã de segunda feira — “Já estou no poder, por que daria um golpe?” — foi dita a ele na reunião de domingo.

Zuenir Ventura - Um ensaio de golpe

- O Globo

Bolsonaro disse coisas que não se deve esquecer

É possível que ainda não tenha sido uma tentativa de golpe, mas um ensaio, um teste para saber até onde poderia avançar uma ação contra a democracia. Não por acaso, aconteceu diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, à frente de uma aglomeração de fanáticos golpistas que com gritos e faixas pediam intervenção militar, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e a volta do AI-5.

No seu discurso em tom de campanha, Bolsonaro disse coisas que não se deve esquecer porque não são arroubos passageiros, são ideias, algumas fixas: “Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder. Mais do que direito, vocês têm obrigação de lutar (...). Contem com seu presidente para fazer tudo aquilo que for necessário para manter a nossa democracia (...). Nós não queremos negociar nada, nós queremos é ação pelo Brasil”.

O repúdio à participação do presidente foi geral, incluindo todas as instituições, até mesmo uma da qual o capitão esperava, se não apoio, pelo menos tolerância: os militares. No dia seguinte ao ato contra a democracia, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, divulgou uma nota afirmando que as Forças Armadas trabalham “sempre obedientes à Constituição”. Antes, ele se reuniu com os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.

Bernardo Mello Franco - Carreatas da morte

- O Globo

Incentivadas por Bolsonaro, carreatas da morte pediram o fim do isolamento em plena pandemia. O secretário de Saúde da Bahia desafiou a turma a abrir mão de leitos e respiradores

A cena é do último domingo, em São Paulo. No dia em que o estado registrou a milésima morte pelo coronavírus, manifestantes pararam o trânsito e fizeram buzinaço em frente ao Hospital das Clínicas. No mesmo quarteirão funciona o Instituto Emílio Ribas, cuja UTI não tem mais leitos para novos pacientes.

Perto dali, na Avenida Paulista, ambulâncias tentavam abrir caminho entre veículos enfeitados com bandeiras do Brasil. Os motoristas ignoraram as sirenes e continuaram a bloquear as pistas. Um homem de camisa da seleção saiu do carro e celebrou a adesão ao movimento: “Vamos parar São Paulo!”. Ele terminou a performance com gritos contra o governador, que faz apelos diários para que a população respeite o isolamento.

No mesmo cenário, uma semana antes, ativistas em verde e amarelo já cobravam a reabertura imediata do comércio. Um grupo ergueu um esquife e encenou o enterro da “ditadura da Covid-19”. Ao fundo, um alto-falante tocava a música eletrônica do “meme do caixão”, que faz piada com uma cerimônia fúnebre em Gana.

Luiz Carlos Azedo - Distopia no presente

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Nos tornamos seres perigosos, suspeitos. Qualquer aproximação menor que dois metros é uma ameaça e provoca uma reação de legítima defesa”

A pergunta de meu amigo Carlos Alberto Jr., jornalista e cidadão do mundo, numa live, inspirou a coluna de hoje: “Estamos vivendo uma distopia no presente?”. Normalmente, a distopia está associada ao futuro, porque é a negação da utopia, ou seja, da sociedade desejada, uma projeção pessimista do futuro. De certa forma, sim, estamos vivendo uma realidade distópica, como as que aparecem no cinema. A série inglesa Black Mirror (Espelho Negro), lançada há quase 10 anos, por exemplo, em cada um de seus episódios, que são independentes, nos deixa em situação muito desconfortável em relação à tecnologia, à globalização, ao poder e à “sociedade do espetáculo”.

Qual é a grande distopia que estamos vivendo aqui no Brasil? Uma pandemia de coronavírus ameaça sair do controle e seu combate começa a ser militarizado, com a substituição de uma política de saúde pública participativa por estratégias militares que se baseiam em grandes manobras, controle de informações e saídas racionais para situações fora do controle, como criar mais vagas nos cemitérios para evitar que o aumento do número de mortos gere outro grave problema sanitário: cadáveres insepultos. É uma hipótese sinistra, mas faz sentido, porque a concepção do combate à epidemia é a de que se trata de uma guerra. Em tese, militares estariam mais preparados para isso do que civis, o que, obviamente, é um equívoco em se tratando de saúde pública.

O inimigo invisível entre nós, no trabalho, no supermercado, na fila da lotérica, dentro de casa. Todos nos tornamos seres perigosos, suspeitos. Qualquer aproximação menor que dois metros é uma ameaça e provoca uma reação de legítima defesa, nem sempre um educado “por favor, chegue mais para lá”. Os mais aptos a conviver com o novo coronavírus — os contaminados assintomáticos —, hoje são a maior ameaça, não importa se é um antigo colega de trabalho, um parente querido, um amigo de infância, a pessoa amada; amanhã, porém, poderão ser os salvadores da pátria, portadores de anticorpos e perpetuadores da espécie, os primeiros a voltar ao trabalho.

A salvação virá dos mais fortes e do Estado Levitã, que pode tudo? Qual será o custo de tudo isso? Na lógica do presidente Jair Bolsonaro, é preferível um maior número de mortos do que o colapso da economia; é preciso salvar o comércio, a indústria, os pequenos negócios e os biscates. No fundo, seu raciocínio antecipa a escolha de Sofia do intensivista que seria obrigado a escolher quem vai ter acesso ao respirador na UTI quando o sistema de saúde entrar em colapso.

A República, de Platão, citada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta numa alusão irônica ao famoso Mito da Caverna (metáfora criada pelo filósofo grego para explicar a condição de ignorância em que vivem os seres humanos e o que seria necessário para atingir o verdadeiro “mundo real”), inspirou Thomas Morus (1478-1535) a escrever Utopia. Publicada na Basiléia, em 1516, na época dos Descobrimentos, criticou a tirania e descreveu a sociedade ideal, prontamente associada ao Novo Mundo. Na Inglaterra, seu livro só viria a ser publicado em 1551, 17 anos após a morte do filósofo e estadista católico executado por ordem de Henrique VIII, da Inglaterra.

Rosângela Bittar - Só Freud explica

- O Estado de S.Paulo

A cada dia, uma nova insanidade do presidente. E assim se passaram 16 meses

A política brasileira está confinada pela tragédia da pandemia e já não é possível desdenhar da realidade macabra. Portanto, não é política o que pratica o presidente Jair Bolsonaro no segundo ano do seu mandato. Por mais que deboche da vida e invente movimentos para esconder sua incapacidade de liderar e enfrentar os problemas, o placar das mortes e de contaminados não permite distrações.

Espera-se sempre pela próxima atração presidencial que só não é circense porque o circo se dá ao respeito. Uma performance vai superando a outra. Já se sabe que recuará se o seu teatro do absurdo extrapolar a medida. No dia seguinte, nova insanidade. E assim se passaram 16 meses.

De novo: não é política isto que se pratica, hoje, no Brasil, a partir do desempenho do presidente da República.

A negação da existência da pandemia que acha estar enxotando com seu megafone; a insistente, insolente e impune agressão aos poderes Legislativo e Judiciário; a tentativa de aliciar o Centrão na figura-símbolo de Valdemar Costa Neto, para uma pouco convincente vontade tardia de fazer base parlamentar de apoio; o recurso à velha política, condenada no palanque, se lhe serve melhor na ocasião; a escolha, a cada dia, de um inimigo forjado por temores paranoicos; o corte radical das cabeças que lhe devem o contrato, como os ministros Gustavo Bebianno, Santos Cruz, Luiz Henrique Mandetta, e a campanha permanente e irritada contra quem não pode domar, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; a retórica autoritária; o desrespeito à condição humana, mais perfeita expressão de fascismo.

Vera Magalhães - Fio da meada

- O Estado de S.Paulo

O inquérito aberto no ano passado, para apurar inicialmente fake news e ameaças a ministros do STF, pode levar a que o novo já comece adiantado

Quis o destino da distribuição do Supremo Tribunal Federal que o ministro Alexandre de Moraes ficasse incumbido de relatar o inquérito aberto nesta terça-feira para apurar se foram cometidos crimes nos atos em prol de intervenção militar e fechamento do Congresso realizados no último domingo.

O principal deles, em Brasília, contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

O Ministério Público Federal pediu para que seja apurada a responsabilidade pela convocação dos atos, que tiveram vários pontos em comum: convocação por meio de grupos de WhatsApp e redes sociais, faixas e cartazes com confecção padronizada e dizeres coincidentes, e, em todos, os mesmos alvos, notadamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com quem Bolsonaro trocara farpas dois dias antes.

E por que o destino? Porque é Moraes o relator de várias ações recentes questionando aspectos institucionalmente relevantes, antes e durante a pandemia do novo coronavírus.

A começar do inquérito aberto no ano passado, a pedido do presidente da Corte, José Antonio Dias Toffoli, para apurar inicialmente fake news e ameaças a ministros do STF, mas cujo estofo foi sendo expandido e a validade é indefinida.

É nesse inquérito que está o fio da meada que pode levar a que o novo já comece adiantado. Procuradores e ministros têm informações de que empresários que financiaram os ataques de 2019 às instituições também estão à frente das manifestações realizadas domingo e incentivadas por Bolsonaro.

Ricardo Noblat - Bolsonaro paga o preço por ter afrontado a democracia

- Blog do Noblat | Veja

O troco da Justiça
Os generais Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, e Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo sabiam muito bem do que se tratava quando recusaram o convite para acompanhar o presidente Jair Bolsonaro à manifestação encomendada por ele aos seus devotos para celebrar, no último domingo em Brasília, o Dia do Exército.

Sabiam que ela aconteceria diante da sede do Quartel General do Exército no Setor Militar Urbano da cidade. Sabiam que ela atrairia os bolsonaristas mais radicais. E sabiam que por meio de faixas, cartazes e discursos feitos do alto de carros de som, eles pediriam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e a volta da ditadura.

Uma manifestação como aquela, não só por conta do local escolhido, seria uma afronta à democracia. Tanto maior porque estrelada pelo próprio presidente. Tudo isso os generais sabiam, e não somente eles empregados no governo. Terão aconselhado Bolsonaro a não comparecer? Não se sabe ainda. Terão mais tarde censurado seu comportamento?

Com delicadeza, medindo as palavras, é possível. Os dois são amigos de Bolsonaro desde a época em que os três serviam ao Exército como paraquedistas. O governo está repleto de paraquedistas. Formam uma patota. Há pelo menos mais quatro como titulares de ministérios. Outro ocupará a partir de hoje a secretaria-geral do Ministério da Saúde.

Ligia Bahia - Meia-volta, morrer

- O Globo

Como decidir a morte de alguém? Um idoso que está pesquisando a vacina para o coronavírus deve se sacrificar pelos netos?

Trocar o ministro da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus foi uma manobra arriscada. Abalou o precário equilíbrio entre a Ciência, as evidências sobre a magnitude e gravidade da doença e os adeptos da fé, em si próprios, em seus gestos e palavras, como indicadores de verdade. O recém-empossado titular da pasta — dedicado a estudar a futura saída da quarentena e omisso em relação ao presente aumento exponencial da ocorrência de casos — é funcional aos desejos de passar por cima das advertências sanitárias. Na última domingueira presidencial, desta vez acompanhada por carreatas em diversos estados, ouviu-se um brado de independência — “Nós não queremos negociar nada, queremos ação” — e manifestações contra o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. Trata-se de uma emancipação política de araque, já que as conversas entre o núcleo de poder da presidência com parlamentares do Centrão seguem a pleno vapor.

Achatar o significado da palavra liberdade estimula mais gente nas ruas, comércio aberto e torna irrelevante o aumento do número de mortes, que dobra a cada dois dias. A autoridade máxima do país e ministros deram as costas para profissionais de saúde que se desdobram para atender a população.

Monica de Bolle* - Quarentenas intermitentes

- O Estado de S.Paulo

A economia precisa se voltar para a saúde, entendendo suas necessidades e buscando atendê-las

Quarentenas intermitentes muito provavelmente serão o nosso “novo normal”. Queiramos ou não aceitar essa nova realidade, a verdade é que ela já está posta. É esse o cenário com o qual trabalham cientistas, infectologistas e pessoas que estão na linha de frente do combate à covid-19. As razões são múltiplas: da falta de conhecimento sobre a imunidade conferida pelo vírus à imprevisibilidade das manifestações clínicas da doença; das dificuldades de desenvolver uma vacina para um vírus novo à logística de distribuí-la por todo planeta, caso ela venha a existir.

Não sou infectologista. Contudo, como economista tenho a obrigação de manter-me bem informada sobre os determinantes da crise econômica e do quadro futuro que se apresenta. Esses determinantes não são de natureza econômica: são provenientes do comportamento de uma fitinha de RNA, o vírus Sars-CoV-2. Tenho conversado e interagido com profissionais das áreas de saúde pública, infectologia, virologia, microbiologia. Não tratar do que se passa de forma interdisciplinar é erro certo não apenas na formulação dos cenários que se apresentam, mas, sobretudo, nas medidas econômicas necessárias para atender às necessidades da população.

Míriam Leitão - Canais da saúde e da economia

- O Globo

Ministro da Saúde fala em “modelos matemáticos” com os governadores, e o da Economia fala a investidores sobre “oito anos” de governo

O ministro da Saúde, Nelson Teich, na reunião com os governadores do Nordeste, repetiu algumas vezes que é preciso olhar “os modelos matemáticos” para “entender o problema”. Para os governadores que vivem o drama real e imediato da pressão no sistema de saúde, pareceu meio apavorante que o ministro queira tempo para saber como agir. Um dos participantes da reunião disse que “ou ele terá um choque de realidade e vai virar um novo Mandetta ou pode ser um desastre monumental. Em crises como esta não costuma haver meio termo.”

No meio desse conflito federativo, todos os governadores com quem eu falei elogiaram a disposição de Teich para o diálogo. Isso, que deveria ser rotina numa federação, a esta altura parece até uma concessão de tão obstruídos que estão os canais. Os governadores focaram na ampliação que vêm fazendo de suas vagas de UTI nas redes estaduais, relataram as dificuldades e pediram mais critério no repasse de recursos e insumos. Ao fim, ficaram de formalizar seus pedidos ao Ministério.

Há dois trilhos de ajuda aos estados e municípios, um de repasse para a saúde, e outro de socorro aos estados, que depende do Ministério da Economia. Depois da derrota na Câmara, o projeto virou uma fonte de briga, continua parado no Senado onde o governo tenta mudar tudo.

Elio Gaspari - O presidente virou vivandeira

- Folha de S. Paulo / O Globo

Nem todos os eleitores de Bolsonaro eram golpistas, mas todos os golpistas votaram nele

Vivandeira é uma palavra bonita que designa coisa feia. A expressão foi usada em agosto de 1964 pelo marechal-presidente Humberto Castello Branco, numa memorável lição:

“Há mesmo críticas tendenciosas e sem fundamento na opinião pública de que o poder militar se desmanda em incursões militaristas. Mas quem as faz são sempre os que se amoitaram em meios militares. Felizmente nunca rondaram os portões das organizações do Exército que chefiei. Mas eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”.

O presidente Jair Bolsonaro amoitou-se diante do quartel-general do Exército, onde havia uma aglomeração de vivandeiras que pediam extravagâncias do poder militar. No dia seguinte, disse que não tinha nada a ver com as faixas que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e uma volta à ditadura escancarada do Ato Institucional nº 5.

O capitão disse também que “eu sou, realmente, a Constituição”. Não é. Dias antes, falou em “minhas Forças Armadas”. Minhas?

Bruno Boghossian – A ficção do seguro-impeachment

- Folha de S. Paulo

Presidente alimenta paranoia e vai em busca de um seguro-impeachment falsificado

Jair Bolsonaro se lançou no mercado político em busca de um seguro-impeachment falsificado. Depois de alardear que há planos malignos para tirá-lo do poder, o presidente chamou líderes do centrão para o chá da tarde. Na saída, eles passaram a negociar cargos com ministros do Palácio do Planalto.

Ainda que Bolsonaro tenha praticado barbaridades suficientes para justificar uma dezena de processos do tipo, não existe articulação real para removê-lo do cargo. O presidente sabe, mas alimenta a paranoia para tentar expandir seus poderes.

Demonizados por Bolsonaro, os partidos do centrão se tornaram uma peça desse jogo. O governo acenou a PP, PL, PRB e outras siglas com o comando de órgãos como Banco do Nordeste, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e até secretarias do Ministério da Saúde.

Junto com legendas nanicas e os bolsonaristas do PSL, o bloco somaria 190 deputados —ultrapassando os 172 votos que poderiam barrar um eventual processo de impeachment. Com 206, o Planalto ainda conseguiria impedir a Câmara de aprovar mudanças na Constituição.

Ruy Castro*- Déjà vu

- Folha de S. Paulo

A caçamba da caminhonete lembrou um remoto palanque - o da Central do Brasil

O show de Jair Bolsonaro na caçamba de uma caminhonete, diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, no último domingo (19), me embatucou. Parecia um déjà vu —era como se, um dia, há muito tempo, já tivesse acontecido. Se bem me lembro, o do passado era também um comício de protesto a favor e com o presidente da República no palanque. O discurso era igual: slogans anti-instituições, gritos de "o povo no poder", bandeiras do Brasil, faixas triunfalistas, orgasmos coletivos a cada palavra de ordem e tudo igualmente diante de um prédio do Exército, como que mostrando que as Forças Armadas estavam solidárias. O que foi mesmo?

Ah, já sei. Foi o famoso comício do dia 13 de março de 1964, diante da Central do Brasil e do então Ministério da Guerra, na avenida Presidente Vargas, no Rio. O presidente da República era João Goulart, cercado no palanque por aliados que, liderados por seu cunhado Leonel Brizola, pressionavam para que ele tomasse de vez o poder, para realizar reformas tidas como inadiáveis.

Hélio Schwartsman - E a África, gente?

- Folha de S. Paulo

Muitos países africanos que têm mais ministérios do que leitos de UTI

Sem uma vacina que possa ser aplicada em larga escala, essa pandemia só vai acabar depois que a maioria dos terrestres tiver sido contaminada pelo Sars-Cov-2 e tornar-se imune a ele. Não vou considerar aqui a hipótese mais trágica, mas que não pode ser inteiramente descartada, de que infecções prévias não confiram proteção pelo menos parcial ao paciente.

Isso significa que, a menos que sua confiança na chegada relativamente rápida da vacina seja de 100%, as políticas de isolamento social que a grande maioria dos países abraçou precisam ser fortes o suficiente para evitar o colapso dos sistemas de saúde, mas não tão draconianas que impeçam o aparecimento gradual da chamada imunidade de rebanho.

O ritmo em que devem ocorrer tanto o isolamento como a retomada só pode ser calculado em nível local, levando em consideração itens tão variados como a capacidade da rede hospitalar e da realização de testes, a adesão da população às recomendações sanitárias, perfil demográfico, densidade urbana, hábitos de interação social etc.

Vinicius Torres Freire – Vendas de veículos caem 80%

- Folha de S. Paulo

Quase nenhuma montadora prevê reiniciar a produção de veículos antes de maio

Uma semana antes do paradão, em meados de março, no Brasil se compravam cerca de 11 mil veículos por dia. A média de abril, até dia 20, era de 2.250 veículos por dia, baixa de uns 80%. A queda em relação a abril do ano passado também anda pela casa dos 80%.

Já foi pior. Na semana final de março, os licenciamentos não passavam de 1.300 por dia.

Quase nenhuma montadora prevê reiniciar a produção de veículos antes de maio. A retomada da atividade deve ser postergada e lenta mesmo nessas mais otimistas. Várias devem voltar pouco antes do início de junho.

Sobram estoques, não se sabe o futuro da epidemia em cada região onde estão as fábricas (mais de 40% da produção é na Grande São Paulo) nem as diretrizes dos governos para o comércio, por exemplo.

Por ora, as empresas adaptam as fábricas ao mundo da epidemia. As linhas de produção ficarão mais lentas, por falta de demanda e porque precisarão ser ajustadas para evitar contaminações. Serão necessários mais ônibus para transportar trabalhadores (para evitar lotação). Será preciso repensar refeitórios que chegam a servir milhares de refeições por dia, comprar máscaras e instalar medidores de temperatura (para detectar febris), conta Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, a associação das montadoras.

Conrado Hübner Mendes* - A democracia não é para sempre

-Folha de S. Paulo

O negacionismo político é mais perigoso que o sanitário

Pioneiro do rock russo, Andrei Makarevich contou em suas memórias que nunca lhe ocorrera que "qualquer coisa pudesse mudar na União Soviética". Recordava-se do conforto de pensar que "tudo era para sempre", de "viver num Estado eterno". O colapso não cabia na sua imaginação.

O mesmo se passa com democracias. A ideia de que nada é tão ruim quanto parece, ou de que a história está do seu lado, pouco importa o que fazemos, tende a produzir resignação e passividade em democratas.

Dois séculos atrás Alexis de Tocqueville chamou a atenção para esse "fatalismo democrático". David Runciman o chamou de "armadilha da confiança": quanto mais se confia na permanência, maior o risco de pôr tudo a perder.

Democracias do mundo, nos últimos 20 anos, sofreram significativa queda de qualidade. A quantidade de cidadãos insatisfeitos com o regime não parou de crescer. Relatório do Centro para o Futuro da Democracia, da Universidade de Cambridge, mostra que a proporção de insatisfeitos atingiu o pico de 57,5% em 2020, marco da "recessão democrática".

Yascha Mounk* - Quando o populismo se torna mortal

- Folha de S. Paulo

Quando presidentes passam por cima de peritos e cientistas, consequências podem ser mortíferas

Uma coisa que populistas autoritários, de Donald Trump a Jair Bolsonaro, têm em comum é que desconfiam dos especialistas e de instituições independentes.

Por acreditarem que eles, e apenas eles, são os verdadeiros representantes do povo, aspectos tradicionais da democracia liberal, como a separação dos poderes, lhes são estranhos.

Por que, questionam eles, juízes, que não são eleitos, devem ser capazes de impor limites ao que fazem?

E, exigem saber, como se justifica que especialistas ou burocratas possam lhes dizer como proteger sua população contra uma ameaça inusitada (como, por exemplo, uma pandemia global sem precedentes)?

Desde o início da ascensão política de Trump e de Bolsonaro, seus críticos vêm avisando que todos nós podemos pagar caro por essa megalomania.

Quando um presidente acha que tem a capacidade de tomar todas as decisões por conta própria, quando ele coloca seguidores leais mas incompetentes em cargos de alta confiança pública e passa por cima dos conselhos de peritos e cientistas, as consequências podem ser mortíferas.

Essa mensagem foi em grande medida ignorada. Até o momento em que o coronavírus rapidamente transformou nossas vidas, a maioria dos cidadãos simplesmente não fora afetada pela ascensão dos populistas.

Cristiano Romero - Por que Bolsonaro gesticula tanto?

- Valor Econômico

Presidente, à medida que se revela, perde apoiadores à direita e no grupo dos eleitores “móveis”

Se a chegada de Jair Bolsonaro ao posto máximo da República foi uma surpresa, mais surpreendente tem sido a maneira como ele governa o país. É desnecessário lembrar em pormenores a estratégia vitoriosa que o levou a Brasília contra os prognósticos da maioria dos analistas da cena política, inclusive, o titular desta coluna - alguns ainda insistem no equívoco ao atribuir a vitória à facada que o então candidato sofreu em Minas Gerais, a poucas semanas do pleito; acreditar nisso é fazer calundu e desrespeitar a escolha do povo, revivendo a máxima atribuída a Pelé, segundo a qual, “brasileiro não sabe votar”. Como em toda eleição, deu a lógica simples e acachapante: Bolsonaro apresentou-se bem cedo como a opção anti-PT (não como o anti-Lula porque, se tivesse feito isso, teria fracassado) e anti-establishment, em meio a um cenário econômico aterrador: um triênio de recessão (2014-2016), em que o PIB encolheu quase 7%, seguido da recuperação mais lenta da história (alta de 1,1% em 2017 e de 1,3% em 2018). Passados quase 16 meses de mandato, o presidente, o primeiro extremista da história da Ilha de Vera Cruz a chegar lá, nos sobressalta cotidianamente.

Bolsonaro assumiu o poder a bordo de uma agenda liberal que não é sua. O fracasso retumbante do governo Dilma Rousseff não foi provocado por um fenômeno inesperado. Simples assim: a então presidente tomou decisões para alterar o arcabouço macroeconômico que vigorava havia 11 anos (desde o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso) e as mudanças, em vez de acelerar o crescimento do PIB, abalaram a confiança de empresários e consumidores; diante disso, temendo não se reeleger, Dilma fez intervenções em preços administrados e adotou, em vão, inúmeras medidas para estimular consumo e investimento; nada deu certo e os resultados foram a escalada da inflação (11% em 2015), dos gastos e da dívida pública.

Fernando Exman - Governo e empresários cobram Plano Teich

- Valor Econômico

Testagem tem papel central na estratégia do governo

O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, inicia a gestão como esperavam seus colegas de jaleco e do governo. É um ponto de equilíbrio difícil de encontrar e será ainda mais difícil de manter.

O oncologista se esforça para mostrar ao presidente Jair Bolsonaro e demais ministros que sabe bem qual seu principal desafio neste momento: formular um plano gradual e seguro para que o isolamento social seja relaxado e a atividade econômica, retomada. A testagem em massa está no fulcro dessa transição, que não pode ser lenta a ponto de enervar de novo o presidente e tampouco acelerada numa velocidade capaz de gerar questionamentos sobre o seu embasamento científico.

Um plano desses pressupõe a articulação de várias esferas do poder público, dos entes da Federação e da sociedade civil. É uma fórmula tão desejada no mundo quanto a própria vacina contra o novo coronavírus.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já chegou a apontar publicamente o que na sua visão, a partir das experiências internacionais, seria o caminho ideal. Foi o que chamou de passaporte da imunidade, uma ideia lançada no início de abril e que se perdeu durante a disputa política que dominou as discussões sobre o combate à pandemia de covid-19. Na visão de autoridades do governo, no entanto, a formulação desse plano depende essencialmente do Ministério da Saúde.

Nilson Teixeira* - Novo ajuste fiscal é inescapável

- Valor Econômico

As regras fiscais perderam relevância e provavelmente não serão restabelecidas até pelo menos 2022

A propagação da covid-19 exigiu enorme intervenção do Estado para atenuar os efeitos do forte aumento do desemprego e do expressivo desarranjo no setor produtivo. O ajuste fiscal na maioria dos países focou em três linhas: ampliação dos gastos na saúde; transferência de recursos para os trabalhadores; e suporte às empresas menos capitalizadas. Os bancos centrais também adotaram medidas destinadas ao aumento da liquidez dos bancos, bem como à implementação de apoio financeiro direto ou indireto às empresas.

Esses programas englobam, entre outras propostas, a compra de carteiras de empréstimos bancários e a aquisição de títulos públicos e privados. As respostas monetárias e fiscais também incluem transferências para os governos regionais, afetados pela contração da arrecadação e pela elevação dos gastos com saúde e projetos sociais.

O aumento das despesas e a redução das receitas fiscais gerarão déficit primário no Brasil próximo a 7% do PIB em 2020, não sendo descartado um pior resultado. O aumento desse déficit como proporção do PIB não se restringe apenas a 2020, com o governo projetando 1,9% em 2021, 1,5% em 2021 e 0,9% em 2023. O saldo do próximo ano diminuirá devido à recessão deste ano e às despesas direcionadas ao combate à pandemia a serem pagas em 2021.

O resultado primário nulo só será obtido no fim do próximo mandato presidencial, retardando o reequilíbrio projetado em quase quatro anos. Os cerca de 15 anos seguidos de déficit primário tendem a elevar a incerteza sobre a sustentabilidade fiscal. Provavelmente, o déficit acumulado adicional até 2026 superará a economia para os próximos 10 anos prevista com a reforma previdenciária, sinalizando a necessidade de novos ajustes fiscais.

Apesar de justificável frente à possibilidade de a taxa de desemprego superar 15% neste ano, a adoção desse enorme afrouxamento fiscal e monetário incorpora risco moral. Essa decisão pode agregar no imaginário popular a expectativa de que qualquer alta do desemprego será compensada com novas intervenções fiscais e monetárias, criando um Estado capaz de atenuar praticamente todos os riscos. Essa leitura tornaria o comportamento dos agentes mais propenso ao risco.

Maria Silvia Bastos Marques* - Hora de crise, hora de agir

- Valor Econômico

É preciso um pipeline de projetos, que atrairão recursos, criarão empregos e aumentarão a produtividade

O Brasil sempre avança a passos mais largos nos momentos de dificuldade. Assim, além das iniciativas urgentes para atravessar a pandemia, cabe refletir como avançar rumo a uma economia mais produtiva e eficiente, condição necessária para a retomada sustentada do crescimento.

Ressalto a importância das reformas e medidas micro e macroeconômicas dos anos recentes. Sem as reformas trabalhista e da previdência, o teto constitucional de gastos, a mudança da taxa de juros do BNDES, a desregulamentação do setor financeiro - e seus impactos no mercado de trabalho, na solvência da dívida pública, nas taxas de inflação e de juros, no florescimento do mercado de capitais e das fintechs - a pandemia teria atingido o Brasil em situação frágil, dificultando ou impossibilitando a necessária resposta das políticas monetária e fiscal.

As medidas que vem sendo anunciadas pelo BC e Ministério da Economia buscam amenizar o impacto da abrupta e aguda interrupção na atividade econômica, mas resta comprovar se os recursos atingirão, a tempo e a hora, os pequenos e médios empresários. A questão crítica desse segmento é a do risco de crédito, o que torna premente a disponibilização de instrumentos públicos de garantias como fundos garantidores e/ou a assunção, pelo Tesouro, de um percentual da primeira perda.

Por outro lado, o remédio deve ser na dose necessária, mas precisa ser temporário. Não podemos correr o risco de retroagirmos à situação de 2015/17, com descontrole fiscal agudo, altas taxas de juros e de inflação, recessão e desemprego, resultado do prolongamento das medidas de contenção à crise de 2008. Solvência e solidez fiscal são essenciais para o Estado ser capaz de prover serviços públicos essenciais.

Efeito corona

A OCDE já prevê para este ano uma retração em torno de 1,5% no PIB mundial

Por Geoberto Espírito Santo* | Valor Econômico

Em eletricidade, efeito corona é o resultado do contato intenso e elevado de um campo elétrico com partículas de ar, umidade ou poeira, e que emite uma luz sempre que são ionizadas. É comum verificarmos esse efeito nas linhas de transmissão (LTs) e, a depender da polaridade do potencial elétrico, pode ser positivo ou negativo. É visualizado em LTs expostas a chuva e garoas, podendo progressivamente danificar seu isolamento e causar grandes prejuízos com o desligamento repentino. É também conhecido como Fogo de Santelmo, o santo padroeiro dos marinheiros, porque antigamente costumavam observar essas luzes nos mastros dos navios, já que as nuvens induziam cargas elétricas nos mesmos e isso era uma indicação de tempestade.

Mas o efeito agora é o do coronavírus, afetando diretamente a economia e o processo de globalização, e que não deixará ilesos os setores energéticos do Brasil e do mundo. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já prevê para este ano uma retração em torno de 1,5% no PIB mundial. Cairia de 2% para 1,4% nos EUA, perderia 1,4% na China e limitava em 0,6% o da Europa. No Brasil, os economistas apostam que, dos 2,2% projetados, deverá ficar em -2,96%, segundo o boletim Focus do Banco Central. Os prejuízos no mundo já são enormes: US$ 113 bi no setor aéreo, US$ 7 bi na navegação, US$ 5 bi na indústria do cinema e de US$ 1 bi nos eventos. Para a OCDE, pode chegar a uma redução de 15% nos investimentos diretos, ou seja, um volume perto de US$ 1,4 trilhão que deixará de gerar riqueza.

Roda Viva | Monica de Bolle | 20/04/2020

Marcos Azambuja* - A praça vazia

- O Globo (21/4/2020

Ao seu crescente desprestígio a velhice somou sua vulnerabilidade ao novo vírus

Escrevo, com muito receio, neste começo de minha primeira pandemia. Tenho o duvidoso privilégio, pela idade e outras agravantes, de estar no grupo de alto risco. Melhor, assim, escrever logo estes comentários.

A inquietante constatação é ver a velhice como vítima favorita do novo vírus. Em calamidades anteriores — seja porque os velhos eram muito poucos e os muito velhos mais escassos ainda e porque nas guerras e conflitos eram os moços que iam lutar e morrer —, não costumavam ser os idosos os alvos preferidos. A Gripe Espanhola — que é a minha epidemia de referência —, pelo que sei, foi ecumênica em suas vítimas. O cólera e a peste negra, também. Havia mesmo doenças que, em boa medida, pareciam poupar os mais velhos. A poliomielite tinha entre nós o nome caseiro de paralisia infantil, o que parece sugerir qual era seu alvo favorito. A tuberculose procurou, durante seu longo reinado, sobretudo os mais jovens, e toda a arte romântica comemora este fato. O começo da vida, até pouco tempo atrás, parecia quase tão perigoso quanto o seu fim.

A velhice, além do prestígio que vinha da escassez de seus números, presumia mesmo uma medida de imunidade e resiliência dos que haviam chegado tão longe. É bom acentuar aqui a extraordinária novidade que a velhice numerosa e crescente de hoje representa. Antes os velhos tinham o prestígio de serem os depositários de uma coisa então valiosa, que recebia o nome genérico e respeitoso de experiência, e de que era subproduto quase que natural uma coisa ainda melhor avaliada que chamávamos de sabedoria.

FHC diz que não participa de 'complô' para derrubar Bolsonaro

'Melhor ter paciência histórica. Respeito o voto popular', escreveu o tucano; ex-deputado disse em entrevista ao 'Estado' que FHC e 'o maestro' de um plano contra Bolsonaro

Gregory Prudenciano | O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reagiu nesta terça-feira, 21, às críticas feitas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, em entrevista publicada pelo Estado. Jefferson afirmou que o ex-presidente é o “maestro” de uma suposta trama do Legislativo para derrubar o presidente da República, Jair Bolsonaro, que teria a participação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Também em entrevista ao Estado, publicada no domingo, FHC afirmou que não vê elementos para um impeachment. “O impeachment é traumático, deixa marcas. Não vejo que se aplique ao caso atual.”

O ex-presidente voltou ao assunto em sua conta do Twitter: “Um ex-deputado fala em complô meu com Maia e (o governador de São Paulo, João) Doria para derrubar Bolsonaro. Nada mais errado: não quero tal. Melhor ter paciência histórica. Respeito o voto popular. Discordar é normal, sem derrubadas. Coesão contra o vírus, é preciso. Não intrigas”, escreveu Fernando Henrique, sem citar nominalmente

Líder da “tropa de choque” que defendeu o ex-presidente Fernando Collor, alvo de processo de impeachment em 1992, e delator do escândalo do Mensalão, pelo qual foi condenado a 7 anos de prisão, Jefferson passou a ser aliado de Bolsonaro recentemente. Desde domingo, o presidente e seu entorno vêm divulgando declarações de Jefferson sobre um suposto plano do Congresso para tirar poder do Planalto.

Além de FHC, lideranças políticas repudiaram as falas de Jefferson. Antigo aliado de Bolsonaro, o senador Major Olímpio (SP), líder do PSL, classificou a fala como uma “teoria louca de conspiração”.

O que a mídia pensa - Editoriais

• O poder que Bolsonaro quer – Editorial | O Estado de S. Paulo

O poder que Bolsonaro almeja é aquele exercido sem que tenha de prestar conta às instituições democráticas, como o ditador Hugo Chávez

Em meio ao repúdio unânime das instituições à sua participação num comício de caráter golpista em Brasília no domingo passado, o presidente Jair Bolsonaro defendeu-se dizendo que “falta um pouco de inteligência para aqueles que me acusam de ser ditatorial”. Segundo Bolsonaro, “o pessoal geralmente conspira para chegar ao poder”, mas “eu já estou no poder, eu já sou presidente”. E concluiu: “Então eu estou conspirando contra quem, meu Deus do céu?”.

De fato, Bolsonaro já está no poder, conferido a ele pelos eleitores no pleito de 2018. A questão é que esse poder Bolsonaro não quer, não só porque, no fundo, sabe que não tem a menor ideia de como exercê-lo, tamanho é seu despreparo, mas principalmente porque é um poder regulado pela Constituição e limitado pelos freios e contrapesos institucionais. Um presidente “pode muito, mas não pode tudo”, como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, ao criticar a convocação, feita por Bolsonaro, de protestos contra o Congresso, em fevereiro. Ou seja, já naquela ocasião, o presidente deixava explícito que não pretendia se submeter aos controles constitucionais, pois, em sua visão, sua Presidência é “o povo no poder”, como bradou aos seus seguidores no domingo passado. Depreende-se que Bolsonaro almeja presidir um regime plebiscitário, em que a voz do que ele chama de “povo” se impõe como a lei, tendo o presidente como zeloso intérprete, submetendo todos os demais Poderes a seu tacão.

Música | Geraldo Azevedo - Pensar em você (Chico César)

Poesia | Vinicius de Moraes - Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.