segunda-feira, 25 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Prisões no caso Marielle trazem alento e preocupação

O Globo

Alento, porque os suspeitos de ordenar o crime foram presos. Preocupação, pelo envolvimento de autoridades

Seis anos e dez dias depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, a Polícia Federal (PF) prendeu o deputado federal Chiquinho Brazão (ex-União-RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa. Os irmãos Brazão foram apontados como mandantes do crime. Barbosa, segundo a PF, planejou o assassinato. As prisões ocorreram depois da homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da delação do sargento reformado da PM Ronnie Lessa, um dos dois responsáveis pela morte de Marielle e Anderson (o outro é o ex-PM Élcio de Queiroz).

Segundo as investigações, Marielle defendia, contra interesses do clã Brazão, a ocupação social de uma área na Zona Oeste do Rio reivindicada por milicianos para incorporação imobiliária. Os atritos ganharam corpo pela oposição dela a um projeto de lei defendido pelos irmãos. Na delação, Lessa afirmou que a divergência pode ter sido o estopim para o crime.

Maria Cristina Fernandes - Teia pluripartidária entre crime e política resiste

Valor Econômico

Resistência que governo enfrentou até da base para chegar a mandantes aumentará se for adiante

Seis anos depois, a Polícia Federal deu por encerrada a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao apontar os mandantes. A prisão dos suspeitos abre uma oportunidade ímpar para o desbaratamento da infiltração da política, do Judiciário e da economia do Rio pela milícia e pelo crime organizado. A dúvida é se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem gordura no Congresso, onde esta teia se consolidou, se disporá a mais este enfrentamento.

Ao anunciar a conclusão do caso, ao lado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que o caso pode se desdobrar em outras investigações. Nas suas primeiras páginas, o relatório da PF aponta a reincidência das omissões da Polícia Civil do Rio, do Ministério Público estadual e do Judiciário ao longo da investigação dos assassinatos na favela Nova Brasília, no Rio, que levaram à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017. O relatório explicita a determinação deste governo em não incorrer em nova condenação.

Bruno Carazza* - Não basta prender quem mandou matar

Valor Econômico

Trajetórias de Marielle e dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão expõem o melhor e o pior da política brasileira

Eu já me preparava para dormir no dia 14 de março de 2018 quando comecei a ler nos portais da internet informações sobre o assassinato de uma vereadora do Rio de Janeiro e de seu motorista. A notícia logo me chamou a atenção, por representar uma escalada no nível de violência da política brasileira, num momento em que a polarização da sociedade já se encontrava em ebulição.

Confesso que até então eu nunca havia ouvido falar de Marielle Franco. Porém, conforme escrevi no dia seguinte no blog “O E$pírito das Leis”, que eu mantinha na “Folha de S.Paulo” na época, logo percebi que Marielle era mais do que a cara do Brasil - ela era o símbolo de uma nova geração de políticos que surgia no país.

Fernando Gabeira - Brasil e ranking de felicidade mundial

O Globo

Para que se declarem felizes, as pessoas precisam de um sistema público de saúde eficaz

Um ranking da felicidade mundial andou circulando na semana passada. O Brasil aparece no 44º lugar. Os escandinavos figuram, como sempre, na dianteira.

Sou cético diante do conceito de felicidade permanente. Concordo com o poeta Vinícius de Moraes e a vejo como uma gota de orvalho que oscila e cai como uma lágrima de amor.

Trabalho mais com o conceito de segurança, ou mesmo de aversão ao risco. A social-democracia o interpretou bem e ganhou mentes e corações.

Para que se declarem felizes, as pessoas precisam de um sistema público de saúde eficaz. A saúde, para mim, é o fundamento da sensação de felicidade, assim como o bom passe é um fundamento para uma boa partida de futebol.

Miguel de Almeida - A ‘burcarização’ da política

O Globo

Ao criar a França muçulmana, Houellebecq talvez tenha pensado no Brasil

Em “Submissão”, Mohammed Ben Abbes, apoiado por uma frente ampla política, é eleito presidente da França. Até a vitória, mostra-se tipo cordato, democrático, embora desde o início não esconda as garras — sua chapa chama-se Fraternidade Muçulmana. Logo coloca em marcha suas crenças religiosas, explicitadas em políticas de governo, apesar de o Estado ser laico. Por estar ancorado em convicções como liberdade de expressão e opinião, mesmo em defesa de quem tenha laivos ditatoriais, o eleitorado tolerou o santo e agora ajoelha no milho.

É a burcarização da sociedade.

O romance de Michel Houellebecq, de 2015, pode ser visto como distopia, à semelhança de “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. Mais fácil entendê-lo como alarme dirigido aos liberais radicais. Defensores contumazes da circulação de ideias, formam uma turma que por vezes morre pela boca. A liberdade irrestrita de manifestação não tem limites? Estão aí as redes sociais como exemplo da terra sem a lei dos homens, onde reinam lunáticos e jagunços, em campanha permanente contra o asseio.

Ricardo Viveiros* - Como são lindos os neoliberais, mas tudo é muito mais

Folha de S. Paulo

Preocupam a alienação e a distância que se toma da emancipação humana

Livros são um prazer. Além do conteúdo, as conexões que provocam com outras obras me gratificam. "A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre a Sociedade Neoliberal", de Pierre Dardot e Christian Laval, surpreendeu pela quantidade de referências que me vieram à mente. Como em um caleidoscópio, convidei para "conversar" Friedrich August von HayekJohn Maynard KeynesFernando Henrique CardosoMichel FoucaultKarl Marx e representantes da Escola de Chicago.

Crítico que sou, a ideia de que há algo sensato em uma sociedade liberal não me convence. O colonialismo foi uma dominação capitalista. Parafraseando Caetano Veloso, cantarolei "como são lindos os neoliberais, mas tudo é muito mais" ("Podres Poderes", 1984). Fique claro que a "nova razão" dos autores está associada ao novo sentido e à pretensão holística do neoliberalismo. A dominação sobre a economia é só o ponto de partida. Dardot e Laval utilizam complexas análises históricas e sociais, além de outras psicanalíticas, para fundamentar a obra. Talvez o pensamento que melhor sintetize o neoliberalismo esteja na frase da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher: "A economia é o método. O objetivo é mudar a alma". A ideia assombra, mas faz sentido.

Marcus André Melo* - Calcificação e instituições

Folha de S. Paulo

As democracias deram um passo importante quando a ideia de alternância no poder foi entronizada

Que o Congresso não está polarizado já sabemos: a vasta maioria dos partidos que apoiavam Bolsonaro agora também apoiam Lula. Que o eleitorado está polarizado, mas não calcificado é incontroverso.

Mas, como argumentei em coluna recente, a polarização assume um caráter muito distinto quando o sistema é multipartidário, fragmentado e com baixíssima identificação partidária. A disjunção voto presidencial e voto legislativo (o fenômeno do voto Lira/Lula; ou centrão/Lula) ou a avaliação positiva do governo Lula por parte não trivial de eleitores de Bolsonaro não sugerem calcificação. A opinião pública não define o sistema político. As instituições importam: federalismo, regras eleitorais (lista aberta), sistema partidário, presidencialismo.

Prefeito baiano ensaiou resistência ao golpe em 1964, foi preso e cassado duas vezes

Eleito em 1962 em Feira de Santana, Chico Pinto antecipou políticas públicas como o orçamento participativo

João Pedro Pitombo / Folha de S. Paulo

A cidade de Feira de Santana (109 km de Salvador) fervilhava naquela noite de 31 de março de 1964, horas após chegarem os primeiros informes de que um golpe de Estado estava em curso no país.

O prefeito Francisco Pinto e aliados se revezavam em reuniões na sede do paço municipal, um prédio em estilo clássico e barroco erguido na década de 1920, e na casa dele, na avenida Senhor dos Passos. Barricadas com sacos de areia foram erguidas em frente à sede da prefeitura.

Chico Pinto fora eleito em 1962 pelo centrista PSD (Partido Social Democrático), mas era conhecido por suas ideias progressistas. Tinha relação próxima com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e fazia uma gestão que antecipou políticas públicas que seriam bandeiras da esquerda num futuro próximo.

"Discutimos o que fazer e resolvemos resistir. Uma série de providências foram adotadas para resistir aos golpistas", relembra Chico Pinto em depoimento ao livro "Autênticos do MDB", de Ana Beatriz Nader.

Militantes do PCB mobilizavam suas bases. A eles uniu-se um grupo de jovens da AP (Ação Popular) que desembarcaram em Feira de Santana fugindo de uma já sitiada Salvador. Dentre eles estavam nomes como Duarte Pacheco Pereira, Fernando Schmidt e Haroldo Lima.

Thomas L. Friedman* - Por que premiê de Israel virou um problema para Joe Biden e os EUA

Folha de S. Paulo

Por várias razões, é do interesse de Tel Aviv uma solução para a guerra em Gaza que contemple um Estado palestino

Uma das minhas regras inflexíveis do jornalismo é a seguinte. Quando você vir um elefante voando, não ria, não duvide, não zombe —tome notas. Algo muito novo e importante está acontecendo e é preciso entendê-lo.

Na semana passada, vi um elefante voar: o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, apoiador de Israel de longa data, fez um discurso pedindo aos israelenses que realizassem uma eleição o mais rápido possível para derrubar o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, e seu gabinete de ultradireita.

Foi um grande elefante voando. E isso gerou respostas previsíveis da direita judaica ("Schumer é um traidor"), de Netanyahu ("Israel não é uma república das bananas") e de cínicos ("Schumer está apenas se aproximando da esquerda democrata"). Todas respostas previsíveis e todas, erradas.

A resposta correta é, na verdade, uma pergunta: o que de tão errado pode ter acontecido na relação entre Estados Unidos e Netanyahu a levar alguém tão dedicado a Israel quanto Chuck Schumer a pedir à população do país que substitua o premiê —e ter sua fala elogiada pelo presidente Joe Biden como um "bom discurso" que delinearia preocupações compartilhadas por "muitos americanos"?

Diogo Schelp - Política e crime: elo de padrão mexicano

O Estado de S. Paulo

Caso Marielle mostra que lá e aqui, frequentemente, a política e o crime se tornam uma coisa só

Houve um tempo, no México, em que os cartéis das drogas lidavam com autoridades políticas, policiais ou judiciais de acordo com uma receita simples, que os criminosos chamavam de plata o plomo (“prata ou chumbo”, em espanhol).

Ou seja, políticos e agentes da lei podiam ser cooptados por meio do pagamento de propina (prata) ou intimidados e eliminados com o emprego da violência (chumbo). Há muitos anos, porém, os elos entre política e crime organizado no país evoluíram para um estágio mais complexo, em que interesses políticos se misturam com atividades criminosas, tornando impossível distinguir onde começa um e termina o outro, ou qual alimenta qual. É a política que está a serviço do crime ou o crime que serve à política?

Denis Lerrer Rosenfield* - Voto e valores

O Estado de S. Paulo

Não deveria causar nenhuma surpresa que a aprovação do governo Lula tenha caído entre os evangélicos

Políticos, em busca incessante pelo voto, são frequentemente orientados por visões unidimensionais, como se o ser humano fosse regido por apenas um tipo de interesse ou desejo. Ainda recentemente, o presidente Lula se teria dito perplexo por sua queda de popularidade, como se sua concepção de certas melhorias sociais não tivesse sido compreendida. O problema revela, isso sim, uma apreensão equivocada, senão restritiva da natureza humana, tendo como consequência a compreensão de que o voto seria exclusivamente ou predominantemente orientado por certos avanços nos domínios sociais e econômicos. Os valores, nessa perspectiva, desapareceriam do horizonte propriamente político e eleitoral.

Mauro Vieira* - Cessar-fogo e Palestina na ONU, necessidades urgentes

O Estado de S. Paulo

Com o enfraquecimento dos setores moderados estamos indo na contramão do caminho do diálogo e da paz que o Ocidente diz defender

Por instrução do presidente Lula, realizei na semana passada visitas à Cisjordânia, na Palestina, à Jordânia, ao Líbano e à Arábia Saudita, quatro dos protagonistas indispensáveis de qualquer futura solução de paz para o Oriente Médio. Além das reuniões de trabalho com os chanceleres, fui recebido pelos chefes de Estado e de governo palestino, jordaniano e libanês, e pelo chanceler saudita, para conversas nas quais algumas conclusões consensuais surgiram naturalmente.

A primeira é a de que o Brasil, ao contrário do que sugerem alguns críticos mais apressados, tem efetivamente um papel a ocupar no debate sobre o futuro da Palestina, sua viabilização como Estado e a construção de uma paz duradoura no Oriente Médio. Se não bastasse a relevância da defesa dos interesses de 6 mil palestinos de origem brasileira que vivem na Cisjordânia e dos 22 mil brasileiros e descendentes que vivem no Líbano, 4 mil dos quais na zona de fronteira com Israel, as autoridades com quem conversei deixaram claro que o Brasil e o presidente Lula já ocupam, na prática, um papel de liderança nesse debate. E que somos muito bem-vindos.

Ilana Trombka* - Há 200 anos de mãos dadas com o Brasil

Correio Braziliense

Vinte e cinco de março de 1824 um documento basilar era entregue aos brasileiros, foi então, nesse dia, criado o Senado Federal

Vinte e cinco de março de 1824 um documento basilar era entregue aos brasileiros. Sob a voz e a batuta de Dom Pedro I, que meses antes havia dissolvido a Assembleia Constituinte e Parlamentar e nomeado um Conselho de Estado composto por 10 membros para tal fim, a primeira Constituição de nosso país foi outorgada. Segundo o imperador, aquele texto, sim, estava à altura do Brasil e dele mesmo. Trazia a base do que até hoje compõe nosso Estado, acrescida, no entanto, do Poder Moderador. Foi então, nesse dia, criado o Senado Federal.

Fernando de la Cuadra* - La trama golpista despierta los miedos del gobierno Lula

El historiador carioca Carlos Fico ha afirmado en casi toda su producción sobre el proceso político brasileño y el Golpe de Estado de 1964, que las Fuerzas Armadas siempre han tratado de justificar jurídicamente las intervenciones y con ese próposito buscan el apoyo de especialistas en materias constitucionales para sustentar legalmente la intervención militar. (1)

De hecho, hace ya un tiempo se había filtrado la información de que algunos connotados juristas se encontraban elaborando un documento que le diera sustentación legal a la frustrada injerencia de las Fuerzas Armadas para impedir que el presidente electo Lula da Silva asumiera el poder el 1 de enero de 2023.

El Ministro de Justicia, Anderson Torres, sería el encargado para dar el soporte jurídico de las medidas golpistas a ser adoptadas. El documento conocido como “Minuta del Golpe” fue recibida por Bolsonaro en noviembre de 2022, días después de perder la segunda vuelta en las elecciones ante el candidato Lula da Silva, del Pacto Democrático “Brasil de Esperanza”. Dicho texto le fue entregado por el ex asesor Filipe Martins y por el abogado Amauri Saad, integrantes del alto escalón del comité de civiles y militares que tramaban -a partir de la derrota en las urnas- la interrupción del itinerario electoral trazado en la Constitución.

Poesia | Cada um, de Fernando Pessoa

 

Música | Maria Bethânia - Viramundo (Gilberto Gil e Capinan)