- Folha de S. Paulo
BRASÍLIA, SÃO PAULO e CURITIBA - A 27ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta sexta-feira (1º), apura um elo entre os desvios na Petrobras e o caso Celso Daniel, prefeito petista de Santo André morto em 2002 em um crime nunca esclarecido.
Foram presos na operação, batizada de "Carbono 14", o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira e o empresário Ronan Maria Pinto, que já tinham sido mencionados na investigação sobre a morte.
O foco dessa fase da investigação é o destino de um empréstimo de R$ 12 milhões contraído pelo pecuarista José Carlos Bumlai, hoje em prisão domiciliar, junto ao Banco Schahin, em 2004.
Bumlai afirmou à Polícia Federal no ano passado ter adquirido o montante para direcioná-lo ao PT.
A suspeita é que parte da quantia tenha sido usada para comprar o silêncio de Ronan, dono de uma empresa de ônibus e de um jornal no ABC paulista.
Também foram alvos de condução coercitiva (levados para prestar depoimento à polícia), o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o jornalista Breno Altman. Ao todo, foram cumpridas 12 ordens judiciais, sendo oito mandados de busca e apreensão.
De acordo com a força-tarefa da Lava Jato, o grupo Schahin, por ter concedido o empréstimo a Bumlai, obteve o direito de operação do navio-sonda Vitória 10.000, da Petrobras.
Os procuradores da Lava Jato dizem que não investigam a morte de Celso Daniel, embora tenham questionado testemunhas, durante a investigação, sobre a possibilidade de envolvimento da cúpula do PT no crime.
"O foco da nossa investigação é a lavagem de dinheiro. Os desdobramentos em relação a Santo André e à morte de Celso Daniel são investigados pelo MP-SP [Ministério Público de São Paulo]", disse o procurador Diogo Castor de Mattos.
Ao contrário da declaração do procurador, em seu despacho nesta sexta, o juiz Sergio Moro disse ser possível que haja uma ligação entre um esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André com a morte de Celso Daniel.
O nome da operação é uma referência a análises utilizadas para identificar a datação de fósseis.
Um dos documentos usados para embasar a investigação da 27ª fase foi um depoimento concedido em 2012 pelo ex-publicitário Marcos Valério de Souza em tentativa de fazer acordo de delação premiada. Nele, Valério, pivô do escândalo do mensalão, afirmou que Ronan teria recebido dinheiro para evitar que revelasse nomes de envolvidos na morte do ex-prefeito petista.
Cerca de R$ 6 milhões, metade do dinheiro do empréstimo, segundo o procurador, foram repassados a Ronan e teriam sido usados para pagar dívidas pessoais e para comprar o jornal "Diário do Grande ABC".
O valor serviria, segundo a investigação, para que o empresário parasse de chantagear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e o então ministro da Casa Civil, José Dirceu.
A outra metade, segundo depoimento de Bumlai do final do 2015, foi usada para saldar dívidas de campanha eleitoral do PT de Campinas (SP) da época.
Mesada
Silvio Pereira teve prisão temporária decretada por ter, segundo os investigadores, pedido a Marcos Valério para que intermediasse o repasse a Ronan Maria Pinto.
A investigação apontou ainda que mesmo depois do mensalão, entre 2009 e 2011, o ex-secretário do PT se beneficiou do pagamento de R$ 486,1 mil da OAS para a DNP Eventos Ltda, empresa da qual é dono. Também há uma transferência da UTC à DNP de R$ 22 mil, além de repasses de Augusto Mendonça, da Toyo Setal, e o consultor Julio Camargo, também alvos da Lava Jato em fases anteriores e hoje delatores.
Segundo o procurador, não foi encontrada nenhuma contrapartida de serviços prestados para que Pereira recebesse esse montante.
Delúbio Soares foi alvo de condução coercitiva por suspeita de representar interesses do PT na contratação do empréstimo de R$ 12 milhões.
Outro lado
Alvos da 27ª fase da Operação da Lava Jato que se manifestaram nesta sexta-feira (1º) negam envolvimento no suposto esquema de corrupção baseado no diretório do PT em Santo André (SP).
A defesa do empresário Ronan Maria Pinto, preso temporariamente sob suspeita de receber R$ 6 milhões para não revelar irregularidades do partido, afirmou que o cliente não tem "relação com os fatos mencionados" e está "sendo vítima de uma situação que, com certeza, agora, poderá ser esclarecida de uma vez por todas".
Em nota, a defesa afirma ainda que o empresário sempre esteve à disposição das autoridades para "esclarecer com total tranquilidade e isenção as dúvidas e as investigações do âmbito da operação, assim como a citação indevida de seu nome".
"Inclusive ampla e abertamente oferecendo-se de forma espontânea para prestar as informações de que necessitassem", declara a nota.
Apontado como um dos intermediários do repasse a Ronan, o jornalista Breno Altman, amigo do ex-ministro José Dirceu e ligado ao PT, disse que foi surpreendido com a notícia de que a PF estivera em sua casa, em São Paulo, com mandados de condução coercitiva e de busca e apreensão. Ele estava em Brasília, onde prestou depoimento e foi liberado.
"Minhas declarações sobre a investigação em curso, no entanto, poderiam ter sido tomadas através de intimação regular, com data e horário determinados pelas autoridades", escreveu Altman em sua página do Facebook.
No texto, ele afirma que, durante o interrogatório, não foi apresentada "qualquer prova ou indício de eventual envolvimento no caso investigado". E critica a operação, que chamou de "seletiva" e "contaminada".
"Só posso reagir com indignação ao regime de exceção que o juiz Sergio Moro resolveu estabelecer para alguns dos intimados da chamada Operação Carbono 14", afirmou. "Sou apenas mais um dos alvos deste tornado antidemocrático." Ele reiterou as declarações à Folha.
Petistas
Os procuradores da Lava Jato afirmam ter também indícios da participação dos ex-ministros petistas Gilberto Carvalho e José Dirceu no esquema de corrupção e no pagamento a Ronan.
Procurada, a defesa de Dirceu declarou que ele "não tem nada a ver com isso".
A assessoria de Carvalho informou que "ele não participou de nenhuma negociação com Ronan Maria Pinto, conforme evidências apontadas" pelos investigadores.
Sobre a morte de Celso Daniel, fato que teria motivado o repasse, a assessoria de Carvalho disse que o PT, desde o início, "teve o máximo interesse no esclarecimento dos fatos". Acrescentou que a investigação esteve sob comando da Polícia Federal do tucano Fernando Henrique Cardoso e da Polícia Civil do tucano Geraldo Alckmin.
"A morte de Celso Daniel representou a perda de um grande companheiro e um excelente quadro político."
O diretório nacional do PT negou envolvimento com o banco Schahin. "O PT nunca contraiu empréstimo com o referido banco. Todas as doações recebidas pelo partido ocorreram estritamente dentro da legalidade e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral", afirmou a sigla.
A reportagem não localizou as defesas de Silvio Pereira e de Delúbio Soares até a publicação dessa reportagem.