sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Reflexão do dia – Mario Quintana

DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

(Mario Quintana - Espelho Mágico)

Só para lembrar: Discurso de José Serra no lançamento de sua pré-candidatura, em 10/4/2010

O Brasil pode mais

"Venho hoje, aqui, falar do meu amor pelo Brasil; falar da minha vida; falar da minha experiência; falar da minha fé; falar das minhas esperanças no Brasil. E mostrar minha disposição de assumir esta caminhada. Uma caminhada que vai ser longa e difícil mas que com a ajuda de Deus e com a força do povo brasileiro será com certeza vitoriosa.

"Alguns dias atrás, terminei meu discurso de despedida do Governo de São Paulo afirmando minha convicção de que o Brasil pode mais. Quatro palavras, em meio a muitas outras. Mas que ganharam destaque porque traduzem de maneira simples e direta o sentimento de milhões de brasileiros: o de que o Brasil, de fato, pode mais. E é isto que está em jogo nesta hora crucial!

"Nos últimos 25 anos, o povo brasileiro alcançou muitas conquistas: retomamos a Democracia, arrancamos nas ruas o direito de votar para presidente, vivemos hoje num país sem censura e com uma imprensa livre. Somos um Estado de Direito Democrático. Fizemos uma nova Constituição, escrita por representantes do povo. Com o Plano Real, o Brasil transformou sua economia a favor do povo, controlou a inflação, melhorou a renda e a vida dos mais pobres, inaugurou uma nova Era no Brasil. Também conquistamos a responsabilidade fiscal dos governos. Criamos uma agricultura mais forte, uma indústria eficiente e um sistema financeiro sólido. Fizemos o Sistema Único de Saúde, conseguimos colocar as crianças na escola, diminuímos a miséria, ampliamos o consumo e o crédito, principalmente para os brasileiros mais pobres.

Tudo isso em 25 anos. Não foram conquistas de um só homem ou de um só Governo, muito menos de um único partido. Todas são resultado de 25 anos de estabilidade democrática, luta e trabalho. E nós somos militantes dessa transformação, protagonistas mesmo, contribuímos para essa história de progresso e de avanços do nosso País. Nós podemos nos orgulhar disso.

"Mas, se avançamos, também devemos admitir que ainda falta muito por fazer. E se considerarmos os avanços em outros países e o potencial do Brasil, uma conclusão é inevitável: o Brasil pode ser muito mais do que é hoje.

"Mas para isso temos de enfrentar os problemas nacionais e resolvê-los, sem ceder à demagogia, às bravatas ou à politicagem. E esse é um bom momento para reafirmarmos nossos valores.

Começando pelo apreço à Democracia Representativa, que foi fundamental para chegarmos aonde chegamos. Devemos respeitá-la, defendê-la, fortalecê-la. Jamais afrontá-la.

"Democracia e Estado de Direito são valores universais, permanentes, insubstituíveis e inegociáveis. Mas não são únicos. Honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional, perseverança são essenciais ao exercício da política e do Poder. É nisso que eu acredito e é assim que eu ajo e continuarei agindo. Este é o momento de falar claro, para que ninguém se engane sobre as minhas crenças e valores. É com base neles que também reafirmo:

o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais.

"Governos, como as pessoas, têm que ter alma. E a alma que inspira nossas ações é a vontade de melhorar a vida das pessoas que dependem do estudo e do trabalho, da Saúde e da Segurança.

Amparar os que estão desamparados.

"Sabem quantas pessoas com alguma deficiência física existem no Brasil? Mais de 20 milhões - a esmagadora maioria sem o conforto da acessibilidade aos equipamentos públicos e a um tratamento de reabilitação. Os governos, como as pessoas, têm que ser solidários com todos e principalmente com aqueles que são mais vulneráveis.

"Quem governa, deve acreditar no planejamento de suas ações. Cultivar a austeridade fiscal, que significa fazer melhor e mais com os mesmos recursos. Fazer mais do que repetir promessas. O governo deve ouvir a voz dos trabalhadores e dos desamparados, das mulheres e das famílias, dos servidores públicos e dos profissionais de todas as áreas, dos jovens e dos idosos, dos pequenos e dos grandes empresários, do mercado financeiro, mas também do mercado dos que produzem alimentos, matérias-primas, produtos industriais e serviços essenciais, que são o fundamento do nosso desenvolvimento, a máquina de gerar empregos, consumo e riqueza.

"O governo deve servir ao povo, não a partidos e a corporações que não representam o interesse público. Um governo deve sempre procurar unir a nação. De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres. Eu quero todos, lado a lado, na solidariedade necessária à construção de um país que seja realmente de todos.

"Ninguém deve esperar que joguemos estados do Norte contra estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural, a indústria contra os serviços, o comércio contra a agricultura, azuis contra vermelhos, amarelos contra verdes. Pode ser engraçado no futebol. Mas não é quando se fala de um País. E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil.

"Não aceito o raciocínio do nós contra eles. Não cabe na vida de uma Nação. Somos todos irmãos na pátria. Lutamos pela união dos brasileiros e não pela sua divisão. Pode haver uma desavença aqui outra acolá, como em qualquer família. Mas vamos trabalhar somando, agregando. Nunca dividindo. Nunca excluindo. O Brasil tem grandes carências. Não pode perder energia com disputas entre brasileiros. Nunca será um país desenvolvido se não promover um equilíbrio maior entre suas regiões. Entre a nossa Amazônia, o Centro Oeste e o Sudeste. Entre o Sul e o Nordeste. Por isso, conclamo: Vamos juntos. O Brasil pode mais. O desenvolvimento é uma escolha. E faremos essa escolha. Estamos preparados para isso.

"Ninguém deve esperar que joguemos o governo contra a oposição, porque não o faremos.
Jamais rotularemos os adversários como inimigos da pátria ou do povo. Em meio século de militância política nunca fiz isso. E não vou fazer. Eu quero todos juntos, cada um com sua identidade, em nome do bem comum.

"Na Constituinte fiz a emenda que permitiu criar o FAT, financiar e fortalecer o BNDES e tirar do papel o seguro-desemprego - que hoje beneficia 10 milhões de trabalhadores. Todos os partidos e blocos a apoiaram. No ministério da Saúde do governo Fernando Henrique tomei a iniciativa de enviar ou refazer e impulsionar seis projetos de lei e uma emenda constitucional - a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da Agência Nacional de Saúde, a implantação dos genéricos, a proibição do fumo nos aviões e da propaganda de cigarros, a regulamentação dos planos de saúde, o combate à falsificação de remédios e a PEC 29, que vinculou recursos à Saúde nas três esferas da Federação - todos, sem exceção, aprovados pelos parlamentares do governo e da oposição. É assim que eu trabalho: somando e unindo, visando ao bem comum. Os membros do Congresso que estão me ouvindo, podem testemunhar: suas emendas ao orçamento da Saúde eram acolhidas pela qualidade, nunca devido à sua filiação partidária.

"Se o povo assim decidir, vamos governar com todas e com todos, sem discriminar ninguém.

Juntar pessoas em vez de separá-las; convidá-las ao diálogo, em vez de segregá-las; explicar os nossos propósitos, em vez de hostilizá-las. Vamos valorizar o talento, a honestidade e o patriotismo em vez de indagar a filiação partidária.

"Minha história de vida e minhas convicções pessoais sempre estiveram comprometidas com a unidade do país e com a unidade do seu povo. Sou filho de imigrantes, morei e cresci num bairro de trabalhadores que vinham de todas as partes, da Europa, do Nordeste, do Sul. Todos em busca de oportunidade e de esperança.

"A liderança no movimento estudantil me fez conhecer e conviver com todo o Brasil logo ao final da minha adolescência. Aliás, na época, aprendi mesmo a fazer política no Rio, em Minas, na Bahia e em Pernambuco, aos 21 anos de idade. O longo exílio me levou sempre a enxergar e refletir sobre o nosso país como um todo.

"Minha história pessoal está diretamente vinculada à valorização do trabalho, à valorização do esforço, à valorização da dedicação. Lembro-me do meu pai, um modesto comerciante de frutas no mercado municipal: doze horas de jornada de trabalho nos dias úteis, dez horas no sábado, cinco horas aos domingos. Só não trabalhava no dia 1 de janeiro. Férias? Um luxo, pois deixava de ganhar o dinheiro da nossa subsistência. Um homem austero, severo, digno. Seu exemplo me marcou na vida e na compreensão do que significa o amor familiar de um trabalhador: ele carregava caixas de frutas para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros.

"E eu me esforço para tornar digno o trabalho de todo homem e mulher, do ser humano como ele foi. Porque vejo a imagem de meu pai em cada trabalhador. Eu a vi outro dia, na inauguração do Rodoanel, quando um dos operários fez questão de me mostrar com orgulho seu nome no mural que eu mandei fazer para exibir a identidade de todos os trabalhadores que fizeram aquela obra espetacular. Por que o mural? Por justo reconhecimento e porque eu sabia que despertaria neles o orgulho de quem sabe exercer a profissão. Um momento de revelação a si mesmos de que eles são os verdadeiros construtores nesta nação.

"Eu vejo em cada criança na escola o menino que eu fui, cheio de esperanças, com o peito cheio de crença no futuro. Quando prefeito e quando governador, passei anos indo às escolas para dar aula (de verdade) à criançada da quarta série. Ia reencontrar-me comigo mesmo. Porque tudo o que eu sou aprendi em duas escolas: a escola pública e a escola da vida pública. Aliás, e isto é um perigo dizer, com freqüência uso senhas de computador baseadas no nome de minhas professoras no curso primário. E toda vez que escrevo lembro da sua fisionomia, da sua voz, do seu esforço, e até das broncas, de um puxão de orelhas, quando eu fazia alguma bagunça.

"Mas é por isso tudo que sempre lutei e luto tanto pela educação dos milhões de filhos do Brasil. No país com que sonho para os meus netos, o melhor caminho para o sucesso e a prosperidade será a matrícula numa boa escola, e não a carteirinha de um partido político. E estou convencido de uma coisa: bons prédios, serviços adequados de merenda, transporte escolar, atividades esportivas e culturais, tudo é muito importante e deve ser aperfeiçoado. Mas a condição fundamental é a melhora do aprendizado na sala de aula, propósito bem declarado pelo governo, mas que praticamente não saiu do papel. Serão necessários mais recursos. Mas pensemos no custo para o Brasil de não ter essa nova Educação em que o filho do pobre freqüente uma escola tão boa quanto a do filho do rico. Esse é um compromisso.

"É preciso prestar atenção num retrocesso grave dos últimos anos: a estagnação da escolaridade entre os adolescentes. Para essa faixa de idade, embora não exclusivamente para ela, vamos turbinar o ensino técnico e profissional, aquele que vira emprego. Emprego para a juventude, que é castigada pela falta de oportunidades de subir na vida. E vamos fazer de forma descentralizada, em parcerias com estados e municípios, o que garante uma vinculação entre as escolas técnicas e os mercados locais, onde os empregos são gerados. Ensino de qualidade e de custos moderados, que nos permitirá multiplicar por dois ou três o número de alunos no país inteiro, num período de governo. Sim, meus amigos e amigas, o Brasil pode mais.

"Podemos e devemos fazer mais pela saúde do nosso povo. O SUS foi um filho da Constituinte que nós consolidamos no governo passado, fortalecendo a integração entre União, Estados e Municípios; carreando mais recursos para o setor; reduzindo custos de medicamentos; enfrentando com sucesso a barreira das patentes, no Brasil e na Organização Mundial do Comércio; ampliando o sistema de atenção básica e o Programa Saúde da Família em todo o Brasil; prestigiando o setor filantrópico sério, com quem fizemos grandes parcerias, dos hospitais até a prevenção e promoção da Saúde, como a Pastoral da Criança; fazendo a melhor campanha contra a AIDS do mundo em desenvolvimento; organizando os mutirões; fazendo mais vacinações; ampliando a assistência às pessoas com deficiência; cerceando o abuso do incentivo ao cigarro e ao tabaco em geral. E muitas outras coisas mais. De fato, e mais pelo que aconteceu na primeira metade do governo, a Saúde estagnou ou avançou pouco. Mas a Saúde pode avançar muito mais. E nós sabemos como fazer isso acontecer.

"Saúde é vida, Segurança também. Por isso, o governo federal deve assumir mais responsabilidades face à gravidade da situação. E não tirar o corpo fora porque a Constituição atribui aos governos estaduais a competência principal nessa área. Tenho visto gente criticar o Estado Mínimo, o Estado Omisso. Concordo. Por isso mesmo, se tem área em que o Estado não tem o direito de ser mínimo, de se omitir, é a segurança pública. As bases do crime organizado estão no contrabando de armas e de drogas, cujo combate efetivo cabe às autoridades federais .

Ou o governo federal assume de vez, na prática, a coordenação efetiva dos esforços nacionalmente, ou o Brasil não tem como ganhar a guerra contra o crime e proteger nossa juventude.

"Qual pai ou mãe de família não se sente ameaçado pela violência, pelo tráfico e pela difusão do uso das drogas? As drogas são hoje uma praga nacional. E aqui também o Governo tem de investir em clínicas e programas de recuperação para quem precisa e não pode ser tolerante com traficantes da morte. Mais ainda se o narcotráfico se esconde atrás da ideologia ou da política. Os jovens são as grandes vítimas. Por isso mesmo, ações preventivas, educativas, repressivas e de assistência precisam ser combinadas com a expansão da qualificação profissional e a oferta de empregos.

"Uma coisa que precisa acabar é a falsa oposição entre construir escolas e construir presídios. Muitas vezes, essa é a conversa de quem não faz nem uma coisa nem outra. É verdade que nossos jovens necessitam de boas escolas e de bons empregos, mas se o indivíduo comete um crime ele deve ser punido. Existem propostas de impor penas mais duras aos criminosos. Não sou contra, mas talvez mais importante do que isso seja a garantia da punição. O problema principal no Brasil não são as penas supostamente leves. É a quase certeza da impunidade. Um país só tem mais chance de conseguir a paz quando existe a garantia de que a atitude criminosa não vai ficar sem castigo.

"Eu quero que meus netos cresçam num país em que as leis sejam aplicadas para todos. Se o trabalhador precisa cumprir a lei, o prefeito, o governador e o presidente da República também tem essa obrigação. Em nosso país, nenhum brasileiro vai estar acima da lei, por mais poderoso que seja. Na Segurança e na Justiça, o Brasil também pode mais.

"Lembro que os investimentos governamentais no Brasil, como proporção do PIB, ainda são dos mais baixos do mundo em desenvolvimento. Isso compromete ou encarece a produção, as exportações e o comércio. Há uma quase unanimidade a respeito das carências da infra-estrutura brasileira: no geral, as estradas não estão boas, faltam armazéns, os aeroportos vivem à beira do caos, os portos, por onde passam nossas exportações e importações, há muito deixaram de atender as necessidades. Tem gente que vê essas carências apenas como um desconforto, um incômodo. Mas essa é uma visão errada. O PIB brasileiro poderia crescer bem mais se a infra-estrutura fosse adequada, se funcionasse de acordo com o tamanho do nosso país, da população e da economia.

"Um exemplo simples: hoje, custa mais caro transportar uma tonelada de soja do Mato Grosso ao porto de Paranaguá do que levar a mesma soja do porto brasileiro até a China. Um absurdo. A conseqüência é menos dinheiro no bolso do produtor, menos investimento e menos riqueza no interior do Brasil. E sobretudo menos empregos.

"Temos inflação baixa, mais crédito e reservas elevadas, o que é bom, mas para que o crescimento seja sustentado nos próximos anos não podemos ter uma combinação perversa de falta de infra-estrutura, inadequações da política macroeconômica, aumento da rigidez fiscal e vertiginoso crescimento do déficit do balanço de pagamentos. Aliás, o valor de nossas exportações cresceu muito nesta década, devido à melhora dos preços e da demanda por nossas matérias primas. Mas vai ter de crescer mais. Temos de romper pontos de estrangulamento e atuar de forma mais agressiva na conquista de mercados. Vejam que dado impressionante: nos últimos anos, mais de 100 acordos de livre comércio foram assinados em todo o mundo. São um instrumento poderoso de abertura de mercados. Pois o Brasil, junto com o MERCOSUL, assinou apenas um novo acordo (com Israel), que ainda não entrou em vigência!

"Da mesma forma, precisamos tratar com mais seriedade a preservação do meio-ambiente e o desenvolvimento sustentável. Repito aqui o que venho dizendo há anos: é possível, sim, fazer o país crescer e defender nosso meio ambiente, preservar as florestas, a qualidade do ar a contenção das emissões de gás carbônico. É dever urgente dar a todos os brasileiros saneamento básico, que também é meio ambiente. Água encanada de boa qualidade, esgoto coletado e tratado não são luxo. São essenciais. São Saúde. São cidadania. A economia verde é, ao contrário do que pensam alguns, uma possibilidade promissora para o Brasil. Temos muito por fazer e muito o que progredir, e vamos fazê-lo.

"Também não são incompatíveis a proteção do meio ambiente e o dinamismo extraordinário de nossa agricultura, que tem sido a galinha de ovos de ouro do desenvolvimento do país, produzindo as alimentos para nosso povo, salvando nossas contas externas, contribuindo para segurar a inflação e ainda gerar energia! Estou convencido disso e vamos provar o acerto dessa convicção na prática de governo. Sabem por quê? Porque sabemos como fazer e porque o Brasil pode mais!

"O Brasil está cada vez maior e mais forte. É uma voz ouvida com respeito e atenção. Vamos usar essa força para defender a autodeterminação dos povos e os direitos humanos, sem vacilações.

Eu fui perseguido em dois golpes de estado, tive dois exílios simultâneos, do Brasil e do Chile. Sou sobrevivente do Estádio Nacional de Santiago, onde muitos morreram. Por algum motivo, Deus permitiu que eu saísse de lá com vida. Para mim, direitos humanos não são negociáveis. Não cultivemos ilusões: democracias não têm gente encarcerada ou condenada à forca por pensar diferente de quem está no governo. Democracias não têm operários morrendo por greve de fome quando discordam do regime.

"Nossa presença no mundo exige que não descuidemos de nossas Forças Armadas e da defesa de nossas fronteiras. O mundo contemporâneo é desafiador. A existência de Forças Armadas treinadas, disciplinadas, respeitadoras da Constituição e das leis foi uma conquista da Nova República. Precisamos mantê-las bem equipadas, para que cumpram suas funções, na dissuasão de ameaças sem ter de recorrer diretamente ao uso da força e na contribuição ao desenvolvimento tecnológico do país.

"Como falei no início, esta será uma caminhada longa e difícil. Mas manteremos nosso comportamento a favor do Brasil. Às provocações, vamos responder com serenidade; às falanges do ódio que insistem em dividir a nação vamos responder com nosso trabalho presente e nossa crença no futuro. Vamos responder sempre dizendo a verdade. Aliás, quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles.

"O Brasil não tem dono. O Brasil pertence aos brasileiros que trabalham; aos brasileiros que estudam; aos brasileiros que querem subir na vida; aos brasileiros que acreditam no esforço; aos brasileiros que não se deixam corromper; aos brasileiros que não toleram os malfeitos; aos brasileiros que não dispõem de uma "boquinha"; aos brasileiros que exigem ética na vida pública porque são decentes; aos brasileiros que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida.

"Este é o povo que devemos mobilizar para a nossa luta; este é o povo que devemos convocar para a nossa caminhada; este é o povo que quer, porque assim deve ser, conservar as suas conquistas, mas que anseia mais. Porque o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais. E, por isso, tem de estar unido. O Brasil é um só.

"Pretendo apresentar ao Brasil minha história e minhas idéias. Minha biografia. Minhas crenças e meus valores. Meu entusiasmo e minha confiança. Minha experiência e minha vontade.

"Vou lhes contar uma coisa. Desde cedo, quando entrei na vida pública, descobri qual era a motivação maior, a mola propulsora da atividade política. Para mim, a motivação é o prazer. A vida pública não é sacrifício, como tantos a pintam, mas sim um trabalho prazeroso. Só que não é o mero prazer do desfrute. É o prazer da frutificação. Não é um sonho de consumo. É um sonho de produção e de criação. Aprendi desde cedo que servir é bom, nos faz felizes, porque nos dá o sentido maior de nossas existências, porque nos traz uma sensação de bem estar muito mais profunda do que quaisquer confortos ou vantagens propiciados pelas posições de Poder. Aprendi que nada se compara à sensação de construir algo de bom e duradouro para a sociedade em que vivemos, de descobrir soluções para os problemas reais das pessoas, de fazer acontecer.

"O grande escritor mineiro Guimarães Rosa, escreveu: 'O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.' Concordo. É da coragem que a vida quer que nós precisamos agora.

"Coragem para fazer um projeto de País, com sonhos, convicções e com o apoio da maioria.

"Juntos, vamos construir o Brasil que queremos, mais justo e mais generoso. Eleição é uma escolha sobre o futuro. Olhando pra frente, sem picuinhas, sem mesquinharias, eu me coloco diante do Brasil, hoje, com minha biografia, minha história política e com esperança no nosso futuro. E determinado a fazer a minha parte para construir um Brasil melhor. Quero ser o presidente da união.

Vamos juntos, brasileiros e brasileiras, porque o Brasil pode mais!"

Sonho verde :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Daniel Cohn-Bendit, de 65 anos, o mítico líder dos estudantes franceses em maio de 1968 e hoje deputado em quarto mandato pelo Partido Verde no Parlamento europeu ele diz com indisfarçável orgulho que é o único político eleito por dois países, França e Alemanha tem um sonho em relação à eleição presidencial brasileira: quer a candidata do Partido Verde, Marina Silva, no segundo turno para debater diretamente com Dilma Rousseff, a candidata de Lula. Este é o debate que o Brasil realmente precisa ver, para escolher o melhor programa.

Ele diz que na Europa não se vê com grande emoção a eleição brasileira porque todos estão convencidos de que a candidata do presidente Lula vai vencer. Ao mesmo tempo, os europeus não veem muita diferença entre o PT de Lula e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, que, aliás, foi um dos professores de Dany Le Rouge (por ser ruivo e socialista) naquele mesmo ano, na Universidade de Nanterre, onde a revolta estudantil eclodiu, depois se espalhando pelo país inteiro.

São duas vertentes da mesma social-democracia. É como se fosse o partido trabalhista inglês disputando com o partido francês.

Ele, aliás, ao fazer essa comparação revela uma crítica a partidos políticos dessa vertente, que considera culpados pelo fracasso da esquerda por não terem regulado o capitalismo.

Lula, por exemplo, CohnBendit considera o representante de uma esquerda atrasada, que esteve em voga há 30 anos na defesa do produtivismo a todo custo.

E ficou contente ao saber que Marina repetiu sua tese na quarta-feira em Porto Alegre, dizendo que Lula representava uma esquerda atrasada, que não dava a devida importância às questões do meio-ambiente.

Ele considera que o Brasil está fracassando na virada ecológica e pode pagar um preço alto por não compreender a natureza da mudança.

Por isso, acha que Marina seria a solução mais moderna para se contrapor às propostas da esquerda socialdemocrata que, acredita, Dilma e Serra representam.

A primeira vez em que vi a Marina, achei ela toda frágil, mas quando fala tem uma força danada. Nós somos diferentes, porque a Marina é religiosa, e eu não acredito em nada. Mesmo assim, temos visões comuns.

Daniel Cohn-Bendit não vive do passado, embora não renegue sua atuação política em maio de 68. Eu mudei porque o mundo mudou, diz ele, que lembra que naquele momento todas as utopias estavam abertas para a juventude, e muita coisa no mundo mudou justamente por causa da revolta dos estudantes.

Mas, hoje, está convencido de que os avanços dependem da estabilidade democrática, e não de revoluções.

Por isso não entende a esquerda latino-americana que ainda trata com reverência a revolução cubana, ou considera Hugo Chávez uma alternativa política válida.

É um crítico da política externa do governo Lula, que lhe parece movida mais por um sentimento antiamericano do que pela defesa dos valores democráticos, como os direitos humanos.

Na sua definição, Cuba representa um autoritarismo inaceitável, Chávez é o velho caudilhismo latino-americano e o Irã de Ahmadinejad, outro aliado político de Lula, o mais perigoso por ser o mais forte, com a possibilidade de ter a bomba atômica.

Cohn-Bendit acha que é até compreensível, pela história da região, um antiamericanismo, mas se espanta ao saber que Lula mantinha uma relação mais amigável com o expresidente George W. Bush do que com Barack Obama.

E também considera que, assim como o governo socialista da Espanha ajudou a libertar presos políticos em Cuba, o governo brasileiro poderia trabalhar para que os direitos humanos fossem respeitados nas ditaduras com as quais se relaciona.

Depois de se informar sobre a maneira como Lula escolheu sua candidata Dilma Rousseff, avalia que ele deve estar com intenções de tornar-se uma espécie de tutor da futura presidenta, da mesma maneira que o russo Putin escolheu para substituí-lo como primeiro-ministro Medvedev.

Mas ele não acredita que na política as coisas se passem tão linearmente: A missa não está terminada na relação de Putin com Medvedev, comenta Cohn-Bendit, numa expressão que mostra sua dúvida sobre se a relação dos dois não terminará em conflitos políticos como costuma acontecer entre criatura e criador.

Ele acha que, com Dilma eleita, Lula voltará a ser o líder sindicalista que tentará manter o poder: Vai almoçar três vezes por semana com a presidenta para influir no governo, comenta com uma ponta se sarcasmo.

Daniel Cohn-Bendit tem mandato no Parlamento Europeu até 2014, e está preparando o espírito para deixar de fazer política como atividade parlamentar depois de terminar seu quarto mandato.

Além da literatura, tema sobre o qual tem um programa na televisão suíça, ele quer se dedicar a fazer cinema, pois preciso ter outro interesse que não apenas a política, porque senão ficarei doido.

Um de seus projetos tem relação com a Copa do Mundo de futebol de 2014, que será realizada no Brasil: Gostaria muito de fazer um filme sobre o tema, porque acho que haverá um problema incrível. O que acontecerá se o Brasil perder a Copa? Cohn-Bendit diz que todos respondem que isso é impossível, e é por isso que eu acho o tema fascinante.

Racionalmente, diz ele, o Brasil tem cerca de 40%, 50% de chances de ganhar, não muito mais do que isso.

Não haverá 11 jogadores apenas, mas 130 milhões.

Qual é a estrutura psíquica, mental de um país que não aceita nada além da vitória como resultado final? Raramente há uma unidade dentro de um país, do mais pobre ao mais rico, todos convencidos de que o Brasil vencerá.

Um novo Maracanazo, como o de 1950 quando Brasil perdeu para o Uruguai no final da Copa, será cem vezes maior, diz Cohn-Bendit, que considera mais fascinante ainda a possibilidade de em 2014 o próprio Lula estar concorrendo novamente à Presidência.

Continuísmo :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva não se aguenta: morre pela boca, mas nunca deixa passar uma excelente oportunidade de ficar calado.

Na quarta-feira teve duas chances e aproveitou as duas. Na primeira, contou em público uma versão mentirosa de um episódio ocorrido há oito anos, em que posou de vítima de preconceito por parte do diretor editorial do jornal Folha de S. Paulo. Isso apesar de as testemunhas estarem bem vivas para contestar.

Na segunda vez, discursava aos militares sobre a nova lei que reforça a estrutura do Ministério Defesa quando do coração lhe brotaram as palavras de lamento - sempre "em tom de brincadeira" - por não ter enviado uma "emendinha" propondo ao Congresso "mais alguns anos de mandato".

Note-se que não se referiu a disputa, mas a extensão.

O presidente Lula não se segura. De vez em quando externa o que lhe vai às profundas da alma, coisas que jamais esquece: a derrota da CPMF e a impossibilidade de ter aprovada a chance de alcançar um terceiro mandato sem traumas institucionais.

O problema com o imposto do cheque não é o dinheiro. Isso não faz falta ao governo. Lula não se conforma é com a derrota política que o fez perceber a impossibilidade de aprovar a emenda do terceiro mandato no Senado.

Assuntos sobre os quais nunca cogitamos não vêm à tona assim sem mais nem menos.

Muito menos um tema como esse.

Ultimamente o presidente vem fazendo referências cruzadas a respeito. Lamenta o fim do segundo mandato, diz o quanto ficará saudoso do poder, insinua influência permanente no governo da "presidenta" que já considera eleita e ordena à tropa que empenhe todo esforço na eleição de uma bancada gigante de senadores.

De preferência derrotando todos aqueles que lhe fizeram oposição mais aguerrida. Não quer só maioria, quer vingança.

E para quê, se chega ao fim o seu tempo?

Aí é que está. Se realmente conseguir eleger Dilma a Lula parecerá que pode conseguir qualquer coisa. Maioria no Senado, voltar à Presidência em 2014, exercê-la de fato até lá com o beneplácito da "presidenta" de direito.

Por que tanta vontade de ter maioria no Senado, qual o projeto que indica essa necessidade?

No caso de Dilma não se aplica o preceito de que a criatura dá adeus ao criador tão logo assuma o poder. Ocorre quando o criador não tem o controle real das coisas, a começar pelo partido e pela figura que atua no imaginário popular.

Se ousar contra ele, a criatura sabe que a tempestade não lhe será leve.

Muito além. Não é (só) a liberdade dos humoristas que está sendo violada com as proibições impostas pela Lei Eleitoral. São as garantias de toda a sociedade, além da Constituição como fiadora da liberdade de expressão.

De onde é louvável a iniciativa da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão de entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra o veto ao exercício da crítica política nos 90 dias que antecedem as eleições.

Lamentável é terem se passado 13 anos de (quase) total insensibilidade com a violência da lei, a despeito dos isolados reclamos.

Meta comum. Os caminhos são diferentes, mas o objetivo dos governos da Venezuela, da Argentina e do Brasil é o mesmo: tutelar a sociedade e assegurar trânsito livre de críticas aos respectivos projetos de poder, por intermédio do controle da informação.

O governo Lula ensaia, recua e insiste em manietar a imprensa por meio de instâncias colegiadas e sugestões corporativas. Os Kirchner alteram as leis para prejudicar os grandes grupos de comunicação.

Chávez é explícito. Hoje prende e arrebenta, mas nem sempre foi assim, embora caminhe nesse sentido desde o início. Os fascinados por "governos do povo" - os bem-intencionados, não os vendidos - é que não percebem o andar da carruagem do autoritarismo.

Só se dão conta e protestam quando suas vozes já não podem mais ser ouvidas.

Aparelhamento desafia o Estado – Editorial / O Globo

O que era um vazamento identificado na delegacia de Mauá, na Grande São Paulo, da Receita Federal se transforma num transbordamento de grandes proporções. Embora já seja inconcebível e grave crime um único desvio de informações privadas sob a guarda do Estado, o escândalo da invasão de arquivos da Receita para a captura de declarações de imposto de renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, ganha ainda maiores proporções com a descoberta de que outros tucanos também foram atingidos pelo aparelho instalado naquela delegacia.

A invasão dos arquivos de dados fiscais do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações de FH; Ricardo Sérgio, diretor do Banco do Brasil na mesma época em que Mendonça de Barros conduzia a privatização das telecomunicações; e de Gregório Marin Preciado, marido de uma prima do candidato José Serra, denuncia a intenção da empreitada: encontrar algo para fragilizar o PSDB. Os contornos da patranha ficam ainda mais claros ao se constatar que o roubo dos dados ocorreu no final do ano passado, às portas de uma campanha eleitoral, àquela altura já antecipada pelo presidente Lula, e tudo no mesmo dia, num espaço de quase 20 minutos.

E sempre por meio do computador da servidora Adeilda Ferreira dos Santos, com a senha de Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, chefe daquela sucursal do Leão.

Em maio, a Veja noticiou que assessores contratados para o comitê da candidata Dilma Rousseff tentavam montar uma usina de dossiês contra Serra, além de outros tucanos, Eduardo Jorge entre eles. No mês seguinte, a Folha de S.Paulo revelou que dados fiscais de Eduardo Jorge circularam nesse bunker dilmista. Fecha-se a degradante e perigosa história perigosa para a sociedade. Em sua defesa, o PT lembra ter pedido, já no início do escândalo, que a Polícia Federal entrasse no caso. Tem razão, é mesmo acertada medida. Também está certo Eduardo Jorge em não confiar na lisura do trabalho de corregedoria da Receita. Aliás, o alcance da quebra de sigilo só foi conhecido porque o tucano conseguiu, por via judicial, que a Receita lhe entregasse os resultados da investigação. Foi possível, então, saber a dimensão do crime: mais de cem arquivos de contribuintes não residentes na jurisdição da delegacia de Mauá foram invadidos.

Entre eles, alguns da família Klein, das Casas Bahia; e da apresentadora do programa da TV Globo Mais você, Ana Maria Braga.

O assunto é muito sério, pois alerta para a fragilidade em que se encontram o estado de direito e a segurança institucional. Quando grupos utilizam postos na máquina burocrática para atacar adversários e ajudar aliados, a necessária impessoalidade do Estado é revogada.

O Brasil se aproxima, em alguma medida, do modelo de Estado a serviço de interesses de esquemas, em voga no Leste da Europa até a queda do Muro de Berlim, na década de 80. Até hoje, a Rússia, por exemplo, padece do problema. É imprescindível, portanto, que defesas do Estado sejam acionadas para preservar o regime republicano, abalado devido à infiltração de aparelhos político-sindicais em áreas que têm de prestar serviços com estrita isenção ideológica. A Justiça começa a fazer a sua parte. Falta a PF demonstrar o mesmo. Este caso é um divisor de águas; não pode haver impunidade.

O crime continuado do PT – Editorial / O Estado de S. Paulo

Foi preciso uma decisão judicial, tomada na terça-feira, para que o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, pudesse exercer o direito elementar de acesso ao inquérito instaurado na Corregedoria-Geral da Receita para apurar a devassa nas suas declarações de renda - cópias das quais foram parar em mãos de pessoas ligadas à campanha da candidata petista Dilma Rousseff. E só assim o País ficou sabendo, já tardiamente, que o sigilo fiscal de outros contribuintes também foi quebrado na mesma ocasião, com a mesma sórdida intenção de atingir o candidato tucano ao Planalto, José Serra.

Em 16 minutos, na hora do almoço do dia 8 de outubro de 2009, na delegacia do Fisco em Mauá, na Grande São Paulo, foram abertas e impressas as declarações do ministro das Comunicações no governo Fernando Henrique, Luiz Carlos Mendonça de Barros; do arrecadador informal da campanha de Serra ao Senado em 1994 e em seguida diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira; e do empresário Gregorio Marin Preciado, casado com uma prima de Serra.

Os sistemas de controle da Receita identificaram como pertencendo à analista fiscal Antonia Aparecida Neves Silva a senha utilizada para a invasão no computador da servidora Adeilda Ferreira dos Santos. Antonia, contra quem foi aberto processo administrativo, admitiu ter passado a senha a Adeilda e a outra colega, Ana Maria Caroto Cano. Todas negam envolvimento no caso. O processo depende de uma perícia que não tem data para terminar. É incerto igualmente se aparecerão os nomes dos autores e mandantes do crime. Se aparecerem, não será antes da eleição.

O que parece fora de dúvida é que a devassa foi ordenada de dentro do apparat petista para a formação de um dossiê a ser eventualmente usado contra Serra, conforme revelado pela Folha de S.Paulo, que teve acesso ao material. Na campanha de 2006, quando ele concorria ao governo paulista, o coordenador da campanha do então candidato ao Senado pelo PT, Aloizio Mercadante, envolveu-se com a malograda tentativa de um grupo de companheiros de comprar uma papelada para atacar o tucano. Eles foram presos em flagrante com uma bolada de dinheiro. O presidente Lula limitou-se a chamá-los de aloprados.

Não se sabe se desta vez também há dinheiro envolvido na sujeira afinal desmascarada. Ainda que haja, deve ter prevalecido na montagem da operação o mais autêntico espírito partidário do vale-tudo para tomar e permanecer no poder, como, por palavras e atos, o próprio Lula ensina sem cessar à companheirada. Esse espírito está na origem do mensalão, do escândalo dos aloprados e das demais baixarias que vieram à tona nestes 8 anos. Do PT se pode dizer, parafraseando uma citação clássica, que nada esqueceu e nada deixou de aprender em matéria de vilania política.

Aprendeu, sobretudo, que os fins não apenas justificam os meios, mas dependem de meios eficazes para ser alcançados. O principal deles é o controle - no sentido mais raso do termo - da máquina pública. Dos muitos objetivos a que serve o aparelhamento do Estado, um dos mais importantes é criar um disseminado e leal "exército secreto", como já se escreveu nesta página, pronto para fazer os trabalhos sujos que dele se demandem. A ordem tanto pode partir dos mais altos escalões do governo ou do partido como resultar da iniciativa de indivíduos e grupos que conhecem as regras do jogo na casa e sabem a quem recorrer numa ou em outra circunstância.

No caso da violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB e a Serra, é até possível que Dilma só viesse a saber dela quando já estava em curso ou depois de escancarada. O que teria sido possível graças a inconfidências de membros da campanha em conflito com o setor de onde parece ter partido a decisão de arrombar o cofre de informações da Receita. Mas, na ordem das coisas que contam, o essencial, o assustador, é que se constituiu no governo uma rede de agentes que a qualquer momento pode funcionar como uma organização criminosa.

Essa estrutura, que se nutre do próprio Estado em que se encastelou, só deverá se fortalecer com a provável vitória da candidata presidencial do PT.

Show da Fabiana Cozza no Teatro João Caetano em São Paulo

Uma lição prática de economia :: Luiz Carlos Mendonça de Barros



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Os ganhos sistêmicos com a maior penetração de importações são muito superiores às perdas

A evolução da economia ao longo dos mandatos de FHC e de Lula é uma lição prática sobre o funcionamento de uma economia de mercado. Esse período de 16 anos permite ao analista mais cuidadoso confrontar ensinamentos teóricos com o desenrolar de fatos reais dentro de nossa sociedade.

Uma primeira lição, que não é contestada hoje nem mesmo por aqueles que a negaram por muitos anos, está relacionada com o controle da inflação. Ela é a base inquestionável para que uma sociedade possa se desenvolver e levar o cidadão a níveis de bem-estar econômico crescentes.

Mas o controle da inflação é apenas uma condição para que o desenvolvimento possa ocorrer. Para chegar ao pleno potencial de geração de renda para o cidadão, um longo caminho precisa ser trilhado, principalmente quando se parte de uma situação de crise como era o caso do Brasil em 1994. É o que vem acontecendo ao longo de todos estes anos.

Uma das últimas etapas desse verdadeiro caminho de São Tiago está ocorrendo agora com o aprofundamento da abertura da economia às importações.

Sei que é um tema polêmico mesmo no universo de meus leitores da Folha. Mas estou convencido de que os ganhos sistêmicos da sociedade com a maior penetração de importações são muito superiores às perdas pontuais que possam ocorrer. Principalmente se o governo seguir uma política eficiente no enfrentamento dos problemas microeconômicos que nos afligem.

Vou tratar neste nosso encontro da evolução de uma cadeia produtiva importante -a indústria automobilística- e de como ela foi afetada positivamente pela abertura econômica.

Até bem recentemente, o mercado de automóveis no Brasil era um dos mais fechados entre os de bens de consumo duráveis. Uma vigorosa barreira tributária faz com que um automóvel, entre o porto de origem e o consumidor brasileiro, tenha seu preço multiplicado por dois.

Com essa proteção não havia estímulo para que ganhos de produtividade ocorressem ao longo da cadeia produtiva e chegassem ao consumidor. Os preços dos automóveis produzidos no Brasil ficavam sempre ligeiramente abaixo daqueles dos importados, refletindo uma política racional de uma empresa privada em uma economia de mercado com proteção elevada.

Essa estrutura, que permaneceu por várias décadas, começou a ruir com o aumento do poder aquisitivo dos brasileiros e o alongamento, pelos bancos, dos prazos de financiamento da compra de bens duráveis.

Mesmo com preços elevados, a participação dos importados começou a crescer à medida que sua qualidade superior passou a pesar no comportamento do consumidor brasileiro. Nos primeiros momentos desse processo, essa mudança não foi devidamente percebida, inclusive porque a indústria brasileira trabalhava a plena carga.

Mais recentemente, outro fenômeno começou a ocorrer nesse mercado. A indústria brasileira de aço -que também goza de proteção tarifária- iniciou um processo de elevação de preços com o claro objetivo de aumentar a parcela de seus lucros em um momento de excitação de demanda.

Afinal, isso já havia acontecido várias vezes no passado. Só que agora, pressionada pelas importações, a indústria automobilística não podia repassar ao consumidor esse aumento de preços.

Como os produtores de veículos no exterior usam em suas cadeias de produção um aço que custa entre 30% e 40% menos do que seus concorrentes no Brasil, a batalha pelo consumidor ficou mais acirrada.

Nessas condições, de forma racional, as montadoras decidiram usar o aço mais barato -mas de mesma qualidade- que estava disponível no exterior. As siderúrgicas brasileiras não tiveram alternativa senão reduzir seus preços e alinhá-los com os praticados no exterior.

Uma vez quebrado o padrão anterior, daqui para a frente o preço do aço no Brasil seguirá mais perto os praticados no exterior. E o grande ganhador com isso será certamente o consumidor brasileiro.



Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.

Motor ou freio:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O crescimento do crédito imobiliário no Brasil impressiona. De 2008 a 2009, no auge da crise financeira detonada por uma bolha imobiliária nos EUA, ele saltou de R$ 63 bilhões para R$ 91 bi, e a projeção do setor é que pode alcançar R$ 455 bilhões em 2015. Se acontecer, será um salto de 620% em sete anos. O brasileiro se pergunta se é uma bolha se formando, alguns economistas sustentam que não.

José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, por exemplo, diz que o mercado brasileiro não é alavancado, nem tem derivativos como nos Estados Unidos. E lembra que o crédito imobiliário é pequeno no Brasil comparado com outros países. Já Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, acha que o governo está incentivando uma bolha de crédito tanto imobiliário quanto de dívidas empresariais.

Os dados do Brasil parecem acanhados quando comparados com o resto do mundo, mas é bom lembrar que o custo do crédito é muito maior por aqui, o que faz com que certas comparações sejam enganosas.

Mesmo assim, em relação ao PIB, o crédito imobiliário saltará de 2,9% em 2009 para 4% em 2010. Em 2015, chegará a 11%. O ritmo é frenético, mas o percentual do PIB é baixo. O economista Leonardo Santos, da Austin Rating, acha que esse é um dos fatores que diminuem os riscos. O crescimento está acontecendo em cima de uma base baixa. No México, a relação crédito imobiliário/ PIB é de 13%; no Chile, 18%; na China, 19%. Em economias desenvolvidas, o percentual é muito maior: 72%, nos Estados Unidos; 75%, na Inglaterra, e 105%, na Holanda.

Não acreditamos em bolhas. Temos um déficit habitacional muito grande e as regras para concessões de empréstimos são bastante rigorosas na comparação com outros países explicou Santos.

Reinaldo Gonçalves, no entanto, pondera que os preços estão disparando, e não apenas na Zona Sul do Rio de Janeiro, mas em todas as capitais do país. E realmente quem acompanha os preços se espanta com a rapidez da valorização.

O aumento do crédito, em geral, e do crédito imobiliário, em particular, era esperado como parte do processo de estabilização.

A inflação alta e os juros altos paralisaram o mercado imobiliário. Agora, o país tem uma forte demanda reprimida.

O aumento do crédito e do poder de compra dos consumidores tem tido impacto direto nos preços.

Dados do Banco Central mostram que nos últimos três anos a valorização dos imóveis ficou muito acima da inflação. Em 2007, alta de 25,1% nos imóveis usados e 16,6%, nos novos. Em 2008, altas de 7,8% e 21,8%. Em 2009, valorizações de 13,6% e 25,8%, respectivamente.

O presidente do Sindicato da Habitação (SecoviSP), João Crestana, explica que o mercado imobiliário está crescendo mais forte nos imóveis avaliados em até R$ 150 mil, que tem como público-alvo famílias de renda até R$ 4.000,00.

Crestana acredita que diferentemente de Estados Unidos e Espanha, países que viram bolhas imobiliárias se formarem, as condições do Brasil são mais favoráveis.

A Espanha tem 13 milhões de famílias e possui um estoque de 25 milhões de residências. A oferta ficou maior que a demanda.

Aqui, temos déficit de cerca de 6 milhões de residências.

Nos Estados Unidos, os consumidores usaram a hipoteca para fazer novas dívidas, e os bancos foram irresponsáveis nas concessões.

No Brasil, as condições são outras e os consumidores não possuem a cultura de usar os imóveis como garantia para novas dívidas explicou.

José Roberto Mendonça de Barros admite, no entanto, que com o aumento do comprometimento das famílias com o crédito imobiliário, que é uma dívida de vários anos, a renda disponível para compra de outros bens ficará menor: Ele terá que fazer uma troca, já que comprou a casa, não compra o carro.

Para a Secovi, os dois principais problemas do setor hoje são a falta de terrenos em grandes cidades e a burocracia.

Mas também há preocupações com escassez de mão-de-obra e matérias-primas, já que o crescimento tem sido muito acelerado. Para se ter uma ideia, segundo a Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), entre janeiro e junho deste ano, 187,6 mil imóveis foram financiados, o que significa um aumento de 51,5% em relação ao mesmo período de 2009. A projeção é de que até o final do ano 450 mil residências recebam financiamento.

O vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), José Otávio Carvalho, diz que o setor está preparado para o aumento da demanda. Mas ele está preocupado com gargalos de infraestrutura porque o cimento é um produto altamente perecível e que não permite fazer estoques.

O cimento dura no máximo três meses, então ele precisa se deslocar rapidamente entre a indústria e a obra. O problema é que cerca de 94% do cimento consumido no Brasil é transportado por rodovias. Então a infraestrutura é um gargalo em potencial. Temos que melhorar as rodovias, abrir vias fluviais, investir em portos disse.

A previsão da Abecip é de que o crescimento do crédito imobiliário continuará nos próximos anos até atingir R$ 455 bi. Tudo vai depender da evolução da renda e da continuidade da estabilidade nos próximos anos.

Com as famílias mais endividadas, qualquer solavanco nos juros, qualquer queda mais forte do crescimento podem provocar estragos. O mercado tem que ser acompanhado com cuidado para evitar que um superendividamento da classe média acabe provocando novas crises como já ocorreram no passado. Como os Estados Unidos acabaram de mostrar, o mercado imobiliário pode ser o motor da economia.

Ou o seu freio.

Aécio estreia em horário eleitoral de José Serra

DEU EM O GLOBO

O ex-governador pede votos na TV; no rádio, tucano ataca Dilma

O ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB) estreou ontem no horário eleitoral do presidenciável tucano, José Serra, exibido durante a tarde. O programa destacou os projetos de Serra como governador, com foco no combate à pobreza.

Eleitores enfatizaram a comparação entre o presidenciável e a candidato do PT, Dilma Rousseff: por um lado, a experiência do tucano, por outro, a inexperiência da adversária.

O Brasil precisa de um presidente que conhece de verdade nossos problemas.

Não apenas o de Minas, mas de todo o Brasil. Serra é o melhor nome para ser nosso presidente disse Aécio.

Na propaganda, Serra voltou a falar sobre suas realizações em São Paulo, como o sistema de dois professores dentro das salas de aula, projeto que o tucano pretende levar para todo o país, caso seja eleito.

No rádio, segundo a linha de atacar mais explicitamente Dilma, a propaganda acusou a petista de tratar os cidadãos como crianças. Segundo o horário eleitoral tucano, o brasileiro não precisa de mãe de governo, mas de um presidente de verdade.

Mamãe disse que vai ser tudo uma maravilha. A candidata do PT agora diz que ela vai ser a mãe de todo mundo disse um locutor, se referindo à propaganda petista que tem usado uma música em que afirma que Lula deixará uma mãe para o povo brasileiro.

As críticas à petista ganharam tom mais sério na voz de um locutor: Tratar o cidadão como gente grande é respeito. Você que sustenta esta nação com trabalho duro e com um imposto muito alto, não merece ser tratado como criança. Não precisa de uma nova mãe, de um novo pai disse.

Veja o vídeo abaixo


Lula volta a criticar a imprensa durante solenidade em Salvador

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DO ENVIADO A SALVADOR - O presidente Lula voltou a criticar a imprensa ontem à noite em Salvador, ao participar da assinatura de contratos referentes à Copa do Mundo de 2014, ao programa Minha Casa, Minha Vida e a obras na BR-101, no Palácio Rio Branco, antiga sede do governo baiano.

Lula disse que, antes de sua gestão, o país era "uma terra de ninguém", mas que desde a sua posse, o Brasil "está criando uma geração de pessoas que está aprendendo a fazer projetos". Segundo o presidente, "a geração anterior à nossa era a geração do "não"".

"Eu acho que o empresariado aprendeu muito, o governo aprendeu muito, os sindicalistas aprenderam muito. Acho que a imprensa vai precisar aprender um pouco ainda, porque eu nunca vi gostar tanto de notícia ruim", disse.

"Parece que notícia boa... É impressionante. Mas acho que, de qualquer forma, o mundo sabe o que está acontecendo no Brasil". Em seguida, ele foi a um comício de Jaques Wagner e Dilma Rousseff.

Oposição quer que MPF também apure vazamento

DEU EM O GLOBO

Líderes pedem ainda processo por improbidade para responsáveis

BRASÍLIA. A oposição pediu ontem ao Ministério Público Federal que também investigue o caso de quebra de sigilo do vice-presidente nacional do PSDB, Eduardo Jorge, e de mais três tucanos. Com aval das direções de PSDB, PPS e DEM, o vice-líder do PPS, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), entregou o pedido ao subprocurador da República, Eugênio Aragão.

Além de abertura de investigação, a oposição quer que os responsáveis, quando apontados, sejam processados por improbidade administrativa.

Segundo Jungmann, a intenção é que o procurador geral da República, Roberto Gurgel, indique um procurador especialmente para acompanhar o caso. Jungmann também ironizou o fato de o PT ter anunciado que processará o candidato do PSDB, José Serra, por ele ter acusado os petistas de serem responsáveis pela quebra de sigilo: É prática antiga do PT fazer isso. Tem o caso dos aloprados.

Não tem nenhum petista com sigilo quebrado. A quem interessa? Tem um filtro eleitoral que é para atingir o Serra. Ontem, foi o Francenildo.

Hoje, o Eduardo Jorge e, amanhã, será você. Hoje, vivemos o país dos Francenildos.

O parlamentar se referiu ao caso do caseiro Francenildo Santos Costa, que teve seu sigilo bancário violado, no episódio que levou à saída de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda e do governo Lula.

O documento entregue ao Ministério Público também é assinado pelo líderes do PSDB na Câmara, João Almeida (PSDB-BA); pelo líder da minoria, Gustavo Fruet (PSDB-PR); e pelo vice-líder do DEM, Cássio Taniguchi (DEM-PR).

Na representação, eles lembram que o próprio secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, esteve no Congresso, em audiência, e confirmou a quebra do sigilo de Eduardo Jorge. Na ocasião, Cartaxo disse que a Receita estava investigando o caso.

A simples suspeita de cometimento de um crime, com as confirmações da própria Receita Federal do Brasil, evoluiu para a comprovação de uma conduta criminosa de alta gravidade, impondo-se, então, a necessária apuração dos responsáveis e a imposição da respectiva punição, diz o documento.

A oposição lembrou ainda que as investigações se tornaram extremamente morosas: A comprovação dessas novas quebras irregulares de sigilo, como anteriormente afirmado, deram nova repercussão aos fatos anteriores. O quadro que de início caracterizava um crime individual alterou-se para uma situação de crime coletivo, dirigido não a causar danos a um indivíduo, mas sim a um conjunto de pessoas, as quais se encontram ligadas por um nexo objetivo: todos são ligados a uma campanha oposicionista à Presidência da República.

Na terça, corregedor-geral da Receita vai à CCJ Jungmann pretendia entregar o documento ao procuradorgeral Roberto Gurgel ou à vice-procuradora eleitoral, Sandra Cureau. Mas acabou sendo recebido pelo subprocurador Eugênio Aragão, que afirmou que, se aberta investigação, ela deve ser conduzida no estado onde o delito ocorreu.

Segundo assessoria, Aragão disse que entregaria o documento ao procurador-geral e que ele acreditava que isso iria para primeira instância, ou seja, não seria um caso para o chefe do MP.

Ele disse que iria encaminhar a representação ao procurador e que era uma questão de extrema gravidade. Dentro dos seus limites, ele foi bastante receptivo disse Jungmann.

Os tucanos esperam mais explicações na próxima terçafeira, quando está prevista a presença do corregedor-geral da Receita, Antonio Carlos Costa DÁvila Carvalho, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Autor do convite, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) acredita que há uma banalização do crime de elaborar dossiês.

Devassa de 140 no ABC

DEU EM O GLOBO

Além das quatro pessoas ligadas a Serra, analistas da Receita em Mauá (SP) devassaram os dados fiscais de 140 contribuintes, entre eles personalidades e empresários que vivem longe do ABC paulista. PT e PSDB trocaram acusações.

Devassa generalizada

Acessos a dados na Receita atingiram personalidades e empresários fora do campo tucano

Roberto Maltchik

BRASÍLIA - Além de tucanos, aliados e parentes do candidato à Presidência José Serra (PSDB), o terminal da analista tributária Adeildda Ferreira Leão dos Santos, na Delegacia da Receita Federal em Mauá (SP), serviu para a devassa dos dados fiscais de personalidades, empresários e contribuintes que vivem a milhares de quilômetros do ABC paulista.

O levantamento da Corregedoria da Receita na estação de trabalho da servidora revela que Ana Maria Braga, apresentadora da Rede Globo; a família Klein, que comanda as Casas Bahia; e políticos sem elo aparente com o candidato tucano também tiveram a declaração de Imposto de Renda examinada.

Da lista de 140 CPFs, pelo menos sete contribuintes tiveram suas informações fiscais acessadas de forma comprovadamente imotivada.

Esse grupo é formado pelos quatro aliados de Serra Eduardo Jorge, Ricardo Sérgio, Luiz Carlos Mendonça de Barros e Gregório Marin Preciado , além de Gilmar Argenta, filiado ao PCdoB, Carla Argenta, esposa dele, e Amauri Baragatti, que já pertenceu aos quadros do PSDB. Quanto aos demais contribuintes, cabe à Corregedoria da Receita identificar por que tais informações foram acessadas e se houve quebra de sigilo.

A investigação revelou que o IR do suplente da senadora Marisa Serra (PSDB-MS), o pecuarista Antonio Russo Netto, também foi devassado.

De sua fazenda no interior de Mato Grosso do Sul, Russo se disse perplexo: Não tenho negócios no ABC. Minha declaração foi feita em São Paulo. Sinceramente, não vejo motivos para que meu nome esteja nesta lista afirmou o empresário.

A delegacia de Mauá também serviu de base para a extração dos dados fiscais de Ronaldo de Souza, ex-sócio de Ricardo Sérgio, que ocupou a direção do Banco do Brasil no governo Fernando Henrique. Dono da empresa Antares Participações, Souza já faleceu.


Entre alvos, quatro são da família Klein

Em 4 de agosto de 2009, o terminal de Adeildda foi usado para acessar e imprimir as declarações de quatro integrantes da família Klein: o fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, o presidente da companhia, Michael Klein, a esposa dele, Maria Alice Klein, e o neto de Samuel, Raphael Klein. Até a ex-mulher de Michael, Jeanete Roizman, teve os dados analisados.

Já as informações sigilosas da apresentadora Ana Maria Braga saíram dos terminais do Fisco no ABC em 16 de novembro do ano passado, às 11h15m. Como na maioria dos casos, o acesso se limitou à declaração de 2009.

Adeildda e as outras duas analistas investigadas pela Corregedoria Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva e Ana Maria Caroto Cano negaram em depoimento envolvimento com o episódio. Sem explicação, as declarações de Adeildda e Ana Maria também aparecem na lista de consultas feitas nos terminais sob investigação. A declaração de Adeildda foi impressa um minuto antes do acesso às informações de Mendonça de Barros, em 8 de outubro de 2009. O advogado de Adeildda, Marcelo Panzardi, disse que desconhecia o acesso ao IR da cliente, no terminal dela.

Entre agosto e dezembro de 2009, os servidores demonstraram interesse por empresários, políticos, desportistas e artistas de várias regiões do país. É o caso de um conselheiro de empresa de transporte de cargas no porto de Imbituba, em Santa Catarina, e de dois servidores públicos um deles aposentado que estariam em Picos, no Piauí.

Foram acessados dados de Armando Ferreira da Cunha, dono de franquias dos Correios, e de Adalberto Nadur, presidente do PTB empresarial e candidato a deputado federal em São Paulo. O PTB apoia Serra, mas está rachado.

COLABOROU: Demétrio Weber

Devassa atingiu até Ana Maria Braga e família Klein

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Leandro Colon e Rafael Moraes Moura

O computador que violou o sigilo fiscal de quatro tucanos também foi usado para abrir e imprimir a declaração de renda da apresentadora Ana Maria Braga, da Rede Globo, conforme revelou ontem o portal estadão.com, e de integrantes da família Klein, das Casas Bahia.

Os dados de Ana Maria foram acessados às 11h15 de 16 de novembro de 2009 no computador da servidora Adeildda Ferreira Leão dos Santos, na delegacia da Receita Federal em Mauá (SP). Em 8 de outubro, o mesmo equipamento acessou os dados do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e de três pessoas ligadas ao partido, conforme revelou o Estado na quarta-feira.

Partiram desse terminal as consultas feitas em 4 de agosto de 2009 aos sigilos fiscais de Samuel Klein, fundador das Casas Bahia, seu filho Michael Klein, Maria Alice Pereira Klein e Raphael, mulher e filho de Michael.

Procurada ontem pelo Estado, Ana Maria Braga negou qualquer relação tributária na região de Mauá. Segundo sua assessoria, a declaração de renda da apresentadora é feita em São Paulo, onde reside. Por meio de sua assessoria, afirmou que está "surpresa" com o caso e pretende consultar advogados para decidir o que fazer. Ela informou que nunca foi notificada de qualquer problema com a Receita. Já a família Klein disse, por meio de sua assessoria, que não iria comentar o assunto.

No processo da Corregedoria da Receita, há a relação de pedidos feitos pelos próprios contribuintes à agência de Mauá para obter cópias das declarações de renda. O nome de Ana Maria Braga não aparece nesses pedidos. A Receita montou uma tabela com todos os acessos realizados entre agosto e dezembro de 2009 a partir do computador de Adeildda e de mais duas servidoras suspeitas de violarem dados. No quadro, há data, horário, computador de origem e CPF do contribuinte alvo do acesso da Receita.

O CPF de Ana Maria Braga aparece numa consulta em 16 de novembro por meio do computador identificado como 10.58.56.17. Segundo a Receita, os servidores acessaram a declaração de renda de 2009 da apresentadora. O número do CPF não é uma informação sigilosa - está à disposição dos contribuintes no site da Receita - mas a declaração de renda é protegida por sigilo constitucional.

Suspeitos de violar sigilo de tucanos são blindados pela Receita

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Análise da sindicância do órgão no caso mostra que funcionários foram poupados

A análise de sindicância da Receita sobre a violação do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e de três pessoas ligadas ao comando do partido mostra que o órgão tem protegido os servidores suspeitos de envolvimento. Os funcionários foram ouvidos, por exemplo, antes da entrega da perícia nos computadores que comprova o acesso às informações. Foram questionados só sobre Eduardo Jorge e ficaram livres de perguntas ligadas às outras declarações. O computador que violou o sigilo dos tucanos também foi usado para abrir a declaração de renda da apresentadora Ana Maria Braga e de membros da família Klein, das Casas Bahia.

Suspeitos de violar sigilo de tucanos são poupados em sindicância da Receita

Relatório interno revela contradições entre declaração de servidores e documentos, além de omissões de autoridades nos interrogatórios

Leandro Colon

A análise das 450 páginas da sindicância da Receita Federal sobre a violação de sigilo do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e de mais três pessoas ligadas ao comando do partido mostra que o órgão tem poupado os servidores suspeitos de envolvimento no caso.

O processo revela contradições entre o que disseram esses servidores e o que informam os documentos apresentados. Há também casos de omissões das autoridades nos interrogatórios sobre o acesso e a violação dos dados, ocorridos na delegacia da Receita Federal em Mauá, no ABC paulista. A Receita não contestou sequer a informação de que as senhas dos funcionários eram permutadas por causa "da grande demanda de requisições judiciais", apesar de os tucanos não terem base tributária em Mauá nem serem alvos, naquelas datas, de nenhuma ordem jurídica de quebra de sigilo.

Um dos fatos que sugerem displicência dos interrogadores é que os funcionários foram ouvidos antes que a corregedoria tivesse recebido a perícia nos computadores - que comprova o acesso às informações dos tucanos. Outro, que só foram questionados sobre Eduardo Jorge, ficando livres de perguntas sobre o acesso às declarações de renda de Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Preciado, todos vinculados ao alto escalão do PSDB.

Presentes. Outra constatação diz respeito à folha de ponto dos servidores. Ela indica que eles estavam trabalhando no período de abertura e impressão dos sigilos fiscais. Embora seja preenchido por mera formalidade, à mão, e dentro de um mesmo padrão de horário, esse documento é assinado e rubricado por funcionários e pela chefia sob a frase "chefia e empregado confirmam e declaram ciência à frequência do mês". Não houve, da parte dos encarregados de investigar a invasão, nenhum questionamento quanto a isso.

Pelo conjunto de depoimentos colhidos até agora, ninguém sabe quem usou a senha nem o computador utilizado para abrir e imprimir, em sequência e no mesmo dia, os dados fiscais dos tucanos. Essa operação em cadeia, que enfraquece a versão de motivação funcional para os acessos, foi revelada pelo Estado na quarta-feira.

As senhas, segundo os funcionários, ficavam anotadas num "risque-rabisque" nas mesas de trabalho. Solicitados a ajudar na investigação, técnicos da Receita alegam à Corregedoria que é difícil saber se alguém desligou ou não o computador usado durante a operação de consulta aos dados fiscais.

Em depoimento no dia 27 de julho, a servidora Adeildda Ferreira Leão dos Santos afirmou que estava fora da Receita no período em que as declarações de renda dos tucanos foram consultadas, entre 12h27 e 12h43 do dia 8 de outubro de 2009. É dela o computador usado para abrir e imprimir os dados sigilosos. Adeildda contou que "por volta" de 11h50 daquele dia deixou o trabalho para almoçar com o marido, retornando às 13h05. Segundo afirmou, ia comemorar o aniversário de casamento. Documento oficial da Receita, a folha de frequência, assinada pela própria servidora, diz que ela saiu às 11h30 para o almoço e retornou às 12h30. Portanto, oficialmente, estaria presente na hora em que as declarações de renda estavam sendo abertas, inclusive a de Eduardo Jorge, ocorrida às 12h43.

Outra senha. Indagada sobre essa saída da colega fora de hora, a servidora Ana Maria Cano, também suspeita de ligação com o episódio, disse recordar-se do fato, mas não da data. Ana Maria e Adeildda foram as funcionárias que tiveram acesso à senha usada para abrir os dados fiscais dos tucanos. Elas receberam o código de outra colega, a servidora Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva. Em depoimento no dia 27 de julho, Antonia também negou envolvimento no episódio. Sua folha de ponto informa que também ela cumpria expediente quando os dados foram abertos.

Antonia afirmou ter repassado a senha às colegas por causa da "grande demanda de requisições judiciais". Negou ter recebido qualquer pedido para abrir os dados de Eduardo Jorge, que nem tem seu domicílio tributário em Mauá, assim como os dos demais alvos das consultas.

Os dados de Eduardo Jorge foram parar num dossiê de campanha que passou pelas mãos de membros da campanha de Dilma Rousseff (PT) à Presidência. O episódio derrubou o jornalista Luiz Lanzetta, que deixou em junho a campanha da petista por ligação com o caso.

''É uma tentativa de desqualificar Serra na mão grande''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

ENTREVISTA - Wagner Cinchetto, sindicalista

Ele afirma que núcleo envolvido com a violação de sigilo de tucanos é uma extensão do grupo criado em 2002 pelo PT

Fausto Macedo

Wagner Cinchetto, veterano sindicalista, afirmou ontem que o núcleo envolvido com a violação de sigilo fiscal de tucanos em operação nos escaninhos da Receita é "uma extensão" do grupo de inteligência supostamente criado em 2002 por lideranças do PT. Ele diz ter certeza de que os mesmos personagens estão atrelados aos dois episódios.

Sua convicção, afirma, reside no fato de os dossiês, o de oito anos atrás e o de agora, terem como alvos Ricardo Sérgio de Oliveira, Gregório Marin Preciado e Luiz Carlos Mendonça de Barros. "Já naquela ocasião eles eram os pontos centrais da investigação feita pelos porões do PT", denuncia Cinchetto. Avalia que "estão fazendo agora apenas uma atualização de dados".

Cinchetto admite ter participado da organização de 2002 que, segundo acusa, planejava golpear a reputação de José Serra (PSDB), candidato à sucessão de Fernando Henrique Cardoso. "O grupo está de posse daquele dossiê até hoje onde aparece o Ricardo Sérgio. Estão fazendo uso de dados que nos foram passados na época por funcionário do Banco do Brasil."

Ricardo Sérgio foi diretor do BB na gestão FHC. Mendonça de Barros exerceu o cargo de ministro das Comunicações no mesmo período. Preciado é casado com uma prima de Serra.

Os três são citados no processo aberto pela Corregedoria da Receita para identificar quem furou o sigilo de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB - a suspeita é que a ação ocorreu na agência do Fisco em Mauá, na Grande São Paulo.

Por que os alvos são os mesmos?

Em 2002, o grupo sabia que o principal candidato a ser batido era o Serra e foi se preparando para reunir o máximo de informações contra ele. Eu avisei que não havia nada que desabonasse o Serra, que ele é ficha limpa. O grupo de inteligência se determinou a vasculhar a vida dos aliados mais próximos do Serra para tentar atingi-lo e afetar sua candidatura.

O sr. acredita que os mesmos personagens do grupo de 2002 estão envolvidos nesta ação na Receita?

Não tenho dúvida nenhuma. É sequência, uma extensão. Eles não teriam alvo tão definido principalmente agora que quase ninguém ouve mais falar em Ricardo Sérgio, ninguém nem sabia quem era Gregório Preciado e o Mendonça de Barros nem está em tanta evidência assim. Por que os mesmos nomes? É o desespero de tentar colar no Serra uma biografia de coisas erradas. Mas não tem. Pode-se enfrentar o Serra de qualquer maneira, menos no terreno da moral e da credibilidade. Se o grupo não gosta, paciência. O material de agora, a partir de dados da Receita, é requentado. Prejudicar o Serra é uma obsessão do pessoal do PT.

Como foi a operação de 2002?

A gente já tinha como alvos principais o Ricardo Sérgio e o Gregório. Houve uma triangulação, eu tive um encontro no Maksoud Plaza de São Paulo com o senador Antonio Carlos Magalhães (morto em 2007). Ele tinha um vasto material sobre o Ricardo Sérgio, os dois haviam brigado. Eu pedi ao senador que entregasse os documentos para o nosso grupo. A gente tinha certeza que iria atingir o Serra. Minha missão era trazer esse material para o grupo do PT. Recorremos ao ACM porque o grupo de inteligência ainda não tinha acesso fácil à máquina da administração, não tinha elementos infiltrados em repartições públicas estratégicas. Com o poder na mão o grupo devassou sigilos. Estão usando instrumentos do Estado. As informações daquele dossiê podem ter sido atualizadas, mas a base de toda a investigação de agora é o dossiê de 2002.

Quem fazia parte do grupo?

O pessoal do ABC e o pessoal dos bancários de São Paulo liderado pelo Ricardo Berzoini (ex-presidente do PT) e outros que nos apoiavam. O que está sendo feito hoje em Mauá eu posso afirmar que é comandado pela ala sindical ligada ao prefeito Luiz Marinho (de São Bernardo), ao Grana (Carlos Alberto Grana, candidato a deputado estadual) e ao Vicentinho (que concorre à reeleição a deputado federal). É o núcleo forte do governo, o grupo do ABC. Não por acaso essas violações de dados na Receita estão surgindo por ali. É uma tentativa de desqualificar o Serra na mão grande.

A turma de 2002 se comunica com o grupo que age na Receita?

Continuam operando juntos e se a imprensa não divulgasse eles continuaram operando nos porões, acessando informações secretas porque hoje eles estão mais fortes, eles agregaram outros setores nesse trabalho de inteligência que se iniciou lá atrás. Outros sindicalistas participam, é máquina poderosa.

O grupo de inteligência do PT aperfeiçoou métodos de ação e conta com colaboradores infiltrados na máquina pública?

Não há dúvida. O problema é que o governo nunca faz nada. Imaginei que o Lula na Presidência fosse varrer a podridão do sindicalismo. Não fez nada. Desde 2002 eu denuncio esse grupo. Ninguém tem coragem de me colocar perante o Congresso, perante as autoridades. Eu atuei com eles, trabalhei pelo grupo. Não tenho medo. Eu sou fruto deles, faço parte deles, nasci com eles. Fui testemunha ocular de todas as falcatruas do movimento sindical.

O grupo a que o sr. se refere se fortaleceu no governo Lula?

É evidente. Se isso ocorreu daquela maneira que eu presenciei, imagina agora que eles têm indicações na Petrobrás, na Itaipu Binacional, no Conselho de Desenvolvimento Econômico. Já vasculharam minha vida, mas eu não sou da laia deles. Eu quis me desgarrar dessa turma não porque recebi proposta daqui ou dali. Saí por causa da minha consciência. Não aceito a máfia sindical. Fazer uma aceração é o que eu mais gostaria, ficar frente à frente com todo o grupo, o Berzoini, o Marinho.

Serra ataca ''guerra de baixaria'' do PT

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidenciável diz que vazamento de dados de tucanos teve cunho eleitoral e classifica episódio como ""modalidade criminosa"" de campanha

Carolina Freitas

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, classificou a quebra de sigilo de tucanos como uma "modalidade criminosa" de campanha. "Não é a primeira vez que eu sofro desse tipo de baixaria. Vocês lembram o dossiê dos "aloprados", comandado pelo atual candidato do PT ao governo de São Paulo (Aloizio Mercadante). Agora tem mais essa. Há uma permanente guerra de baixaria."

O vazamento de informações fiscais foi mencionado pelo candidato durante discurso para empresários ligados à Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), na capital paulista. "Um candidato não pode ter duas caras. Tem de ter uma cara só. Não dá para brincar com o Brasil. É preciso que a pessoa tenha uma só opinião sobre questões como a liberdade de imprensa, o aparelhamento do Estado e crimes contra a Constituição, como foi feito agora com essa quebra de sigilo."

Serra voltou a cobrar da adversária Dilma Rousseff (PT) explicações sobre a violação de sigilo. "Dilma tem de dar explicações ao Brasil do que aconteceu, por que foi feito e quem são os responsáveis."

Crime. O tucano disse que o vazamento teve finalidade eleitoral, para beneficiar Dilma. "A informação inicial para o Eduardo Jorge (vice-presidente do PSDB, que teve dados vazados) foi passada pela Folha de S. Paulo como tendo sido recolhida no comitê do PT, da Dilma", disse Serra.

"Isso é um crime contra a Constituição. É uma transgressão gravíssima. Trata-se do governo entrando na vida privada das pessoas e utilizando informações para finalidades eleitorais, como instrumento de chantagem." Indagado se entraria na Justiça para ter esclarecimentos sobre o caso, Serra disse que a decisão caberá ao PSDB.

Mais tarde, durante caminhada em Bauru, ao lado do candidato do PSDB ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin, Serra voltou a acusar o governo federal e Dilma pelo episódio. Alckmin também falou do assunto.

"A injustiça cometida é uma ameaça à sociedade. É injustificável que havendo uma garantia constitucional de que só pode ter quebra de sigilo por ordem judicial, pessoas dentro da Receita Federal quebrem o sigilo, e ainda com interesse político. Se verificarmos as pessoas que tiveram o sigilo quebrado, são da oposição", afirmou o candidato ao governo do Estado. "É preciso investigar, ver as razões disso e haver uma punição exemplar." / COLABOROU JAIR ACEITUNO

Ministro do Supremo vê 'golpe baixo'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mariângela Gallucci

Brasília - O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), classificou como "péssimo" o episódio da quebra ilegal de sigilo fiscal de integrantes do PSDB e disse que no campo eleitoral não cabe golpe baixo nem bisbilhotice.

"Num Estado Democrático de Direito, há de se preservar certos valores. E o valor coberto por sigilo é um valor maior", afirmou . "Não cabe bisbilhotice", disse.

Segundo o ministro, é "sintomático" que esse episódio tenha ocorrido durante o período eleitoral.
"Vamos disputar. Que vença o melhor", afirmou. "No campo eleitoral, não há espaço para o golpe baixo."

Indagado se o fato seria típico de campanha, Marco Aurélio respondeu: "Se for, é um golpe baixo. Evidentemente não cabe, numa caminhada eleitoral visando ao sucesso, não cabe golpe baixo. Nós temos de disputar observando a ordem jurídica, observando os parâmetros fixados por essa ordem jurídica. É assim que se avança culturalmente."

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, disse que a entidade está "perplexa e indignada" com a notícia sobre a quebra de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB. "O Estado brasileiro deve uma explicação convincente e rápida para demonstrar que não está conivente com esse tipo de procedimento ilegal e que fere o princípio constitucional do sigilo, essencial à segurança do próprio Estado Democrático de Direito", afirmou.

Ophir disse que a sociedade espera que o Ministério Público e a Polícia Federal apurem o caso. "A não-apuração e punição afetam a credibilidade do Estado brasileiro no que diz respeito ao cumprimento da Constituição e dos tratados internacionais", afirmou.

Para Mônica Serra, se nada for feito, vira ditadura

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Angela Lacerda

"Estamos em uma democracia e essas coisas não podem acontecer. Se nada for feito, estamos em uma ditadura", reagiu ontem Mônica Serra, mulher do presidenciável José Serra, à quebra de sigilo fiscal de tucanos.

"Quando isso acontece sistematicamente é uma questão muito mais séria, porque é uma questão do direito, de como ele está funcionando", disse.

"Me sentiria em uma ditadura se passasse em branco e nada acontecesse", reiterou, ao avaliar o caso como perseguição, já que um dos alvos tem vinculação familiar com Serra (Gregório Marin Preciado, casado com uma prima do candidato).

Mônica deu entrevista no início da tarde, em restaurante no bairro de Brasília Teimosa, onde almoçou ao lado de mulheres aliadas da coligação que apoia Serra em Pernambuco (PSDB-PMDB-DEM-PPS). Ela preferiu minimizar as pesquisas que apontam a queda de Serra.

"Pesquisa é coisa de momento, voto e eleição se definem no dia, quando se abrem as urnas."

Marina: devassa ''é prenúncio do que se fará''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Evandro Fadel

A candidata do PV à Presidência, Marina Silva, criticou ontem, a violação do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e de outros três tucanos. "Não se pode utilizar meios ilícitos para conseguir informação de quem quer que seja", afirmou, em Curitiba. Mais tarde, em Maringá, pediu punição para o que chamou de vale-tudo na campanha.

"Uma campanha já é um prenúncio daquilo que se fará quando se chegar ao poder e quem não respeita a legislação, quem não respeita as instituições antes de ganhar, que garantia teremos de que respeitará depois que chegar lá?", argumentou.

Em razão disso, Marina afirmou que em sua plataforma de governo deixou claras as orientações sobre a questão ética da campanha. "Eu coloquei que não iríamos usar de baixaria com ninguém, não iríamos fazer ataques pessoais a ninguém e não iríamos usar qualquer tipo de informação por meios ilícitos para tisnar a honra de quem quer que seja."

"Arapongagem". Em Maringá, a candidata do PV voltou ao assunto. "Merece o repúdio da sociedade essas tentativas de conseguir informações por meios ilícitos", afirmou. "Já não é a primeira vez que nos deparamos com essa arapongagem. É fundamental que o Estado Democrático de Direito seja respeitado, e quem assume o governo deve respeitar o que estabelece a lei. Rejeito esse vale-tudo. Quero ganhar a eleição falando a verdade."

Marina rejeitou mudanças na estratégia de campanha por causa das últimas pesquisas eleitorais, em que mantém índices abaixo de 10% das intenções de voto. "Vou continuar no mesmo caminho", disse ela. "Farei críticas duras quando o caso merecer, mas sempre baseada no senso de justiça e não no vale-tudo." / COLABOROU ROGERIO FISCHER, ESPECIAL PARA O ESTADO

Uma relação de 140 vítimas

DEU EM O GLOBO

A seguir, a lista em ordem alfabética das pessoas que tiveram os dados fiscais acessados, segundo a investigação da Corregedoria da Receita Federal:

Adalberto Nadur; Adeildda Ferreira Leão dos Santos; Agnaldo Carlos de Souza; Albertino Bertino Correia Lins; Alex Assaiante Donida; Alexandre Augusto Ramos Ferreira; Aluisio José de Castro Filho; Amanda Batista de Siqueira Santos; Amauri Jacintho Baragatti; Ana Carla Voltani; Ana Maria Braga Maffei; Ana Maria Rodrigues Caroto Cano; André Maia Brasil; Antonio de Souza Bina; Antonio Russo Netto; Arcio Moniz Barbosa; Armando Ferreira da Cunha; Barbara Elisabeth Laffranchi Bettoni Malta; Bernardo Valentini; Carla Estevão de Andrade Argenta; Carlos Alberto Hailer Bocuhy; Carlos Sidney Coachman; Carmen Duarte Braz; Celso José Bellini; César Jesus Camasao; Claudia Garcia Retamero; Clayton Luiz da Silva; Clovis Celestino Pereira; Conceição da Costa; Czarda Maria Nóbrega de Mendonça; Daisy Cristina Rodrigues Conceição; Daniela Santamaria Schreiter; Darcio Tadeu Mendes; Darcy Chinelato Rossi; Denise Finochiaro; Deuzivan Alencar Aguiar; Edson Pedro dos Santos; Edson Toshiyuki Maruyama; Edson Vanderlei dos Santos; Eduardo Jorge Caldas Pereira; Eliana Aragão; Eliomar Gabriel de Pádua; Ernesto Duarte; Euclea Passarelli; Eurico de Azevedo Sodré Neto; Everaldo Gomes Ferreira; Everaldo Medeiros; Fernando Rodrigo Cano Balsanelli; Genaro Alves dos Santos; Genésio Garcia Naveros; Genivaldo José dos Santos; Geraldo Antonio Prearo; Geraldo Licinio Rosa; Giorgio Pignalosa; Gregório Marin Preciado; Heleno Pereira Neco Filho; Henrique Gomes dos Santos; Hercia Diniz Gusmão; Ilda Maria do Patrocínio da Silva; Irineu Antonio Trovo; Irineu Ballon; Ivan Salles da Silva; Jeanete Roizman; Jefferson Albarenga Alves; João Aparecido da Silva; João Batista dos Santos; Josafá Santos Brasil; José Alberto dos Santos Braz; José Bertino de Vasconcelos Filho; José Expedito Aquino Freitas; José Hildo Vieira da Silva; José Luiz Fioretto; José Luiz Lourenço; José Ramos da Silva; José Roberto de Souza; Junia Eliza da Fonseca; Junior da Silva Pacheco; Kleber Caetano; Leone Mariano; Leonel Pinto Rodrigues Figueira; Luciano Gazen; Luis Vanderlei Reis; Luiz Antonio Baptista; Luiz Antonio Cano Larios; Luiz Carlos Mendonça de Barros; Magda Rejane Chielle Barcelos; Manoel Augusto Rodrigues Foz; Manoel Batista Neto; Manoel Marques Sobrinho; Manuel Teodoro Fernandes dos Ramos; Marcelo Vanucci Leocadio; Marcio Ferreira Leão; Marcos José de Oliveira; Maria Eliane Alves; Maria Helena Ribeiro Monteiro; Marly Angela Mariano; Maurício Silva Xavier; Mauro Suaiden; Mércia Mary Diniz Gusmão; Michael Klein; Miguel Graziano Russo; Murilo Guerato; Neuza Graziano Russo; Nilo Cottini Filho; Osmar Guerato; Ozena da Silva Souza; Paula Cardoso Sabatine; Paulo Vilela Meireles; Pedro Raminelli; Pedro Victor de Oliveira Silva; Raphael Oscar Klein; Regis Gomes de Oliveira; Renata Simone Queiroz; Renato Francisco Delgado; Ricardo Sergio de Oliveira; Ricardo Soares Rocha; Ricaro Firveda Arias; Roberto Graziano Russo; Roberto Villa Real Junior; Robson Emílio da Silva; Rogerio de Napoli; Ronaldo de Souza; Rosivaldo Macedo Wanderlei; Samuel Klein; Sandra Regina Juliani; Sandra Taeko Amanuma; Sandro Rodrigo de Souza; Santuza Borges de Andrade; Sidney Paulo Alves; Silton Hugo Schreiter; Stefano Navarro de Barros Ibrahim; Thais Barros Reis; Thelma Mendonça; Thiago Ramos Pignalosa; Valdecir de Souza; Valdemir Cunha Lopes; Waldemar dos Santos Braz; Waldemar dos Santos Braz Filho; Waldemar Vicente Magalhães; Waldemir do Vale.

Tucanos e aliados preparam ofensiva judicial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PSDB vai entrar com ação no TSE por abuso de poder político de agentes públicos em favor da campanha de Dilma

Ana Paula Scinocca

A violação de sigilo de quatro pessoas ligadas ao candidato tucano à Presidência, José Serra, desencadeou uma ofensiva judicial do PSDB e aliados. Enquanto o PSDB decidiu entrar com representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), líderes da oposição foram à Procuradoria-Geral da República.

Para ingressar com representação no TSE, o PSDB alega abuso de poder político de agentes públicos a favor da campanha da adversária Dilma Rousseff (PT). "Seria muita ingenuidade considerar que não houve motivação eleitoral", afirmou o advogado do PSDB, Ricardo Penteado, ao classificar o caso como "gravíssimo".

Na outra ponta, líderes da oposição estiveram à tarde na procuradoria, onde foram recebidos pelo subprocurador Eugênio Aragão, para pedir a instauração de inquérito para a apuração de crimes "comuns e eleitorais".

No documento, assinado por deputados de PSDB, DEM e PPS, os parlamentares pedem ainda a designação de um procurador da República para acompanhar as investigações junto à Receita.

"Trata-se de um crime gravíssimo e que mostra que há um lado partidário e também de crime organizado", afirmou o vice-líder do PSS, deputado Raul Jungmann (PE). "Tudo isso mostra que se você não está ao lado do governo está ao relento, encurralado e propenso a ter sua vida devassada."

Para o líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA), a quebra de sigilo é crime contra a democracia. "É muito grave o aparelhamento de uma instituição pública que tem o dever de preservar o sigilo dos cidadãos", disse.

A ideia inicial dos líderes de oposição era ir ainda ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas eles não foram recebidos pelo presidente do tribunal, Cezar Peluso. Na Procuradoria-Geral da República, eles também não foram recebidos pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que estava ontem em Florianópolis.

Peluso participou da sessão plenária de julgamentos do STF. De acordo com a assessoria de imprensa do tribunal, os deputados pediram para se encontrar com Peluso, mas o presidente do STF não deu resposta. Segundo a assessoria, Peluso não iria recebê-los porque não tinha espaço em sua agenda. / COLABOROU MARIÂNGELA GALLUCCI

Liminar do Supremo derruba censura a humor na eleição

DEU EM O GLOBO

O vice-presidente do STF, ministro Ayres Britto, concedeu liminar derrubando a censura ao humor na eleição. Processo eleitoral não é estado de sítio, decidiu Britto, que atendeu parcialmente a uma ação movida pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV. A decisão aponta a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Eleitoral que proíbe o uso de recursos que, supostamente, ridicularizem os candidatos.

Ayres Britto libera o humor na eleição

Ministro do STF concede a liminar pedida pela Abert e suspende censura à sátira política na campanha

Fabio Brisolla e Luiza Damé

RIO e BRASÍLIA. O ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem à noite liminar suspendendo a censura ao humor na campanha eleitoral. O texto da liminar suspende os efeitos do trecho da Lei Eleitoral que se refere às restrições aos programas de humor na TV e no rádio. O ministro atendeu a uma ação de inconstitucionalidade proposta pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert). O caso agora ainda será julgado pelo plenário do STF.

Com a decisão, Ayres Britto reconheceu a inconstitucionalidade do inciso número 2 do artigo 45 da lei, que proibia o uso de trucagens, montagens ou qualquer recurso de edição que pudesse ser considerado como uma difamação ao candidato, partido ou coligação. A restrição atingia diretamente as sátiras políticas realizadas por programas de humor na TV.

A ação da Abert também reivindicava a suspensão do inciso 3 do artigo 45, que diz respeito à proibição de críticas diretas a candidatos pelas emissoras. Em relação a este inciso, o ministro manteve o o texto, deixando a interpretação para caso a caso, de acordo com a interpretação da Constituição. O advogado Gustavo Binenbojm, da Abert, explicou a decisão em relação ao inciso 3: Isso significa que fica assegurado o direito da crítica jornalista, vedando-se apenas favorecimentos (a candidatos) que descambem para a propaganda eleitoral.

Em sua decisão, Ayres Britto escreveu: Se podem as emissoras de rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral, também podem fazê-lo no período eleitoral.

Até porque processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a nossa Constituição toma como fato gerador de restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei (inciso III do art. 139).

A decisão de Ayres Britto é provisória. Ainda está sujeita a uma confirmação pelo plenário do STF, onde será realizado o julgamento final da ação de inconstitucionalidade.

A liminar concedida por Ayres Britto, no entanto, resulta numa imediata suspensão das restrições que limitavam os programas humorísticos.

Na Rede Globo, a trupe do Casseta & Planeta havia cancelado as imitações dos presidenciáveis. Na Rede TV, o Pânico deixou de tratar das eleições. E, na Band, o CQC suavizou o tom das perguntas a candidatos durante a campanha eleitoral.

Em outro trecho da liminar, Ayres Britto escreveu: A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias.

Tanto em período não eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais.

O ministro entende que o exercício da liberdade de imprensa permite ao jornalista fazer críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Mas a liminar alerta que o jornalista responderá penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta.

O ministro escreveu ainda que o humor é um estilo de fazer imprensa. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de imprensa, sinônimo perfeito de informação jornalística, afirmou.

Ação na Justiça e protesto contestaram censura Na terça-feira, a Abert protocolou no STF a ação direta de inconstitucionalidade contra as restrições impostas aos programas de humor pela legislação.

A ação de inconstitucionalidade, proposta pelo advogado Gustavo Binenbojm, também contestou o trecho que impedia a difusão de opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes em programas de TV ou rádio. Pelo documento, os dispositivos da lei atual inviabilizam a veiculação de sátiras, charges e programas humorísticos envolvendo questões ou personagens políticos durante o período eleitoral.

No domingo, humoristas promoveram uma passeata na orla da Praia de Copacabana. O protesto chamou a atenção para a censura no período eleitoral. Para cumprir as exigências da lei, os programas de humor tiveram roteiros alterados nas últimas semanas.