Mais uma barreira rompida
• Dólar comercial atinge r$ 2,98, e quem planeja viajar ao exterior já paga até r$ 3,33 pela divisa
Ana Paula Ribeiro, Alyne Bittencourt – O Globo
Câmbio em disparada
SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA - A percepção de risco em relação ao Brasil já não era boa. E agravou-se ainda mais diante da piora das relações entre o governo federal e o PMDB, que detém as presidências da Câmara e do Senado. Os investidores calculam que o risco político está maior, dificultando as chances de implementação do ajuste fiscal - e isso se refletiu diretamente na cotação da moeda americana. O dólar comercial fechou ontem em alta de 1,77%, a R$ 2,980, maior valor de fechamento desde os R$ 2,987 de 19 de agosto de 2004. Na máxima do pregão, a divisa chegou aos R$ 3, valor mais alto registrado desde os R$ 3,013 de 18 de agosto de 2004. Os recordes não pararam por aí. No câmbio turismo, aquele usado por quem viaja ao exterior, os valores também dispararam: atingiram máxima de R$ 3,33.
O preço médio do dólar turismo em São Paulo, compilado pela agência CMA, ficou em R$ 3,18, uma alta de 3,24% em relação ao pregão anterior. Sobre esse valor, há ainda a cobrança de IOF, que é de 0,38% no papel-moeda e de 6,38% no cartão viagem.
No Rio, a Corretora Cotação cobrava R$ 3,33 pelo dólar turismo para quem escolhia carregar um cartão pré-pago, o chamado Travel money - Valor que já inclui o IOF. Para quem comprava em espécie, a divisa saía a R$ 3,17, também já com o imposto. Nas corretoras TOV e Ultramar, o valor cobrado para o cartão pré-pago era de R$ 3,29. Mas, na primeira, o dólar em espécie saía a R$ 3,14, contra R$ 3,09 na segunda. No Banco do Brasil, o consumidor tinha de desembolsar R$ 3,18 pelo dólar turismo no pré-pago e R$ 3,08 pela moeda em espécie. No Bradesco, os valores eram de R$ 3,29 e R$ 3,14, respectivamente.
Lista da Lava-Jato pesa na incerteza
A tensão nos mercados se deve ao temor de que o governo não consiga aprovar as medidas necessárias para o ajuste fiscal, dificultando o cumprimento da meta do superávit primário, de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). E essa incerteza faz crescer o receio de que o Brasil possa perder o grau de investimento concedido pelas agências de classificação de risco, que representa um selo de bom pagador. Se o país perder essa classificação, receberá menos investimentos externos. Além disso, analistas temem uma paralisia nos trabalhos legislativos, devido à deterioração nas relações entre o governo da presidente Dilma Rousseff e o Congresso.
- Houve um mau humor com a devolução, pelo presidente do Senado, da medida provisória que trata das desonerações. Além disso, a lista do procurador-geral, Rodrigo Janot, criou um desequilíbrio político - avaliou Bernard Gonin, analista econômico da Bozano Investimentos, referindo-se à lista de políticos que teriam envolvimento com a Operação Lava-Jato.
Na terça-feira à noite, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), devolveu a medida provisória (MP) que altera as regras de desoneração da folha de pagamentos. A reação do governo foi enviar à Câmara dos Deputados um projeto de lei, com o mesmo conteúdo, com urgência constitucional. "Ao se alterar de medida provisória para projeto de lei, a cobrança das novas alíquotas terá de esperar pelo menos 90 dias. Dessa forma, o efeito final da medida será bem inferior ao projetado pela equipe econômica, ou seja, R$ 5,8 bilhões neste ano", avaliou Marco Aurélio Barbosa, da CM Capital Markets, em relatório a clientes.
Além disso, os integrantes da agência de classificação de risco Standard & Poor"s se reuniram ontem com representantes dos ministérios da Fazenda e Planejamento. Isso acabou aumentando os rumores sobre a possibilidade de o país perder o grau de investimento.
- Ontem houve um clima mais de pânico, por isso esse movimento de desvalorização da moeda brasileira. Se o governo não conseguir aprovar as MPs do ajuste fiscal, pode gerar uma crise mais forte - explicou Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora.
Na abertura dos negócios, chegaram a circular rumores de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, teria pedido para deixar o cargo - todos negados pelo Palácio do Planalto.
Preocupação com os dados dos EUA
Outro fator que tem contribuído para a desvalorização do real é a expectativa em relação aos novos dados da economia americana, que podem mostrar um aquecimento ainda maior no mercado de trabalho - um indicador acompanhado com lupa pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O índice de desemprego de fevereiro será divulgado amanhã. Se houver melhora nos dados de emprego, aumenta a chance de a alta de juros nos Estados Unidos ser antecipada. Atualmente, o juro básico do país está próximo de zero. A elevação dessa taxa atrairia para os EUA investidores externos, que deixariam os mercados emergentes, pressionando mais a cotação do dólar.
Os negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) também refletiram as tensões do cenário político brasileiro. Os papéis preferenciais (PN, sem direito a voto) da Petrobras caíram 4,06%, cotados a R$ 9,21, enquanto os ordinários (ON, com voto) recuaram 3,78%, a R$ 9,15. Também tiveram queda significativa as ações da Vale. As PN tiveram desvalorização de 2,32%, e as ON, de 1,92%. Os bancos, que têm maior peso na composição do Ibovespa, também operaram em terreno negativo. Os papéis PN do Itaú recuaram 0,87%, e os do Bradesco caíram 2,07%. No caso do Banco do Brasil, a queda foi de 5,03%.
Na contramão desse movimento, as ações das empresas de papel e celulose fecharam em forte alta. Isso se deve ao fato de essas companhias se beneficiarem da valorização do dólar. Os papéis da Suzano subiram 3,20%, enquanto os da Fibria avançaram 3,49%.
- Se tem um setor que está bem é o de papel e celulose, devido à alta do dólar. Não tem crise com a moeda nesse patamar - disse Alan Oliveira, analista da Futura Invest.
Fluxo cambial volta ao vermelho
Já o fluxo cambial, que é a diferença entre os ingressos e as saídas de dólares do país, voltou a ficar negativo em fevereiro, em US$ 1,142 bilhão. Em janeiro, havia registrado um resultado positivo, de US$ 3,9 bilhões. Com isso, o saldo acumulado nos dois primeiros meses do ano ficou no vermelho em US$ 245,868 milhões.
Segundo o Banco Central (BC), as transações comerciais entraram na conta com um superávit de US$ 567,5 milhões, com exportações em US$ 12,379 bilhões e importações de US$ 11,812 bilhões. Já as operações financeiras - que reúnem, entre outros, investimentos estrangeiros diretos e em carteira, remessas de lucros e dividendos e pagamento de juros, apresentaram saldo negativo de US$ 1,856 bilhão.