sexta-feira, 31 de julho de 2015

Opinião do dia - Geraldo Alckmin

Isso (mandato da presidente) não foi tema da reunião nem está em discussão. Não há nenhuma discussão em relação a isso. Nós defendemos o quê? Investigação, investigação, investigação e cumprir a Constituição. Nosso dever é cumprir a Constituição.
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Geraldo Alckmin (PSDB) é governador de S. Paulo, em entrevista após a reunião dos governadores. O Globo, 31 de julho de 2015.

País tem déficit no semestre pela 1ª vez

Rombo histórico

Martha Beck – O Globo

• Governo tem déficit primário de r$ 1,6 bi, resultado negativo inédito para um 1º semestre

Contas que não fecham

BRASÍLIA - Uma combinação perversa de queda nas receitas e aumento das despesas levou o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) a registrar um déficit primário de R$ 1,597 bilhão no semestre. Foi a primeira vez que o governo encerrou os primeiros seis meses de um ano com resultado negativo, ou seja, gastos maiores do que a arrecadação. A conta não inclui os desembolsos para pagar juros da dívida pública. Um dos fatores que contribuíram para o desempenho foi o déficit primário de R$ 8,205 bilhões do mês passado, o pior para um mês de junho de toda a série histórica do Tesouro, iniciada em 1997.

Ao comentar os números, o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, destacou que a arrecadação vem sofrendo queda expressiva, mas ressaltou o esforço do governo para conter gastos.

- É o pior resultado da história em junho, mas isso não significa que o governo está relaxando a política fiscal. Não é o resultado que gostaríamos, mas vamos trabalhando no dia a dia. O governo vem tomando as medidas necessárias para a reversão desse quadro - disse o secretário.

"Governo está despedalando"
Ontem, foi publicado o decreto que corta R$ 8,6 bilhões nas despesas deste ano. O péssimo desempenho das contas públicas levou a equipe econômica a enviar ao Congresso, na semana passada, um projeto propondo a redução da meta de superávit primário de 2015. Na proposta, a economia do setor público consolidado (inclui também estados, municípios e empresas públicas) para o pagamento de juros da dívida foi reduzida de R$ 66,3 bilhões, ou 1,19% do Produto Interno Bruto (PIB), para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB. A meta do governo central baixou de R$ 55,3 bilhões (0,99% do PIB) para R$ 5,8 bilhões (0,1% do PIB). Já a dos estados e municípios caiu de R$ 11 bilhões para R$ 2,9 bilhões (de 0,2% para 0,05% do PIB).

Segundo relatório divulgado ontem pelo Tesouro Nacional, as receitas da União somaram R$ 81,137 bilhões em junho, valor que representa uma queda real (descontada a inflação) de 5% em relação a igual mês do ano passado. Já no primeiro semestre deste ano, o total arrecadado pelo governo federal foi de R$ 513,301 bilhões, 3,3% menos do que nos primeiros seis meses do ano passado.

As despesas, por sua vez, continuaram a subir. Em junho, chegaram a R$ 89,343 bilhões e cresceram 2,1% sobre igual mês de 2014. No período janeiro-junho, os gastos somaram R$ 514,899 bilhões, o que significa uma alta de 0,5% na comparação com o primeiro semestre do ano anterior.

As despesas com subsídios e subvenções mais que dobraram: foram de R$ 5,48 bilhões em 2014 para R$ 11,45 bilhões este ano, ou seja, R$ 6 bilhões ou 108,9% a mais. Saintive explicou que esse crescimento faz parte de um esforço da equipe econômica para colocar em dia pagamentos postergados nos últimos anos.

Para o economista da consultoria Tendências Fábio Klein, apesar do resultado negativo de junho, o crescimento dessas despesas é um sinal positivo de que a equipe está trabalhando pela transparência e pela credibilidade das contas.

- Estão resolvendo o passivo de anos anteriores. Isso impactou os gastos, mas é um sinal positivo de que o governo está "despedalando" - afirmou Klein, numa referência às pedaladas fiscais, pagamentos postergados pelo governo.

A conta do governo em 2015 também foi pressionada pelas despesas com a Previdência Social, que subiram de R$ 196,8 bilhões em 2014 para R$ 204,3 bilhões, aumento de R$ 7,5 bilhões, ou 3,8%. Por outro lado, houve queda de R$ 1,5 bilhão nos desembolsos com pessoal e encargos sociais, e de R$ 3,2 bilhões no auxílio à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada para custear tarifas subsidiadas.

- As despesas seguem à risca todo o decreto de programação financeira, o que dá previsibilidade sobre o que pode ser pago - explicou o secretário do Tesouro.

O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, disse que o resultado até junho comprova que a equipe econômica acertou ao propor uma redução da meta fiscal de 2015. Segundo ele, mesmo que o esforço fiscal de 0,15% não seja atingido, o número terá credibilidade.

- Alguns viram com maus olhos a mudança na meta de 2015, mas isso foi um sinal de transparência. O ministro Joaquim Levy não vai fazer um ajuste de forma quantitativa, mas qualitativa.

Klein, da Tendências, reforçou:

- A nova meta é mais realista. Mostra que o cenário estava ruim mesmo e que não havia condições para uma meta de 1,19% do PIB. Este ano será para fazer uma faxina e colocar a casa em ordem.

Meta pode ter abatimento
Saintive explicou que o governo não trabalha com a possibilidade de usar a cláusula de abatimento de R$ 26,4 bilhões da meta do ano. Pela proposta enviada ao Congresso, a equipe econômica poderá descontar esse montante do resultado, caso haja frustração em algumas receitas. Na prática, isso permite que o governo termine o ano com déficit de R$ 17,7 bilhões.

Para o economista da Tendências, no entanto, é quase certo que o governo terá que usar a cláusula, pois ele está muito dependente de receitas extraordinárias para realizar a meta de 0,15%.

Ontem, Saintive mencionou por diversas vezes que o governo está trabalhando para conter gastos, mas ressaltou que há uma rigidez orçamentária. E seguindo o discurso de Levy, defendeu um debate na sociedade sobre os gastos obrigatórios:

- Existe rigidez nos gastos públicos. Nosso orçamento tem despesas muito rígidas, e a capacidade do governo de conter gastos é nas discricionárias, que foram reduzidas em 4,4% em junho de 2015 (contra junho do ano passado). (&) O Brasil precisa discutir um pouco a rigidez das despesas obrigatórias. Isso pode ser uma agenda que pode virar um bom debate para a sociedade brasileira.

Sobre a possibilidade de o Brasil perder o grau de investimento (selo de bom pagador) o secretário disse que o governo não projeta esse cenário:

- Não trabalhamos com redução da nossa avaliação pelas agências de Rating . O esforço fiscal permanece. O quadro fiscal é delicado, mas existem várias medidas que podem ser implementadas para o Brasil manter o Investment grade .

Contas do governo central fecham semestre com déficit pela 1ª vez

Edna Simão e Fábio Pupo – Valor Econômico

BRASÍLIA - Com uma forte frustração de receitas, o governo central fechou o mês passado com déficit primário de R$ 8,205 bilhões. Esse resultado é o pior para meses de junho da série histórica, iniciada em 1997. No acumulado do semestre, o saldo ficou negativo em R$ 1,597 bilhão (0,06% do PIB). Essa foi a primeira vez, na série histórica, que as contas registraram déficit primário no primeiro semestre.

O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, comentou que o pior resultado para meses de junho da série histórica “não significa que o governo está relaxando em termos fiscais”. Ele ressaltou que o fraco desempenho da economia está afetando diretamente a arrecadação de impostos. Porém, a arrecadação, na avaliação do secretário, vem num nível abaixo do que seria adequado. “Não significa que há afrouxamento do ajuste fiscal. Há uma adequação do quadro fiscal principalmente em relação à receita”, afirmou.

O governo central considera as contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central (BC). Segundo os números divulgados nesta quinta-feira pelo Tesouro Nacional, o resultado do mês de junho é reflexo de déficits do Tesouro Nacional de R$ 1,915 bilhão; da Previdência Social, de R$ 6,266 bilhões, e do Banco Central (BC) de R$ 23,9 milhões.

O resultado de junho só reforça o cenário de que a equipe econômica enfrentará dificuldades para fazer o ajuste fiscal definido para este ano. Considerando o IPCA de junho de 2015, o governo central registrou um déficit de R$ 38,6 bilhões (0,68% do PIB) em 12 meses.

Na semana passada, a equipe econômica anunciou a redução da meta de superávit primário do setor público consolidado de R$ 66,3 bilhões (1,13% do PIB) para R$ 8,7 bilhões (0,15% do PIB). Considerando apenas o governo central, a economia para pagamento de juros da dívida pública caiu de R$ 55,3 bilhões (0,99% do PIB) para R$ 5,8 bilhões (0,10% do PIB). Já a meta dos governos estaduais recuou de R$ 11 bilhões (0,20% do PIB) para R$ 2,9 bilhões (0,05% do PIB).

Previdência
O resultado negativo da Previdência Social no acumulado do semestre totalizou R$ 33,739 bilhões, o que representa um aumento 45,7% ante mesmo período de 2014. A equipe econômica estima que o país deve fechar o ano com um rombo na Previdência de R$ 88,9 bilhões, mesmo com medida aprovada recentemente para estabelecer regras mais rígidas para o acesso à pensão por morte.

Seguro-desemprego e abono
Os gastos com abono salarial e seguro-desemprego subiram 14,3% no semestre, somando R$ 21,503 bilhões. Esse resultado embute uma queda de 49,2% nos dispêndios do abono salarial e um aumento de 19,1% dos pagamentos do seguro-desemprego.

Somente em junho, a despesa foi de 3,585 bilhões, uma queda de 1,5% na comparação com o mesmo mês de 2014.

Mesmo com as medidas aprovadas para restringir o acesso ao seguro-desemprego e abono salarial, a previsão da equipe econômica é que essa despesa some no fim deste ano R$ 45,811 bilhões. Em 2014, esses dispêndios somaram R$ 54,381 bilhões.

PAC, Saúde e Educação são os mais afetados por corte de gasto

• As três áreas respondem por mais da metade da redução de r$ 8,6 bi

Geralda Doca, Martha Beck – O Globo

Contas que não fecham

BRASÍLIA - Os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os ministérios da Saúde e da Educação foram os principais alvos de um corte adicional de R$ 8,4 bilhões no orçamento federal - parcela de responsabilidade do Executivo, no corte total de R$ 8,6 bilhões. Decreto publicado ontem, em edição extra do Diário Oficial da União, mostrou que, juntas, essas três áreas responderam por mais da metade da tesourada: R$ 4,9 bilhões.

Segundo tabela divulgada pelo Ministério da Fazenda, a Saúde teve o maior corte: R$ 1,703 bilhão. Em seguida veio a Educação, com R$ 1,165 bilhão. Já os desembolsos do PAC, que estão distribuídos entre vários ministérios, foram reduzidos em R$ 2,055 bilhões. Esses números tratam da redução dos limites financeiros de cada pasta, definidos pelo Tesouro, pois têm impacto direto no caixa. Em maio, a equipe econômica já havia anunciado um corte de R$ 25,7 bilhões nos investimentos do PAC.

O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, ressaltou que os cortes foram proporcionais aos orçamentos de cada pasta, preservaram os limites constitucionais e também os programas prioritários para o governo:

- O contingenciamento ocorreu preponderantemente em custeio e investimentos. Saúde e Educação foram os maiores cortes, mas foram preservados os programas prioritários.

Na semana passada, a equipe econômica anunciou um corte adicional de R$ 8,6 bilhões nas despesas discricionárias (aquelas que podem ser contingenciadas) do setor público, junto com a revisão da meta de superávit, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,19 % do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos) para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB.

Documentos divergentes
De um total de R$ 8,6 bilhões de contingenciamento, R$ 8,4 bilhões foram no Executivo. O restante, de R$ 125,4 milhões, será cortado pelos demais poderes, segundo determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No corte de R$ 8,4 bilhões no Poder Executivo, estão R$ 327,1 milhões de emendas parlamentares.

Em maio, o governo já havia anunciado cortes de R$ 69,9 bilhões no orçamento da União deste ano, para fazer frente à queda nas receitas e à necessidade de equilíbrio das contas. No entanto, o quadro se agravou, obrigando a equipe econômica a reduzir ainda mais as despesas.

Depois da área social, as pastas mais afetadas pelo cortes foram Ciência e Tecnologia, R$ 451 milhões; Fazenda, R$ 435 milhões; e Defesa, R$ 401 milhões. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome também não foi poupado. Teve um contingenciamento de R$ 305 milhões.

O detalhamento dos cortes gerou uma confusão entre as pastas da Fazenda e do Planejamento. Enquanto a equipe do ministro Joaquim Levy divulgou, sem maiores explicações, uma tabela com o valor dos cortes considerando os limites financeiros, o Planejamento soltou uma nota explicando os números pelo lado orçamentário. Neste caso, o que se observa são os limites de empenho, ou seja, quanto cada pasta pode contratar em despesas no ano.

De acordo com o documento do Planejamento, a Saúde teve um contingenciamento de R$ 1,179 bilhão e Educação, R$ 1 bilhão. Em seguida vieram Transportes (R$ 875,6 milhões) e Integração Nacional (R$ 723,4 milhões).

"O bloqueio dos valores primou pela qualidade do gasto público, de modo que não houve um corte linear e alguns ministérios não foram contingenciados. Também foram consideradas as particularidades de cada política e de cada órgão, além do ritmo de execução das obras em andamento", afirmou a nota do Planejamento.

Governo corta mais verba do PAC e da área social

Governo corta R$ 1 bi da Educação, R$ 1,18 bi da Saúde e R$ 4,6 bi do PAC

Lorenna Rodrigues, Rachel Gamarski - O Estado de S. Paulo

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi o principal alvo da tesourada adicional dada pelo governo no Orçamento deste ano. Foram contingenciados mais R$ 4,66 bilhões do programa, o que corresponde a 55% do contingenciamento feito nas despesas do Poder Executivo, que somaR$ 8,47 bilhões.

O corte atingiu ainda as emendas parlamentares e R$ 3274 milhões foram congelados. O ministério inais atingido foi o da Cidades, com R$ 1,32 bilhão contingenciado. Com dois dos maiores orçamentos da Esplanada dos Ministérios, as pastas da Saúde e Educação também sofreram com o corte, perdendo R$ 1,18 bilhão e R$ 1 bilhão respectivamente. Segundo o Planejamento, os dois ministérios foram protegidos e o bloqueio ficou abaixo da média.

"O bloqueio dos valores primou pela qualidade do gasto público, de modo que não houve um corte linear e alguns ministérios não foram contingenciados", informou nota do Ministério do Planejamento.

O Ministério dos Transportes terá um corte adicional de R$ 875,6 milhões; Integração Nacional perdeu R$ 723,4 milhões; Fazenda, R$ 409 milhões; e Ciência e Tecnologia, R$ 350 milhões. Nos demais Poderes, a tesoura foi de R$ 77 milhões no Poder Judiciário; R$ 28 milhões no Ministério Público da União; R$ 16 milhões no Legislativo; e R$ 2 milhões na Defensoria Pública da União, somando R$ 125,4 milhões.

O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, disse ontem que o corte tentou preservar os Ministérios da Saude e Educação. O corte é preponderante em custeio, preservando investimento no máximo possível", acrescentou.

O decreto detalhando o corte por pasta, anunciado na semana passada pelo governo, de R$ 8,6 bilhões, foi publicado ontem no Diário Oficial da União. Segundo o Planejamento, a atualização de valores considerou a programação financeira e orçamentária para 2015, com base na receita arrecadada e nas reestima-tivas dos impactos do contexto econômico.

Antes do detalhamento pelo Ministério do Planejamento do corte, ontem à noite, o Ministério da Fazenda divulgou uma nota com os novos limites de pagamento para 2015, o que acabou gerando confusão.

Os dados do Planejamento levam em conta o valor que poderá ser empenhado em 2015. Já a fazenda considera o limite financeiro, ou seja, o que poderá ser efetivamente pago. Por isso, os números da Fazenda divergiam dos do Planejamento.

Na semana passada, ao publicar o corte da meta fiscal de 1,1% para 0,15% do PIB, o governo anunciou o contingenciamento adicional Porém, o corte de R$ 8,6 bilhões ficou abaixo do que o defendido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Na ocasião, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que a redução seria feita de forma não linear e atingiría todos os ministérios.
Emendas. 

O corte nas emendas de parlamentares já era temido pelo Congresso. Apesar de serem impositivas, as emendas também estão sujeitas à tesoura do governo na proporção do contingenciamento que será imposto ao Executivo. Fora de Brasília até o fim desta semana, alguns parlamentares de oposição ao governo chegaram a ameaçar ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso o contingenciamento afetasse o pagamento das emendas. "Se ela cortaras emendas, vamos ao Supremo para fazer ela pagar", disse o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SUSP), na semana passada, após o anúncio do corte.

As emendas parlamentares individuais são dotações inseridas no Orçamento da União que abastecem os redutos eleitorais dos congressistas com recursos para obras e ações em saúde e educação, além de ou trasfinalidades.

Historicamente, o governo liberava essa verba seguindo o cronograma de deliberações importantes no Congresso, numa forma de pressionar deputados a votar de acordo com os interesses do Planalto. Mas, com a aprovação, no ano passado, do chamado Orçamento impositivo, o pagamento passou a ser obrigatório.


Governo tem deficit inédito no 1º semestre

Isabel Versiani – Folha de S. Paulo

• Com arrecadação em queda, contas federais têm rombo de R$ 1,6 bi, 1º resultado negativo desde o início da série

• Aumento da Selic pelo BC para 14,25% não altera trajetória da dívida pública, afirma secretário do Tesouro

BRASÍLIA - O governo federal fechou o primeiro semestre com um deficit inédito em suas contas, mostrando a dificuldade do setor público em economizar recursos para o pagamento da dívida em meio à queda da arrecadação.

A diferença entre despesas e receitas foi de R$ 1,598 bilhão, no primeiro saldo negativo nas contas da União para o período desde pelo menos 1997, quando começa a série do Tesouro Nacional.

Apenas no mês passado, as contas tiveram um rombo de R$ 8,2 bilhões.

No primeiro semestre de 2014, o governo federal teve superavit de R$ 17,4 bilhões.

"O resultado ainda se mostra bastante negativo, por isso o governo está tomando as medidas que considera necessárias", afirmou o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, em referência ao novo corte orçamentário de R$ 8,6 bilhões anunciado na semana passada e cujos detalhes foram revelados nesta quinta (leia na pág. A17).

No mês de junho, a arrecadação da Receita Federal sofreu uma queda real (descontada a inflação) de 2,44% na comparação com o mesmo período do ano passado, refletindo o fraco desempenho da atividade econômica.

No semestre, quando incluídas outras receitas, como a de concessões e de dividendos das estatais, a redução foi de 3,3%. As despesas, por outro lado, aumentaram 0,5% no período, com destaque para a alta de 3,8% dos gastos com o pagamento de benefícios da Previdência.

Meta
O governo tem como meta economizar R$ 5,831 bilhões neste ano para o pagamento de juros da dívida. Considerando também os resultados de Estados e municípios, o objetivo é obter um saldo positivo de R$ 8,747 bilhões, o equivalente a 0,15% do PIB.

A meta, no entanto, prevê uma cláusula de abatimento que permite excluir do resultado algumas projeções de arrecadação que não se confirmem. Na prática, o resultado pode chegar a um deficit de até R$ 17,7 bilhões.

Saintive disse que historicamente o período de junho a agosto é de resultados menos expressivos e que o saldo acumulado até o momento não indica que a meta de 0,15% do PIB não será atingida.

O cumprimento da meta é importante para o Brasil manter o grau de investimento concedido pelas agências de classificação de risco e que é fundamental para que o país esteja na mira de grandes investidores internacionais.

Além disso, quanto melhor a nota concedida a empresas e países, menor tende a ser o custo de sua dívida.

Na terça-feira (28), a agência Standard & Poor's deixou o Brasil mais perto do rebaixamento, colocando a nota do país em perspectiva negativa.

Segundo o secretário, na avaliação do governo, a queda da arrecadação não é explicada apenas pelo fraco desempenho da economia, mas porque parte das empresas tem optado por prorrogar o pagamento de impostos.

Dívida
Para Saintive, o aumento na taxa de juros anunciado pelo BC na quarta-feira (29) não afeta de forma expressiva a trajetória estimada pelo governo para a dívida pública.

A previsão oficial, que tem como parâmetro uma taxa Selic de 14% no fim deste ano, é que a dívida púbica feche dezembro em 65,7% do PIB, sofra nova alta em 2016 e passe a recuar a partir de 2017.

A Selic, no entanto, já foi elevada para 14,25% e analistas não preveem redução ainda neste ano. "Uma queda incipiente [da dívida] vai começar em 2017 independentemente do aumento", afirmou.

Persistência da crise desafia ministro Levy

Claudia Safatle – Valor Econômico

BRASÍLIA - Os desafios para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aumentaram de janeiro para cá. A deterioração das contas públicas era muito pior do que ele imaginava, as condições para aprovação das medidas necessárias ao conserto da situação no Congresso estão mais adversas e o ambiente político está longe de permitir alguma discussão mais séria sobre o que fazer a partir de agora.

Não há clima para se discutir a redução das vinculações do gasto público. Há pouca disposição para votar o corte nas desonerações da folha de salários das empresas e, mesmo diante do retrato que as investigações da Lava-Jato expôs, não há quem se disponha a falar sobre o tamanho do Estado.

Levy tem insistido na necessidade de redução da dívida pública, cuja trajetória, afirma, inviabiliza a retomada do crescimento. O problema não é tanto o tamanho da dívida, mas a taxa de juros implícita na dívida líquida que é exorbitante. Era 19,3% em 2014, acumulada em 12 meses, subiu em maio para 24,8% e deve ter aumentado mais em junho. Para o governo federal e o Banco Central, a taxa chegou a impressionantes 33,9% em maio.

O juro implícito corresponde à média dos custos incidentes sobre os ativos e passivos do setor público. O salto mais recente se deve às operações de swap cambial, mas eles já eram altos antes.

A taxa Selic de 14,25% ao ano, decidida pelo Copom na quarta feira, deve permanecer nesse patamar por um período prolongado, elevando ainda mais os juros da dívida. Na última vez que o Copom falou em manter os juros por período prolongado, em 2012, a estabilidade durou por três reuniões. O mercado, porém, estima que a taxa atual vai vigorar até meados de 2016.

Dilma diz a governadores que sabe suportar pressão e defende mandato

Andrea Jubé, Lucas Marchesini, Bruno Peres, Raphael Di Cunto, Thiago Resende e Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - Em reunião com governadores ontem no Palácio da Alvorada, a presidente Dilma Rousseff afirmou que, individualmente, sabe suportar "pressão", defendeu o seu mandato e buscou dividir com eles a responsabilidade pelas crises política e econômica. Lembrou que a "pauta-bomba" em andamento no Congresso Nacional também afeta os Estados e observou que é atribuição de todos a "responsabilidade fiscal". Pela retomada do crescimento, pediu que apresentem projetos para turbinar o Plano de Investimentos em Logística (PIL).

"Eu, pessoalmente, sei suportar pressão e até injustiça, isso é algo que qualquer governante tem de se capacitar para, e saber que faz parte da sua atuação", afirmou na abertura da reunião. "Nós devemos cooperar cada vez mais, independentemente das nossas afinidades políticas, a cooperação federativa é uma exigência constitucional", reforçou.

Dilma escalou o ministro da Secretaria da Aviação Civil, Eliseu Padilha - que reforça a articulação política ao lado do vice-presidente Michel Temer - para explicar aos governadores os projetos em andamento no Congresso que implicam aumento de gastos e os respectivos impactos estaduais.

"A estabilidade fiscal do país é um muito importante e é uma responsabilidade de todos os poderes da Federação", afirmou. "Temos algumas propostas legislativas de grave impacto já votadas pelo Congresso. Algumas eu assumi a condição de preservação necessária do dinheiro público, vetando. Todas essas medidas, elas terão impacto sobre os estados, sem sombra de dúvida", alertou.

Participaram 26 governadores e a vice-governadora do Mato Grosso do Sul, Rose Modesto (PSDB), além de nove ministros, inclusive Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento.

Em alusão implícita ao movimento em setores da sociedade que defende o seu impedimento, Dilma lembrou que todos foram eleitos segundo as regras democráticas em vigor. "Nós fomos eleitos na última maior mobilização democrática do país, que são as eleições", afirmou.

Foi a segunda vez que a presidente reuniu os 27 representantes da Federação em Brasília. A primeira vez ocorreu em junho de 2013, depois que um milhão de pessoas saiu às ruas para protestar contra a qualidade dos serviços públicos e a corrupção. Um integrante do governo disse ao Valor que se Dilma tivesse antecipado o diálogo, poderia ter evitado danos que atingem a todos, como o reajuste do Judiciário, que terá efeito cascata nos Estados. A avaliação é de que os governadores teriam intercedido para evitar a aprovação da matéria no Congresso.

Dilma afirmou que a fórmula para a retomada do crescimento pressupõe a atração de investimentos e instou os governadores a apresentarem projetos relacionados ao Plano de Logística e Investimentos (PIL), com foco nas novas concessões de rodovias, portos e aeroportos. "Alguns governadores já apresentaram suas sugestões nesse sentido e nós convidamos aqueles que não apresentaram a identificar novos projetos", afirmou. "Não nego as dificuldades, mas afirmo que nós todos aqui têm condições de superar essas dificuldades e, num prazo bem mais curto do que alguns pensam, voltar a assistir à retomada do crescimento da economia brasileira".

Dilma ponderou que o mercado já prevê a redução da inflação no ano que vem, o que criará as bases para um novo ciclo de expansão do crédito. "Esperamos que a retomada do crescimento do crédito contribuirá, junto com a expansão da economia, para uma grande ampliação do consumo das famílias de forma sustentável a partir do ano de 2016", afirmou. "Essas são as bases de um novo ciclo de crescimento e de desenvolvimento", definiu.

No fim da reunião, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, confirmou a tendência de que a presidente Dilma sancione o projeto que amplia o limite para que os Estados utilizem depósitos judiciais para o pagamento de precatórios, conforme antecipou oValor. Mas ele ressalvou que será criado um grupo de trabalho na Casa Civil, porque o modelo não atende todos os Estados. "É difícil fazer uma forma que sirva a todos". O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, acrescentou que Dilma decidirá sobre o tema até o próximo dia 5, ressalvando que pode haver "veto parcial" e ponderando que a eventual sanção retirará R$ 20 bilhões em recursos de financiamentos do Banco do Brasil.

Para Mercadante, a reunião marca "um dia especial na democracia", em que todos dialogaram em prol de uma "agenda de cooperação positiva para o Brasil". Ele afirmou que este é o caminho para "superar dificuldades", rumo à estabilidade política e econômica.

Estados questionam propostas da União

Thiago Resende, Raphael Di Cunto e Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - Embora o governo tenha conseguido a ajuda dos Estados contra a aprovação de uma "pauta-bomba" no Congresso Nacional, governadores sinalizaram ontem resistência a alguns projetos de interesse da presidente Dilma Rousseff. No caso do ajuste fiscal, querem opinar e poupar Estados e municípios. Em relação à reforma do ICMS, questionam se as perdas com a medida serão realmente compensadas, como promete o Palácio do Planalto.

O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), aproveitando o momento em que Dilma, oposicionistas e aliados estavam juntos, para demonstrar preocupação com a agenda política e fazer uma defesa da ordem democrática. Depois da reunião, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no entanto, ignorou o tema da estabilidade política. "Não teve nenhuma discussão hoje em relação a isso. Nós defendemos investigação e cumprir a Constituição", disse.

Com o encontro, Dilma queria cooperação para evitar a aprovação no Congresso de medidas que elevariam gastos e tirariam receitas num momento de ajuste das contas públicas. O plano teve sucesso. Segundo relatos, todos os governadores concordaram em ter uma postura mais "pró-ativa" junto a suas bancadas no Congresso para evitar projetos com impacto na União, Estados e municípios. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), que falou em nome do Centro-Oeste, por exemplo, deixou clara a posição contrária ao aumento de gastos "insuportáveis".

Ainda na pauta econômica, os governadores pedem que o fundo que faz parte da reforma do ICMS seja constitucional, o que impediria contingenciamentos e deixaria os Estados mais seguros sobre os pagamentos. Alegam também que o dinheiro para compensar as perdas - que viria da repatriação de dinheiro que está no exterior - é incerto.

De acordo com o governador de Rondônia, Confúcio Moura (PMDB), todos os Estados criticaram o que foi proposto para a reforma das alíquotas interestaduais do ICMS. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no entanto, defendeu o projeto que permite a repatriação do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que deve resultar em valores "bastante expressivos", e disse que tornar o fundo constitucional ainda está em discussão.

"Ninguém sabe quanto se pode repatriar de recursos. Não pode ficar dependendo só disso", justificou Alckmin, que conversou com outros quatro tucanos e um pemedebista - Paulo Hartung (Espírito Santo) - antes do encontro com Dilma. Eles indicaram apoio ao ajuste fiscal desde que as medidas não reduzam as receitas estaduais e municipais. "Temos que ver em que termos se dará isso [o ajuste]. Ninguém sabe. Ver o que será afetado", disse Richa. Mesmo a oposição entende que o ajuste é necessário, porém está preocupada com o aumento do desemprego e os rumos da economia.

Quase 20 governadores da base aliada ou independentes também conversaram antes da reunião com Dilma - separados dos tucanos e de Hartung. Até os que apoiam a presidente concordaram em dar um recado: "Os governadores querem ser chamados para discutir o ajuste fiscal. O ajuste causa impacto nos Estados e municípios", disse Moura. (Colaboraram Edna Simão, Lucas Marchesini e Bruno Peres, de Brasília)

Governadores afirmam que não aceitarão unificação do ICMS como foi proposta pelo governo

• Em reunião prévia, chefes de executivos estaduais da base aliada e do PSB fecharam pauta conjunta

Eduardo Bresciani – O Globo

BRASÍLIA - Em uma reunião prévia, os governadores decidiram levar a Dilma um posicionamento conjunto de que não aceitarão o fim da “guerra fiscal”, com a unificação das alíquotas do ICMS, nos moldes que vem sendo proposto pelo governo. Eles dirão que só aceitarão a medida se no fundo de compensação forem alocados recursos para além da repatriação de recursos no exterior que não tiverem sido declarados.

– Tem uma posição mais favorável (à unificação do ICMS), desde que haja um fundo de compensação. A ideia é que vá além (da repatriação), que tenha coisas garantidas – disse Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão.

A reunião contou com governadores da base aliada e do PSB, partido que se declara independente ao governo federal. No discurso está ainda a garantia de que os estados não terão de arcar com novos custos, numa resposta ao apelo do Executivo federal para que os governadores ajudem a conter a “pauta bomba” em andamento no Congresso com a aprovação de novos gastos.

– Tem uma pauta mais federativa, de proteção das finanças estaduais – afirmou Dino.

As discussões sobre “estabilidade política” também foram mencionadas. O discurso será de que é preciso manter a força das instituições na política para que a economia reaja.

– Vamos trabalhar a pauta que foi apresentada, de estabilidade política, soluções para garantir o crescimento econômico e a garantia que possamos ter uma agenda federativa. Foi uma reunião madura, com bastante serenidade, com uma posição pensando no Brasil – afirmou Wellington Dias (PT), governador do Piauí.

Governadores do PSDB afirmam que ajuste fiscal só é válido se tiver foco em crescimento e combate ao desemprego

BRASÍLIA – Os governadores tucanos Beto Richa (Paraná), Geraldo Alckmin (São Paulo), Marconi Perillo (Goiás) e Simão Jatene (Pará), e a vice-governadora do Mato Grosso do Sul, Rose Modesto, se reuniram nesta quinta-feira (30) em Brasília e reforçaram a defesa do combate à crise econômica com foco na preservação de empregos, no crescimento e no fortalecimento de estados e municípios.
Os tucanos fizeram uma reunião prévia antes do encontro entre demais governadores do país e a presidente Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, também nesta quinta.

“Foi uma reunião muito proveitosa para discutir a crise e sua consequência, que é o desemprego. Precisamos de um ajuste fiscal, para o crescimento; preservar empregos e gerar empregos”, destacou Alckmin. “Estamos preocupados em apresentar alternativas ao país. Soluções que amenizem a grave crise financeira, que busquem a preservação de empregos. E que os estados não sejam mais uma vez penalizados”, acrescentou Richa.

Exportações e ICMS
Os governadores criticaram o governo federal pelo atraso no pagamento das compensações pela desoneração das exportações, que impactam os cofres estaduais. Alckmin e Jatene lembraram que os valores referentes a 2014 ainda não foram quitados. “É importante o ressarcimento para estimular a exportação e, de outro lado, a infraestrutura e a logística”, afirmou Alckmin.

“[O pagamento] é um sinal importante aos estados, porque precisamos continuar investindo”, disse o governador do Pará.

Alckmin falou ainda sobre as propostas para reformulação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em discussão no Congresso Nacional. O tucano defendeu que ocorra a redução anual das alíquotas interestaduais e afirmou que a proposta do governo de apostar no repatriamento de recursos para equalizar as contas é insuficiente.

Federação
Os governadores ressaltaram que o momento atual é de ‘defesa da federação’ e lembraram que problemas encarados pelos cidadãos têm, em regra, soluções alcançadas com financiamento adequado de União, estados e municípios.

“A saúde, ao lado do emprego, é a maior preocupação dos brasileiros. E de quem é o financiamento da saúde pública no Brasil? É conjunto dos três níveis da administração. Precisamos estar permanentemente dialogando para defendermos os interesses da população”, declarou Alckmin.

Jatene acrescentou que nos momentos de crise econômica, como o atual, a população recorre mais aos serviços do Estado, e por isso é importante que o poder público tenha capacidade de atuação. “A retomada do crescimento é fundamental, sob pena de afetarmos principalmente as populações mais simples”, destacou.

“O que nós buscamos é que estados e municípios não sejam onerados. Que ajuste não seja feito só nas costas dos governos estaduais, que não suportam mais tanta sobrecarga de responsabilidades”, acrescentou Richa.

Aos governadores, Dilma diz que País tem condições de se recuperar

Ricardo Brito e Rafael Moraes Moura - O Estado de S. Paulo

• Presidente citou cenário econômico difícil, pediu cooperação entre os entes federados e afirmou que todos assumiram compromisso para governar até 2018

BRASÍLIA - Em reunião com governadores no Palácio do Alvorada nesta quinta-feira, 30, a presidente Dilma Rousseff não negou as dificuldades da crise econômica que atinge o País, mas fez questão de destacar que o governo tem todas as condições de enfrentar os desafios em um prazo mais curto do que alguns pensam.

"A economia brasileira é bem mais forte, sólida e bem mais resiliente do que era alguns anos atras quando enfrentou crises similares", disse a presidente. Ela destacou que a reunião desta quinta tem papel importante na condução dos destinos do Brasil

Diante da crise de popularidade, a presidente mandou um recado para os presentes. Disse que todos têm um patrimônio em comum: o fato de terem sido eleitos pelo voto democrático e popular. E destacou que todos assumiram um compromisso perante os eleitores para governar até 2018.

Segundo ela, todos os presentes ao encontro foram eleitos numa conjuntura bem mais favorável que a atual. Dilma, entretanto, argumentou que a partir de agosto de 2014 houve um fato muito importante no cenário internacional, que foi o colapso do preço das commodities. Ela disse ainda que a crise internacional não está esmorecendo e que a China agora passa por dificuldades.

"Tudo isso que estou falando não é desculpa para ninguém, é o fato de que nós, por sermos governantes, não podemos nos dar o luxo de não ver a realidade com olhos claros, de ignorar a realidade", afirmou.

A presidente citou ainda que o Nordeste atravessa uma seca prolongada e que houve uma estiagem inesperada no Sudeste, que acabou por gerar impacto no preço da energia consumida pelas empresas e pelas famílias. Ela disse que a consequência foi uma forte queda da arrecadação de impostos e de contribuições sociais, assim como diminuição das receitas.

Dilma disse que alguns Estados estão passando por dificuldades semelhantes às do governo federal e conclamou a todos a enfrentar esses problemas "juntos". Para ela, a base é se chegar a um novo ciclo de crescimento econômico mais sólido e robusto do que o anterior. E frisou que o primeiro passo para isso é controlar a inflação e voltar a promover o reequilíbrio fiscal.

Dilma diz a governadores que país passa por transição e o ‘bom caminho’ é o da cooperação

• Presidente atribuiu o não cumprimento de promessas eleitorais a crise internacional e queda nos preços dos commodities

Luiza Damé e Eliane Oliveira – O Globo

BRASÍLIA — Ao abrir a reunião com 27 governadores nesta quinta-feira, no Palácio da Alvorada, a presidente Dilma Rousseff defendeu seu mandato, deixando claro que, a despeito da ameaça de um impeachment, ficará no cargo até 2018. Em um discurso que durou 32 minutos, a presidente afirmou que o país passa por um período de transição, e que o pior já passou. No início da fala, Dilma atribuiu o não cumprimento de promessas eleitorais a fatores como a crise internacional, a queda nos preços das commodities e a desvalorização do real frente ao dólar, que ajudou a aumentar a inflação. A presidente afirmou ainda que o governo tem de estar preparado para receber críticas e sugestões.

— Eu queria dizer aos senhores que eu, pessoalmente, sei suportar pressão e até injustiça. Isso é algo que qualquer governante tem de se capacitar e saber que faz parte da sua atuação. Quero dizer que tenho ouvido aberto, enquanto razão; e o coração, enquanto emoção e sentimento, para saber que esse novo Brasil que cresceu, se desenvolveu e não se acomoda é aquele Brasil que nós queremos. É aquele Brasil que não se satisfaz com pouco, que sempre quer mais. É esse o Brasil que queremos cada vez mais desenvolvido, crescendo cada vez mais — afirmou.

Dirigindo-se aos governadores, a presidente da República conclamou a todos para uma série de iniciativas, como a reforma do ICMS que, segundo ela, embora seja de ordem microeconômica, terá repercussões macroeconômicas para o crescimento e para a geração de empregos.

— Conto com vocês. Quero dizer, do fundo do coração, que vocês podem contar comigo. Há muito que nós sabemos que o Brasil se passa nos estados e nos municípios. Se nós não tivermos um projeto de cooperação federativa, em que nos articulemos e façamos com que ela dê frutos e resultados, não estaremos trilhando o bom caminho. O bom caminho é aquele da cooperação.

Segundo a presidente, tanto ela como os demais governadores eleitos fizeram suas campanhas em uma conjuntura bem mais favorável do que a atual. Destacou que, a partir de agosto de 2014, houve um fato importante no cenário internacional: o colapso nos preços das commodities — principais itens da pauta brasileira de exportações, como minério de ferro, soja e petróleo. Esse colapso foi acompanhado por uma grande desvalorização do real, com impacto sobre preços e inflação, acrescentou.

— O que estou falando não é desculpa pra ninguém. Nós, como governantes que somos, não podemos nos dar ao luxo de não ver a realidade com olhos muitos claros.

Dilma também citou a seca no Nordeste e no Sudeste, a forte queda na arrecadação de impostos e os consequentes cortes no Orçamento. Mas enfatizou que, hoje, a economia brasileira está mais forte.

— Quero dizer a vocês hoje que a economia brasileira é mais forte, mais sólida e mais resiliente do que era há anos, quando enfrentou crises similares. Não nego as dificuldades, mas imagino que temos todas as condições de superar as dificuldades e enfrentar desafios. Queremos construir bases estruturais para um novo ciclo de desenvolvimento.

A presidente apelou ao governadores para que apresentem projetos do plano de infraestrutura e logística, para o período de 2015 a 2018. Segundo ela, alguns já sugeriram projetos em seus estados.

— O que nós queremos agora é que essa carteira de projetos seja estruturada, porque nós sabemos que os investimentos levam tempo para maturar — disse.

Segundo a presidente, a expectativa é que a inflação comece a cair a partir do próximo ano. Para ela, a combinação de redução de inflação com equilíbrio fiscal vai criar as bases para um novo ciclo de expansão do crédito e contribuirá para um incremento do consumo das famílias. Essas são as bases, conforme Dilma, para um novo ciclo de crescimento.

A presidente contou que o governador de Rondônia lhe disse que faz ajuste fiscal diário, porque tem uma superintendente que controla diariamente os gastos do estado.

— Vejo o riso no rosto do Joaquim Levy — brincou Dilma.

Para Dilma, a população exige cada vez mais serviços públicos eficientes e, para atender a essa demanda, os governantes não podem se acomodar e precisam se unir. A presidente disse que é preciso "somar forças, respeitar a democracia e trabalhar para melhor atender à população".

— Nesse novo Brasil nenhum governante pode se acomodar, muita coisa sabemos que precisa melhorar, principalmente porque sabemos que nosso povo está sofrendo. Quando você sabe que o nosso povo está sofrendo, muita coisa tem de melhorar. Nós devemos cooperar cada vez mais, independentemente das nossas afinidades políticas.

Para Dilma, 2015 é um ano de travessia:

— Essa travessia é para levar o Brasil para um lugar melhor. Nós estamos atualizando as bases da economia. Nós vamos voltar a crescer com todo o nosso potencial, com preços mais baixos, emprego em alta, saúde e educação de mais qualidade. Esse é o nosso objetivo. Não nos falta energia e determinação para vencer esses problemas. Nós temos a humildade para receber críticas, nós temos humildade para receber sugestões, temos todo o interesse na cooperação.

Segurança pública
No encontro, a presidente propôs uma pacto nacional para redução de homicídios dolosos. Segundo Dilma, os estados e a União precisam desenvolver políticas de segurança e sociais. Outro ponto sugerido pela presidente foi a redução do déficit carcerário. Segundo ela, a população carcerária brasileira cresce 7% ao ano. Hoje são 700 mil detentos, mas 376 mil vagas. Cardozo fará uma exposição a respeito.

Afif Domingos também apresentará o programa Pronatec Aprendiz e Padilha mostrará os projetos em tramitação no Congresso, com impacto nas contas dos estados e da União.

Ao finalizar seu discurso, disse que o país vive um “ano de travessia”, e que o Brasil voltará a crescer “com todo nosso potencial”.

— Nós sabemos que o povo está sofrendo, e que nenhum governante pode se acomodar — declarou.

A presidente recebeu os governadores na entrada do Alvorada, cumprimentou um a um e ficou um bom tempo conversando com o governador de Rondônia, Confúcio Moura (PMDB). Em seguida, eles fizeram a foto oficial do encontro. Além da presidente, o vice Michel Temer e os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça), Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento), Arthur Chioro (Saúde), Afif Domingos (Micro e Pequena Empresa), Eliseu Padilha (Aviação Civil), Gilberto Kassab (Cidades) e Edinho Silva (Comunicação Social).

Dilma pede cooperação a governadores em projetos e contenção de gastos

Andrea Jubé, Bruno Peres e Lucas Marchesini - Valor Econômico

BRASÍLIA - Em sua fala inaugural na reunião com governadores nesta quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff afirmou que será possível superar a crise econômica e financeira porque, hoje, a “economia brasileira é bem mais forte, mais sólida e mais resiliente do que era alguns anos atrás”. Ela reconheceu as dificuldades, mas assegurou que será possível voltar a crescer rapidamente. Pediu aos governadores que apresentem carteiras de projetos, no período de 15 a 18 de agosto, para viabilizar ações conjuntas do governo federal com governos estaduais a fim de estimular investimentos.

“Não nego as dificuldades, mas afirmo que, num prazo bem mais curto que alguns pensam, vamos assistir à retomada do crescimento da economia brasileira”.

A presidente disse, contudo, que é importante estabelecer “parcerias e cooperações” e enfrentar juntos os problemas para alcançar o novo ciclo – “mais sólido, mais robusto e mais duradouro” – que esse que o país atravessa.

Para a retomada do crescimento, Dilma apontou como ferramentas o controle da inflação, o reequilíbrio fiscal e a retomada dos investimentos. Para isso, citou o estímulo às exportações e o plano de concessões.

“A desvalorização do real elevou a competitividade de vários setores da economia”, observou, citando um aumento nas exportações. “Não é só o câmbio, estamos trabalhando para simplificar processos e reduzir burocracia”.

Aos governadores, pediu que apresentem carteiras de projetos para “novos projetos e novas oportunidades”. Ela citou os processos de novas concessões nas áreas de rodovias e aeroportos.

Ela disse que a redução da inflação em 2016 “já era prevista pelo mercado”, e combinada com o aumento das exportações e dos novos projetos de infraestrutura, cria as bases para um “novo ciclo” de crescimento, com a retomada do crédito que viabilizará a expansão do consumo. Ela citou que nessa recuperação da economia, o agronegócio também tem papel essencial. “Aqui tem governadores que sabem que a expansão do agronegócio tem papel nas contas externas”.

Ela voltou a afirmar que o Brasil é um país majoritariamente de classe média, que 52% da população pertence a essa categoria da sociedade. Ela lembrou que o brasileiro era pobre, “extremamente pobre, e hoje está numa situação em que se você somar as classes B e C, tem uma população dominantemente de classe média”. Dilma afirmou que trabalha para que isso se estabilize.

Ministros também compareceram ao encontro realizado no Palácio da Alvorada.

Receitas
A presidente também pediu a colaboração dos governadores na questão econômica. Dilma diz acredita que é a responsabilidade da federação “liderar esse processo e assumir todas as suas necessidades e condições”, mas ao mesmo tempo é necessário “clareza do que está em questão” por parte dos governadores.

Isso é importante, explicou a presidente, porque “temos propostas legislativas de grave impacto já votadas pelo Congresso” e “outras estão em processo de discussão” que terão impacto também nos Estados. Algumas dessas propostas foram vetadas para assumir “a condição de preservação necessária do dinheiro público”, explicou a presidente.

Sobre a reforma do ICMS, Dilma afirmou que “pode ter repercussão macroeconômica para o crescimento, a geração de emprego e a melhoria da arrecadação dos Estados”.

Diante dessas iniciativas, Dilma disse que, “do fundo do coração”, os governadores podem contar com ela, assim como ela conta com eles.

“Porque há muito sabemos que o Brasil se passa no município e nos Estados”. “O bom caminho é o da cooperação”, defendeu.

Governadores dão apoio ao ajuste fiscal de Dilma

União em torno do ajuste

Luiza Damé, Eduardo Bresciani, Eliane Oliveira, Fernanda Krakovics, Maria Lima e Mônica Tavares - O Globo

• Governadores apoiam medidas fiscais, mas se dividem sobre defesa de mandato presidencial

Crise política

BRASÍLIA - Após cerca de quatro horas de reunião, a presidente Dilma Rousseff conseguiu fechar ontem um pacto pela contenção de despesas públicas. Os governadores presentes no Palácio da Alvorada, inclusive os de oposição, se comprometeram a trabalhar junto às bancadas de seus estados no Congresso Nacional para que sejam rejeitadas propostas que aumentem as despesas do governos federal, e também dos estaduais. Eles concordaram em preservar o ajuste fiscal, como forma de retomar o crescimento econômico o quanto antes.

Nas últimos meses, o Congresso aprovou uma série de medidas com impactos bilionários nas contas públicas, como o reajuste para os servidores do Judiciário e o das aposentadorias acima da inflação.

- (Promoveremos) um combate à pauta-bomba, que incluiu a derrubada do fator previdenciário; a correção da Previdência (acima da inflação), que é grave para os estados; o aumento do Judiciário. Isso contamina o custo do setor público no país, que já é excessivo - afirmou o governador Raimundo Colombo (PSD-SC).

- Vamos pedir (aos parlamentares) que se tenha responsabilidade. O PSDB quer voltar a ser governo, vai voltar a ser, e precisa pensar nisso - completou o governador Marconi Perillo (PSDB-GO).

Alckmin diz que é preciso investigar
Apesar do obter apoio no combate à crise econômica, Dilma não conseguiu o aval de todos pela manutenção de seu mandato. Na parte do encontro fechado à imprensa, sem que a presidente pedisse ou abordasse o tema, os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), de Sergipe, Jakson Barreto (PMDB), e da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB) defenderam a preservação do mandato de Dilma, mas os demais não deram seguimento a esse debate. No fim do encontro, Dino e Coutinho voltaram a citar o assunto publicamente. No entanto, o principal governador de oposição, Geraldo Alckmin (PSDB), de São Paulo, expôs a falta de unidade.

- Isso (mandato da presidente) não foi tema da reunião nem está em discussão. Não há nenhuma discussão em relação a isso. Nós defendemos o quê? Investigação, investigação, investigação e cumprir a Constituição. Nosso dever é cumprir a Constituição - disse Alckmin.

Poucos minutos antes, ao lado de Alckmin, Dino, dissera que os governadores trataram da crise política:

- Uma síntese do que foi tratado por nós lá, a preocupação com a agenda política. A defesa clara e inequívoca da estabilidade institucional, da ordem democrática, do estado de direito e contra qualquer tipo de interrupção das regras constitucionais vigentes. Portanto, a manutenção do mandato legítimo da presidente Dilma Rousseff que foi eleita para cumpri-lo - afirmou o governador do Maranhão, que falou em nome dos governadores da Amazônia Legal.

Durante o encontro, Dilma fez um apelo pela cooperação dos 26 governadores presentes na manutenção da estabilidade econômica. Ela recebeu a pauta de reivindicações dos governadores e pediu que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentasse resolvê-las. A presidente tentou convencer os governadores de que era preciso que todos agissem para que o país saia da crise. Segundo um dos presentes, a palavra mais repetida por Dilma foi cooperação. No final, ela repetiu uma frase dita por Alckmin, sobre a necessidade de se recorrer à política para que a crise econômica seja superada.

- Como disse o governador Alckmin, a política depende da economia e a economia também depende da política. Por isso, temos que atuar em cooperação para sair dessa crise. A instabilidade econômica gera a instabilidade política - apelou Dilma.

A presidente, porém, evitou pedir diretamente apoio contra impeachment ou à votação de suas contas no Congresso. No entanto, segundo relato de governadores, Dilma fez referência ao trauma que seria uma ruptura institucional.

- Ninguém ganha com rupturas institucionais. Vamos cooperar e sair juntos disso - apelou Dilma.

Uma das principais reivindicações dos governadores - um acordo sobre a reforma do ICMS -, entretanto, terminou em impasse. Os governadores queriam a garantia de que os dois fundos, de compensação e desenvolvimento (previstos para compensar perdas dos estados) sejam incluídos na Constituição, mas não tiveram essa garantia.

A presidente, porém, atendeu a outro pleito dos governadores. Ela pediu publicamente que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, dê aval aos empréstimos do BNDES para que os estados invistam em logística. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), considerou a reunião proveitosa. Ele citou dois avanços para os estados: promessa de liberação de crédito e a unificação das alíquotas do ICMS, com a criação de um fundo de compensação.

- Achei a reunião boa. Ela pediu que os governadores sejam solidários com o superávit primário, porque ela vai abrir crédito para os governadores, principalmente para os que já estavam com operação contratada. Todos os governadores estão preocupados com o aumento do Judiciário, da Previdência. Impacta diretamente no caixa de todo mundo.

Dilma diz que cenário na campanha era outro
Ao abrir a reunião, a presidente se defendeu das críticas: disse que foi eleita para cumprir suas promessas em quatro anos e que o país passa por um período de transição, mas traçou um cenário de retomada do crescimento. Afirmou que as promessas de campanha foram feitas em outro cenário econômico e que fatores como a crise internacional, a queda nos preços das commodities e a desvalorização do real frente ao dólar ajudaram a aumentar a inflação, levaram à situação atual:

- Todos temos o dever em relação à democracia e ao voto democrático popular. Nessas eleições, assumimos compromissos com o país e perante os nossos eleitores, e esses compromissos expressos no plano de governo dão um quadro que temos de desenvolver, com ações, iniciativas, projetos, em fim, realizando esses compromissos no horizonte e ao longo do nosso período de governo de quatro anos. Portanto, até 2018 – afirmou

Segundo Dilma, a expectativa é que a inflação comece a cair a partir de 2016. Para ela, a redução de inflação e o equilíbrio fiscal criarão as bases para um novo ciclo positivo na economia. Temas da reunião

Pontos em que houve acordo

Contenção de despesas.
Os governadores se comprometeram a trabalhar junto a suas bancadas no Congresso para evitar a aprovação de projetos que aumentem as despesas ou reduzam a arrecadação

Redução de homicídios.
Todos apoiaram a proposta feita pela presidente Dilma, mas foi criado um grupo de trabalho para estudar medidas, na área de segurança pública, que incluem criação de vagas no sistema prisional e monitoramento eletrônico de condenados. Outro grupo de trabalho vai propor medidas que reduzam mortes no trânsito

O que os governadores querem

ICMS.
A unificaçao desse imposto, para acabar com a guerra fiscal, deve ser compensada com a criação de fundos constitucionais, e não por meio de repatriação de capitais, fonte de recursos considerada incerta

Depósitos judiciais.
Uso desses depósitos para pagar precatórios, dívidas, fundos previdenciários e investimentos

Empréstimos.
Aval da União para que estados tomem empréstimos de credores internacionais e, assim, possam investir

Emprego.
Adoção de medidas para permitir o crescimento e a geração de empregos

O que Dilma quer

Governabilidade.
Apoio à manutenção da governabilidade e estabilidade para o cumprimento de seu mandato até 2018

Dilma vive um segundo mandato em "espiral negativa"

• Para Carlos Melo, do Insper, agosto terá “abraço de afogados” de líderes políticos

Por Diego Viana  - Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

Com o fim do recesso parlamentar na semana que vem, as turbulências políticas que o governo federal enfrentou no primeiro semestre tendem a voltar, com o reforço de uma situação econômica deteriorada e a ofensiva da Polícia Federal sobre líderes políticos. Acuado por uma popularidade baixíssima, a perda de alianças políticas e dados financeiros desesperadores, o governo da presidente Dilma Rousseff vive o começo do segundo mandato em "espiral negativa", passando de crise em crise, nas palavras do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, em São Paulo.

Para Melo, em agosto as principais lideranças políticas, envolvidas em denúncias de corrupção e disputando o espaço limitado do "presidencialismo de coalizão", tendem a se envolver no "abraço de afogados" em que um puxa o outro para baixo na tentativa de se salvar. Em paralelo, a inabilidade na articulação do governo produz reflexos no humor do mercado, reforçando a derrocada econômica e alimentando as tensões políticas.

Valor: Pela sua descrição do presidencialismo de coalizão, quando um partido consegue seu quarto mandato, como agora, pode cair num impasse insolúvel. O impasse atual é insolúvel?

Carlos Melo: O presidencialismo de coalizão é um arranjo útil quando o governo tem o que oferecer. No primeiro mandato, há mais de 25 mil cargos para distribuir. No segundo, o Executivo se vê obrigado a ceder as "joias da coroa", os cargos nas estatais - "e não pode ser qualquer um, não; tem que ser aquela diretoria que faz buraco e encontra petróleo", na singeleza cortante de Severino Cavalcanti. No terceiro mandato há pouco a ceder e o colapso começa a se desenhar. O primeiro ano de Dilma, terceiro mandato do PT, expressou isso. Dilma não fez "faxina". O que ocorreu foi um enorme conflito distributivo fisiológico. No quarto mandato, já se deu tudo, inclusive a saúde fiscal do governo, e a voracidade fisiológica não cessa. A dinâmica passa a ser predatória: a base é o lobo do governo. Dilma sonhou conter esse processo promovendo um fracassado realinhamento político-partidário no Congresso. Imaginou que o PSD, o PROS, a bancada ruralista, com a ministra Kátia Abreu [Agricultura], e os evangélicos, a partir do PRB, bastariam. Primeiro, para derrotar Eduardo Cunha na disputa pela presidência da Câmara. Depois, para estabelecer um novo alinhamento. Foram alguns de seus muitos erros: entender as bancadas ruralista e evangélica como um agregado coeso, e imaginar que o PMDB não compreenderia o jogo. Sim, o impasse é insolúvel.

Valor: O senhor imagina alguma saída possível?

Melo: Mais valeria assumir uma posição de maior coragem. Admitir que, como no jogo de dominó, houve um "fecha natural" [sem mais pedras para jogar] e a solução é começar novamente. Essa politização franca precisaria ser feita na campanha eleitoral, colocando o problema para a sociedade. Expor o modelo e propor nova aliança alicerçada num programa, inclusive em relação à necessidade do ajuste. Dilma e seus marqueteiros fugiram disso durante a eleição. Como no dominó, primeiro é preciso admitir que o jogo fechou, virar as peças e fazer uma nova distribuição. Quem será capaz de fazer isso é que é o xis do problema.

Valor: Agosto promete ser turbulento. Além da volta de um Congresso hostil ao Executivo, o protesto marcado contra o governo poderá ser muito grande. A economia só dá sinais negativos, a começar pelo desemprego. O próximo mês será decisivo para a política brasileira?

Melo: O plano de Dilma e do ministro [da Fazenda, Joaquim] Levy passava por ajuste tão profundo quanto rápido, que restabelecesse a confiança e estimulasse o investimento. Não apenas isso não se deu como até se agravou: o descontrole do Congresso aprofundou a desconfiança; a Operação Lava-Jato colocou o PT e o Executivo nas cordas; a inabilidade do governo ficou patente. Não houve alinhamento nem no governo: Levy virou Judas em Sábado de Aleluia e Dilma foi andar de bicicleta, numa atitude de total alheamento. Os índices econômicos pioraram e o governo entrou em espiral negativa.

Valor: E daqui por diante?

Melo: Seria importante resgatar a confiança, esboçar um choque de credibilidade. Mas não se sabe mais por onde. As esperanças do governo são frágeis: crer que a desgraça pessoal de Eduardo Cunha vai salvá-lo é ilusão. Cunha, Renan [Calheiros] e boa parte do Congresso estão premidos pela Operação Lava-Jato e pelo Ministério Público. Não há como cessar o processo e não haverá acordo. Aliás, um acordo entre envolvidos, um conchavo, só mobilizaria ainda mais a opinião pública. O mais provável é que presenciemos um "abraço de afogados": na ânsia de se salvar, um ator puxa o outro para o fundo do rio. Isso pode se dar em agosto ou na sequência do processo, com o agravamento da crise econômica, o aprofundamento da Lava-Jato, o conflito interno do PT e também do Congresso. Só a liderança política poderia conduzir o processo para algo menos turbulento. Mas esse é nosso maior problema: uma avassaladora crise de liderança política, com "L" e "P" maiúsculos.

Valor: Fala-se em impeachment desde o começo do ano, mas por enquanto não há evidência que atinja diretamente a presidente. Na atual conjuntura institucional, é concebível uma derrubada da presidente se os protestos se expandirem, independentemente de provas contra ela?

Melo: Não há nada que me permita afirmar que a presidente estaria comprometida moral e judicialmente com os escândalos. Até que se prove o contrário, ela está limpa. Mas o impeachment não é processo moral ou jurídico. É político. Às vezes, exclusivamente vinculado às condições de governabilidade. Forças econômicas, sociais e políticas se movem em razão dos seus interesses. A plasticidade jurídica ou pureza dos processos eleitorais, ainda que legítimos, podem ser mandadas às favas. É péssimo que isso ocorra, mas não pode ser descartado. Na medida em que o governo não consegue expressar capacidade de reação, a pressão para cima do Congresso tende a aumentar, e muito, deixando a fragilidade da presidente ainda mais patente. A partir daí, seria "achismo". Não dá para imaginar o desenlace apenas pela magnitude do conflito: mais escuridão no fim do túnel.

Roberto Freire - A saída é pelo Congresso

Diante do agravamento da crise econômica do esfacelamento político e moral de um governo que perdeu a credibilidade, o papel do Congresso, que retoma as atividades a partir desta primeira semana de agosto, será determinante para evitarmos um colapso institucional. A solução para o impasse atual passa, necessariamente, pela ação dos parlamentares, que têm plena consciência do momento delicado enfrentado pelo país graças à incompetência e à irresponsabilidade dos governos lulopetistas nos últimos 13 anos.

Com todos os seus problemas, e é evidente que eles existem, o Parlamento brasileiro vem atuando de forma independente e altiva na atual legislatura, ao contrário do que se via especialmente durante o governo Lula. A posição subalterna do Legislativo em relação aos desmandos do Executivo federal, que apostou na corrupção desbragada do mensalão e do petrolão para cooptar parlamentares, deu lugar a uma postura mais combativa e comprometida com os interesses da população, e não do governo de turno. O Parlamento não está mais de joelhos diante da Presidência da República – e isso pode ser ruim para o PT, mas é salutar para a democracia brasileira.

Como se não bastasse o esgoto a céu aberto trazido à tona pela Operação Lava Jato, com o assalto à Petrobras e as ramificações criminosas no setor elétrico que agora vieram à luz, o descalabro e a incapacidade dos governos do PT arrastaram a economia brasileira para o atoleiro em que se encontra. A alteração feita pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s, reduzindo a perspectiva do Brasil de neutra para negativa, sinaliza um iminente rebaixamento do grau de investimento – espécie de “selo” de bom pagador do país – e é apenas mais uma má notícia entre as inúmeras que se acumulam nos últimos tempos.

Em julho, o IPCA-15, considerado uma prévia da inflação oficial, ultrapassou os 9% no acumulado de 12 meses pela primeira vez em 12 anos. A mais nova previsão para o PIB de 2015 indica uma retração de 1,76%, o que configuraria recessão. Além disso, o dólar chegou a bater em R$ 3,44 nesta semana, alcançando o maior valor desde 2003. O desemprego também segue em alta: 8,1% no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE – de abril a junho, foram cortadas mais de 315 mil vagas de trabalho com carteira assinada. Para completar o quadro desastroso, a renda média mensal das famílias de janeiro a maio encolheu 6,2% em um ano, segundo estudo da consultoria “Tendências”.

Com uma presidente enfraquecida e encastelada no Palácio do Planalto, sem apoio político no Congresso e rejeitada por nove em cada dez brasileiros, caminhamos rumo à ingovernabilidade – e não há país que suporte ficar sem governo, sem comando, à mercê da crise e dos acontecimentos. É inegável que o impeachment, desejado por 63% da população de acordo com a recente pesquisa CNT/MDA, voltou à pauta nacional.

Instrumento legítimo e próprio das democracias, o impeachment está previsto na Constituição, é regulamentado por lei e já foi utilizado para afastar o hoje aliado petista Fernando Collor, em 1992, em meio à corrupção desenfreada em seu governo – na ocasião, Lula e o PT não disseram se tratar de um “golpe” e apoiaram com entusiasmo o impedimento do presidente. Tal intervenção constitucional não deve ser compreendida como um mero desejo de quem quer que seja, mas pode se impor novamente como alternativa para superarmos a crise. Se chegarmos a tanto, caberá ao Legislativo cumprir sua função institucional com a soberania e a autoridade política próprias de um Poder que já cortou na própria carne sempre que necessário, cassando mandatos de deputados envolvidos em escândalos e até do presidente da Câmara em passado recente.

Enquanto o país aguarda a decisão do Tribunal de Contas da União sobre as contas do governo de Dilma Rousseff, que podem ser rejeitadas em decorrência das criminosas “pedaladas fiscais”, e às vésperas das manifestações de rua programadas em todo o Brasil para o dia 16 de agosto, vivemos um momento crucial. A crise é grave, mas existem caminhos para que a superemos sem qualquer trauma institucional. A busca pela melhor solução deve zelar pelo respeito à democracia, pelo estrito cumprimento das leis e pela obediência à Constituição. A saída é pelo Congresso.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fernando Gabeira - Viúvas, pescadores e desempregados

- O Estado de S. Paulo

O chamado ajuste fiscal foi um ajuste no cinto das viúvas, dos desempregados e dos pescadores. O governo reduziu brutalmente seu alcance, sob o argumento de que a realidade é pior do que imaginava. Ou o governo não tinha uma ideia precisa da realidade ou contou mais uma mentirinha para embalar o País. A tática de Dilma é esta. Ela não muda jamais. Apenas conta uma nova mentirinha para ganhar tempo. Foi assim nas eleições, foi assim com o ajuste fiscal.

Sempre que as coisas complicam, Dilma chama o marqueteiro João Santana para buscar uma saída. A próxima tese a ser desenvolvida no programa do PT, certamente ao som das caçarolas, é a de que o Brasil foi pior no passado. Essa brecha é excelente como orientação aos ministros. No caso do crescimento da dengue, poderiam fazer um programa mostrando que a gripe espanhola foi muito pior, ou a peste bubônica, por exemplo.

Uma das razões que condenam o ajuste fiscal de Dilma é o seu isolamento político. Quanto mais isolada, mais gastará para sair da marca do pênalti. Um exemplo: as emendas parlamentares. Em épocas normais, o governo as libera a conta-gotas. No auge da crise, está liberando geral, para evitar novas derrotas no Congresso. E vai empregar em massa quadros de segundo e de terceiro escalões.

O destino de Dilma, que precisa gastar para sobreviver e morre um pouco mais quando gasta, é parecido com o de um personagem de Balzac no livro que se chamou aqui A Pele de Onagro. A cada desejo que um talismã mágico realiza, a pele se contrai e a morte do dono do talismã se aproxima.

Isso é uma interpretação pessoal de um dos elos entre política e economia. Num cenário de triunfo do populismo, sobraria algum caminho demagógico para trilhar. Mas o Brasil iria para o espaço, não necessariamente para Plutão ou o Kepler-452b, mas para a Grécia em ruína.

Não é golpismo pensar no Brasil sem Dilma. Na verdade, é uma das tarefas dos que procuram uma saída no horizonte. Uma saída que só pode ser constitucional. O que há de golpismo em pedir impeachment de um presidente? Está previsto em lei.

A democracia é tão elástica que absorve até projetos que mudem a lei, como, por exemplo, a legalização da maconha e a união gay. Se não é proibido tentar, democraticamente, alterar uma lei, por que o seria utilizar uma lei que já existe?

Toda essa gritaria sobre golpismo é um mecanismo para intimidar. Agora decidiram, além de intimidar, comover a plateia. Lula disse que os petistas são perseguidos como os judeus no nazismo, os cristãos em Roma, os italianos no fascismo.
Curitiba não é Dachau ou Auschwitz. E em Roma os cristãos eram entregues ao leão na arena.

Num único momento eu me lembrei do leão, um cara de bigode da Receita Federal que disse que havia arrecadado parte do imposto que as empreiteiras devem no petrolão e esperava arrecadar mais. Cristãos estão sendo trucidados no Oriente Médio. E um dos seus algozes é o Estado Islâmico, com quem Dilma queria dialogar.

Ao recusar um encontro com Dilma, a oposição mostrou que não gosta mais de apanhar. Já é um passo. Muito pequeno, entretanto, para o árduo período de transição até 2018, quando esperamos, simultaneamente, um abrandamento da crise e novas eleições.

Essa transição não se fará excluindo partidos políticos. Mas é preciso encontrar uma fórmula em que tenham peso também forças sociais não diretamente envolvidas com o processo eleitoral.

A transição é dura. Possivelmente, os líderes da oposição temem consertar todos os estragos feitos pelo PT, que usaria este período para propor de novo o paraíso. Eles temem, creio, um cenário perverso: o PT desorganiza a máquina econômica, se afasta durante o conserto e volta, triunfalmente, para arrasá-la de novo.

É um cenário que ignora o aprendizado do povo brasileiro e supõe que ele vá se comportar sempre da mesma maneira, independentemente de sua experiência histórica.

São essas dificuldades do Brasil pós-Dilma Rousseff que inibem a oposição e outros atores democráticos. A opção de deixá-la sangrando, fazer com que pague por seus erros, tem a força da inércia.

O fiasco do ajuste fiscal indica o horizonte de crise que se estende até, pelo menos, 2017. Para quem está desempregado, a crise adia suas esperanças; para quem teme o desemprego, aprofunda sua angústia; para quem tem sonhos de progredir no próprio emprego, a saída é se conformar.

São dois caminhos claros para a escolha nacional: com ou sem Dilma.

Naturalmente, há os que ainda acham o governo bom e gostariam de vê-lo continuar. São poucos, segundo as pesquisas. Mas, ainda assim, é muito grande o número de pessoas que acham que o governo deve prosseguir, apesar de tudo. Ou por um discutível respeito à lei ou pelo prazer de ver o PT se queimando nos incêndios que o próprio partido provocou.

Existem frentes, relativamente autônomas, impulsionando uma saída. Uma dessas frentes é o Tribunal de Contas da União (TCU), que julgará as pedaladas fiscais. Outra é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julgará as denúncias sobre a campanha de Dilma.

As anotações de Marcelo Odebrecht falam em avisar ao Edinho, tesoureiro de Dilma, que as contas na Suíça poderiam chegar à campanha dela. As contas na Suíça foram, parcialmente, reveladas.

Tudo isso já não depende tanto de interferência, apenas de atenção. O problema é pensar um caminho até 2018 com um enfoque na economia.

A tendência, além do aumento do desemprego e das tensões sociais, é também da multiplicação de ruínas, por falta de investimento. O projeto de Dilma, assim como o de Lula, era o de um crescimento impulsionado pelo poderoso Estado brasileiro, hoje falido.

No fundo, aquelas pontes fantasmas do Tocantins que ligam o nada a lugar nenhum são a antevisão de alguns esqueletos com os quais vamos conviver nos próximos anos.
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*Fernando Gabeira é jornalista