quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Os dissidentes da esquerda

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Acabaram como estranhos no ninho, pois tanto o PDT como o PSB são partidos da esquerda tradicional, com uma lógica de funcionamento que não acolhe as ideias do grupo”

Sete parlamentares do PDT e do PSB protocolaram, ontem, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um processo de reivindicação de mandato. São dissidentes programáticos das respectivas legendas, porque votaram contra a reforma da Previdência durante a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados. Como a legislação determina que o mandato fique com o partido, caso o parlamentar deixe a legenda fora da janela temporária, mas prevê exceções, como a perseguição política, é exatamente este quesito que alegam para mudar de partindo.

Tábata Amaral (SP), Marlon Santos (RS), Flávio Nogueira (PI) e Gil Cutrim (MA), do PDT, e Rodrigo Coelho (SC), Jefferson Campos (SP) e Felipe Rigoni (ES), do PSB, fazem parte de uma nova esquerda que surge na Câmara, democrática e reformista. Tábata, de 25 anos, é uma jovem da periferia de São Paulo que foi estudar ciências sociais em Harvard e voltou militante dos movimentos sociais, principalmente na Educação. Com um discurso político liberal, é a principal estrela do grupo. Logo ao chegar à Câmara, notabilizou-se por interpelar o então ministro da Educação, Ricardo Vélez, numa audiência pública, mas logo entrou em rota de colisão com o PDT, herdeiro do velho trabalhismo de Leonel Brizola.

Foi suspensa pelo comando do partido, com a previsão de que seu caso de infidelidade fosse julgado internamente em dois meses. “Já se passaram mais de três. Não tenho mais diálogo com o PDT. Enviei uma carta ao presidente (Carlos) Lupi pedindo que fosse julgada. Sou ignorada. Não estou podendo atuar de forma efetiva na Câmara, não sou indicada para comissões, nada. Estou suspensa sem previsão de julgamento. É perseguição política”, reclama.

Cego desde os 15 anos, o capixaba Felipe Rigoni é outro ponto fora da curva. Formado em engenharia de produção na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com mestrado em Oxford, na Inglaterra, aos 27 anos também pressionou o ex-ministro Ricardo Vélez por propostas concretas na pasta. Brilhou ao discursar pela primeira vez da tribuna da Câmara. É o primeiro parlamentar com deficiência visual total na Casa.

Quando se filiou ao PSB, havia assinado uma carta conjunta que lhe garantia independência, mas esse acordo não foi cumprido. Segundo ele, o PSB fechou questão contra a proposta da Previdência enviada pelo governo. Depois das modificações no texto feitas durante a tramitação na Câmara, Rigoni decidiu mudar de posição: “Eu tinha minhas ressalvas contra a proposta inicial enviada pelo governo, mas, depois das alterações na Câmara, a reforma ficou muito mais justa.”

Merval Pereira - Zonas de interpretação

- O Globo

A exigência de culpabilidade apenas depois do ‘trânsito em julgado’ é considerada cláusula pétrea da Constituição

Em paralelo à discussão conceitual sobre a prisão em segunda instância, que prevalece nas principais democracias ocidentais quando a prisão não é decretada logo na condenação em primeira instância, como nos Estados Unidos, há uma vasta área cinzenta de interpretação constitucional.

Caso uma provável mudança da jurisprudência recente do STF saia do julgamento que começa amanhã, dependerá de interpretação a decisão sobre que presos serão afetados. O presidente da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Azevedo diz que homicidas e estupradores poderão ser soltos.

Ministros do STF, mesmo alguns que se dizem a favor da segunda instância, acreditam que esse argumento terrorista não tem lógica, pois os presos perigosos podem ficar presos provisoriamente.

Os números que estão sendo apresentados pelos que defendem a jurisprudência atual, que permite a prisão após decisão dos Tribunais Regionais Federais, são considerados exagerados pelos defensores da mudança, como o ministro do STF Gilmar Mendes.

Ele considera que é impossível que 170 mil presos sejam beneficiados. Mesmo estimando que todo o acréscimo de encarcerados de 2016 (quando mudou a jurisprudência do STF) a 2019 seja resultado direto da decisão do Supremo, ainda assim teríamos um total de 85.300 presos possivelmente beneficiados.

Esse cálculo de 170 mil presos se basearia em uma compreensão equivocada do que seja “prisão provisória”, a única maneira de poder prender um condenado antes do trânsito em julgado, caso vença essa tese.

Ela independe de decisão condenatória, de primeira ou de segunda instância. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), hoje 40% do sistema prisional brasileiro são de presos provisórios. A prisão é justificada pelo artigo 312 do Código de Processo Penal: garantia da ordem pública, da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal, ou a asseguração da aplicação da lei penal.

Bernardo Mello Franco - Não há inocentes no confronto dentro do PSL

- O Globo

A tropa do PSL chegou a Brasília fazendo arminha com os dedos e jurando lealdade ao governo. Agora se meteu num tiroteio generalizado, que periga atingir as vidraças do Planalto

Os deputados do PSL chegaram a Brasília fazendo arminha com os dedos e jurando lealdade ao governo. Agora a tropa se meteu num bangue-bangue generalizado, que periga atingir as vidraças do Planalto.

Jair Bolsonaro deu o primeiro tiro na semana passada, numa tentativa de tirar o partido das mãos de Luciano Bivar. Ontem a Polícia Federal ampliou a ofensiva, com uma operação que revirou dois endereços do deputado em Pernambuco.

A batida foi ordenada pela Justiça Eleitoral, mas veio em timing perfeito para os bolsonaristas ameaçados de expulsão da sigla. Os aliados de Bivar notaram a coincidência e abriram fogo contra o governo.

No mesmo dia, os líderes do PSL na Câmara e no Senado trocaram chumbo com filhos do presidente. Na Câmara, a guerra fratricida foi ainda mais longe. O partido se aliou à oposição e sabotou uma medida provisória para derrotar o Planalto.

Zuenir Ventura - Lavando a roupa suja

- O Globo

Apesar da advertência do deputado federal Eduardo Bolsonaro de que sua briga com o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, deve ser tratada internamente — “roupa suja se lava em casa” —, os dois não têm feito outra coisa senão expor publicamente os podres do partido ao qual pertencem. Eles são uma mostra do clima beligerante, ao se acusarem e se xingarem como se fossem velhos inimigos, e não correligionários.

O senador afirma que os “filhos são 90% dos problemas do presidente”, já que têm “mania de serem príncipes”. Ele não poupa nenhum dos três zeros à esquerda: 01 (Flávio), 02 (Carlos) e 03 (Eduardo). A este último, ele acusa de jogar o pai contra o partido. Aliás, as divergências entre si dos três são também cada vez mais frequentes.

Antes, tinha vazado um segredinho em que Bolsonaro aconselhava um apoiador que o abordara na rua a “esquecer o PSL”. Dizia também que Luciano Bivar — alvo de operação da Polícia Federal ontem — estava “queimado pra caramba”.

Míriam Leitão - O dia em que Lula ajudou Bolsonaro

- O Globo

Dinheiro que serve de moeda de troca para o governo Bolsonaro neste primeiro ano veio do governo Lula. E por um erro

Por ironia, a melhor notícia econômica que está sendo colhida neste primeiro ano do governo Bolsonaro foi plantada no governo Lula. Só há o excedente de petróleo para ser leiloado porque foi feita uma operação complexa que terminou elevando a participação do governo na Petrobras, e ao mesmo tempo a empresa ganhou o direito de explorar 5 bilhões de barris no pré-sal. A área era mais promissora do que o imaginado e esse óleo “excedente” será o superleilão do mês que vem.

O dinheiro que sairá dessa operação tem mil e uma utilidades. Entrará nos cofres do Tesouro este ano e no próximo. Está azeitando toda a relação com estados e municípios. É moeda de troca na construção do apoio aos projetos do governo, apesar de o presidente Bolsonaro passar a maior parte do tempo criando atritos com o Congresso e com os governos estaduais. Quando o diálogo azeda, o governo sempre acena com essa isca: a distribuição do dinheiro do leilão do excedente da cessão onerosa.

Não foi uma proposta visionária do governo Lula. Bem ao contrário. Ele suspendeu os leilões quando o petróleo estava em torno de US$ 100, e o Brasil era considerado o melhor local de investimento. Ficaram suspensos por cinco anos e o país perdeu tempo, dinheiro e investimentos. Isso afastou empresas e interrompeu o crescimento da indústria de óleo e gás. O ex-presidente da ANP David Zylbersztajn acha que o que for arrecadado agora com esse petróleo vai apenas atenuar o prejuízo. O erro começou na nona rodada de petróleo. Mais precisamente no dia 8 novembro de 2007.

—O governo retirou 41 áreas do pré-sal do leilão. Foi por ideologia e não motivação econômica. Se as áreas tivessem saído, o pré-sal licitado já estaria produzindo há algum tempo, pelo menos cinco anos, gerando royalties, participação especial, encomendas para a indústria. O que hoje vai ajudar a reduzir o buraco nas contas teria melhorado muito a situação fiscal nos últimos anos —explica Zylbersztajn.

Ricardo Noblat - Bolsonaro soube antes da operação policial contra Bivar

- Blog do Noblat | Veja

Quem não pode, pode
Admitir, ele jamais poderá fazê-lo. Tampouco o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública. Mas o presidente Jair Bolsonaro foi avisado com antecedência de que a Polícia Federal faria uma busca de documentos no apartamento do Recife do deputado Antônio Bivar, presidente do PSL e seu desafeto.

Foi uma madrugada de satisfação para Bolsonaro. Logo ele que costuma queixar-se de insônia e aproveita as madrugadas para se recolher à área do seu quarto no Palácio da Alvorada reservada para guardar roupas e, dali, dispara mensagens pelas redes sociais e às vezes chora com o que lê a seu respeito.

Em obediência aos costumes estabelecidos há muito tempo e em respeito à sua autonomia, a Polícia Federal sempre manteve em segredo as suas atividades. No caso de operações contra estrelados da República, o máximo que acontecia era que a informação só era passada para o ministro da Justiça uma hora antes.

Os costumes foram para o beleléu desde a chegada ao posto do ex-juiz Moro. O próprio Bolsonaro já admitiu em público que teve acesso por meio do seu ministro a dados sigilosos de inquéritos abertos pela Polícia Federal. É o que ele espera que aconteça na órbita do novo Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

Ao dar posse a Aras, Bolsonaro lhe pediu que informasse ao governo sobre eventuais irregularidades que possam estar em curso de modo a que tudo possa ser corrigido antes de se transformar em um grande problema. De certa forma, Moro já está fazendo isso no que lhe compete – e também no que não compete.

A farsa da obstrução do PSL

Fernando Exman - Mais uma caixa-preta para Bolsonaro

- Valor Econômico

Bolsonaro simplesmente não fará campanha em 2020 onde sua palavra não virar lei

A curiosidade durou pouco. Parlamentares e líderes partidários tentavam captar, desde os primeiros meses do ano, sinais de como o presidente da República pretendia se comportar nas eleições municipais de 2020. Nas últimas semanas, contudo, as dúvidas se dissiparam. Ficou claro que o presidente Jair Bolsonaro fará questão de desempenhar um papel central em disputas estratégicas. Como todo presidente, Bolsonaro vê a eleição local como etapa da próxima disputa nacional. O que difere é seu método.

No Palácio do Planalto, o clima de campanha persiste. Mesmo tendo uma agenda legislativa delicada à frente, com a reforma da Previdência pendente e a tributária ainda claudicante, Bolsonaro não esperou 2019 acabar para enviar recado claro ao seu grupo político, potenciais aliados e futuros adversários.

O presidente recrutará pessoalmente pré-candidatos a prefeitos que estiverem decididos a segui-lo. Fará de tudo para vetar quem não se comprometer a replicar as linhas programáticas e ideológicas que determinar, independentemente das diretrizes debatidas pelos dirigentes de seu partido político. Seja ele qual for. Bolsonaro também demonstra disposição de descer a rampa do Palácio do Planalto, para combater adversários e impedi-los de erguer obstáculos ao seu projeto político.

A palavra “reeleição” já não era tabu entre o presidente e seus auxiliares. No fim de semana, contudo, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, deu um passo à frente e explicitou a existência de um projeto de poder de pelo menos 12 anos.

Nada mais natural, portanto, que Bolsonaro aproveite as eleições municipais para percorrer novamente o país. Desta vez, com o objetivo de construir uma rede de prefeitos e vereadores comprometidos a manter a militância bolsonarista mobilizada.

Cristiano Romero - Receita para lidar com crise de 2008 se esgotou

- Valor Econômico

Os sinais de desaceleração da economia mundial, com risco de uma recessão global, estão por toda parte

Maior economia da zona do euro, a Alemanha já pode estar em recessão, uma vez que seu Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1% no segundo trimestre e, de julho a agosto, segundo estimativas de consultorias europeias, pode ter recuado novamente. Crescimento negativo por dois trimestres consecutivos caracteriza uma recessão. Os sinais de desaceleração da economia mundial, aparentemente “coordenada”, com risco de advento de uma recessão global, estão por toda parte.

A poucos dias de concluir seu mandato, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, fez apelo dramático para que os países da União Europeia (UE) e os países ricos em geral promovam políticas de expansão fiscal. O pano de fundo da exortação de Draghi, que entrega o cargo em 1º de novembro a Christine Lagarde, ex-diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), é preocupante por mais de uma razão.

Como a taxa de juros fixada pelo BCE já está negativa em 0,5% e isso, pelo jeito, não está sendo suficiente para reanimar as economias da UE, esgotou-se o uso da política monetária como instrumento para prevenir recessões ou enfrentar crises como a de 2008. A quebra de grandes bancos e empresas na ocasião, além da destruição das economias de milhões de investidores e aposentados, levou os bancos centrais dos Estados Unidos, da Inglaterra, da União Europeia e do Japão a lançar mão de uma medida heterodoxa: a compra de títulos emitidos pelos respectivos governos para forçar a queda das taxas de juros de longo prazo, de forma a estimular as empresas a investir.

Hélio Schwartsman - Depressões tropicais

- Folha de S. Paulo

A mudança dos ventos na política está ganhando força

Juízes juram de pés juntos que, na hora de julgar, levam em conta apenas provas e teses jurídicas, mas qualquer um que já tenha aberto um livro de psicologia sabe que não é bem assim. Magistrados, a exemplo de outros humanos, são influenciados por uma infinidade de fatores, que incluem humores políticos, importância dos réus, preferências ideológicas e até parâmetros fisiológicos.

Ficou famoso o estudo israelense que mostrou que a probabilidade de um preso conseguir a condicional é muito maior quando seu caso é analisado após o intervalo para o lanche, quando os julgadores estão descansados e alimentados.

Um bom exemplo nativo de que a tese jurídica nem sempre é a rainha do pedaço está no habeas corpus 137.316, em que os réus pediam revisão de sua condenação alegando uma série de afrontas ao princípio da ampla defesa, incluindo a ordem das alegações finais. A peça dizia que, entre outros abusos, não fora dada aos acusados que não colaboraram com o MP a oportunidade de apresentar seus memoriais depois dos dos réus colaboradores.

Bruno Boghossian – Risco laranjal

- Folha de S. Paulo

Laranjal fabrica grupo de oposição dentro de casa e cria risco para o presidente

Os deputados da comissão que discute mudanças na aposentadoria de militares ficaram confusos. Nesta terça (15), o PSL se posicionou contra uma proposta do governo e se aliou ao PSOL para tentar ampliar benefícios de patentes mais baixas. "Como discípulo de Bolsonaro, eu venho avisar que o PSL vai se manifestar dessa forma", ironizou o líder da sigla, Delegado Waldir.

O presidente começou a receber os pingos da tempestade provocada pelo escândalo do laranjal do PSL. A disputa pelo controle da máquina partidária, turbinada pelo próprio Bolsonaro, fabricou um grupo de oposição dentro de sua própria casa.

A operação realizada contra o presidente do partido de Bolsonaro, suspeito de desviar dinheiro de candidaturas femininas, aprofundou uma divisão que já parecia irreversível.

Em 24 horas, a Polícia Federal pôs de pé uma operação na casa do deputado Luciano Bivar. Aliados dele acreditam que a ação foi feita sob medida para alimentar o discurso de Bolsonaro contra a cúpula da sigla e abrir a porta para a debandada de deputados do PSL rumo a outro partido. A PF investiga esse caso há meses, mas só agora obteve autorização judicial para buscar documentos. A teoria foi suficiente, entretanto, para dar início a uma guerra.

Ruy Castro* - Abolidos por obsoletos

- Folha de S. Paulo

A nova cesta básica do brasileiro incluirá de streaming a serviço de sobrancelha

O IBGE se prepara para atualizar o cálculo do IPCA, índice oficial de inflação, pelos novos dados fornecidos pela POF (Pesquisa de Orçamento Familiar). Eles medem tudo que consumimos. O bom desse acompanhamento, feito há décadas, é que ele permitiu montar a cesta básica do brasileiro em cada período, com o que podemos acompanhar o desenvolvimento do país.

Em 1950, por exemplo, os dados levavam em conta nossos gastos com o feijão, o ônibus, o cigarro, o lápis do caçula, a ida semanal ao cinema e, talvez, uma fezinha no bicho. Éramos um país simples, mas feliz, segundo os antigos. Em 1970, com a modernização, o cálculo trocou alguns daqueles itens pelo estrogonofe, o carro do ano, as escapadas aos motéis, a TV em cores e as aplicações na Bolsa. Essas opções nos conduziram, respectivamente, ao colesterol, à angústia, ao desquite, ao emburrecimento e à falência, mas fomos levando.

Elio Gaspari* - O fator 'Lula Livre'

- Folha de S. Paulo | O Globo

Bolsonaro criou agenda de antagonismos, mas não regularizou a quitanda do governo

Lula deixará a carceragem de Curitiba. Talvez seja logo, talvez demore algumas semanas ou poucos meses. Quando isso acontecer, alterará o medíocre cenário político que se instalou no país. Os problemas de Pindorama são bem maiores que a caixa do PSL e os bate-bocas do senador Major Olimpio chamando os filhos do presidente de "príncipes" e sendo chamado por um deles de "bobo da corte".

No final do mês completa-se um ano da vitória de Jair Bolsonaro e de uma espécie de amnésia em relação aos 47 milhões de votos (45%) obtidos pela chapa petista. Nem todo mundo que votou no capitão queria um governo como o que se instalou.

Livre ou, pelo menos, falando à vontade, Lula ocupará um espaço que há um ano seria impensável. Isso porque Bolsonaro conseguiu criar uma agenda de antagonismos incendiária e cosmopolita, porém incapaz de regularizar a venda de berinjelas pela quitanda do governo.

O capitão alimenta contrariedades, mas não enfrenta algo que se possa chamar de oposição. Sergio Moro e a Lava Jato não são mais o que foram e o discurso da lei e da ordem desembocou numa constrangedora necropolítica.

Vinicius Torres Freire - Juro chega à mínima histórica, mas falta coragem ou capacidade para investir

- Folha de S. Paulo

Desde a semana passada, taxa real de juro básico é a menor da história conhecida

Desde a semana passada, a taxa básica de juros no mercado é a mais baixa da história de que se tem registro. Está perto de 1% ao ano e deve ir abaixo disso nas próximas semanas. Trata-se aqui da taxa básica dos negócios com prazo de um ano, descontada a inflação esperada. É uma espécie de piso dos juros de mercado, a taxa no atacadão de dinheiro grosso, digamos.

É uma novidade exótica o Brasil ter juro real perto de zero, mesmo com economia deprimida –por falar nisso, convém verificar suas aplicações de renda fixa mais comuns, que vão render nada ou menos do que isso, pelo próximo ano, ao menos.

Trata-se de novidade desperdiçada, em parte. O país parece um morto de sede que vê água fresca cair e sumir na terra esturricada. Por exemplo, jamais houve condições tão boas, em termos financeiros, para se conceder obras, como estradas e ferrovias, para empresas privadas. No entanto, faltam projetos, regras atrativas e, talvez, perspectiva de que não haverá loucuras econômicas ou regulatórias daqui a alguns anos. O país costuma surtar, como sabemos.

Vera Magalhães - Quem tem medo de CPI?

- O Estado de S.Paulo

Revelações de uma conexão entre Planalto e uma rede de blogueiros e youtubers para destruir reputações viram combustível no Congresso

A briga no PSL e a revelação, por meio de reportagem da revista Crusoé, de uma conexão entre o Palácio do Planalto e uma rede de blogueiros e youtubers, alguns dos quais com cargos em gabinetes no Executivo e no Legislativo, para destruir reputações e até derrubar ministros viraram combustível para a CPI das Fake News. E o olavo-bolsonarismo está em polvorosa.

Flagrado em conversas para queimar o então ministro Carlos Alberto Santos Cruz por meio de sites amigos, o assessor especial da Presidência Filipe Martins acusou o golpe e sentenciou no Twitter, diante da possibilidade de ser convocado pela CPI: “Vamos pro pau!”.

Não é de hoje que o discípulo de Olavo e Steve Bannon usa as redes sociais para convocar uma espécie de cruzada da nova direita contra o establishment, assim entendido difusamente como qualquer instituição ou indivíduo que ouse divergir do presidente.

Agora, flagrado articulando a partir do palácio para abater inimigos – no caso de Santos Cruz, um que se opunha ao aparelhamento de órgãos, agências e ministérios por olavistas e ao uso de verbas de publicidade para aquinhoar amigos do rei –, acusa a CPI das Fake News de ser uma tentativa de cerceamento à liberdade de expressão.

O fato é que a cisma no PSL ajudou a expor a divisão profunda da direita.

Vejamos o que já está na praça:

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Querem arrancar uma flor do jardim das liberdades

- O Estado de S.Paulo

Lembre-se: hoje os alvos são acusados e condenados, amanhã podemos ser todos nós

Nunca esteve tão presente o alerta do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa ao homenagear o poeta russo Vladimir Maiakovski, no poema No caminho com Maiakovski, como nos dias de hoje. Disse ele algo como: eles retiram uma flor, no dia seguinte outras, em seguida pisam e destroem o jardim e por fim invadem as nossas casas. Se nós contemplarmos inertes esses avanços, ao despertarmos será tarde demais. A omissão se apresentará tão grave quanto a agressão.

Embora tenha citado um escritor russo, esclareço não ser comunista, como podem entender os zelosos direitistas de plantão. Em verdade o comunismo só existe hoje como invencionice justificadora dos que querem arrancar flores.

É preciso logo realçar que o projeto anticrime, ao contrário do apregoado, não é um instrumento de combate à criminalidade. Não evita o crime e, portanto, não protege os valores sociais, que deveriam ser resguardados pelo ordenamento jurídico, em especial pelo Direito Penal. Apenas endurece as punições e dificulta a defesa, nada mais. Tanto a instauração de um processo quanto as penas por ele impostas se dão depois da prática delitiva. Portanto, é uma mentira afirmar que estejam combatendo o crime, pois em verdade esse já ocorreu.

O argumento de ser o projeto um instrumento contra a prática de delitos serve apenas para passar a ideia de estar havendo um combate efetivo à criminalidade. Mas a ideia é falsa. Infelizmente, está arraigada a noção da punição como meio hábil de impedir o crime. O projeto estaria atuando para evitar o delito se contivesse mecanismos que atuassem em face das causas do crime, e não dos seus efeitos.

Monica De Bolle* - Pobreza real, pobreza mental

- O Estado de S.Paulo

Quem sabe seja possível algum dia desenhar intervenções públicas para a pobreza mental

O Nobel de Economia de 2019 foi concedido a três economistas que conduziram ao longo dos anos pesquisas de alto rigor científico para medir o impacto de diferentes políticas públicas na erradicação da pobreza. Como definiu um dos laureados, a economista Esther Duflo, segunda mulher a vencer o prêmio desde que foi criado pelo Banco Central da Suécia em 1968 e sua mais jovem vencedora, a pesquisa dos três tem por objetivo estudar de perto a vida das pessoas, não as recomendações teóricas de livros-texto. A partir da observação próxima em comunidades na África e na Índia, os três testaram os efeitos de diversas intervenções para melhorar as taxas de imunização infantis, o combate à malária, os incentivos à educação, além de diversas outras medidas.

Em muitos casos, os estudos conduzidos seguindo metodologia bastante utilizada pelas ciências médicas, conhecido como ensaio controlado randomizado, as descobertas foram surpreendentes e simples: ao contrário do que se pensa, não é necessário gastar muito dinheiro para aumentar as imunizações, combater a malária, ou elevar a escolaridade. O ensaio controlado randomizado consiste em selecionar aleatoriamente grupos que receberão a intervenção – no caso, a política pública – e grupos que não o receberão. A partir dessa seleção, aplica-se a política e analisam-se seus efeitos.

O estudo sobre a malária, por exemplo, consistiu em dar ao grupo selecionado mosquiteiros. Havia a dúvida se deveriam ser fornecidos de graça ou se as pessoas deveriam comprá-los. Afinal, se fossem dados de graça havia a possibilidade de que as pessoas não dessem aos mosquiteiros o devido valor, usando-os menos do que o desejável. Elaborou-se um sistema de vouchers: alguns davam 100% de desconto na compra, outros davam 50%, outros 20%, e por aí vai. Comparando os resultados tanto dos vouchers recebidos, quanto do grupo de controle que nada recebeu, foi possível constatar um aumento considerável do uso de mosquiteiros entre os que os obtiveram de graça, isto é, os com 100% de desconto.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Atraso insalubre – Editorial | Folha de S. Paulo

No ritmo atual, meta para saneamento levará mais de 40 anos; urge nova regulação

Não se encontra grande novidade na informação de que mais de um sexto dos brasileiros sobrevive sem um serviço público tão óbvio quanto água encanada em casa. Eram 18,6% da população em 2008, 35 milhões de pessoas; uma década depois, são 16,5%, ou quase os mesmos 35 milhões.

Ao fim da segunda década do século 21, espanta constatar que a coleta de esgotos, num país de renda média como o nosso, sirva só pouco mais da metade dos habitantes. O leitor desta Folha terá talvez dificuldade para imaginar como 100 milhões de compatriotas vivem sem essa comodidade.

Já foi pior, claro. Dez anos antes, a rede de esgotamento alcançava apenas 40,9%, ou 77 milhões de brasileiros. Outros 112 milhões ficavam na dependência de valas.

Considere-se ainda que, mesmo na década atual, o efetivo tratamento de esgotos não chega à metade do volume coletado. O restante termina despejado nos córregos e rios, com ameaça continuada para o ambiente e a saúde pública.

Poesia | Vinicius de Moraes - O verbo no infinito

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…

Música - Ana Costa - "Beija, me beija e me beija