sábado, 23 de novembro de 2019

Marco Aurélio Nogueira* - Polarizações paralisantes

- O Estado de S.Paulo

A que está dada entre o bolsonarismo e o lulismo só beneficia o atraso político

Política é luta, disputa, busca de poder. Não pode ser vivida e praticada como se a harmonia e o entendimento apagassem contradições e diferenças. O elogio do conflito como fator de propulsão política é comum ao pluralismo liberal e à teoria da luta de classes.

O dissenso – o direito a ele, a liberdade de expressão, pensamento e crítica – faz parte da democracia, que não pode viver sem ele e sem os embates por ele propiciados. Nem toda polarização produz guerra de extermínio. Nas democracias os polos se respeitam, convivem, fiscalizam-se, podem até cooperar.

A ideia de consenso deve ser posta em termos claros, determinados. Apresentada em abstrato é uma ilusão perigosa, que pode levar à banalização do conflito e à “reconciliação” entre atores que precisam manter-se como diferentes para que a luta política adquira pleno significado e possa até mesmo dissolver os antagonismos maniqueístas. Consenso de modo algum significa a suspensão do conflito ou a dissolução das diferenças.

Observadores da cena política nacional dizem que a atual polarização entre bolsonarismo e lulismo não pode ser eliminada por um consenso centrista, que não teria força social para prevalecer. Alguns veem o consenso não como algo a ser construído, mas como mera tradução da realidade. Acreditam que, se nenhum bloco de forças é suficientemente forte, a proposição de um amplo entendimento seria diversionismo fadado ao fracasso.

Para complicar, entendem a polarização de modo restrito: só a percebem como virtude, numa reprodução empobrecida da visão liberal-pluralista que concebe o conflito como impulsionador da democracia. Preocupam-se em atacar uma hipotética “terceira via”, que entendem em chave funcionalista, como “meio-termo”. Pensam que ser radical é proclamar as razões de um polo contra outro, com o que rejeitam qualquer esforço de mediação.

José Roberto Batochio* - A afronta à Constituição e a volúpia de prender

- O Estado de S.Paulo

Oxalá a sensatez deite raízes e iniba de vez a fúria do indevido encarceramento

Não há tirania mais cruel que aquela que se exerce à sombra das leis e com as cores da justiça
Montesquieu, em Do Espírito das Leis

Uma das formas mais comuns de a tirania se manifestar no Estado “punitivista” é o encarceramento que desrespeita o princípio da presunção de inocência do cidadão investigado – sobretudo quando nem foi condenado e sequer denunciado se acha como autor de um suposto crime ainda em apuração. Como abundantes jabuticabeiras penais, essa forma de violência institucional está em permanente expansão na esfera do aparato da persecução penal do Brasil. Antes de investigar, prende-se. Antes de denunciar, prende-se. Antes de condenar, prende-se. E a prisão, que deveria ser a resposta final imposta como punição ao réu induvidosamente culpado, passa a ser uma aleatória e opressiva antecipação do imprevisível desfecho do que seria o devido processo legal.

A volúpia, se não sanha, de aprisionamento que empolga certas autoridades, tradicional e abusivamente lançada no lombo de centenas de milhares de pessoas do povo, agora deu para se estender a ex-presidentes da República cujo crime é figurar em depoimentos de terceiros (delatores premiados) em inconclusos inquéritos policiais ou outros feitos. Um foi detido recentemente por breve tempo e um segundo agora teve sua detenção pretendida pela Polícia Federal com a impenitente e jamais demonstrada alegação de que poderia obstruir investigações.

João Domingos - A antítese do PT

- O Estado de S.Paulo

Até por falta de tempo, falta medir o tamanho do partido de Bolsonaro

O partido que o presidente Jair Bolsonaro está criando, do qual é presidente da comissão provisória, e o filho, o senador Flávio Bolsonaro (RJ), é o vice, surge como a antítese do PT.

E, como o PT, provavelmente será falado, estudado e dissecado. Luiz Inácio Lula da Silva foi o sindicalista que ganhou notoriedade na segunda metade dos anos 1970 e fundou o PT no início dos 80, ainda na ditadura militar. Tal partido, que depois chegaria à Presidência da República e só sairia com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, nasceu da junção do pensamento da elite sindical, do clero progressista, de acadêmicos de esquerda que rejeitavam o PCdoB e o antigo PCB, por tê-los como inviáveis, retrógrados e dogmáticos, e de trotskistas fundamentalistas.

Jair Bolsonaro fundou o Aliança pelo Brasil (APB) a partir do próprio clã familiar, de parlamentares que foram eleitos em sua onda política e de adeptos de uma linha de pensamento da direita que ainda não é possível definir muito bem. Só já se sabe que está se acostumando a misturar política com religião, é conservadora ao extremo e confia na tese de Bolsonaro de que uma pessoa pode se armar para se defender de quem estiver armado e ameaçar a sua segurança ou a de seus familiares. Um grupo que até pouco tempo não costumava aparecer nem expor suas ideias.

Adriana Fernandes - Reforma interrompida

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro quer uma proposta mais suave; está cansado de pautas impopulares

A obstrução da reforma administrativa pelo Palácio do Planalto nada tem a ver com a necessidade de garantir mais foco aos projetos de reformas fiscais e ao pacote de estímulo ao emprego, que já estão no Congresso.

Desde o início, a estratégia governista foi a de enviar as principais agendas de reformas no primeiro ano de governo e acomodar as prioridades de votação na articulação com as lideranças políticas. Passada a Previdência, esse era o roteiro. Todas as reformas num embalo só.

O fato é que a equipe econômica costurou um projeto ambicioso de mudanças no RH do serviço público, mas não acertou direitinho os detalhes com o presidente e seus principais auxiliares. Jair Bolsonaro já declarou que quer uma proposta de reforma mais “suave”.
O presidente está cansado das pautas impopulares.

Os sinais de irritação do Palácio foram sentidos quando a equipe econômica deixou para a última hora a decisão de enviar, à Casa Civil, o texto final das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo, do ajuste emergencial e de alteração dos fundos setoriais.

Na véspera do anúncio das três PECs, o clima esquentou, com bate-boca entre as equipes. Itens foram retirados do texto, entre eles uma medida que permitia que as despesas dos Estados e municípios com salários de inativos pudessem ser utilizadas para cumprir os mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação.

Gilvan Cavalcanti de Melo - Um cenário: a defesa da Constituição

- Publicado na Revista Política Democrática Digital, nº 13 - novembro 2019

É o instante de pensar o compromisso com o País. Isto é, tentar desvendar a complexa sociedade brasileira, a partir dos elementos que definem o processo de afirmação de nosso capitalismo e de suas profundas modificações. Entender este itinerário facilitaria muito o caminhar futuro. E só no marco da Carta de 88, a democracia política, será o porto seguro para este pensar reformista.

O rumo mais real é debruçar-se sobre a conjuntura. Como fazê-lo? Os clássicos da política já legaram algumas sugestões, pelo menos metodológicas, para analisar e fazer previsões. Todos eles, de uma forma ou de outra, deixaram rica experiência para verificar as relações de forças. Em outras palavras, pensar como um conjunto de normas práticas de pesquisas e observações singulares pode despertar o interesse pela realidade palpável e suscitar, ao mesmo tempo, faculdades de perceber, discernir ou pressentir políticas mais meticulosas e robustas.

Quais são estes elementos metodológicos?

Em primeiro lugar, investigar uma relação de forças sociais conectada à estrutura. Isto pode ser avaliada com os métodos das estatísticas. À base do nível de desenvolvimento das forças materiais de produção, organizam-se os agrupamentos sociais, cada um dos quais representando uma função e ocupando uma determinada posição na produção. Esta é uma relação real, concreta, independe do observador, é factual. São elementos que permitem avaliar se, em determinadas situações, existem as condições suficientes para as mudanças. Possibilita monitorar o grau de realismo e de visibilidade das diferentes ideias que o processo gerou.

Monica de Bolle* - Ressuscitando Prebisch?

- Revista Época

Custo a acreditar que algum economista hoje aposte todas as fichas no quadro internacional para explicar a instabilidade econômica e política da América Latina

No último domingo, a Folha de S.Paulo publicou um longo ensaio de dois cientistas políticos sobre as relações entre a instabilidade política na América Latina e o que apontam como as causas fundamentais da instabilidade econômica — o título do artigo é “Frustração com economia alimenta revoltas na América do Sul”. Para sustentar a tese de que a instabilidade política da região provém da instabilidade econômica causada pelo tipo de inserção internacional das economias da região, os autores constroem um índice que se vale apenas das condições externas, a saber: a taxa de juros nos Estados Unidos e os preços das matérias-primas nos mercados internacionais.

A partir da construção do que denominam “Índice de Bons Tempos Econômicos” desde os anos 1960 até o presente, os cientistas políticos identificam momentos de instabilidade política justamente quando o indicador cai, isto é, quando o “bom tempo econômico” se torna um “mau tempo econômico”.

A ideia de que a instabilidade política e econômica da América Latina está intimamente relacionada com o quadro internacional — sobre o qual países da região não têm controle — não é nova. No fim dos anos 1940 e ao longo dos anos 1950 vários economistas latino-americanos de tradição cepalina desenvolveram a tese da dependência, ou teoria da dependência: a América Latina estaria fadada a conviver com ciclos de extrema volatilidade econômica por ser uma região tradicionalmente exportadora de matérias-primas, portanto, excessivamente dependente dos mercados internacionais. Economistas como Raúl Prebisch, um dos principais formuladores da teoria da dependência, abstiveram-se de relacionar diretamente volatilidade econômica com instabilidade política, embora elas estivessem muitas vezes intrinsecamente associadas em seus escritos.

Ricardo Noblat - A aposta de Lula na polarização com Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

De olho no segundo turno da eleição de 2022

A discordância é o elemento fundador da democracia, embora não o único. Se ela não existe ou não é tolerada, democracia não há. A polarização é possível numa democracia. Ela ocorre quando duas forças se antagonizam dada à fraqueza circunstancial das demais.

Nas falas anteriores, à saída da cadeia em Curitiba e no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, Lula falou para seus devotos. Revelou-se amargo, ressentido e disposto a vingar-se dos que acusa de terem tramado sua exclusão temporária da política.

Na abertura, ontem, do 7º Congresso do PT, em São Paulo, falou para dentro do partido, e não poderia ter sido diferente, mas preferencialmente para fora. Assumiu que está de volta para polarizar com o governo Bolsonaro. E que o siga quem quiser.

“Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de extrema-direita”, esbravejou.

Hélio Schwartsman - A pena original

- Folha de S. Paulo

O corrupto precisa perder o patrimônio que já possuía antes de meter-se na aventura

Como estou até agora recebendo e-mails irados por ter defendido na coluna do dia 19/11 que corruptos não deveriam ir para a cadeia, creio que vale desenvolver um pouco mais a argumentação.

Um bom lugar para começar é a função da pena. Estou ciente de que a maioria da humanidade é retributivista, isto é, acha que quem provoca algum mal à sociedade merece receber um castigo por isso. É difícil fundamentar esse raciocínio sem recorrer a abstrações metafísicas como Deus ou a ideia de justiça.

Como não gosto muito de religiões, um caminho que me parece mais sólido para justificar a pena é sua dimensão preventiva. Impomos sanções ao criminoso tanto para impedi-lo de seguir com o comportamento delituoso como para, pelo exemplo, convencer outros agentes de que imitá-lo não é uma boa ideia.

Julianna Sofia - A onça no andar de cima

- Folha de S. Paulo

Reforma administrativa em 2020 pode se limitar a reorganização do RH

Os planos de encaminhar a reforma administrativa ao Congresso ainda neste ano fizeram água. Mostra-se exitoso o lobby da elite do funcionalismo para desidratar a proposta em formulação pela equipe econômica, e o Palácio do Planalto preferiu ganhar tempo para mexer nesse vespeiro, adiando a iniciativa para 2020 --alguém por lá atinou se tratar de ano eleitoral?

Pode não vingar, portanto, a pretensão inicial de acabar com a estabilidade para novos servidores, reduzir o número de carreiras, alinhar os salários aos do setor privado, criar travas para promoções e estabelecer regras rigorosas de avaliação de desempenho. Não é desprezível o risco de a arrojada reforma limitar-se a uma reorganização do RH do Estado brasileiro.

Hoje, a folha de pagamento representa o segundo maior gasto primário do governo. Em primeiro lugar, vem a Previdência. Mas já há quem diga que ganho fiscal não pode ser objetivo da reforma administrativa.

Demétrio Magnoli* - A alma inteira num tuíte

- Folha de S. Paulo

O problema de Weintraub não é Deodoro, mas a ruptura política que inaugurou a modernidade

Abraham Weintraub, o moleque malcriado da sexta série que ocupa a pasta da Educação, chamou a mãe de uma internauta de “égua sarnenta e desdentada”. Aqui e ali, pedem sua demissão, como se fosse possível, por essa via, lavar com sabão a boca do governo Bolsonaro. Esquece-se, no processo, a fonte da controvérsia e do insulto. O tuíte inicial do ministro, uma faísca de nonsense antirrepublicano, ilumina a alma inteira do novo partido de Bolsonaro.

A peça acusa o “traidor” Deodoro da Fonseca de, pela Proclamação da República, entregar o Brasil “às famílias oligarcas que, além do poderio econômico, queriam a supremacia política”. Junto, a imagem de Deodoro ao lado da montagem fotográfica de um Lula na farda, na barba e no bigode do marechal.

Na superfície, é “guerra cultural” barata: uma operação de descontextualização histórica destinada a atacar a elite política (“famílias oligarcas”), associando-a ao lulismo, para promover a ideia de um poder superior capaz de personificar a unidade da nação (Bolsonaro).

No fundo, é a exposição mais completa que um seguidor inculto de Olavo de Carvalho conseguiu produzir do ralo mingau filosófico do mestre. Trata-se, portanto, de uma imagem radiográfica das ideias que circulam no núcleo do bolsonarismo.

O contexto evita enganos. Lula, um dia, elogiou o “planejamento de longo prazo” do governo Geisel; Bolsonaro, todo dia, elogia a tortura do regime militar. Nenhum deles faz da ditadura militar sua referência política. O primeiro identifica-se com o nacionalismo estatista; o segundo exalta a violência e a aversão à democracia. O tuíte de Weintraub diz tudo. O inimigo ideológico de Bolsonaro é a República —não, precisamente, a república brasileira de 1889, mas o próprio conceito de República.

Roberto Simon* - Ironias do pinochetismo brasileiro

- Folha de S. Paulo

Novo culto a Pinochet revela mais do que ignorância histórica

Depois de “o nazismo foi de esquerda”, a nova temporada na série de falsificações históricas do bolsonarismo tem o ditador chileno Augusto Pinochet como herói principal. O pinochetismo é outra ideologia que, depois de bem velhinha, veio morar no Brasil: a direita chilena hoje no poder, a começar pelo próprio presidente Sebastián Piñera, tenta ao máximo se afastar do pesadelo dos anos Pinochet.

Não por acaso, quando Jair Bolsonaro atacou o pai da ex-presidente Michelle Bachelet, torturado e assassinado pela ditadura chilena, Piñera —recém-chegado de Brasília, no auge da crise dos incêndios na Amazônia— foi forçado a ir à TV se distanciar do aliado brasileiro.

A ironia maior é que Pinochet representa a antítese de vários valores que o bolsonarismo diz representar.

Aos lavajatistas roxos, por exemplo, vale lembrar que Pinochet foi talvez o líder mais corrupto da história do Chile. Quem descobriu isso não foi Cuba, mas o Senado e o Departamento de Justiça dos EUA —o mesmo que ajudou o Ministério Público brasileiro a derrubar o cartel das empreiteiras, na era petista.

Merval Pereira - Professor de juridiquês

- O Globo

Como televisionamento ao vivo dos julgamentos, os votos no STF ficaram maiores em média 26 páginas

A estupefação que causou o voto de quatro horas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na abertura do julgamento sobre o compartilhamento de dados entre os órgãos de persecução penal (Ministério Público e polícia) e os de investigação (Unidade de Inteligência Financeira—UIF, antigo Coaf —e Receita Federal) foi provocada pela tentativa de sinuosamente voltar atrás sem deixar clara a mudança.

Tão obscuro o voto que teve que ser explicado mais tarde por uma nota oficial. Há pesquisas, como a do economista Felipe de Mendonça Lopes, da Fundação Getulio Vargas, que mostram que, com o televisionamento ao vivo dos julgamentos, os votos ficaram maiores em média 26 páginas, o que aumenta o tempo de leitura em cerca de 50 minutos. O ministro Luís Roberto Barroso definiu bem o momento: “Seria preciso chamar um professor de javanês”. Referia-se ao conto “O homem que sabia javanês”, de Lima Barreto, sobre um vigarista que, sem saber nada do idioma, se apresentou como professor de javanês a um barão que colocara um anúncio em busca de alguém que lhe ensinasse a língua.

A utilização de métodos econométricos deu a ele a certeza de que a mudança de composição do plenário do Supremo não tem nada a ver com o aumento do tamanho dos votos, mas sim a transmissão ao vivo. Já houve quem propusesse o seu fim, mas parece uma decisão impossível de ser revista, devido à cobrança sempre maior da transparência das decisões, não necessariamente clareza.

Míriam Leitão - Bolívia busca uma saída para a crise

- O Globo

O pior efeito da crise na Bolívia é a volta das fraturas étnicas em um país marcado pela longa violência contra os indígenas

La paz é uma cidade vulnerável. Ela fica num vale a 3.600 metros de altitude e acima dela, como quem a vigia, fica El Alto, cuja população cresceu muito nos últimos anos. A partir de lá quem controla três ou quatro pontos bloqueia a capital boliviana e impede o acesso a alimentos, combustíveis e ao aeroporto. É o risco permanente nestes dias. Do ponto de vista político, esta semana teve uma melhora porque a Câmara e o Senado conseguiram se reunir, foi enviado um projeto de lei sobre a nova eleição. Mas o quadro é complexo, sensível, delicado.

Existem 45 mil brasileiros morando na Bolívia, 30 mil ficam em Santa Cruz. Seria melhor ter lá a nossa embaixada, mas no governo brasileiro ninguém confirma decisão de transferência da nossa representação. Existem apenas planos sendo estudados, de reduzir pessoal ou de transferência da embaixada. Esta semana, quando a situação de desabastecimento estava ficando crítica, e La Paz estava quase parando, o governo conseguiu, com escolta militar, pegar combustível e trazer para a cidade a quantidade que foi definida no noticiário local como “30 cisternas”.

O governo provisório, de Jeanine Áñez, toma decisões que deveriam caber a um governo permanente, como trocar o pessoal diplomático em alguns países e decretar que cessaram as funções de vários embaixadores na OEA e ONU. A presidente argumenta que eles estavam se aliando ao Evo.

Ascânio Seleme - Quem vai salvar o Rio?

- O Globo

Em 38 dias começa mais um ano eleitoral. O Brasil vai eleger 5.570 prefeitos e 56 mil vereadores em 2020. Será um teste importante para o presidente Bolsonaro, para o PT do Lula livre e para se saber como anda o centro político nacional. Mas, muito além dessa prévia de 2022, o que estará em jogo em outubro do ano que vem é a vida das cidades e das pessoas. Os efeitos de políticas erradas elaboradas e implementadas por maus prefeitos, eleitos de maneira apressada e sem reflexão, talvez sejam mais danosos aos cidadãos do que o resultado de equívocos cometidos no plano federal.

O Rio, que nos últimos três anos viveu a pior administração da sua História, corre seríssimo risco de cometer o mesmo erro em 2020 e reeleger o bispo Marcelo Crivella para mais quatro anos. Se isso ocorrer, a cidade provará sua vocação para atrair catástrofes sobre si mesma. Dos possíveis candidatos que se oporão a Crivella no ano que vem, destaque para o ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM, e para o deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL. Ambos têm problemas. Paes acaba de ser denunciado pelo ex-presidente da Fetranspor Lélis Marcos Teixeira por recebimento de propina de R$ 40 milhões para sua campanha de reeleição em 2012. Freixo é de um pequeno partido de esquerda que tem dificuldades em se consolidar no Rio.

Paes explicou apressadamente a delação premiada de Teixeira, já homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Questionado, ele respondeu por WhatsApp o seguinte: “Acabei de receber cópia da delação. Tudo de ouvir dizer. É um delírio completo”. Pode ser, mas o fato é que quem ouviu dizer foi o ex-presidente da Fetranspor, e seus interlocutores, de quem ouviu as acusações contra Paes, são os donos das empresas de ônibus que em dez anos desembolsaram R$ 120 milhões para garantir aumentos exorbitantes de tarifas e barrar CPIs. Sorte de Paes é que Crivella também foi acusado por Lélis Teixeira. Resta saber como o eleitor responderá a isso.

Carlos Melo * - Aliança pelo Brasil nasce como expressão do personalismo

- O Estado de S.Paulo

Partido do presidente Jair Bolsonaro não busca o governo das leis, mas de um homem em especial e de seu clã

A revolução tecnológica das últimas décadas desestruturou o mundo do trabalho e aumentou o desconforto econômico e social de enormes parcelas da população. Novas formas de comunicação e expressão surgiram e desorganizaram sistemas políticos, que, perplexos com tal vertigem, foram apanhados por escândalos de corrupção. Logo, não é disparate que Estados estejam em crise e, por decorrência, partidos políticos também.

A necessidade deveria obrigar a olhar para frente: fazer um bom e correto diagnóstico do que se passa, buscar alternativas e soluções; mitigar os custos de uma inevitável transição; reestruturar e aperfeiçoar as instituições. Como se diz, para sair do buraco é preciso parar de cavar; no mais, fazer do medo uma escada.

Não é o que tem ocorrido. Até que tudo volte a melhorar é possível que piore. O mal-estar questiona quase tudo o que se pôs em pé:
o iluminismo, a democracia, a ideia de que, acima dos indivíduos, a sociedade deve ser governada por instituições. Ao contrário, cresce o apelo às religiões e, paradoxalmente, o ímpeto de recorrer à força.
Barricadas são reerguidas: forja-se a polaridade esquerda-direita quando avançar ou retroceder é de fato a questão.

A Aliança pelo Brasil, do presidente Jair Bolsonaro e de seus próximos, não foge ao figurino: falta-lhe diagnóstico correto e seu propósito é regressivo. Recorre à infalibilidade do mito e à sua disposição guerreira. Nasce como expressão do personalismo, do patriarcalismo e do messianismo ancestrais. Não busca o governo das leis, mas de um homem em especial e de seu clã. Apela a Deus e esquece a civilização.

* Cientista político e professor do Insper

Marcus Pestana - Sobre polarização, intolerância e consensos

- O Tempo (MG)

Com a libertação do ex-presidente Lula se instalou uma intensa discussão sobre o agravamento da polarização política no Brasil. O debate franco e aberto é da natureza do sistema democrático. A intensidade é variável dependendo da conjuntura. Isto pressupõe um acordo tácito entre as mais diversas correntes do pensamento político e ideológico sobre a legitimidade de todas as partes que participam do jogo e o respeito ao império das leis, da Constituição e das instituições permanentes. O fortalecimento da democracia depende de que qualquer polarização tenha como produto consensos progressivos que permitam o avanço de soluções em torno da agenda que interessa à sociedade.

O pano de fundo que preocupa na radicalização do processo político brasileiro é a ocorrência de crises agudas e impasses em países como Bolívia, Equador, Chile e Hong Kong. Também nas democracias avançadas o desemprego, os movimentos migratórios e as ameaças introduzidas pela globalização produziram o crescimento da radicalização no Reino Unido, na França e nos EUA, entre outros.

No Brasil e no mundo, os velhos paradigmas ideológicos entraram em crise. As respostas não são lineares e fáceis e os fundamentos estão embaralhados. A divisão superficial e rasa entre direita, centro e esquerda é limitada diante de um mundo novo e complexo.

Revista Política Democrática nº 13 - novembro 2019



O que a mídia pensa – Editoriais

Sensatez tributária – Editorial | Folha de S. Paulo

Receita acerta ao defender taxação menor sobre o consumo e maior sobre a renda

Depois de meses perdidos em devaneios como a ressurreição da CPMF, a área econômica do governo Jair Bolsonaro ensaia um discurso mais sensato —do ponto de vista social, inclusive— a respeito de diretrizes da reforma tributária.

Um entendimento singelo, mas fundamental, foi enunciado na quarta (20) pelo secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, que está há apenas dois meses no cargo. Ele se disse de acordo com a ideia de reduzir a carga incidente sobre o consumo e elevar a tributação direta da renda.

Trata-se, em bom português, de uma redistribuição da conta imposta à sociedade para o sustento dos governos federal, estaduais e municipais. Em tese ao menos, o caminho proposto se mostra mais justo e favorável à maioria.

O Brasil, como se sabe, taxa em demasia seus cidadãos —cerca de um terço da renda nacional é apropriado pelo setor público em tributos, proporção mais típica de países de renda elevada.

Poesia | Vinícius de Moraes - Máscara mortuária de Graciliano Ramos

Feito só, sua máscara paterna
Sua máscara tosca de acridoce
Feição, sua máscara austerizou-se
Numa preclara decisão eterna.

Feito só, feito pó, desencantou-se
Nele o íntimo arcanjo, a chama interna
Da paixão em que sempre se queimou
Seu duro corpo que ora longe inverna.

Feito pó, feito pólen, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua máscara enxuta de homem forte.

Isto revela em seu silêncio à escuta:
Numa severa afirmação da luta
Uma impassível negação da morte.

Música | Martinho da Vila - Minha e tua