terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Sem noção

- O Globo

O ditado latino “Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir” é a melhor explicação para o que acontece entre nós nos dias recentes. A começar pela festa de Neymar para 500 (150?) convidados no réveillon em Mangaratiba. Um estudo publicado no Journal of the American Association for the Advancement of Science no início deste mês, analisado no LinkedIn pelo economista e especialista em risco Paulo Dalla Nora Macedo, mostra que uma reunião internacional de 175 executivos da farmacêutica Biogen nos dias 26 e 27 de fevereiro em Boston foi responsável por nada menos que uma média de 245 mil casos de coronavírus confirmados nos Estados Unidos.

Este é um dos maiores estudos de como o coronavírus se espalha no decorrer do tempo, baseado no rastreamento dos casos e suas cepas genéticas únicas. O potencial de disseminação da doença aumenta no momento em que os índices de infecção e mortalidade estão em alta no Brasil. Teria condições de fazer essa festa na França? O insucesso subiu à cabeça de Neymar.

O conceito grego da húbris está ligado a essa falta de comedimento de figuras públicas brasileiras. A confiança excessiva leva, por exemplo, o presidente Bolsonaro a ter a língua solta, afirmando que não “dá bola" para pressões, mesmo que sejam pela vida dos brasileiros que, ao contrário de cerca de habitantes de 40 países, não têm a mínima ideia de quando poderão ser vacinados.

Como se estivesse numa negociação comercial, diz que o Brasil é “um mercado enorme” e, por isso, os laboratórios é que deveriam se antecipar ao pedido de registro na Anvisa. Mercado de vidas ? Quem deveria se antecipar não era o governo, como fizeram inúmeros deles ao redor do mundo, reservando as doses de vacinas necessárias à imunização de seus cidadãos?

Míriam Leitão - Uma disputa nada trivial no Congresso

- O Globo

Há muito mais em jogo na disputa do comando das duas casas do Congresso do que parece. As diferenças ideológicas entre partidos de centro, ou entre pessoas de um mesmo partido, podem parecer imperceptíveis. Mas, dependendo da escolha feita pelos parlamentares, o país elevará os riscos institucionais que correm na atual administração, ou terá a chance de reduzi-los.

A autonomia do Legislativo é parte fundamental da barreira contra as tendências autoritárias do presidente e de luta contra a sua agenda retrógrada. Não se espera um Congresso que faça oposição ao presidente, mas que ponha limites ao Executivo dentro do necessário e saudável processo de freios e contrapesos.

Bolsonaro, em 2020, no início da pandemia, participou de manifestações que pediam o fechamento do Congresso. Isso deveria ser o suficiente para convencer os partidos de oposição, ou os parlamentares que têm apreço pela democracia, de qualquer partido ou tendência, a ficarem longe de um deputado ou senador que tenha a marca de candidato desse presidente.

Não foi exagero, portanto, que a frente articulada pelo deputado Rodrigo Maia em torno do deputado Baleia Rossi tenha se apresentado com a bandeira da democracia. É disso que se trata. E quem deixou isso claro foi o próprio presidente, com a sua reiterada apologia da ditadura militar que vitimou o Brasil por duas décadas. Hoje o governismo representa também apoio às medidas de desmonte do aparato de proteção institucional das comunidades indígenas, do meio ambiente, da educação e da saúde.

Carlos Andreazza - Pós-Maia

- O Globo

Ele não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política

Rodrigo Maia não foi mau presidente da Câmara. Melhor nos últimos dois anos que no biênio anterior, em que vislumbrou nas flechadas de Janot contra Temer a chance de chegar à Presidência da República. Terá amadurecido. Não que precisasse crescer muito. Mais provável sendo que tenha se beneficiado ante a pequenez média dos pares; assim como Mandetta — um Oswaldo Cruz diante do general Pazuello. O estadismo possível no Brasil pazuellizado de Bolsonaro: o por contraste.

Entre o início de 2019 e o fevereiro próximo, Maia terá gerido a pior composição da história do Parlamento, em que a renovação bolsonarista plantou volume sem precedente de desqualificados e delinquentes. Seu maior mérito consistiu mesmo em se ter investido como agente político, trabalhando por meio da política, num período em que a criminalização da política tornou-se grande eleitora. Dessa forma — com respeitável consciência institucional — conseguiu edificar o orçamento de guerra e planear o chão para o auxílio emergencial, sem o qual o país teria se convertido em caos.

Bloco de Maia deve dominar principais postos na Câmara

Bloco em torno do nome de Baleia Rossi (MDB-SP) para sua sucessão negocia a entrega dos dois cargos mais importantes na Mesa Diretora da Casa ao PT e ao PSL

Natália Portinari, Bruno Góes e Isabella Macedo | O Globo

BRASÍLIA - Articulado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o bloco em torno do nome de Baleia Rossi (MDB-SP) para sua sucessão negocia a entrega dos dois cargos mais importantes na Mesa Diretora da Casa ao PT e ao PSL, maiores bancadas da aliança. Em fevereiro, além de eleger um novo presidente, os deputados também escolherão os futuros ocupantes dos demais postos na Mesa — ela é composta pelo presidente e por outros dez cargos.

Estes postos são distribuídos de forma proporcional entre os blocos partidários, levando em conta o tamanho das legendas na eleição de 2018. Hoje, o grupo de Maia e Baleia Rossi tem onze partidos, com 281 deputados. O de Arthur Lira (PP-AL) tem nove partidos, com 181 parlamentares.

Ainda que haja traições e Lira consiga se eleger presidente, a divisão da Mesa se dá com base nos blocos formalizados. Por isso, o candidato do PP tenta evitar que partidos de esquerda, que já declararam apoio a Baleia Rossi, concretizem o ingresso formal no bloco partidário articulado por Maia.

Os cargos mais importantes são a primeira vice-presidência e a primeira secretaria. Pela composição atual, as duas posições caberiam ao bloco de Maia e devem ser entregues a PT e PSL, as maiores bancadas.

Entrevista | Bloco de sucessão na Câmara é sinal forte sobre aliança para 2022, diz Maia

Presidente da Casa reclama de condução do governo Bolsonaro na pandemia e diz que marca de sua gestão foi recuperar 'protagonismo' do Parlamento

Danielle Brant / Julia Chaib | Folha de S. Paulo

 BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerra em fevereiro de 2021 o último de três mandatos seguidos à frente da Casa.

Em entrevista à Folha, ele avalia que a marca de sua gestão foi recuperar o protagonismo do Parlamento, além de ressaltar o papel do Congresso no combate à pandemia.star

Nos últimos dias, Maia anunciou a formação de um bloco para a disputa da sua sucessão que reúne 280 deputados, de partidos de centro-direita e direita (DEM, MDB, PSDB e PSL) e de oposição, como PT, PC do B, PDT e PSB.

O candidato é Baleia Rossi (MDB-SP), que vai disputar o cargo com Arthur Lira (PP-AL), líder do chamado bloco do centrão e apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O seu grupo na disputa, avalia Maia, é um ensaio para a eleição presidencial de 2022 e "um grande passo" para diminuir as radicalizações no país.

Como o senhor avalia a sua gestão? 

Nós tivemos durante um longo período do ano passado e até o meio da pandemia o entorno das redes sociais do governo, do presidente, com muita agressão ao Parlamento, ao Supremo e às instituições democráticas.

Na pandemia, se não fosse o Congresso, a maioria dos projetos mais importantes não teria andado. Acho que foram dois anos de uma experiência muito interessante e perigosa nesse enfrentamento, que chegou até a se jogar fogos em direção ao Supremo Tribunal Federal.

A experiência adquirida anteriormente me ajudou a manter o equilíbrio, manter o diálogo institucional e, principalmente, com os ministros técnicos do governo, para que a Câmara pudesse ter um protagonismo importante [após a entrevista, acrescentou, em mensagem, que seu maior arrependimento foi ter 'levado o Paulo Guedes a sério'].

O sr. teve uma trégua no relacionamento com o Paulo Guedes, mas depois desandou. O sr. conversou com ele no último mês? 

Não estou rompido com ele não. Mas eu não preciso [dialogar com ele]. Votamos tudo sem a gente precisar ter um diálogo.

Algumas votações defendidas pelo sr. não ocorreram. Por exemplo, a PEC Emergencial, que poderia abrir espaço para ampliar o Bolsa Família. 

Do meu ponto de vista, foi um erro [deixar para 2021]. A gente deveria ter avançado, com toda polêmica. Porque era um desgaste menor abrir espaço no Orçamento e garantir a ampliação do Bolsa Família do que deixar milhões de brasileiros sem nenhum tipo de proteção, mesmo que a proteção fosse um valor menor que o valor do auxílio emergencial.

Por isso que eu sempre defendi que a reforma mais importante naqueles últimos meses era a PEC Emergencial. Por isso defendi a não entrada em recesso por parte do Congresso, mas o governo interpretou isso como uma tentativa de usar o plenário da Câmara na minha sucessão.

Eliane Cantanhêde - O pino da granada

- O Estado de S. Paulo

O acesso de Lula às mensagens hackeadas da Lava Jato vai explodir no STF e em 2022

Ao abrir os arquivos hackeados da Lava Jato para os advogados do ex-presidente Lula, o ministro Ricardo Lewandowski tirou o pino da granada e vem por aí uma explosão política com epicentro no Supremo Tribunal Federal e estilhaços nas eleições presidenciais de 2022. Lewandowski escolheu o momento a dedo, com o Supremo já em chamas.

Os arquivos têm cerca de 7 TB (terabytes) de memória, o que corresponde a toneladas de papel, mas Lewandowski permitiu o acesso da defesa de Lula “apenas” às mensagens de autoridades – o então juiz Sérgio Moro e a força-tarefa da Lava Jato – que tenham relação com o ex-presidente e as ações contra ele. Detalhe: mensagens que digam respeito a ele até indiretamente, o que abre uma janela sem fim.

O impacto mais previsível tende a ser no julgamento sobre os pedidos de suspeição de Moro nos casos de Lula, que estão na Segunda Turma do STF e embutem a tentativa de anular suas condenações pelo triplex do Guarujá, pelo qual já ficou 580 dias preso, e pelo sítio de Atibaia. Se o STF declara a suspeição de Moro, tudo volta à primeira instância, à estaca zero. E Lula se torna elegível em 2022.

Luiz Carlos Azedo - Espinhos do recesso

- Correio Braziliense

Esquentam a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados e a polêmica jurídica sobre a Lei da Ficha Limpa, flexibilizada pelo do STF ministro Kassio Nunes Marques

No jargão jornalístico, flores do recesso são os assuntos que tomam conta do noticiário político quando o Congresso e o Judiciário estão sem funcionar, geralmente alimentados pelo Executivo, pelos candidatos ao comando da Câmara e do Senado e pelos ministros de plantão no Judiciário. São tão frondosas como as flores da primavera, porém, menos decisivas do ponto de vista do processo político. Entretanto, nesses tempos bicudos de pandemia do novo coronavírus, com mais de 190 mil mortos e sem data marcada para o começo da vacinação, estamos diante é de flores com espinhos.

As principais são a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados, que a oposição encara como uma espécie de batalha de Stalingrado, para conter o avanço de Jair Bolsonaro rumo à reeleição à Presidência da República, e a polêmica jurídica sobre a Lei da Ficha Limpa, cuja flexibilização, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, o novo integrante da Corte indicado pelo presidente, supostamente possibilitaria — entre outras — a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto em 2022. Esse seria o adversário que Bolsonaro gostaria de ter no segundo turno, para uma espécie de vitória de Waterloo particular. Essas duas disputas, durante o recesso, podem nos trazer alguma emoção política, ao lado da polêmica sobre as vacinas contra a covid-19.

Ricardo Noblat - Sem vacinação à vista, 2021 será uma reprise do ano que termina

- Blog do Noblat | Veja

Para Bolsonaro, vidas pouco importam

O ex-ministro Sergio Moro perguntou se tem presidente em Brasília. O ministro da Justiça respondeu que tem, que não tinha era ministro da Justiça antes de ele assumir o cargo.

O problema não é se tem ou não presidente em Brasília – formalmente tem. O problema é a natureza do presidente que há em Brasília, e ali permanecerá por mais dois anos.

O presidente que existe disse há três dias que não dava bola para o fato de outros países terem começado a vacinar em massa contra o coronavírus, e o Brasil ainda estar distante disso.

Há dois dias, disse que espera que a vacinação, por aqui, comece rápida. Ontem, tentou culpar os laboratórios pela falta de vacinas e isentou-se de qualquer culpa:

– Eu não errei nenhuma medida. Erro zero.

Nem de ter tratado a pandemia como uma gripezinha? Nem de ter demitido dois ministros da Saúde em meio à pandemia, desprezando a maioria dos seus conselhos?

Cristina Serra - 'Feliz Ano Velho'

- Folha de S. Paulo

O mundo todo enfrentou a mesma pandemia, mas não a mesma tragédia

A retrospectiva de 2020 pode ser escrita com as aspas expelidas de uma boca hedionda. O poder do vírus estava "superdimensionado", sem motivo para "histeria', "comoção" ou "pânico". Tudo poderia ser resolvido com um "dia de jejum" do povo brasileiro. Se fosse contaminado, por seu "histórico de atleta", o profeta da escuridão teria apenas um "resfriadinho" e seria curado por uma poção mágica, a cloroquina.

O vírus produziu um oceano de lágrimas, e o cronista do abismo arremessou palavras como pedras sobre a dor dos brasileiros: "Não sou coveiro", "E daí?", "Eu sou Messias, mas não faço milagre". Incentivou aglomerações e a contaminação porque o vírus é como uma "chuva", "vai atingir você" e "todos nós iremos morrer um dia". "Tem que deixar de ser um país de maricas".

Pablo Ortellado* - O abominável

- Folha de S. Paulo

Ao confundir o divergente com o abominável, polarização política promove a intolerância.

Nos bastidores das batalhas ideológicas, há uma disputa velada sobre onde demarcar os limites do politicamente aceitável.

Enquanto certos conservadores tentam enquadrar adversários e dissidentes em uma visão ampliada e delirante do comunismo, alguns ativistas de esquerda tentam subsumir seus adversários em uma visão ampliada e distorcida do fascismo.

Em ambos os casos há um movimento duplo de ampliar o escopo e estigmatizar o adversário. O fascista não seria apenas o apologista da tortura e da ditadura, mas também aquele que defende as privatizações, se opõe às cotas raciais ou apoia a Lava Jato; o comunista não seria o apoiador de regimes totalitários, na Coreia do Norte ou na Venezuela, mas também aquele que defende o devido processo legal, apoia a universidade pública ou quer a ampliação das políticas sociais.

O primeiro, abominável, subsome o que vem depois, torna-se a sua verdade. O fascismo vira a verdade oculta das privatizações, e o comunismo, a verdade oculta da universidade pública.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Refundar um país

- Folha de S. Paulo

O início da nova década serve como reinício psicológico

Em 2022 o Brasil completará 200 anos de sua independência. E votará mais uma vez para escolher seu futuro. Entre esta terra arrasada que é 2020 e a data simbólica e decisiva, temos 2021. O início da nova década serve como reinício psicológico para nos repensar e nos redescobrir: por que amamos nosso país? Ou ainda: vale a pena amá-lo?

O patriotismo está supostamente em alta. Por trás do kitsch bolsonarista que pinta cada milímetro de nosso campo de visão com as cores da bandeira, contudo, pressente-se profundo desprezo e o desejo de serem americanos. O exagero neurótico do símbolo revela a ausência da coisa real.

Para a direita, o Brasil é o país da corrupção, da preguiça e do “jeitinho” (no mau sentido do termo). Carecemos da ética protestante, não temos instituições impessoais, não temos capitalismo e nem cultuamos o ideal de uma meritocracia competitiva como a mais alta realização. Um país comodista, indolente e corporativista. Se for direita religiosa, é também o país marcado por práticas pagãs, pelo sincretismo e pelos horrores da libertinagem e do Carnaval. Bolsonaro teria vindo para limpar tudo isso.

Andrea Jubé - O “diplomata” da Amazônia Legal

- Valor Econômico

Dino: “eleição mostrou que sozinho ninguém faz gol”.

Um dos desafetos do presidente Jair Bolsonaro, e ator relevante nas articulações por uma (ainda utópica) frente ampla progressista, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), conversou com a coluna sobre três temas espinhosos para o governo federal: Amazônia, vacinas e a movimentação da esquerda para 2022, na esteira do resultado das eleições municipais.

Há oito dias, Dino foi eleito presidente do consórcio da Amazônia Legal, bloco que reúne os nove Estados da região (AM, AC, RO, RR, PA, MA, AP, TO e MT), e mantém interlocução com o presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão.

De perfil conciliador, Dino explica que a articulação que o alçou à presidência do bloco deveria ser exemplo para as imbricadas disputas da esquerda por espaço no tabuleiro eleitoral.

“Vou presidir o consórcio na base do entendimento”, ensina. Duas semanas antes da eleição, ele começou a telefonar para cada um dos oito governadores, a maioria do espectro político de direita. Até o governador de Roraima, Antônio Denarium (sem partido), bolsonarista, votou nele, eleito por unanimidade. “Se há diálogo, você consegue agregar. Se tenta impor na pancada, fica difícil."

José Eli da Veiga* - Adeus ao IDH

- Valor Econômico

É preciso nova métrica do desenvolvimento humano, embutindo as “pressões planetárias” no IDH

É bem difícil saber quais poderiam ser esperanças minimamente realistas para a década a se iniciar nesta sexta-feira. Mas nada parece superar a importância da manutenção de uma governança global capaz de, ao menos, evitar conflito nuclear. Por isto, não fosse o temor da expiração do tratado ‘New START’, apenas duas semanas depois da posse de Joe Biden, não deveria ser outro o motivo de maior celebração neste fim de ano.

Supondo a permanência de tal mínimo de governança global, quais poderiam ser, então, expectativas plausíveis sobre o futuro da humanidade, em meio às inevitáveis pandemias a se somarem às outras consequências dos graves retrocessos ecológicos? Seria razoável apostar em avanços do processo civilizador, comparáveis à média dos últimos 200 anos? Ou, com extremo otimismo, dos últimos 70?

Boas respostas poderão emergir de debate sobre o trigésimo relatório do Pnud, intitulado “A próxima fronteira: desenvolvimento humano e o Antropoceno”. Tal “fronteira” seria o término das piores pressões dos humanos sobre o planeta, entre as quais se destacou, em 2020, a encrenca dos patógenos zoonóticos. Para sobreviver e prosperar, diz o Pnud, será necessário encontrar um caminho para o progresso respeitoso do entrelaçamento dos destinos dos humanos e da biosfera. Hoje, carbono e crescente dilapidação da biosfera estão minando, em vez de expandir, as oportunidades para os mais desfavorecidos.

Assis Moreira - Brasil agora fala em sustentabilidade

- Valor Econômico

Expectativa nos foros internacionais é que Joe Biden reduza belicosidade americana no comércio global

No apagar das luzes deste terrível 2020, a diplomacia brasileira começou discretamente a dar ênfase, na Organização Mundial do Comércio (OMC), a uma questão até agora minimizada por Jair Bolsonaro: sustentabilidade ambiental.

É preciso ver que o governo brasileiro tem procurado, sem sucesso, corrigir a percepção internacional, resumida pela revista “The Economist”, de o presidente Jair Bolsonaro como possivelmente o chefe de Estado mais perigoso no mundo para a área ambiental.

O cerco ao seu governo nessa área tende a aumentar em 2021 especialmente pelos Estados Unidos sob o comando do democrata Joe Biden a partir de 20 de janeiro.

A União Europeia (UE) já se apressou em delinear uma estratégia para trabalhar junto com os EUA em comércio e clima, medidas visando evitar fuga de carbono, aliança em torno de tecnologias verdes, um quadro regulatório mundial para finanças sustentáveis, uma liderança comum na luta contra o desmatamento e o reforço da proteção dos oceanos.

Essa agenda interessa à China. Pequim investe maciçamente em tecnologia verde, tem planos para acelerar a descarbonização de sua economia e evitar propagação de novos tipos de barreiras no comércio global.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Populismo e democracia na pandemia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro fez o oposto do que lhe cabia fazer. Esse modo de agir suscitou a reação da sociedade

A edição brasileira de novembro do Journal of Democracy publica o artigo A cartilha populista brasileira, de Amy Erica Smith. Ao analisar os efeitos da pandemia e a reação do governo Bolsonaro sobre o funcionamento das instituições democráticas, a professora de ciência política da Universidade Estadual de Iowa apresenta reflexões pertinentes. A resposta do presidente Jair Bolsonaro à crise sanitária deixou muito a desejar, mas suas evidentes deficiências parecem ter contribuído para uma maior resistência de outras lideranças e para uma reação da sociedade civil.

“Apesar das consequências humanas trágicas e incomensuráveis da covid-19 no Brasil, a doença está provocando um impacto mais ambíguo na saúde da democracia do País”, diz Amy Erica Smith. “Ao evidenciar as fraquezas de Bolsonaro, a pandemia parece ter favorecido um movimento de resistência por parte de outros representantes eleitos.”

Segundo o artigo, “não é simplesmente que a incapacidade de Bolsonaro de conter o coronavírus fortalece o sistema de freios e contrapesos. Os acontecimentos dos últimos meses parecem ter revelado que algumas das ameaças de Bolsonaro eram vazias. (...) À luz desses não acontecimentos, o golpismo de Bolsonaro – ou seja, seu apoio ideológico aberto à intervenção militar – parece cada vez mais ser apenas jogo de cena, uma ameaça que ele faz como aceno a parte de sua base e intimidação da oposição”.

Música | Lenine - Dor de amor ((Acyr Marques / Arlindo Cruz / Zeca Pagodinho

 

Poesia | João Guimarães Rosa - Sono das Águas

Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d’água.
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir…

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem.
E adormece
até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes…
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono…