sábado, 5 de setembro de 2020

Entrevista | 'A divisão na sociedade passou a permear todos os tipos de níveis e instituições’, diz Adam Przeworski

Professor da Universidade de Nova York alerta para ‘uso sub-reptício do poder’ por líderes populistas para driblar instituições democráticas e diz que modelo redistributivo da social-democracia pode ter chegado ao limite

- André Duchiade | O Globo

Em “Crises da democracia”, lançado neste ano pela Companhia das Letras, o cientista político Adam Przeworski faz uma advertência sobre o recente filão editorial sobre ameaças antidemocráticas: “Não devemos acreditar na enxurrada de escritos que têm todas as respostas”. Nascido na Polônia e atualmente professor da Universidade de Nova York, Przeworski entende que a crise é profunda e de difícil solução. Em sua própria análise, ele chama a atenção para aspectos econômicos, sociais e culturais que permitiram a ascensão de líderes extremistas, e afirma que instituições democráticas como a separação entre poderes são insuficientes para contê-los. Na entrevista com O GLOBO, ele discute as eleições americanas, Trump, Biden, a política pós-pandemia e se o chamado populismo veio para ficar.

• No começo de seu livro, o senhor observa que a maioria dos cientistas políticos americanos não previu a vitória de Donald Trump, e que seus colegas no Brasil não anteciparam a de Jair Bolsonaro. Desta vez, é possível prever algo para a eleição americana de novembro?

Todas as pesquisas mostram que Joe Biden tem vantagem. Sabemos também que Trump já está questionando a legitimidade da eleição, o que sugere que ele não está disposto a aceitar derrota. Ele já prepara o terreno para questionar o resultado nos tribunais, e a grande questão é o que pode vir a fazer. Se perder no Colégio Eleitoral por uma grande margem, não haverá muitas opções, mas, se a diferença for só de dois ou três estados, acho garantido que irá à Justiça. A situação constitucional não é muito clara em casos de resultados contestados. E temo que esse impasse possa irradiar-se para as ruas.

• As leis federais americanas são preparadas para lidar com resultados contestados?

Não. As eleições neste país são geridas não pelo governo federal, mas por estados, ou, em alguns estados do Sul, até no nível subestadual e municipal. Então ele pode perder no voto popular em um estado, e, a princípio, a legislatura pode decidir enviar delegados que o apoiem. Não há dispositivo constitucional a impedir isso. Portanto, se ele perder em três Estados, controlados por legislaturas republicanas, ele pode tentar desfazer esses resultados. Em 2000, não era muito claro quem deveria realmente decidir o resultado final das eleições. A Suprema Corte tomou para si a decisão, mas é possível que a decisão vá para o Congresso.

• Em seu livro, o senhor diz que as democracias funcionam quando algo está em jogo nas eleições, mas quando não há coisas demais em jogo. O que está em jogo em novembro?

O que está em jogo desta vez é algo enorme, por causa das políticas deste governo, que promovem um afastamento radical de todos os anteriores, incluindo o de George W. Bush, que se voltou contra Trump. Escolha qualquer área da política, e haverá uma grande mudança. Isto acontece no meio ambiente, na distribuição de renda, em nosso sistema de saúde, na imigração, na posição americana no mundo. São sempre mudanças radicais. Se os democratas vencerem, eles reverterão algumas destas medidas, mas não todas. E os apoiadores de Trump são muito ardorosos. Estão verdadeiramente arrebatados.

• Se ele perder, voltaremos a algo que costumávamos considerar a normalidade da política, ou este é o novo normal?

Tendo a estar muito cético, senão pessimista. Como você se lembra, a conclusão do livro é de que a divisão na sociedade realmente tenha passado a permear todos os tipos de níveis e instituições, em diferenças extraordinariamente profundas. Portanto, sou cético quanto à possibilidade de os resultados da eleição produzirem unidade. Acho que as divisões e os conflitos vão continuar. Quanto ao Partido Republicano, Trump o controla de forma muito eficaz, mas trata-se de um grupo muito heterogêneo, que pode se virar para diferentes direções. Mas, de qualquer forma, as divisões e a animosidade na sociedade vão permanecer. Isso é o que me preocupa nos Estados Unidos, na Polônia e, também, no Brasil

Merval Pereira - Mudança de vento

- O Globo

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, sabe para que lado o vento sopra. Chegou ao cargo por fora da lista tríplice, acenando a Bolsonaro com o controle do Ministério Público, cuja autonomia incomoda políticos de diversos matizes – afinal, a corrupção não tem ideologia – o Judiciário de maneira geral e o presidente Bolsonaro, que era a favor do combate à corrupção até que as investigações chegaram perto dos seus.

O vento, que já soprou a favor da Lava-Jato, hoje venta para o outro lado, mesmo que a popularidade de Sérgio Moro continue alta, com as forças políticas tentando se reorganizar para recuperar o espaço perdido. O centrão já foi reabilitado, figuras como Roberto Jefferson já circulam com desenvoltura no poder, e a Lava-Jato está sendo desidratada, embora ainda existam muitas investigações já começadas ou a começar. Ou por isso mesmo.

Embora a Operação Lava-Jato seja a mais popular, o sistema de força-tarefa em que ela opera está espalhado por todo o país na ação do Ministério Público que atua não apenas no combate à corrupção, mas contra crimes ambientais, trabalho escravo, e vários outros assuntos.

Hélio Schwartsman - Estelionatos eleitorais

- Folha de S. Paulo

Mentiras eleitorais de Dilma estavam expostas poucas semanas após o pleito, e as de Bolsonaro foram aparecendo aos poucos

Com o arremedo de reforma administrativa apresentado pelo governo, o estelionato eleitoral perpetrado pelo presidente Jair Bolsonaro é maior até do que o cometido por Dilma Rousseff.

Enquanto as antinomias dilmescas ficaram mais ou menos restritas à economia, as do capitão reformado dizem respeito a praticamente todos os eixos de sua campanha. Ele, afinal, renegou as três bandeiras que o elegeram: o rompimento com a velha política, a luta contra a corrupção e a reforma liberal do Estado.

A diferença é que as mentiras eleitorais da petista ficaram escancaradas poucas semanas depois do pleito, já as do militar foram aparecendo aos poucos, diluídas em um ano e meio de administração. E, quando as coisas acontecem paulatinamente, as pessoas se acostumam com tudo, até com a sideral cifra de mil mortos por dia registrada no auge da epidemia de Covid-19, outro fracasso da atual gestão.

Cristina Serra - Suas excelências e a reforma

- Folha de S. Paulo

A reforma administrativa volta mais uma vez ao debate e a proposta do governo não vai ao que interessa: qual o Estado que precisamos?

A reforma administrativa volta mais uma vez ao debate e a proposta do governo não vai ao que interessa: qual o Estado que precisamos? A quem ele deve servir? Como o Estado deve dar conta de suas responsabilidades em saúde, educação e segurança, ao mesmo tempo em que coíbe distorções e privilégios da elite do setor público?

Por exemplo, como acabar definitivamente com os artifícios que furam o teto constitucional de R$ 39.000,00, valor do salário de ministro do STF? Brasil afora, os próprios tribunais são os primeiros a burlar a lei com uma coleção de artifícios: auxílios, verbas, vantagens, gratificações, adicionais e outras afrontas ao teto, mascaradas pela corrupção do idioma.

O que dizer do plano de saúde vitalício dos senhores senadores e ex-senadores, que também beneficia cônjuges e dependentes? É a assistência mais generosa do mundo. Tudo pago com o meu, o seu, o nosso dinheiro. E que tal reduzir o número de 25 assessores que cada deputado pode contratar ? Ou alguém acha que o esquema de “rachadinha” foi inventado pelo 01?

Demétrio Magnoli* - O voto sob tutela

- Folha de S. Paulo

Benedita da Silva e Luís Roberto Barroso tratam o acesso a cargos parlamentares como uma carreira

"Estaremos do lado dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores." O ministro Luís Roberto Barroso anunciou, por essa frase capciosa, a pretensão dos altos tribunais de tutelar os partidos políticos e os eleitores, determinando uma distribuição racial dos fundos públicos eleitorais.

O inevitável avanço da doutrina racialista para a esfera da representação política golpeia o conceito de soberania popular, pilar da democracia.

A discussão jurídica nasceu de um pedido aos tribunais da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), pelo estabelecimento de cota de 30% de "candidaturas negras" em cada partido. Barroso disse "não", argumentando que só o Congresso tem a prerrogativa de legislar.

Mas, como é de seu feitio, prontificou-se a legislar de outro jeito, no mesmo rumo racialista, gerenciando o caixa dos partidos com vistas a um "equilíbrio racial".

As leis de cotas raciais para ingresso nas universidades apoiam-se na justificativa da promoção social de grupos excluídos. As cotas raciais dividem os estudantes de escolas públicas segundo a cor da pele, alavancando ressentimentos que nutrem o racismo. O consenso partidário formado em torno delas destina-se a mascarar a ruína do ensino público, raiz da desigualdade de oportunidades no umbral das universidades. Quando a raça chega ao terreno do voto, o racialismo retira sua máscara, exibindo a face que precisava ocultar.

Míriam Leitão - Contas do Rio no meio do vendaval

- O Globo

O Rio entregou apenas um ofício com quatro páginas em vez de um relatório de prestação de contas ao conselho que acompanha o cumprimento do Regime de Recuperação Fiscal. O estado diz que cumpriu 80% do compromisso, mas não é assim que os técnicos avaliam. O acordo com o Rio está sendo resolvido politicamente? O vice-governador Cláudio Castro garante que não. O que ele explica é que os dados entregues agora foram apenas para negociar o adiamento, possibilidade aberta pela liminar do ministro Bruno Dantas do TCU, de manter o acordo enquanto se negocia.

— O que fizemos foi cumprir a liminar do TCU. A ideia do Rio a princípio era judicializar por entender que o regime é de seis anos, com renovação automática no meio. O Tesouro não pensava assim. Estava tudo preparado para entrar na Justiça, eu preferi exaurir toda a questão administrativa. A única questão política é que eu decidi não ir para o confronto, mas negociar — disse o governador.

Na Secretaria do Tesouro se fala que é de três anos, e que ao fim desse período só havia dois caminhos: rejeitar ou renovar. Mas de fato o TCU abriu uma terceira via, a de o estado permanecer no regime enquanto se negocia com o Conselho Fiscal. O governador Witzel foi afastado, o governador interino acabou indo a Brasília e quem marcou o encontro com o ministro Paulo Guedes foi o senador Flávio Bolsonaro.

— Não houve favorecimento político do Rio. Queria tranquilizar quem está com essa justa preocupação. A conversa foi técnica, com o ministro Paulo Guedes, com o Bruno Funchal e outros integrantes da equipe técnica que trata do assunto. O ministro teve que sair e eu fiquei lá tratando disso. Não é um arranjo político. O senador Flávio Bolsonaro foi o primeiro parlamentar do Rio que ligou oferecendo ajuda. Eu assumi mesmo na segunda-feira, sou governador interino, e o prazo era sábado (hoje), era urgente conversar sobre isso. E a decisão tomada foi a de continuar o diálogo técnico. Se ao final não houver acordo, podemos voltar à ideia da judicialização — disse Cláudio Castro.

Adriana Fernandes - A boiada das reformas

- O Estado de S.Paulo

O Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administrar até o final do ano

Em 2017, o Congresso fervia com o debate nacional em torno da reforma da Previdência. A PEC 287 tinha sido enviada pelo presidente Michel Temer no dia 5 de dezembro de 2016 no embalo da aprovação rápida da emenda do teto de gastos.

Enquanto todos os holofotes estavam voltados para as mudanças nas regras previdenciárias, apontada na época como a solução para a crise fiscal do País, a reforma trabalhista foi sendo construída e aprovada sem muitos obstáculos e debates nas duas Casas e na sociedade civil.

O relator da reforma, o ex-deputado tucano pelo Rio Grande do Norte e hoje ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, propôs mudanças em 100 pontos da septuagenária CLT.

De repente, quando se viu, a reforma já estava pronta e rapidamente a votação do projeto foi concluída em julho de 2017 pelo Senado. Já a PEC da reforma da Previdência só saiu do Congresso aprovada após três anos da primeira tentativa do governo Temer.

Mais tarde, a estratégia de negociação da reforma trabalhista – à sombra da “gritaria” que acontecia na discussão da Previdência – foi saudada pela base governista como extremamente hábil e bem-sucedida para iniciar o que as lideranças chamaram de novo ciclo de reformas estruturantes. Marinho perdeu a eleição em 2018, mas ganhou a parada ao ser alçado ao cargo de secretário do ministro Paulo Guedes e articulador principal do governo Bolsonaro para a reforma da Previdência. Hoje, é um dos ministros mais influentes do governo.

No meio desse caminho, até hoje, diversas pautas-bomba e inúmeros “jabutis” foram sendo aprovados, armados e desarmados a um custo elevado para as próprias contas públicas.

João Gabriel de Lima - Calmas conversas em torno do quente chá

- O Estado de S.Paulo

Em vez de cair na briga estéril de sempre, podemos seguir lições vindas de Londres

O que é o que é. Os tucanos criaram, os petistas aperfeiçoaram, Temer não mexeu e Bolsonaro quer rebatizar. A resposta é fácil: o Bolsa Família, unanimidade nacional. O programa que destina dinheiro aos brasileiros mais vulneráveis é aprovado por direitas e esquerdas, socialistas e conservadores, desenvolvimentistas e social-democratas, liberais de Chicago que trabalharam em governos petistas (Ricardo Paes de Barros) e liberais de Chicago alinhados com Bolsonaro (Paulo Guedes).

Garantir uma renda mínima aos mais pobres é prioridade no Brasil, assim como um sistema de saúde abrangente e gratuito é algo fundamental para os britânicos. São escolhas das respectivas sociedades, cristalizadas em políticas públicas. Aqui como lá, não é fácil garantir tais benefícios em momentos de restrição orçamentária. Um caso recente da Inglaterra pode inspirar o momento que vivemos no Brasil.

Em 2008, o sistema financeiro mundial derreteu com a crise das hipotecas nos Estados Unidos. Nos anos seguintes, os ingleses tiveram de passar por um ajuste fiscal. Foi uma experiência traumática – sempre é –, mas o ajuste inglês acabou aprovado pela maioria da população. Perderam-se alguns anéis, preservaram-se os dedos: o sistema público de saúde foi mantido. Anos mais tarde, ele seria fundamental no combate à pandemia, além de salvar a vida do primeiro-ministro Boris Johnson.

Miguel Reale Júnior* - A mentira

- O Estado de S.Paulo

Tem retidão moral quem mente e acusa injustamente terceiros para se livrar...?

É fato notório que o presidente Bolsonaro é pessoa tosca, deseducada, nada afeito a qualquer etiqueta. Ao contrário, orgulha-se de ser um atleta bronco, e não um “bundão” que morre ao contrair a covid-19. Mas além das grosserias proferidas contra jornalistas, tão ou mais graves foram as tentativas de desvirtuar a verdade.

Com efeito, ao chegar à catedral de Brasília no domingo 23/8, jornalista de O Globo indagou: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”. E o presidente respondeu: “Vontade de encher a sua boca de porrada”. No mesmo instante, um ambulante falava: “Vamos visitar, presidente, a nossa feirinha da catedral?”. Segundo vídeo falso de site bolsonarista, com foto de Bolsonaro abraçado à filha, o repórter teria dito: “Vamos visitar sua filha na cadeia”. Ao que, então, o presidente reagiu: “Vontade de encher sua boca de porrada”. Sites bolsonaristas difundirem inverdades para salvar a cara do seu mito já é habitual no mundo das fake news.

O grave está em o presidente, sabedor da falsidade inventada por apoiadores, ter reproduzido em seu canal no YouTube a versão mentirosa, sem legendas, com o título: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”. O filho 02, Carluxo, compartilhou no Twitter essa versão de conteúdo falso.

Não é a primeira vez que o presidente recorre à mentira para atacar jornalista. Vera Magalhães noticiou que Bolsonaro divulgara vídeo convidando pessoas a irem a ato contra o Congresso Nacional, no dia 15 de março deste ano. Em live do Palácio do Alvorada e em sua página no Facebook, Bolsonaro acusou falsamente a jornalista de ter confundido o vídeo em que convocava para reunião contra o PT em 2015 e o chamamento para o ato de 15 de março de 2020, ambos num domingo.

Ascânio Seleme - Gastos militares

- O Globo

É ofensivo aumentar gastos militares num país como o Brasil, assaltado por corruptos de todos os matizes políticos, com 15% da sua população vivendo abaixo da linha da miséria

É ofensivo aumentar gastos militares num país como o Brasil, assaltado por corruptos de todos os matizes políticos, com 15% da sua população vivendo abaixo da linha da miséria, com quase a metade dos seus lares sem água encanada e esgotamento sanitário, com escolas e hospitais públicos caindo aos pedaços, com a pior segurança e os piores índices de violência da América do Sul. É mais do que ofensivo, é escandaloso.

O projeto de Lei Orçamentária enviado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso prevê R$ 1,47 bilhão para investimentos do Ministério da Defesa em 2021. Segundo o projeto, este dinheiro vai para a implantação de um sistema de aviação no Exército, para a compra de caças e o desenvolvimento de aviões cargueiros na Aeronáutica e para a construção de submarinos com propulsão nuclear na Marinha. Além disso, a Defesa vai ser agraciada com um aumento de 4,83% na sua dotação orçamentária. Terá R$ 110,7 bi para gastar no ano que vem. Um feito e tanto, considerando que todos os demais ministérios sofrerão cortes.

Caberá aos deputados e senadores barrar esta exorbitância. Eles devem se perguntar francamente para quê o Exército precisa de aviação se o país já tem uma força aérea. Responder que nos Estados Unidos é assim não serve. O Brasil não está em guerra. Os EUA, passaram apenas 16 de seus 245 anos de História em paz. E mais, por que a Marinha precisa de mais submarinos nucleares? Para fiscalizar nossas costas não é. O que o país precisa é de uma robusta guarda costeira, para impedir contrabando, tráfico, pesca ilegal e agressões ambientais.

Daniel Aarão Reis * - A vida em jogo

- O Globo

A grande vantagem de Biden está na ampla frente que se constituiu a seu favor

As eleições nos EUA parecem decididas, mas não estão. É o que disse no fim de agosto Nate Silver, dono do site FiveThirtyEight, que analisa as pesquisas realizadas no país. Joe Biden e Kamala Harris são favoritos com 71% de chances, contra 29% a favor de Trump. Seria tranquilizador para os democratas, não fosse o fato de que, há quatro anos, essas mesmas proporções eram conferidas a Hillary Clinton e ao líder republicano. Não aconteceu apenas no pleito de 2016. Em 1988 e 2004, da mesma forma, os candidatos democratas pareciam invencíveis, porém, na hora da apuração dos votos, perderam.

O pior é que, mesmo ganhando, um candidato pode perder. É uma peculiaridade da “mais antiga democracia do mundo” — o voto é universal, contudo não vence quem recebe maior quantidade de votos, ganha quem chega na frente num estranho Colégio Eleitoral, constituído por delegados estaduais, cujo número é fixado de acordo com a população local. Se um candidato ganha por um voto num determinado estado, captura todos os delegados para seu lado. Assim, em 2016, Hillary teve vantagem de cerca de 2,9 milhões de votos em relação a Trump. Ganhou, mas não levou, pois não teve maioria no Colégio Eleitoral.

Alessandro Vieira* - Pedalada jurídica

- O Globo

O desejo de Alcolumbre de se reeleger esbarra na Constituição

O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, tem se movimentado para criar condições políticas e jurídicas que lhe permitam disputar novamente o cargo que ocupa há pouco mais de um ano e meio. O desejo de Alcolumbre esbarra, no entanto, num obstáculo intransponível: a Constituição Federal. Em seu art. 57, § 4°, a Carta veda claramente a recondução para a presidência do Senado na mesma legislatura. Também o Regimento Interno da Casa reforça essa proibição, reproduzindo o dispositivo constitucional em seu artigo 59. Esses fatos bastariam para sequer dar margem a tal discussão.

Mas nem a Constituição parece impedir o presidente do Senado de comandar articulações políticas para se manter no poder e buscar amparo em interpretações casuísticas de normas claras e indiscutíveis. Trata-se, sim, de uma inusitada pedalada jurídica, que não pode ser aceita por aqueles que respeitam a lei. Por isso, peticionamos junto ao Supremo Tribunal Federal com o objetivo de assegurar que o Regimento do Senado — assim como o da Câmara — seja interpretado conforme dita a Constituição, no único sentido possível: confirmar a impossibilidade de reeleição para o comando da Casa na mesma legislatura.

Marcus Pestana* - O Brasil pós-pandemia: uma visão de futuro

O PSDB Nacional e o Instituto Teotônio Vilela, por decisão de seus presidentes Bruno Araújo e Pedro Cunha Lima, desencadearam o projeto “O Brasil pós-pandemia: uma visão de futuro”. O objetivo é após o arrefecimento da pandemia e das eleições municipais produzir um forte pronunciamento partidário, contundente e incisivo, longe de ambiguidades e tibiezas, sobre os desafios do país nas mais diferentes áreas no contexto que emergirá após o enfretamento da COVID-19. Será o estabelecimento de um rumo claro que irá nortear o diálogo com outras forças democráticas e progressistas e com a sociedade, pavimentando o caminho da ação partidária em 2021 e da preparação de alternativas em 2022.

Na última quinta-feira, 3 de setembro, tivemos uma densa e profunda conversa com o ex-presidente Fernando Henrique, a meu juízo, o melhor intérprete do Brasil contemporâneo. O diálogo envolverá nas “salas de conversa” formuladores, técnicos e intelectuais não obrigatoriamente ligados ao partido como Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pérsio Arida, José Roberto Afonso e Maurício Moura.

Foram construídas dezenove áreas temáticas coordenadas por especialistas qualificadíssimos envolvendo ex-ministros de Estado, ex-governadores, ex-parlamentares, ex-secretários estaduais e intelectuais dos diversos segmentos das políticas públicas. Em todas as áreas será lançado um olhar sobre o futuro.

Desinteresse manifesto – Editorial | O Estado de S. Paulo

A ausência do presidente e de seu “superministro” da Economia no ato de entrega de uma reforma crucial é indicativo de que a proposta talvez não seja para valer

No dia em que a proposta do governo para a reforma administrativa foi finalmente encaminhada ao Congresso, o presidente Jair Bolsonaro estava no interior de São Paulo fazendo comício e prometendo construir pontes. Em seus discursos, falou de tudo um pouco, menos desta ou de qualquer outra reforma. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tampouco compareceu à cerimônia de entrega no Salão Negro da Câmara.

Em política, gestos muitas vezes dizem mais que palavras. A ausência do presidente da República e de seu “superministro” da Economia no ato de encaminhamento de uma reforma crucial para o País é indicativo de que a proposta talvez não seja para valer.

Não é segredo para ninguém que o presidente Bolsonaro não desejava uma reforma que afinal acabasse com os inúmeros privilégios do serviço público, muitos dos quais beneficiam diretamente sua tradicional base eleitoral. Tanto é assim que Bolsonaro havia dito, reiteradas vezes, que não encaminharia a reforma administrativa neste ano, e quando o fizesse seria numa versão branda.

Mas o engessamento de um Orçamento que é consumido em grande parte pela folha de pagamentos do funcionalismo ameaça inviabilizar não somente os planos de Bolsonaro de instituir um programa de transferência de renda mais generoso que o Bolsa Família - sua grande aposta eleitoral -, mas também o próprio funcionamento da máquina do Estado. Por essa razão, e sob pressão do ministro Paulo Guedes e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente enfim aceitou que se enviasse uma proposta de reforma administrativa.

Reforma traz desafio ímpar ao Legislativo – Editorial | O Globo

Em vez de abrandar uma proposta dura, o Congresso terá de endurecer uma proposta branda

Quando apresentou sua proposta para reformar a Previdência, o governo adotou uma meta agressiva. O ministro Paulo Guedes insistia em economizar no mínimo “um trilhão” em dez anos. No final, com a desidratação no Legislativo, a economia ficou aquém disso, mas além da prometida na proposta anterior. Pode-se dizer que deu certo. Agora, na reforma administrativa, a estratégia foi outra: uma meta politicamente confortável. O governo apresentou apenas a primeira das três fases de mudanças, sem atingir servidores da ativa nem categorias sensíveis. O objetivo é duplo. Primeiro, poupar um desgaste maior no Congresso. Segundo, depois da aprovação, evitar disputas judiciais.

Nenhum dos dois objetivos está garantido. Para começar, o texto propõe a extinção de organismos do Estado apenas por iniciativa do Executivo — um jabuti do tamanho daqueles quelônios pré-históricos das ilhas Galápagos. A ideia é inaceitável. Nada tem a ver com a racionalização das carreiras no serviço público, mas muito com as inclinações autoritárias de um presidente que não demonstra apreço por caminhos institucionais e almeja centralizar mais poder em suas mãos. É evidente que o Executivo deve tomar a iniciativa de acabar com tudo o que for redundante ou sem sentido no Estado, mas toda medida dessa natureza precisa ser chancelada pelo Congresso.

A proposta deixa ainda a desejar na extensão das mudanças. É verdade que mudar a carreira dos “membros de Poder” (caso de juízes, procuradores ou parlamentares ) dependeria de iniciativas desses próprios poderes. Mesmo assim, não há motivo para poupar as carreiras militares. Muito menos para manter a garantia de estabilidade após apenas três anos às carreiras identificadas como "de Estado" (como diplomatas ou auditores), em vez de dez como sugerido inicialmente. A proposta, na forma como está, não mexe nas categorias mais privilegiadas do serviço público e preserva as desigualdades mais chocantes.

Gastos militares aumentam sem critérios de eficiência e qualidade – Editorial | O Globo

Bolsonaro avalizou a expansão das despesas sem levar em conta a agonia fiscal e a economia em crise

Aumentam os gastos militares. Eles devem somar R$ 116 bilhões no próximo ano, diz a proposta orçamentária para 2021 apresentada pelo governo na semana passada. Se mantida pelo Congresso, as Forças Armadas ampliam suas despesas em 5% e assumem o terceiro maior gasto público em 2021, logo abaixo da Educação (R$ 145 bilhões) e da Saúde (R$ 137 bilhões).

Não é um dispêndio trivial para um país empobrecido, sob aguda crise fiscal, cuja estrutura econômica foi devastada na pandemia. Os militares, porém, querem mais. Há um mês pediram ao Congresso um aumento no seu orçamento do atual 1,8% para 2% do Produto Interno Bruto. Argumentam com a necessidade de “previsibilidade orçamentária” para diferentes projetos de compras de equipamentos para Exército, Marinha e Aeronáutica.

O governo Jair Bolsonaro avalizou a nova etapa de expansão das despesas militares, abstraindo a realidade de uma economia depauperada. Para 2021, a proposta deixa os quartéis numa posição 30% acima da soma das despesas governamentais em Ciência e Tecnologia, Comunicações, Energia e Infraestrutura.

O vírus do otimismo – Editorial | Folha de S. Paulo

Série de indicadores menos negativos da epidemia não autoriza relaxamento

O brasileiro respira aliviado com as boas novas sobre a marcha da Covid-19 no país. A prudência, no entanto, recomenda manter o uso de máscaras e retomar o fôlego para uma corrida de obstáculos que ainda está longe de terminar.

São ao menos três os motivos para alento: após mais de dois meses, saímos do patamar tenebroso de mil mortes diárias; 70% das cidades com mais de 100 mil habitantes têm estabilidade ou desaceleração de casos; a taxa de contágio caiu abaixo de 1 (0,94), indicando chance de recuo sustentado.

A conjuntura favorável pede reforço das medidas de contenção do Sars-CoV-2, e não seu afrouxamento —é a oportunidade para infletir de vez a curva de infecções e óbitos que envergonha, enluta a nação. Nunca a enfrentamos a sério, começando pelo presidente Jair Bolsonaro, que ora sabota até a futura campanha de vacinação.

Não há lugar para o otimismo que já lota praias, ruas e lojas. Os surtos vicejam em um terço das grandes cidades, o número de novos infectados não cai tão rápido quanto nos países onde a pandemia atacou mais cedo, e os testes continuam aquém do necessário para rastrear disseminadores do vírus e seus contatos.

A média diária de 900 ou 800 mortes não deixa de ser alarmante, pois se mantém na vizinhança das vidas ceifadas a cada dia por doenças cardiovasculares (quase mil) e supera os óbitos por câncer (pouco mais de 600).

Seguimos no desconfortável platô de mais de 40 mil casos novos diários, portanto na casa de 20 por dia por 100 mil habitantes. O desejável seria cair abaixo de 5/dia/100 mil. Além disso, estima-se que se detectam no Brasil só 64% dos infectados pelo coronavírus.

Música | Maria Bethânia e Lenine - "Nem o Sol, Nem a Lua, Nem Eu"

Poesia | Murilo Mendes - A liberdade

Um buquê de nuvens

O braço de uma constelação
Surge entre as rendas do céu

O espaço transforma-se a meu gosto
É um navio uma ópera uma usina
Ou então a remota Persépolis

Admiro a ordem da anarquia eterna
nobreza dos elementos
E a grande castidade da Poesia.

Dormir no mar! Dormir nas galeras antigas!

Sem o grito dos náufragos
Sem os mortos pelos submarinos.