domingo, 7 de junho de 2015

Opinião do dia - Fernando Henrique Cardoso

O qualificativo de “direita” aplicado ao PSDB é pura jogada eleitoreira do PT. Com que autoridade um partido que governa com um lídimo representante do sistema financeiro controlando a economia, uma líder ruralista autêntica na agricultura e que entregou o comando congressual ao PMDB, sem que eu queira criticar estas pessoas, ainda se arroga em designar-se “de esquerda” e de acusar seus adversários polares como “direitistas”.
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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, em entrevista. O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 2015.

Com Planalto fragilizado, Câmara tem maior ‘ativismo legislativo’ em 20 anos

• Eleito para o comando da Casa sob a bandeira da independência em relação ao Executivo, Eduardo Cunha conduziu 121 votações até maio, número recorde em início de legislatura desde 1995; ritmo acelerado coincide com a perda de influência do governo no Congresso

Daniel Bramatti e Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O ritmo de votações imposto pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o mais rápido das duas últimas décadas, pelo menos. Nos cinco primeiros meses da atual legislatura, os deputados votaram 121 vezes no plenário - o triplo do que no mesmo período de 2011, no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Segundo análise do Estadão Dados que abrangeu todas as votações no plenário desde 1995, o recorde anterior havia sido registrado em 2007, no início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando Aldo Rebelo (PC do B-SP) estava no comando da Câmara. Na época, foram realizadas 73 votações de janeiro a maio - 40% a menos do que agora.

O ritmo acelerado coincidiu com a perda de influência do Palácio do Planalto na definição das pautas do Legislativo. Eleito sob a bandeira da “independência” em relação ao governo, Cunha tem levado a votação projetos incômodos para a presidente Dilma, como o da elevação da idade limite para a aposentadoria dos ministros do Supremo Tribunal Federal e o que amplia as situações em que as empresas poderão terceirizar mão de obra.

Reforma. O protagonismo no Legislativo ajudou Cunha a ofuscar o fato de que é um dos alvos da Operação Lava Jato. O doleiro Alberto Youssef o acusou de receber propina em um esquema de aluguel de navios-plataforma para a Petrobrás. O peemedebista nega envolvimento no caso.

Além de contrariar interesses do governo, Cunha também atropelou procedimentos da própria Câmara para que o “menu” de assuntos a serem votados no plenário ficassem a seu gosto. Ao entrar em confronto com o relator da comissão especial que analisou propostas para a reforma política, Marcelo Castro (PMDB-PI), o presidente da Câmara, com o aval da maioria dos líderes dos partidos, ignorou o resultado dos trabalhos e colocou em votação outra proposta, elaborada em menos de 24 horas. “Fizemos papel de bobo”, disse Castro, no dia 25 de maio.

Ao votar de forma fatiada os diversos pontos da reforma política, Cunha foi derrotado duas vezes no dia 26 de maio, com a rejeição das emendas que instituíam o chamado “distritão” e que colocavam na Constituição a autorização para que candidatos recebessem doações de empresas - uma prática já declarada inconstitucional por seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal.

Inconformado, o peemedebista articulou uma nova votação do financiamento empresarial no dia seguinte - desta vez, o texto permitia doações apenas aos partidos, e não diretamente aos candidatos. A proposta acabou aprovada, mas não sem polêmica: 61 parlamentares, de seis partidos, recorreram ao STF para derrubar a emenda, já que a Constituição proíbe que uma mesma matéria seja votada duas vezes no mesmo ano.

Nos últimos dias, Cunha anunciou a intenção de levar ao plenário novos temas polêmicos, como a redução da maioridade penal e a imposição de novos critérios para a nomeação de dirigentes de estatais.

Veterano. Detentor do maior número de mandatos na Câmara (11), o deputado Miro Teixeira comemora a aceleração do ritmo de votações no plenário. Para ele, a causa principal do fenômeno são as mudanças promovidas por Michel Temer (PMDB-SP), em seu último mandato como presidente da Câmara (2009 a 2010), para reduzir as situações em que a pauta de votações é trancada pela tramitação de medidas provisórias. Outro fator importante, segundo ele, foi a decisão de Eduardo Cunha de realizar sessões de segunda a quinta-feira.


'Estamos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma', diz Dirceu

·         Ex-ministro critica postura do ex-presidente e faz alusão à Lava Jato



Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Passados 10 anos da eclosão do mensalão, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa, não esconde a mágoa em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à presidente Dilma Rousseff. Em conversa com amigos na semana passada, Dirceu usou a palavra “covardia” para se referir à postura que considera omissa de Lula e Dilma durante todo o processo do mensalão. Omissão que, segundo ele, se repete agora, em relação à Operação Lava Jato, na qual Dirceu é investigado, e faz com que todos os petistas condenados ou não, inclusive o ex-presidente e a atual, carreguem a pecha de corruptos.

“De que serve toda covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação penal 470 e estão repetindo na Lava Jato? Agora estamos todos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma”, disse Dirceu, segundo relatos colhidos pela reportagem.

Durante uma década Lula se esquivou de fazer publicamente a defesa dos correligionários envolvidos no esquema de corrupção que, segundo o Supremo Tribunal Federal, serviu para comprar apoio parlamentar ao governo do PT. Até o julgamento, em 2013, alegava que preferia esperar a decisão do Supremo. Depois colocou o assunto de lado, apesar de todos pedidos para que desse ao menos uma palavra de solidariedade aos companheiros presos.

Aos amigos com quem falou na semana passada, Dirceu disse desconhecer as razões de Lula e fez uma ressalva ao dizer que o ex-presidente não faz “nem a defesa dele mesmo”.

Apesar da mágoa, o ex-ministro descarta qualquer possibilidade de o ex-presidente ter participado das negociações com partidos aliados que levaram ao escândalo do mensalão.

Ele revelou a pessoas próximas ter voltado contra sua vontade à direção do PT em 2009, quando preferia se manter afastado do foco político. O ex-ministro disse ter sido procurado por Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, em um hotel de Brasília onde ouviu a ordem para reassumir seu posto no diretório nacional do PT. “Lula queria me controlar”, afirmou a amigos.

Ao contrário de vários petistas, Dirceu não vê Lula se movimentando em direção a uma possível candidatura em 2018. Ele diz acreditar que o ex-presidente está mais ocupado no momento em mobilizar os setores próximos do partido e “colocar lógica” na relação turbulenta do governo com o PMDB. Mas não descarta a volta do companheiro.

“Se chegar em maio de 2018 e o Lula disser que é candidato ninguém vai se opor”, disse ele aos amigos na semana passada.

Cadeia. Às poucas pessoas de fora de seu círculo pessoal com quem tem conversado enquanto cumpre pena em regime aberto, em Brasília, ele também não esconde o temor de voltar à cadeia por causa da Lava Jato. “Querem me condenar ou me colocar outra vez na cadeia. Imagine o estardalhaço”, disse ele em uma dessas conversas.

A força-tarefa da Lava Jato investiga um pagamento de R$ 1,15 milhão feito pelo lobista Milton Pascowitch à J. D. Assessoria e Consultoria em 2012, enquanto o Supremo julgava o mensalão e desconfia que o pagamento pode não estar relacionado com os serviços da empresa.

Dirceu passou 11 meses na Papuda, em Brasília e desde novembro do ano passado ganhou o direito a cumprir a pena em casa, de onde sai apenas para trabalhar no escritório do advogado José Geraldo Grossi, em Brasília. Ele segue à risca a proibição de dar entrevistas ou ter atividades políticas e mantém o foco em sua defesa na Lava Jato. A esses poucos interlocutores, nega com ênfase as denúncias e diz ter enviado à Justiça provas da prestação dos serviços.

Além disso, sempre aproveita para rechaçar o julgamento do mensalão reafirmando que a compra de apoio parlamentar não existiu. “Aquilo era dinheiro para campanha e dívidas de campanha”, repete.

Os amigos que visitam Dirceu percebem no ex-ministro os efeitos dos meses na cadeia tanto no físico quanto no humor. Afirmam que ele tem reclamado com frequência da falta de dinheiro, garantindo que vive atualmente apenas com R$ 4 mil que recebe no escritório e o salário de aproximadamente R$ 12 mil da J.D. Assessoria e Consultoria – que deve encerrar as atividades em seis meses com dívidas de mais de R$ 1 milhão, segundo relatos.

Dirceu tem alegado também que os milhões recebidos desde que deixou o governo, em 2005, se foram na defesa política e jurídica do mensalão e nas atividades de consultoria. Foram mais de 300 viagens pelo Brasil e 128 a 23 países do exterior entre 2005 e 2013. O ex-ministro tem afirmado ainda que parte do seu patrimônio será colocada à venda para pagar as dívidas da empresa. “Não posso mais trabalhar no Brasil”, disse ele a uma pessoa próxima.

Secundário
Embora esteja formalmente afastado da política, Dirceu acompanha de perto as movimentações no PT. Para ele, o partido hoje tem papel secundário na política nacional devido ao protagonismo do PMDB no Congresso, mas nem de longe está morto. O ex-ministro cita como exemplo o PSOE espanhol, que deixou o governo em 1996 sob denúncias de corrupção e colaboração com o terrorismo, chegou a ser descartado como opção de poder, mas voltou com força em 2003.

Para Dirceu, o processo de reorganização do PT “é coisa para 4, 6 ou 8 anos”. Ele prevê que em 2016 o partido conquiste menos de 10% dos votos nas eleições municipais, uma redução em relação aos 13% alcançados em 2012.

Ex-presidente passa a ser questionado internamente no PT

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu não é o único a criticar em conversas privadas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À medida em que a popularidade de Lula - e seus índices de intenção de votos - são corroídos pelas denúncias de corrupção na Petrobrás, trapalhadas do governo Dilma Rousseff e pelo fraco desempenho da economia, as reclamações em relação ao líder máximo do PT afloram.

Em privado, petistas reclamam da falta de discurso de Lula durante a crise, o acusam de ter imposto ao partido nomes que levaram a derrotas - como Alexandre Padilha em São Paulo - e da dubiedade de suas ações políticas. Citam, por exemplo, o fato de ele apoiar a indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e depois bombardear o ajuste econômico nos bastidores.

Além disso, os críticos apontam sinais visíveis de desgaste. No início de maio, Lula discursou para uma plateia vazia em evento promovido pelo PT justamente para tentar mobilizar suas bases. Duas semanas depois cancelou a participação em outro evento esvaziado da sigla sob a justificativa de que naquele dia comemorava seu aniversário de casamento.

Outro sinal foi o recuo tanto do PT quanto de seu pupilo Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, na ofensiva contra o ajuste fiscal proposto por Levy, ambos com o aval expresso de Lula. Para petistas próximos à presidente, a pressão de Lula contra o ajuste quase levou à uma crise sem precedentes no governo federal.

Nas últimas semanas virou moda no PT dizer que o grande erro do partido foi ter promovido a ascensão social de milhões de brasileiros sem, no entanto, politizar esta fatia do eleitorado. No passivo de Lula também consta não ter feito a reforma política no momento em que os ventos sopravam a favor.

Há ainda o fantasma de que Lula seja envolvido em investigações sobre corrupção, embora até hoje não existam provas contra ele.

Mais de 60% dos governantes foram reeleitos

O poder que reelege

• Desde 1998, 69% dos governadores e 61% dos prefeitos conseguiram um segundo mandato

Chico de Gois, Fábio Vasconcelos e Gabriel Allegro – O Globo

A força da máquina

RIO, BRASÍLIA - A reeleição, instituída no país em 1998, é um instrumento poderoso para quem ocupa um cargo executivo e tenta um segundo mandato. Levantamento feito pelo GLOBO, com base nos registros oficiais do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) desde aquele ano, revela que, tanto na disputa para as prefeituras quanto para os governos estaduais, a maioria dos prefeitos e governadores que tentou permanecer no cargo foi bem-sucedida.

A associação entre a possibilidade de concorrer a um segundo mandato tendo o controle da máquina administrativa, com a consequente perpetuação de grupos políticos no poder, tem sido uma das principais críticas ao instituto da reeleição. Por outro lado, o fim da recondução pode levar à descontinuidade de projetos de longo prazo, argumentam os defensores do mecanismo.

Dos mais de 7,6 mil prefeitos que concorreram a um segundo mandato, cerca de 61% foram reconduzidos ao cargo. Esse percentual, contudo, pode ser maior, já que o levantamento não considera os casos em que o prefeito deixou o cargo no meio do segundo mandato para que o seu vice pudesse concorrer à reeleição. No caso dos governadores, as taxas são mais expressivas (69%). Esses percentuais refletem, em parte, uma característica da eleição nacional, em que todos os presidentes que tentaram a reeleição até hoje no Brasil também foram bem-sucedidos.

A reeleição para cargos executivos foi aprovada em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso. Para as prefeituras, ela passou a valer na eleição de 2000. Desde então, a maior taxa de prefeitos reeleitos ocorreu em 2008 (68%), quando também houve um recorde de candidatos que concorreram nessa situação: 2,9 mil. Somadas as últimas quatro disputas municipais, mais de 4,6 mil candidatos foram reconduzidos ao cargo (considerando também aqueles que concorreram mais de duas vezes no período).

PDT tem maior taxa de reeleitos
Embora seja o maior partido à frente das prefeituras, o levantamento mostra que o PMDB é o 10º colocado no percentual de candidatos reeleitos. O PDT ocupa o primeiro, com 67% de taxa de reeleição. O recorte por estados demonstra que as máquinas municipais são mais eficientes no Rio Grande do Norte, na Paraíba e no Ceará. Esses três estados apresentam os maiores percentuais de reeleição de prefeitos.

Na avaliação do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a máquina administrativa pesa no processo de reeleição dos candidatos no Brasil porque os executivos nas esferas municipal, estadual e municipal têm muito poder. Pereira observa que quem está no governo tem maior capacidade de propor a agenda pública e, portanto, atrair a atenção da opinião pública.

Apesar disso, o professor da FGV considera que a reeleição é um instrumento que pode gerar bons governos. Ele diz que o fim desse instrumento legal foi influenciado por aspectos de curto prazo, que afetaram a decisão dos deputados:

— Sem poder se reeleger, o governante de plantão sente-se mais livre para se desviar das preferências dos seus eleitores e, portanto, tem mais espaço para se comportar de forma oportunista no curto prazo. A reeleição só passa a ser um problema quando as instituições de controle e de justiça são débeis e incapazes de estabelecerem limites ao uso da máquina pública — afirma Pereira.

Para o cientista político, o placar elástico pelo fim da reeleição na votação na Câmara se explica por questões pontuais de alguns partidos.

— A quase unanimidade verificada na votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados foi influenciada por aspectos menores de curto prazo: por um lado, os governistas já vislumbram perder o poder em 2018 e preferem disputar em 2022 com um novo candidato, ao invés de um presidente concorrendo à reeleição. Por outro lado, para a oposição, que enfrenta problemas internos de coordenação e de escolha de qual será o seu candidato, diminui a pressão interna com a certeza de uma maior rotação de suas lideranças em cargos executivos.

No levantamento do GLOBO, dos 88 governadores que disputaram a reeleição desde 1998, 61 sagraram-se vencedores. O único estado que foge à regra é o Rio Grande do Sul, que nunca deu uma segunda chance seguida a quem estava no poder.

Durante o governo Lula, os governadores que tentaram um segundo mandato se deram melhor. Em 2006, por exemplo, com a popularidade do petista em alta, apesar do mensalão, 15 dos 19 governadores que buscaram a continuidade foram reeleitos (79%). Em 2010, quando Lula nadava de braçadas e até mesmo os opositores evitavam criticá-lo, o índice foi praticamente o mesmo: novamente 19 tentaram uma segunda chance, e 14 conseguiram (73%).

Quando Fernando Henrique conseguiu aprovar a reeleição, o índice de aprovados pelos eleitores também foi grande, mas não tanto. Em 1998, primeiro ano em que o instituto passou a valer, 21 governadores foram às ruas para obter um segundo mandato consecutivo; 14 conseguiram, um aproveitamento de 66%. Esse índice é praticamente o mesmo do pleito do ano passado. Em 2014, 17 candidatos se lançaram à reeleição, e 11 foram reeleitos ( 64%).

Autor da reeleição perdeu disputa
O ano em que os eleitores torceram o nariz para a reeleição de governadores foi 2002. Também foi o ano com o menor número de candidatos a um segundo mandato consecutivo — 12 tentaram, mas apenas sete ( 58%) conseguiram. Naquele ano, Fernando Henrique terminava seu mandato com baixos índices de popularidade, e os governadores que o apoiavam preferiram, em sua maioria, calar-se e afastar-se da figura do tucano.

Além disso, como a reeleição havia começado no país em 1998, já não havia possibilidade para esses políticos com tradição nos estados tentarem um terceiro mandato e, por isso, tiveram de lançar outros nomes.

Autor da emenda que permitiu a institucionalização da reeleição no país, o deputado Mendonça Filho ( DEM- PE), líder de seu partido na Câmara, continua a favor do mecanismo. Em sua opinião, um mandato de quatro anos é pouco porque, segundo avalia, o novo mandatário geralmente gasta mais de um ano para pôr a casa em dia. Além disso, acredita que a possibilidade de o mandatário dispor de oito anos permite- lhe ter uma visão de médio e longo prazos de governo, fazendo as mudanças que são necessárias. Ele, e boa parte de sua bancada, votaram favoravelmente à continuidade da reeleição.

— A reeleição está sendo mais combatida agora por conta das circunstâncias políticas. O governo Dilma está mal avaliado e isso contamina o debate. Acabar com a reeleição é muito mais do interesse dos políticos do que da população, que acha que um governo bom tem que continuar — defende.

O próprio Mendonça Filho foi vítima da emenda que criou. Em 2006, ele havia assumido o governo, após Jarbas Vasconcelos ( PMDB) ter se afastado para concorrer ao Senado. Foi para o segundo turno contra Eduardo Campos (PSB) que, apoiado pelo governo Lula, venceu o pleito.

— No meu caso, o fenômeno Lula, que teve pico em 2006, me fez perder a reeleição — avalia.

Oposição questiona encontro de Lula com delator da Lava Jato

• Segundo jornal, auditoria mostra que Paulo Roberto Costa esteve com Lula para tratar da compra de refinaria

• Assessoria do ex-presidente confirma o encontro, mas diz que a aquisição de Pasadena não foi discutida

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O encontro entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em 2006, deve ser questionado pela CPI da Petrobras a pedido da oposição.

A reunião foi revelada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" deste sábado (6). Segundo a reportagem, auditoria interna feita pela petroleira para apurar as circunstâncias da polêmica aquisição da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), mostra que Lula e Costa se reuniram dias antes do negócio ser aprovado.

A informação consta em um relatório com o título "Viagens Pasadena", que, segundo o jornal, serviu de subsídio para a comissão interna da Petrobras que investigou a negociação.

O relatório listaria as viagens feitas por diretores e executivos da estatal, no Brasil e no exterior, para tratar do negócio. Ainda de acordo com o "Estado de S. Paulo", a reunião não foi citada no relatório final da auditoria da Petrobras.

De acordo com o primeiro vice-presidente da CPI da Petrobras, deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA), um requerimento pedindo explicações ao Planalto e à Petrobras deve ser apresentado já na segunda-feira (8). O documento ainda terá de ser votado pelos membros da CPI.

"É razoável pensar que esse encontro foi um passo decisivo para a compra da refinaria de Pasadena. Não é algo que se compra todos os dias. Por isso acredito que todos terão interesse nessas explicações, governo e oposição", afirmou.

O encontro entre Paulo Roberto e Lula ocorreu em 31 de janeiro de 2006. A compra de Pasadena foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras em reunião realizada em 3 de fevereiro daquele ano.

A aquisição envolveu disputa judicial com sócios e levou a Petrobras a um desembolso total de US$ 1,25 bilhão, com prejuízo de US$ 792 milhões, segundo o Tribunal de Contas da União.

A assessoria do Instituto Lula afirma que a reunião constou da agenda presidencial daquele dia, mas que a aquisição de Pasadena não foi discutida.

Oposição cobra explicação sobre encontro de Lula com Costa

• Conforme reportagem do 'Estadão' publicada neste sábado, ex-presidente e ex-diretor da Petrobrás se reuniram antes da compra de Pasadena

Fábio Fabrini - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A oposição na CPI da Petrobrás vai cobrar explicações ao Planalto e à estatal sobre reunião, em 2006, do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o ex-diretor de Abastecimento da companhia Paulo Roberto Costa, ocorrida a um mês de a controversa compra da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), ser autorizada.

Conforme reportagem de O Estado, publicada neste sábado, a agenda consta de um relatório da Petrobrás, intitulado "Viagens Pasadena", no qual a companhia lista deslocamentos feitos por funcionários e executivos, no Brasil e no exterior, em missões relacionadas ao negócio, considerado um dos piores já feitos pela estatal.

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) diz que a aquisição, feita em duas etapas, entre 2006 e 2012, deu prejuízo de US$ 792 milhões aos cofres públicos. A presidente Dilma Rousseff, que em 2006 era ministra da Casa Civil de Lula, deu aval, como então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, à compra dos primeiros 50% da refinaria. O ex-presidente, contudo, nunca admitiu publicamente participação nas tratativas para o negócio.

O relatório de viagens relacionadas a Pasadena registra uma visita de Paulo Roberto a Brasília para "reunião com o presidente Lula" em 31 de janeiro daquele ano, no Palácio do Planalto. Foi exatos 31 dias antes de o Conselho de Administração, sob o comando de Dilma, autorizar a aquisição de metade dos ativos.

O deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA), vice-presidente da CPI da Petrobrás na Câmara, disse neste sábado que seu partido apresentará requerimentos para que a Presidência da República e a Petrobrás detalhem o que foi tratado no encontro. Para ele, Lula pode ter alguma responsabilidade no negócio, o que, por ora, não está esclarecido. "Ele (o então presidente), no mínimo, é informado. A decisão de comprar uma refinaria no exterior não é tomada somente pela Petrobrás", afirma o deputado.

Imbassahy disse ser estranho Lula não explicar qual foi a pauta do encontro. A conversa foi inscrita na agenda do então presidente, divulgada à época pelo Planalto, apenas como "Reunião Petrobrás" e sem a descrição dos presentes. Questionado pelo Estado, o petista sustentou, por meio de sua assessoria, que o encontro "com a Petrobrás" foi "há mais de nove anos" e "não tratou de Pasadena". Porém, não quis detalhar o que, afinal, foi discutido.

Lula sustentou ainda, por meio de sua assessoria, que nunca teve uma conversa "particular" com Paulo Roberto e que, na ocasião, estava presente o ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli. Gabrieli, no entanto, alegou não se recordar da reunião. "Duvido que isso tenha acontecido isso", declarou.

A deputada Eliziane Gama (PPS-MA), integrante da CPI, afirma que os dados do relatório reforçam a necessidade de convocar Lula para dar explicações à comissão. Ela diz ser "indigesta" a explicação de que o então presidente não teve nenhuma participação no negócio de Pasadena.

O PPS já apresentou requerimento para convocar Lula, ainda não votado. A aprovação, no entanto, esbarra na resistência dos partidos governistas, principalmente PT e PMDB, que têm maioria na comissão e quadros importantes sendo investigados na Operação Lava Jato. "A CPI não vai convocar políticos, e isso é sério e grave. Parece que há um acordão", critica a congressista.

O relatório da Petrobrás foi produzido para embasar as investigações da comissão interna que apurou irregularidades na compra de Pasadena. Além da viagem de Paulo Roberto, registra outros 209 deslocamentos de executivos e funcionários ligados à aquisição e à gestão da refinaria americana, entre março de 2005 e fevereiro de 2009.

Personagens ressurgem no petrolão

• Parceiro do doleiro Youssef, deputado morto e ex-diretores da estatal são alguns elos entre os dois escândalos

• Apesar dos pontos de contato, corrupção na estatal mostrou-se mais vultosa que a apurada durante o mensalão

Graciliano Rocha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - No dia 5 de outubro de 2012, uma sexta-feira antevéspera da eleição municipal, o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) entrou discretamente em um prédio de escritórios de São Paulo para se encontrar com Rafael Ângulo Lopez, homem do doleiro Alberto Youssef encarregado de distribuir dinheiro vivo para políticos em todo o país.

Em depoimento, Lopez disse que guardava dinheiro em maços dentro de sacolas de shopping e que abasteceu uma mala levada por Corrêa com R$ 2 milhões. A origem era propina paga por empreiteiras com contratos com a Petrobras. O petrolão.

Conforme a descrição, o episódio ocorreu apenas um mês antes de Corrêa ser condenado a 9 anos e 5 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Mas em outro caso rumoroso. O mensalão.

Pedro Corrêa nega ter recebido propina no petrolão, mas registros da portaria mostram que ele esteve no escritório de Youssef 19 vezes entre 2011 e 2012. Período em que era réu da ação penal 470, o mensalão.

A justaposição do personagem nos dois escândalos ilustra como, enquanto os holofotes se dirigiam ao mensalão, o petrolão fincou raízes na maior companhia do país.

A origem
O mensalão e o petrolão têm muitos pontos de contato, mas grandezas diferentes.

O maior escândalo do governo Lula movimentou R$ 141 milhões e levou a 25 condenações --12 de políticos e ex-dirigentes partidários.

A sangria na Petrobras foi estimada em R$ 6,2 bilhões e já resultou em 49 políticos investigados. Entre eles, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, ambos do PMDB. Quase 20 executivos das maiores empreiteiras do país já foram presos.

No primeiro semestre de 2004, o deputado José Janene (PP-PR) era um dos sacadores de dinheiro das contas das empresas do publicitário Marcos Valério, principal operador do mensalão.

Pela versão de Youssef, Janene também chantageava o Planalto ameaçando obstruir votações de interesse do governo se não obtivesse uma diretoria da Petrobras.

Conseguiu. Em 14 de maio do mesmo 2004, Paulo Roberto Costa assumiu a diretoria de Abastecimento indicado pelo PP. Janene morreu em 2010, antes do julgamento do mensalão.

Segundo Costa, o cartel das empreiteiras já existia na estatal pelo menos desde 2000, mas sua diretoria começou a ter caixa para grandes obras em 2006. Ainda segundo ele, até 3% do valor de cada contrato eram sobrepreço, que retornavam como propina a diretores e a partidos.

No caso de Costa, o butim era rateado com o PP. Segundo a Procuradoria, o esquema se reproduziu na área Internacional, feudo do PMDB (principal parceiro do PT no Congresso no pós-mensalão), e na diretoria de Serviços, chefiada por Renato Duque.

Indicado pelo ex-ministro José Dirceu --principal condenado no mensalão--, Duque foi apontado por delatores como o homem que definia com o tesoureiro João Vaccari a propina paga pelas empreiteiras ao PT. Vaccari e Duque estão presos. Dirceu é investigado pela Lava Jato. Sua consultoria recebeu R$ 10 milhões de empreiteiras implicadas no petrolão --R$ 1,4 milhão da Jamp Engenheiros, apontada como fachada para lavar dinheiro da propina dos fornecedores da diretoria de Duque.

O Planalto
O mensalão foi parar no gabinete do então presidente Lula em 11 de agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça, em depoimento à CPI dos Correios, associou a campanha de 2002 a crimes eleitorais e financeiros.

No depoimento de quase dez horas, Duda admitiu ter recebido US$ 5 milhões do PT em contas no exterior.

A oposição passou a ter uma prova robusta para pressionar o governo. Em dezembro daquele ano, a popularidade de Lula despencou para 29%, ponto mais baixo nos seus dois mandatos.

Após o depoimento de Duda, a possibilidade de impeachment passou a rondar o Planalto, mas tucanos e pefelistas apostaram em sangrar Lula para batê-lo nas urnas. Deu errado: o petista se reelegeu e fez a sucessora.

Ao lado da retração na economia, o petrolão também cobra um preço alto de Dilma Rousseff. Segundo o Datafolha, só 13% dos eleitores consideravam seu governo bom ou ótimo (índice mais baixo desde a redemocratização) em março deste ano.

A compra da refinaria de Pasadena (EUA), que causou prejuízos de US$ 792 milhões à Petrobras, associa Dilma ao caso. Ela era presidente do conselho de administração em 2006 e avalizou o negócio.

Mas uma auditoria interna da estatal isentou-a de culpa ao mostrar que o ex-diretor Nestor Cerveró, preso na Operação Lava Jato, omitiu do conselho cláusulas nocivas.

Mesmo assim, em abril, o Datafolha mostrou que quase dois terços dos brasileiros (63%) afirmavam que, considerando tudo o que se sabe a respeito da Lava Jato, deveria ser aberto processo de impeachment contra a petista.

O Planalto agora se preocupa com a profusão de delatores premiados que põem sob suspeição o financiamento das campanhas do partido.

Segundo o delator Augusto Mendonça, da Toyo Setal, o dinheiro da propina chegava ao PT por meio de pagamentos em dinheiro, remessas para o exterior e, após combinação com Vaccari, por doações oficiais das empreiteiras às campanhas e ao partido.

Apontado como líder do cartel das empreiteiras, o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, fechou acordo com a Procuradoria Geral da República em troca de benefícios.

Ele usava o WhatsApp para acertar doações eleitorais --inclusive, para a campanha de Dilma em 2014-- com outros executivos da UTC. Os procuradores confrontam mensagens dele à versão sobre o pagamento de propina na forma de doações legais.

Em 'crise de identidade', PSDB tenta modular discurso

• Legenda busca ‘decodificar’ seu papel de oposição ao mesmo tempo em que enfrenta contradições internas

Erich Decat – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Com dificuldades para impor sua agenda mesmo diante de um governo federal enfraquecido, o PSDB vai renovar sua Executiva Nacional no próximo mês buscando superar uma espécie de crise de identidade pela qual passa e saídas para conseguir estruturar um discurso para as eleições municipais de 2016. Embora comemorem a deterioração da imagem do governo Dilma Rousseff e do PT, setores do PSDB admitem que ainda falta à legenda mecanismos para poder capitalizar a insatisfação dos eleitores.

Internamente há também cobranças para se “decodificar” o discurso apresentado pelos tucanos e críticas à falta de uma postura mais clara em temas que envolvem o dia a dia da sociedade.

Recentemente, posições da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados foram alvo de ataques de tucanos históricos por contrariar decisões antigas do partido - principalmente o apoio ao fim da reeleição e a flexibilização do fator previdenciário, instituídos no governo presidencial de Fernando Henrique Cardoso, além de outras votações da reforma política e do ajuste fiscal.

Neste semestre, o PSDB também viveu momentos de dissidências interna e críticas externas ao decidir descartar a possibilidade de pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Após queda de braço entre integrantes da bancada na Câmara e a cúpula do partido, optou-se, a contragosto de parte dos deputados, por um pedido de ação penal contra Dilma por causa das chamadas pedaladas fiscais.

Na avaliação de integrantes da Executiva Nacional e da bancada no Congresso ouvidos pela reportagem, a ambiguidade em algumas iniciativas da cúpula do PSDB se deve, em parte, ao chamado “eleitoralismo”, em que por receio impactos eleitorais evita-se um posicionamento ostensivo em assuntos polêmicos.

“É necessário que o partido tenha mais formulação sobre os temas que a sociedade está discutindo. Acho que precisa ter uma posição política sobre os temas que estão no cotidiano da sociedade. Dentro da bancada não está faltando essa discussão. Mas acho que o partido tem, por exemplo, que integrar mais o Instituto Teotônio Vilela (ITV) na questão da formulação das politicas públicas para que fique claro para a população”, defende o deputado federal Jutahy Junior (BA), ligado ao senador José Serra (SP).

Integrante do grupo mais próximo de Geraldo Alckmin, o deputado Silvio Torres (SP) defende que a nova Executiva do partido realize um trabalho para estar “sintonizada” com as reivindicações das ruas.

Recondução. O atual presidente da sigla, senador Aécio Neves (MG), será reconduzido ao cargo em uma cúpula que será reforçada pela ala paulista. Torres deve ocupar a secretaria-geral do PSDB na convenção nacional da legenda em julho. O posto é considerado o segundo cargo na hierarquia tucana, abaixo da presidência.

“Acho que saímos de uma eleição presidencial com uma carga de votos onde se misturam várias tendências. O PSDB está realmente tentando ser uma resultante disso, mas para isso tem que administrar. Aqueles votos não foram todos de partidos, foram boa parte de rejeição ao que está ai. Uma função importante da nova Executiva é harmonizar isso. Buscar colocar o partido bem mais sintonizado do que estava, e que está agora”, ressaltou Torres.

Ao falar sobre as “vacilações” em alguns temas controversos discutidos no primeiro semestre no Legislativo, ele considera que a falta de um posicionamento convincente em determinados casos não está relacionado ao receio de possíveis impactos eleitorais. “A verdade é que os temas polêmicos estão vindo muito rapidamente. Não é só o PSDB que não está muito preparado para dar suas respostas. Ninguém lá dentro do Congresso está. Não dá tempo de decantar opiniões sobre temas tão polêmicos”, afirmou Torres.

Para o atual secretário-geral do PSDB e deputado Mendes Thame (SP), a legenda também tem que acabar com uma “cultura” enraizada ao longo dos anos na qual poucos participam das decisões internas. “Não é uma critica à gestão atual ou dos que passaram, é uma cultura interna que está em todos os partidos”, disse Thame.

Terceirização. Outro exemplo lembrado por tucanos que dividiu o partido nesse primeiro semestre e passou uma imagem confusa para os eleitores foi a discussão em torno do projeto da terceirização, que atinge principalmente os setores sindicalizados. Na discussão do texto que ampliou a terceirização para atividade-fim o partido não conseguiu votar de forma coesa. Dos 43 deputados presentes na votação, 10 foram contra a orientação, pela aprovação do texto, encaminhada pelo líder da bancada, Carlos Sampaio (SP).

Embora a maioria tenha se posicionado a favor, Aécio defendeu dias depois, em evento do Primeiro de Maio, que o texto fosse aprimorado. “Vamos propor um limite para que as empresas possam terceirizar algumas das suas atividades. O Senado vai aprimorar o projeto votado na Câmara”, disse no ato comemorativo do Dia do Trabalho, promovido pela Força Sindical, em São Paulo.

Apesar de o PSDB ter chegado perto da vitória presidencial no ano passado, a avaliação corrente é que o partido foi empurrado no primeiro semestre do segundo mandato para o papel de “coadjuvante” dentro Congresso.

O “vácuo de poder” criado pela queda de popularidade do governo e pelas crises econômica e política foi ocupado pelas principais lideranças do PMDB, que não descartam a possibilidade de lançar um candidato à Presidência da República em 2018. No comando da Câmara e do Senado e responsáveis pela liberação dos cargos do segundo escalão do governo federal, os peemedebistas protagonizaram a condução dos principais confrontos com o Palácio do Planalto.

“Acho que o PMDB está aproveitando as circunstâncias. Essa situação caiu no colo deles, nem eles imaginavam que o governo iria a pique. Tendo esse espaço no governo e as duas Casas no Congresso, eles estão muito mais prontos para ter esse protagonismo”, disse Torres.

Porém, para o vice-presidente nacional do PSDB, Alberto Goldman (SP), o PMDB ganhou “relevância” apenas pelos espaços institucionais que ocupa, mas não pelo conjunto de ideias apresentados à sociedade. “Não vejo nenhum crescimento do PMDB pelo conjunto de ideias, pelo conjunto de renovação de perspectivas que possam melhorar as condições de vida da população. Não me parece que haja qualquer crescimento qualitativamente substancial do PMDB, que continua o mesmo PMDB de sempre”, afirmou Goldman.

No aspecto eleitoral, a convenção nacional tucana no próximo mês vai marcar o início de uma investida do partido para retomar a Prefeitura de São Paulo e conquistar vitórias nas capitais no Nordeste, onde hoje se concentra a força do PT.

‘Batalhas’. No radar do PSDB está o fato de que uma derrota do PT em São Paulo poderia colocar em xeque a estratégia do ex-presidente Lula de tentar criar uma nova geração de petistas em cidades polos, além de enfraquecer uma candidatura presidencial do PT em 2018. “As batalhas do partido se estenderão em torno das eleições municipais no País inteiro. Mas claro que quanto maior a cidade, mais importante é o esforço que temos que dedicar. E sendo São Paulo a principal cidade do País é natural que as direções estaduais e nacionais estejam com olhar dirigido para a essa eleição”, disse Goldman.

Para lideranças do partido, mesmo no Nordeste, onde o PT tem conquistado a maioria dos votos nas últimas eleições presidenciais, a expectativa é de reviravolta. “Todo que ficou para trás que pode servir de referencia (do governo do PT) não tem mais lógica neste momento porque o governo simplesmente ruiu. O governo não perdeu apenas popularidade, ele perdeu credibilidade. A partir dai nem mesmo aquela base sólida que a presidente Dilma tinha no Nordeste existe mais”, afirmou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

'PSDB votar pelo fim do fator previdenciário abala seu prestígio', afirma FHC

SÃO PAULO - O apoio de parlamentares do PSDB ao fim da reeleição - a começar pelo do próprio presidente do partido, senador Aécio Neves (MG) - não altera a opinião do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o assunto. “Eu continuo favorável a ela e não creio que o tempo de experiência tenha sido suficiente para invalidá-la.” Mas seu tom é mais duro quando comenta outra posição do partido, desta vez na votação do ajuste - o apoio a mudanças no fator previdenciário. “Acabar com o fator agrava a situação fiscal e, a médio prazo, o custo disso cairá no bolso do povo. O PSDB votar como votou abala seu prestígio, embora em camadas de menor peso eleitoral.”

Muita gente do PSDB votou, no Congresso, contra a reeleição e contra o fator previdenciário, medidas que ele próprio criou. Faltam unidade e direção no partido?

São questões de natureza diferente. A duração do mandato depende da opinião que se tenha sobre a reeleição, não é questão doutrinária e não afeta diretamente o povo. Eu continuo favorável a ela e não creio que o tempo de experiência tenha sido suficiente para invalidá-la. Entretanto, entendo e respeito opiniões divergentes dentro do partido. Já acabar com o fator previdenciário ou diminuir as exigências de idade e tempo de trabalho - como foi feito - agrava a situação fiscal e, a médio prazo, o custo cairá no bolso do povo. Na campanha de 2014, o PSDB prometeu substituir o fator previdenciário por outro mecanismo, o que seria razoável. O PSDB votar como votou também abala seu prestígio, embora em camadas de menor peso eleitoral.

O partido passa a impressão de desunião. O que falta?

A imagem de um PSDB desunido aparece toda vez que estamos próximos a uma disputa eleitoral ou quando há ansiedade diante de um grande impasse. Por que isso e por que não com referência a outros partidos? Provavelmente porque o PSDB não tem dono e desde sua fundação contou com quadros de projeção nacional. Este é o lado positivo da resposta, mas há outros.
Quais?

Como a maioria dos partidos, o PSDB, embora tenha uma postura reconhecida - que os adversários acusam de ser elitista, quando na verdade é, como se diz agora, mais “republicana” -, não possui unidade, digamos, ideológica. Mas como ele é o polo de oposição viável ao PT, cobra-se dele uma coerência que não é cobrada dos outros partidos.

Qual seria o caminho para aproveitar a atual crise do PT?

É compreensível que haja hesitação: votar contra tudo que vem do governo “do PT”, como este fez quando éramos governo, ou manter a coerência? Para mim não há dúvidas: é manter a coerência, denunciando, ao mesmo tempo, o oportunismo do PT. Este nos acusava de neoliberais, quando na verdade sabíamos as consequências da irresponsabilidade fiscal. Agora, diante do desastre que suas políticas demagógicas provocaram, não há alternativa à austeridade fiscal. Esta pesará sobre todos, mas custará mais caro aos assalariados. Pior: os ajustes vêm sendo feito sem crença por parte do PT e sem horizonte de esperanças para o povo.

Qual estratégia parece mais correta: apoiar a política de Joaquim Levy, porque confirmaria as teses tucanas, ou atacá-la porque seu sucesso fortalece o PT?

Para mim, o adversário não é o Levy, mas o lulopetismo, ao qual, neste momento, o Levy serve. Mas, entre os dois, há o Brasil. Como sair da armadilha? Votando o indispensável e mostrando que o que se faz agora é uma operação de resgate dos desastres do governo petista. Sem responsabilizar o ministro pelo que não é de sua alçada, ele, para manter vivo um governo que perdeu credibilidade e, portanto, as condições para oferecer um futuro promissor, submete o País a uma cirurgia sem a anestesia da esperança.

O País precisaria, para sair da situação atual, de um plano para “vender” ao eleitorado - isso ocorreu em 1994, com o Real. O partido deveria estar cuidando disso?

O Plano Real não foi feito apenas para baixar a inflação. Seu objetivo era - e conseguiu - repor em funcionamento saudável as finanças públicas. Daí as privatizações, as agências reguladoras, o Proer e o Proes, a transformação das empresas estatais em empresas que respondessem às exigências do mercado e ao interesse público. Tiramos delas o caráter de repartições obedientes aos interesses partidários. Os governos petistas foram reduzindo a importância das agências reguladoras, ampliando estatais e submetendo-as aos interesses partidários. Não fosse a inépcia do lulopetismo, e o Brasil estaria em melhor situação.

Para se fortalecer para 2018, que plano deve ser adotado?

Tem-se de restabelecer agora a confiança e a credibilidade perdidas pelo governo atual. Recomposta a confiança e rearranjadas as bases fiscais, teremos que abrir oportunidades para investimentos na área de infraestrutura, enfrentar com coragem os desafios educacionais e repor a economia com avanços tecnológicos. Em vez de protecionismo e ineficiência governamental, uma política industrial que apoie a modernização tecnológica e uma abertura comercial que nos faça presentes nos mercados globais mais dinâmicos. Só assim conseguiremos financiar programas sociais, criar bases não demagógicas e oferecer empregos de qualidade.

A linha agressiva do programa eleitoral na TV lhe pareceu adequada? O PSDB trocou o “deixar sangrar” pelo “fazer sangrar” para dificultar a volta de Lula?

A frase de que diante do “mensalão” seria melhor deixar o Lula sangrar foi de um dirigente do PFL, não do PSDB. Eu temia outra coisa: com o prestígio até então inabalado, Lula abriria uma fenda histórica no País, acusando “as elites” de o haverem derrubado. Foi pensando na unidade nacional que me pareceu arriscado o impeachment. Agora, diante do quadro de corrupção e inépcia escancarado, o PSDB precisa ser mais direto e duro nas críticas, com a mesma motivação, a de evitar que o País mergulhe na desilusão e na descrença.

O que são direita e esquerda, neste século 21?

O qualificativo de “direita” aplicado ao PSDB é pura jogada eleitoreira do PT. Com que autoridade um partido que governa com um lídimo representante do sistema financeiro controlando a economia, uma líder ruralista autêntica na agricultura e que entregou o comando congressual ao PMDB, sem que eu queira criticar estas pessoas, ainda se arroga em designar-se “de esquerda” e de acusar seus adversários polares como “direitistas”?

E o que separa, concretamente, hoje, o PT do PSDB?

Tanto PT como PSDB são versões da social-democracia que variam pelo grau maior de aceitação da centralização econômica pelo PT; maior apego à democracia, inclusive quanto à liberdade de opinião e dos meios de comunicação pelo PSDB; igual empenho na inclusão social, embora o PT simbolicamente expresse esse desejo com mais força; coincidência quanto a que a via revolucionária perdeu vigência. No presente, as diferenças maiores são quanto à aceitação das regras de mercado, implícita, mas relutante pelo PT, ou explicitamente pelo PSDB. Sempre com a ressalva de que elas não são absolutas; a ação do Estado é básica para assegurar os objetivos nacionais e para tentar equilibrar as desigualdades do capitalismo.

'Partido será forte se evitar perseguir ganho imediato', diz brasilianista

RIO - As crises por que passam governo e PT não são motivo para o PSDB deixar de lado “princípios e estratégias” e “buscar ganhos táticos imediatos”, diz o pesquisador americano Peter Hakim, presidente emérito do instituto de análise política Inter-American Dialogue, com sede em Washington.

Hakim diz não entender por que grande parte dos tucanos embarcou na tese do impeachment da presidente Dilma Rousseff com tanta dedicação. “É um mistério para mim. O impeachment irá danificar o PT, mas provavelmente não vai beneficiar muito o PSDB. Sob praticamente qualquer cenário que imagino, o PMDB será o principal beneficiário de um impeachment.”

No esforço para se firmar na oposição, o PSDB vai contra ideias que defendeu. Votou contra o ajuste fiscal, a favor do fim da reeleição, instituída no governo do PSDB, e por mudanças nas regras que adiaram a aposentadoria. O partido pode pagar um preço alto por ir contra alguns pontos que sempre pregou?

Sempre foi difícil para mim distinguir o PSDB da pessoa de Fernando Henrique Cardoso, seu fundador, líder intelectual, e seu único candidato presidencial vitorioso. Sob a influência de FHC, o PSDB foi desde o início um partido de ideias. As ideias não eram fórmulas rígidas, mas alguns princípios gerais semelhantes à social-democracia europeia. De acordo com a abordagem de FHC, os princípios não eram uma receita ou uma fórmula, mas sim um quadro ou guia que teve de ser ajustado às necessidades da sociedade brasileira, onde a sociedade está, aonde deve chegar e em que ritmo. A posição atual do PSDB no Congresso deixa o partido dividido entre aqueles comprometidos com ideias e princípios como uma estratégia de longo prazo e aqueles que estão buscando vantagens táticas de curto prazo. Meu ponto de vista é que o partido será mais forte e mais competitivo se mantiver princípios e estratégia e evitar perseguir ganhos táticos imediatos. Se escolher a segunda opção, o partido vai ser definido por sua oposição. Vai tornar-se o partido anti-PT, como a oposição ao chavismo na Venezuela, ou ao peronismo na Argentina, ou ao PRI no México. A menos que deixe claros sua doutrina e os procedimentos que pratica, o PSDB pode ter dificuldade em ganhar eleições no futuro e irá se tornar menos relevante.

A estratégia de fazer oposição pela oposição, para prejudicar o governo fragilizado, dá resultado?

A estratégia da oposição pela oposição não é de forma alguma uma estratégia. Ela deixa os movimentos e partidos políticos presos à estratégia daqueles a quem se opõem. Na América Latina, hoje, muitos países são governados por líderes enfraquecidos, com muito baixa popularidade - Chile, México, Venezuela, Argentina, Peru -, contudo partidos da oposição têm sido incapazes de tirar proveito dessas fraquezas. O PT tornou-se mais eficaz, e Lula finalmente conquistou a Presidência, não por causa da intensidade da sua oposição, mas porque ele moderou suas posições e transmitiu a sensação de que iria governar sem anular os avanços dos oito anos de FHC.

O PSDB não teve posição clara sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como o senhor vê essa posição do PSDB em relação ao impeachment?

É um mistério para mim por que o PSDB - ou um segmento importante dele - tornou-se tão enfático e insistente sobre a questão do impeachment. Sim, o impeachment irá prejudicar o PT, mas provavelmente não irá beneficiar o PSDB muito. Sob praticamente qualquer cenário que posso imaginar, o PMDB será o principal beneficiário de um impeachment. Ele provavelmente vai surgir como um partido que não só mantém substancial o poder legislativo e local, mas que pode competir seriamente à Presidência. Se isso é correto, o PSDB poderia ter que enfrentar o PT e o PMDB na disputa presidencial de 2018. Isso não seria um bom resultado para o PSDB.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou o partido de que o impeachment não deve ser apenas bandeira política e que não pode ser defendido sem que exista um fato concreto contra a presidente. Na sua avaliação, falta unidade ao PSDB? Ou o senhor acredita que divergências internas são naturais em qualquer partido?

Claro que há divergências em cada partido. Embora eu não acredite nisso, aqueles que propõem impeachment estão certos de que a melhor estratégia política é tentar desacreditar totalmente o PT e sua liderança. Argumentos semelhantes foram usados para justificar o assassinato de Julio César em Roma e hoje são defendidos por muitas figuras da oposição na Venezuela e na Argentina. Minha intuição é de que esta não será uma abordagem eficaz no Brasil mais do que foi em Roma ou será na Venezuela ou Argentina.

Como o senhor vê a liderança do presidente do PSDB, Aécio Neves? Ele teve 48% dos votos na eleição presidencial. Conseguiu preservar este patrimônio?

Aécio se mostrou um político eficaz e quase foi eleito presidente. Eu estava no Brasil durante todo o mês de outubro do ano passado e fui francamente surpreendido pela forma como seu programa era semelhante ao programa do PT. Sim, houve diferenças, mas nada como o enorme fosso entre republicanos e democratas nos EUA; ou a direita e a Concertación no Chile. Não há nenhuma boa razão para o PSDB mudar sua agenda básica. O melhor caminho para Aécio é ficar com o programa que lhe trouxe 48% dos votos. O PSDB perdeu quatro eleições consecutivas, mas os princípios básicos e a moderação do PSDB estão ganhando mais força, como resultado do progresso que o Brasil fez em direção a uma sociedade de classe média pagadora de impostos e das falhas claras do PT. Seria um erro para Aécio mudar de rumo radicalmente. O PT danificou a própria imagem, os manifestantes de 2013 e deste ano foram para as ruas por causa de erros do PT e seu fraco desempenho, não por causa de campanhas anti-PT feitas pelo PSDB. Apenas confrontar e criticar o PT ou a presidente Dilma Rousseff não trará ganhos ao PSDB.

Que caminho o senhor acha que o PSDB deve seguir daqui para a frente?

Acho que o PSDB deve ficar com os seus princípios e propostas políticas fundamentais e evitar o uso de seus recursos e energia para enfrentar o PT. Deve também expandir e diversificar suas lideranças. O partido hoje depende muito fortemente de um pequeno grupo de membros “seniores” como FHC, Aécio, o senador José Serra e o governador Geraldo Alckmin. O PSDB pode precisar de uma transformação geracional. Na minha opinião, não precisa de uma revisão drástica de sua ideologia ou estratégia.

Ao mesmo tempo em que o PSDB abandona algumas bandeiras, a presidente Dilma Rousseff tenta implementar um ajuste fiscal nos moldes defendidos antes pelos tucanos e enfrenta resistência no próprio PT. O PMDB se beneficia destas contradições dos dois partidos?

O PMDB é tremendamente paciente. Está esperando a autodestruição do PSDB e do PT, os dois partidos brasileiros que têm políticas sérias e maior chance de eleger um presidente em 2018. O PMDB tem uma chance maior em eleições em que não há muito debate de ideias e de propostas.

Fernando Henrique Cardoso - O ponto a que chegamos


• Em política econômica, tão importante quanto o rumo é a dosagem. O rumo foi perdido; o limite da prudência na dosagem, ultrapassado

- O Globo

Os brasileiros sentem a dor das oportunidades perdidas. Olhando em retrospectiva, não há dúvidas de que nos últimos anos houve uma guinada. Para a esquerda? Não, para o despropósito. O que havia sido penosamente reconstruído na década de 1990, o Plano Real; a responsabilidade com as finanças públicas; o incentivo à iniciativa privada (sem subsídios descabidos); a manutenção do setor produtivo e financeiro estatal longe do alcance dos interesses clientelísticos; em suma, o início da reorganização do Estado e, ao mesmo tempo, a reformulação e universalização do atendimento à saúde e à educação, bem como do acesso à terra, perdeu-se por “desmesura”. Em política econômica tão importante quanto o rumo é a dosagem. No caso, o rumo foi perdido e o limite da prudência na dosagem, ultrapassado.

Até quase o fim do primeiro mandato de Lula, o mantra de uma política econômica adequada (o tripé metas de controle inflacionário, flutuação da taxa de câmbio e política monetária sem interferências políticas) se mantivera, embora sinais preocupantes já começassem a aparecer. Beneficiado o País pelo boom mundial a partir de 2004, especialmente pelo alto preço das commodities e pela abundância de capital, até aquele momento muito havia a louvar na expansão das políticas sociais. Abandonado o Fome Zero, houve a aceitação silenciosa do programa “neoliberal” de transferências de rendas (bolsas sem contrapartida). Na ação internacional do governo era de esperar mais de um país que, desde 1999, se elevara à categoria de um dos Brics, nos quais os mercados viam um futuro promissor e as potências, um parceiro a considerar.

O início da derrapada se deu com a substituição de Palocci por Mantega, com a falta de dosagem e com as concessões populistas que jogaram fumaça no escândalo do mensalão. A partir daí, a penetração partidária na máquina pública, que sempre esteve no DNA do PT por ele se considerar “herdeiro histórico” e principal agente do progressismo, se ampliou para abrigar a “base aliada”. Aos poucos, surgiu outra formulação “teórica” para o descontrole financeiro do governo: a dita “nova matriz econômica”.

Esta substituiu a visão do governo do PSDB, que era social-democrática contemporânea, isto é, entendia que o bom governo, para atender ao longo do tempo às demandas sociais, requer previsibilidade na condução das políticas econômicas.

O processo de erosão simultânea do “presidencialismo de coalizão” e do bom senso na economia, embora originário do governo Lula, tornou-se mais claro no primeiro mandato de Dilma: o “presidencialismo de coalizão” - no qual se supõe a aliança entre um número limitado de partidos para apoiar a agenda do governo no Congresso - transformou-se em “presidencialismo de cooptação”. Nele, grandes e pequenos partidos (meros agregados de pessoas que visam o controle de um pedaço do Orçamento) ideologicamente díspares passam a tão somente carimbar as decisões do Executivo no Congresso em troca de penetração cada vez maior na máquina governamental e participação nos contratos públicos.

Tão grave quanto o desvio das políticas macroeconômicas saudáveis foi o desmazelo nas políticas setoriais, do petróleo ao etanol, passando pelo setor elétrico. Não me refiro à corrupção desvendada pela Lava Jato - em si já muito grave -, mas aos erros de decisão: refinarias e complexos petroquímicos projetados com megalomania (Comperj, Abreu e Lima, etc.) ou sem viabilidade econômica (no Ceará e no Maranhão), assim como um conjunto de estaleiros (11!) construídos para fornecer a custos altíssimos e por meio de engenharias financeiras duvidosas, do tipo Sete Brasil, navios, plataformas e sondas para a Petrobrás, com o sacrifício dos interesses da própria empresa e do País.

O mesmo exagero na dosagem se viu no Fies (deixando agora as universidades e os alunos na rua da amargura), no falecido trem-bala, nas concessões de aeroportos à custa do BNDES e também na política de “campeões nacionais”, financiada à custa da emissão de dívida cara pelo Tesouro para empréstimo a juros subsidiados de centenas de bilhões de reais a algumas empresas, sem transparência alguma.

Políticas em si justificáveis e preexistentes, de estímulo ao “conteúdo nacional” e apoio ao empresariado brasileiro, foram deturpadas. Os erros são inumeráveis, como o controle do preço da gasolina, que levou usinas de cana à ruína, ou a redução demagógica das tarifas de energia elétrica quando a escassez de água já se desenhava no horizonte. Tudo isso revestido de uma linguagem “nacionalista” e de grandeza.

Em suma: não houve apenas roubalheira, mas uma visão política e econômica equivocada, desatenção ao bê-á-bá do manejo das finanças públicas e erros palmares de política setorial. Sabemos quais foram os responsáveis pelo estado a que chegamos. Cobra-se agora das oposições: o que fazer? 

É preciso primeiro reconhecer que, dada a reeleição de Dilma e do PT, há que dizer: quem pariu Mateus que o embale. Tudo bem, é verdade. Mas o Brasil não é do governo ou da oposição, é de todos. A oposição de hoje será governo amanhã. Portanto, não deve escorregar para o populismo, e sim apontar caminhos para superar os problemas acima citados. O fator previdenciário, por exemplo, é indispensável, no longo prazo, para o equilíbrio das finanças públicas. Se for para mudá-lo, que se encontre um substituto à altura. Pensando no Brasil, não cabe simplesmente fazer o seu funeral.

Não nos aflijamos eleitoralmente antes do tempo.Neste momento o que importa é que o povo veja quem foram os verdadeiros responsáveis pelo desastre que aí está. Ele é fruto de decisões desatinadas do lulopetismo e da obsessão pela permanência no poder, com a ajuda da corrupção e de medidas populistas que nada têm a ver com desenvolvimento econômico e social ou com os interesses nacionais e populares.

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*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República

Luiz Werneck Vianna - A grande transformação

- O Estado de S. Paulo

O ano político, iniciado sem fanfarras com a segunda investidura de Dilma Rousseff na Presidência da República, já avança no seu sexto mês sem que se saiba para qual direção aponta o rumo da sua navegação. Ainda em linguagem náutica, depois de tanto ter alterado o argumento do seu primeiro mandato, parece que a presidente segue os conselhos dados nos versos de um grande poeta popular, fazendo como o velho marinheiro que, em meio ao nevoeiro, leva o barco devagar, mesmo que a sua rapaziada sinta falta de um pandeiro e de um tamborim.

O script com que exerceu seu primeiro mandato, defendido com ênfase desregrada em sua campanha eleitoral, jaz abandonado em gavetas que não mais se abrem, e que guardam, talvez para uma crítica roedora dos ratos, os papéis que justificavam sua orientação terceiro-mundista, seu capitalismo de Estado e o nacional-desenvolvimentismo que, entre nós, sempre lhe emprestou sua alma. Da cornucópia de onde jorrariam em abundância os recursos para os programas sociais mal sairão filetes, condenada como está ao contingenciamento sob controle tecnoburocrático. Obrigada, pela força das circunstâncias, a ceder em suas convicções, antes de avançar para o mar alto a presidente trocou de tripulação na condução da economia e da política, passou a evitar a ribalta e sua exposição a um público que não mais a vê com simpatia, ainda aguardando as razões da mudança de sua orientação.

Nos idos de abril, as ruas pareceram abrir-lhe as portas do inferno, com as chamadas medidas de ajuste fiscal - eufemismo para uma política de austeridade do tipo que sublevou as ruas e as praças europeias neste começo de século -, erodindo as forças de sustentação do seu partido e do seu governo nas bases sindicais e no mundo popular. O espantalho do impeachment ganhou a linha do horizonte, e velhos e recalcitrantes antagonismos ameaçam escapar da situação de equilíbrio mantida pelas artes de prestidigitação do ex-presidente Lula.

A nova tripulação, estranha ao antigo curso da navegação, contando com a cumplicidade do estado-maior da presidente, mandou às favas sem escrúpulos o programa de radicalização do nosso capitalismo de Estado - sentido velado da campanha da candidata Dilma Rousseff -, com tudo o que ele importava em termos de política internacional e de rearrumação no posicionamento das forças sociais e políticas envolvidas, e sinalizou em alto e bom som para os rumos do capitalismo sans phrase. Sem escrúpulos igualmente adotou as linhas principais do programa do seu adversário, decapitando, em movimento clássico do transformismo político, a liderança da oposição.

Salvo imprevistos - que não nos têm faltado -, o impeachment parece ter ficado para trás, e bem devagar, o governo, em meio a amotinados em sua própria embarcação, procura entre névoas um novo rumo. Desde então, nas ações presidenciais os versos famosos de Fernando Pessoa têm seu sentido invertido: sobreviver é que é preciso, e não navegar em mar desconhecido na busca de uma glória incerta. Fora do radar a iminência de uma crise política convulsiva, vida que segue, agora em tons mais cinzentos para todos, governantes e governados apertando os cintos numa economia que se retrai.

Contudo esses meses de tantas reviravoltas inesperadas não foram perdidos. Eles registram o fim de um ciclo, talvez o último do nosso longo processo de modernização em que a sociedade tem sido conduzida sob comando autoritário do seu vértice político, ora de forma aberta, como é da nossa tradição republicana, ora de modo encapuzado, tal como o nosso presidencialismo de coalizão facultou aos governos do PT, que, passada essa borrasca, jamais será o mesmo.

A conquista de um segundo mandato para a presidente Dilma que deveria importar na radicalização do primeiro, contando com o exercício do papel discricionário do Executivo, resultou no seu contrário. A partir da admissão da gravidade da crise econômica com o anúncio da política de ajuste fiscal, o Legislativo assumiu, na prática, sua autonomia diante do Executivo, movimento que deve contar com a simpatia, por suas convicções de constitucionalista, do vice-presidente Michel Temer, elevado, na pior hora da crise, ao status de um dos condestáveis da República.

O poder de iniciativa, ao menos momentaneamente - mas há algo sem volta nesse movimento -, desloca-se, pois, do Executivo para o Legislativo, tal como se tem verificado no andamento da reforma política em curso, no papel de negociação das duas Casas congressuais no ajuste fiscal e na reforma trabalhista que disciplina a chamada terceirização. Mutação nada trivial na experiência republicana sob a hegemonia do PT.

Nos dois governos do ex-presidente Lula - não importa se em cenário mais favorável que o atual -, o talento político da sua principal liderança soube reunir em sua base de sustentação um conjunto de forças sociais e políticas inéditas em nossa vida republicana, atribuindo a cada qual uma posição no governo. Do agronegócio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do empresariado aos sindicatos, todos encontraram seu lugar no amplo condomínio que se tornou a máquina governamental.

Assim, pela perícia política do ex-presidente, a que não faltou sorte, os antagonismos presentes em nossa sociedade foram postos em equilíbrio, o que seu estilo pragmático de governar, fiel à sua formação no sindicalismo de resultados, favorecia. Ao contrário de Lula, que chegou ao capitalismo de Estado por conveniências da hora, a presidente Dilma, com outra origem, adotou-o por convicção, perdendo de vista o que foi essencial à política do seu antecessor - manter em equilíbrio os antagonismos que já começam a ganhar as ruas e os debates públicos.

Não há dúvida, é o começo de outra história. Se melhor, depende da política que praticarmos nela.

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Luiz Werneck Vianna é sociólogo da PUC-Rio

Merval Pereira - Revendo a reforma

- O Globo

A segunda rodada de votação na Câmara da emenda constitucional que põe fim à reeleição dará um bom indicativo de como a medida, vitoriosa por larga margem na primeira votação, repercutiu na sociedade.

Os deputados certamente tiveram contato com seus eleitores e puderam sentir que o fim da reeleição não é um anseio nacional. Se o número de votos favoráveis for reduzido nessa segunda votação, estará dado o sinal para que o Senado reveja a decisão da Câmara.

Esse é um caso em que o interesse partidário falou mais alto do que o nacional, e o fim da reeleição foi aprovado mais para acomodar facções dentro dos partidos do que para buscar uma solução institucional melhorada. Foi também o caso das cláusulas de barreira, que devem ser mais rigorosas a partir de uma modificação já prevista no Senado.

A 2ª rodada de votação será também afetada pela decisão, que será tomada anteriormente, sobre a duração dos mandatos de presidente, governadores e prefeitos.

Uma das consequências deve ser a derrota da tese da coincidência de mandatos, outra mudança constitucional que não encontra apoio majoritário entre os parlamentares, coincidindo com uma rejeição previsível da sociedade.

Nada indica que deixando de votar de dois em dois anos o brasileiro ficará mais politizado. Ao contrário, se houver a coincidência de mandatos, as eleições acontecerão de cinco em cinco anos, muito tempo de separação entre elas, significando que o debate político público que as eleições provocam ficará congelado por muito tempo.

A separação de tempo muito grande entre as eleições e o fim do voto obrigatório, outra emenda constitucional que estará em votação a partir da próxima semana, moldam um sistema político-eleitoral que não favorece a politização dos cidadãos.

O voto opcional é, teoricamente, um avanço democrático, pois votar passa a ser um direito, e não um dever, do cidadão. Mas, na prática, já existe essa possibilidade de não votar sem ser punido. Dá apenas um pouco mais de trabalho justificar não ter votado, ou pagar uma multa irrisória para ficar quite com a Justiça Eleitoral.

Em democracias ainda em formação como a nossa, o voto obrigatório tem um papel educativo importante, dando ao cidadão comum o valor da importância de seu gesto.

Se ainda temos no país diversos casos de compra de votos e troca de favores para que o eleitor vote neste ou naquele candidato, é preciso um continuado trabalho educativo por parte do Tribunal Superior Eleitoral para que o eleitor entenda a importância de seu voto, e transforme esse entendimento em instrumento de inserção social.

Os debates políticos durante as campanhas eleitorais colaboram para tal amadurecimento do eleitor brasileiro, e por isso as eleições deveriam continuar sendo realizadas de dois em dois anos.

Os temas municipais nas eleições de prefeito e vereador ganham também a dimensão necessária para que sejam debatidos pelos eleitores. Caso contrário, seriam engolidos pelos temas nacionais.

O financiamento privado aos partidos, aprovado pela Câmara em primeira votação, é outro tema polêmico que será revisitado por deputados e analisado por senadores. Como parece ser majoritário o desejo de ter financiamento privado nas eleições, o Senado deverá aprovar a decisão, mas a legislação terá que regulamentar com muito rigor os procedimentos para que os limites das doações não sejam tão amplos quanto hoje — 2% do faturamento das empresas —, e para que não seja permitido a empresas que tenham algum tipo de vínculo com governos participar desse financiamento.

Todos esses pontos estarão em discussão na Câmara a partir da próxima semana, e mais adiante serão abordados novamente pelos senadores, que terão tempo para corrigir erros provocados pela maneira como foram votados os tópicos do que seria uma reforma política, sem que os temas fossem interligados como conviria. Do jeito que está sendo feita, a reforma já começa necessitando de uma revisão.

Dora Kramer - Medo de morrer

- O Estado de S. Paulo

Aos 35 anos de idade, o PT está com medo de morrer. Vítima de inanição eleitoral, caso as coisas não melhorem para o lado do partido e o ex-presidente Luiz Inácio da Silva não seja candidato à Presidência em 2018.

E por “coisas” entendam-se circunstâncias econômicas, políticas, sociais - por consequência, eleitorais - favoráveis a uma possibilidade concreta de vitória. Lula avisou e o partido já entendeu (isso inclui a gama de legendas aliadas à esquerda) que não embarcará em causa perdida nem em bola dividida. Sacrifício inadmissível para quem saiu do poder no auge.

Nesse clima o PT realiza nesta semana seu 5º congresso nacional, de 11 a 13 de julho, em Salvador (BA), ciente de que vislumbra a aproximação do precipício. É forte o termo? Pois o porta-voz da expressão é parlamentar e dirigente do partido. Legenda cuja trajetória desde 1980 vinha sendo ascendente e agora, pela primeira vez, toma o rumo contrário correndo o risco de entrar por um caminho sem volta.

A “construção das condições de vitória” em 2018 é o pano de fundo dos embates do partido com o governo da presidente Dilma Rousseff. É também a razão de todas as críticas às medidas de ajuste fiscal e ao “estelionato eleitoral” que não incomodou ao PT quando o que estava em jogo era ganhar a eleição de 2014. Bem como motiva teses e posições a serem debatidas no congresso entre as diversas variantes de petistas.

Há os ideológicos, que ensaiam um discurso sobre reformulação de conduta tendo como linha a retomada dos princípios éticos a fim de reconquistar o eleitorado “de raiz”. Prevalecem, contudo, os pragmáticos. Estes só pensam na produção de algum ambiente confortável que melhore o humor daquele tipo de eleitor/consumidor.

Na realidade, a preocupação central é com o efeito politicamente depressivo de uma possível recessão. Basta ver que enquanto a economia ia bem, a direção do PT não se dedicou às questões de conduta. Ao contrário, as ignorou e defendeu os seus que foram réus. Portanto, a questão em foco não é a correção dos erros cometidos. Em aspecto algum.

O objetivo é, mais uma vez, encontrar uma maneira de criar artifícios pelos quais o governo (para beneficiar o partido) convença as pessoas de que vai tudo bem e que remédios amargos não são fruto da necessidade fática criada pelo próprio governo. Nesta versão, produto da visão “equivocada” de um representante de Satã no ministério da Fazenda.

O problema em tal equação está no enunciado: Se Lula é a solução, foi Lula quem inventou Dilma, a presidente que desestruturou a economia, cujo ‘reconstrutor’ seria Joaquim Levy por indicação de Lula, que posa como se não tivesse nada com isso e ainda é tido por seus seguidores como o salvador da pátria petista.

Ver para crer. Há dois pré-requisitos a serem cumpridos antes de se comprar pelo valor de face essa proposta dos presidentes da Câmara e do Senado de submeter as estatais ao controle do Congresso, com a finalidade de melhorar a transparência e a governança nas empresas.

Antes de qualquer coisa é preciso que o projeto “ande”. Por ora o que se tem é a criação de uma comissão para estudar o assunto e a impressão de que se trata de mais um lance na batalha de demonstração de força ante o Palácio do Planalto para impressionar a arquibancada, distraída do fato de o deputado Eduardo Cunha e o senador Renan Calheiros serem investigados na Operação Lava Jato.

Caso a tramitação prossiga, um artigo nessa espécie de novo código de conduta será imprescindível: partidos e políticos abrem mão de indicações para cargos de quaisquer das instituições incluídas no projeto, onde o mérito passará a valer como critério único para nomeações. É isso ou estarão automaticamente revogadas todas as disposições em contrário.

Luiz Carlos Azedo - Correntes do passado

• Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo

Correio Braziliense

José Honório Rodrigues, falecido em abril de 1987, aos 73 anos de idade, era um liberal-democrata radical. Historiador de formação anglo-saxã, foi discípulo “incondicional” de Capistrano de Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado, sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil.

Tinha sincera admiração pelo amigo Sérgio Buarque de Holanda, mas dele divergia numa questão crucial: o homem cordial retratado pelo autor de Raízes do Brasil (José Olympio, 1936), para ele, era um mito. “A nossa história é cruenta”, demonstrava Honório Rodrigues com eloquentes exemplos, da Inconfidência a Canudos, da Cabanagem à Farroupilha.

Uma de suas obras completa 50 anos e mantém incrível atualidade. É a coletânea Conciliação e reforma no Brasil: interpretação histórico-política (Civilização Brasileira, 1965). Reúne os ensaios “A política de conciliação: história cruenta e incruenta”, “Teses e antíteses da história do Brasil”, “Eleitores e elegíveis: evolução dos direitos políticos no Brasil” e “O voto do analfabeto e a tradição política brasileira”.

Nessa obra, Honório Rodrigues mostrou como a concentração do poder político por um grupo conservador pode impedir a democratização da política, como estamos presenciando agora na votação da reforma eleitoral e partidária pelo Congresso. Era um crítico da “política de conciliação”, cujo protagonismo na construção do Estado nacional e na preservação da nossa integridade territorial foi realçado por Joaquim Nabuco em Um estadista no Império (H. Garnier, 1899), o livro de cabeceira de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República.

Além de confrontar o mito da cordialidade como comportamento histórico permanente dos brasileiros, Honório Rodrigues considerava a política de conciliação um artifício das elites políticas para absorver elementos divergentes e, ao mesmo tempo, fazer pequenas e mínimas concessões à maioria da sociedade — e assim manter o status quo. Isto é, perpetuarem as oligarquias no poder mediantes alianças e pactos perversos.

“O povo brasileiro é uma vítima, um derrotado no processo histórico”, escreveu. Segundo ele, a independência poderia ter sido uma revolução, de modo a fundar as bases nacionais em terreno popular e liberal, mas foi derrotada. Não significou uma ruptura, mas a continuidade da ordem privilegiada das elites da época. Em 1822, e também nas décadas de 1830 e 1840, em 1889, 1930, 1945, 1961 e, não menos importante, em 1964 deu-se o mesmo. “Os poderes dominantes tiveram sempre força para conter as aspirações profundas de mudança e reverter os movimentos de modo a sustentar seu sistema, e seus privilégios”, afirmava.

Honório Rodrigues tinha certa admiração por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, por seu ímpeto transformador, porém, era um critico implacável do populismo. Caracterizou-o como “uma espécie de primitivismo político (...), um instrumento de agitação irresponsável, de meio desordenado de degradação da política e dos políticos”.

Como agora, o populismo foi um entrave ao crescimento ordenado e eficiente nas décadas de 1950 e 1960: “A campanha de luta e agitação (...) desgastou o progressismo que se vinha formando e criou barreiras intransponíveis (...) O radicalismo vindo de cima, que mais agitava do que propunha construir(...) foi, como no poema de Carlos Drummond de Andrade, uma pedra no caminho da reforma e do progresso nacional. Não uniu, dividiu”.

É incrível a atualidade desse diagnóstico. Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo. Seu ideólogo foi Oliveira Viana, o mais conservador dos grandes intérpretes do Brasil.

Autor de Evolução do povo brasileiro, obra publicada em 1923, Viana influenciou fortemente tanto Getulio Vargas como seus arqui-inimigos Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Estado de compromisso, forte e intervencionista; culto à personalidade; sindicatos como cadeia de transmissão; nacionalismo chauvinista — esses elementos da Era Vargas estão aí vivíssimos, como plataformas do petismo. E são reais obstáculos às reformas democráticas e ao desenvolvimento sustentável