sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Merval Pereira - Mandatos cruzados

- O Globo

Surpreendente, devido às posições anteriores de contenção do foro privilegiado, mas nem tanto, pelas decisões recentes alinhadas ao governo Bolsonaro, o posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), defendendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) recuse o recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro que questiona decisão do Tribunal de Justiça do Rio a favor do foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas” não tem como prosperar se a jurisprudência do Supremo for seguida, como tem sido até hoje.

O caso mais emblemático é o do atual deputado e ex-senador Aécio Neves, cujos casos foram enviados para a primeira instância em decisões das Primeira e Segunda Turmas. No de Flavio Bolsonaro, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio fez com que as investigações voltassem para o STF.

Estavam na primeira instância pelo entendimento de que os casos ocorreram quando ele era deputado estadual, e, portanto, pela interpretação do Supremo de 2018 de que o foro privilegiado só serve para crimes cometidos no exercício do mandato e em função dele, não tinham nada a ver com o atual cargo de senador.

A grande discussão levantada tanto pela defesa de Flavio Bolsonaro quanto pela PGR é sobre “mandatos cruzados” ou “mandatos prolongados”, quando um político passa de um cargo para outro em eleições seguidas, que não estariam tratados na decisão do Supremo. “Da mesma forma que não há definição pacífica do Supremo Tribunal Federal sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do Estado da Federação no Senado Federal (câmara representativa dos Estados federados)”.

Bernardo Mello Franco - As façanhas do Zero Um

- O Globo

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal restringiu a farra do foro privilegiado, que protegia políticos investigados por corrupção. A decisão já rompeu a blindagem de deputados, senadores, ministros e outros figurões da República. Só não atinge Flávio Bolsonaro, o primogênito do capitão.

Em janeiro de 2019, o Zero Um conseguiu a primeira façanha. O ministro Luiz Fux suspendeu as investigações sobre o vaivém de dinheiro em seu antigo gabinete no Rio. Flávio ainda não havia tomado posse como senador, mas alegava já ter direito ao foro no Supremo. Fux aceitou a conversa e concedeu a liminar. Ao fim do recesso, o ministro Marco Aurélio Mello cassou a decisão e devolveu o caso para a primeira instância.

O filho do presidente não desistiu. Em junho passado, ele alcançou a segunda façanha. A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio inventou uma nova figura jurídica: o foro privilegiado de ex. Apesar de já ter deixado de ser deputado estadual, o senador ganhou direito a ser julgado no órgão especial do TJ. Tudo sob medida para livrá-lo do juiz Flávio Itabaiana, que mandou prender o ex-PM Fabrício Queiroz.

Dora Kramer - Levou, bateu

- Revista Veja

Bolsonaro prefere a grosseria ao risco de cair em contradição

É da natureza dos ressentidos reagir a questões desagradáveis com agressividade. Quando a essa condição se aliam a falta de educação e a culpa no cartório, a coisa piora. Desanda de vez caso o personagem seja detentor de algum tipo de poder. Enquadra-se no perfil o presidente Jair Bolsonaro, cujo patrimônio nesse aspecto foi herdado por quatro de seus cinco filhos, conforme observamos constantemente.

Esses tipos estão sempre na defensiva, embora tal comportamento não lhes sirva como defesa eficaz. É o caso da aflição do presidente em relação a qualquer coisa que se refira às transações financeiras de Fabrício Queiroz com a família, em particular a reação no modo ogro a uma pertinente pergunta do repórter de O Globo sobre a origem do dinheiro e as razões pelas quais o ex-assessor e a mulher, ora em prisão domiciliar, depositaram 89 000 reais na conta bancária de Michelle Bolsonaro.

A questionamento semelhante a respeito de outra quantia (24 000 reais) destinada por Queiroz à mulher do presidente e feito ainda antes da posse, Bolsonaro disse que era devolução de um empréstimo de 40 000 reais. Poderia agora ter dito algo parecido, mas o agravamento da situação de lá para cá, com o surgimento de indícios e versões contraditórias, reduziu a margem de manobra.

O recurso às desculpas esfarrapadas abre um perigoso espaço para que qualquer coisa dita hoje em dia pelo presidente possa ser desdita por depoimentos, e até possível delação premiada, de Queiroz e Márcia de Aguiar, ou entre em choque com o relato deles. Donde não restou alternativa ao presidente: mandou logo uma grosseria, externando a vontade de encher o repórter de pancadas, coisa que, visão dele, já estava “precificada” no seu arcabouço de imagem.

Míriam Leitão - O grande risco dos improvisos

- O Globo

Por que acabar com o Bolsa Família? Um programa bom, reconhecido no mundo inteiro, com um foco claro, aperfeiçoado ao longo do tempo por especialistas que entenderam a sua lógica e metodologia. Falta à equipe econômica humildade e conhecimento da engenharia social. Além disso, faz falta um verdadeiro ministério da área social. Esse governo já demonstrou o quanto pode errar com seus improvisos e oportunismo.

O governo Lula derrapou no início com o Fome Zero. Como marca era bom, mas na prática a ideia era uma distribuição de vouchers como o food stamps, política americana dos anos 1950. Não ficou de pé. Houve um debate intenso, com duas vantagens: cientistas sociais que entendiam do assunto no governo participaram dele e o país tinha a experiência da Bolsa Escola que levou muita informação para a mesa de discussão. A política pública nasceu em Brasília, em 1995, na gestão de Cristovam Buarque. Depois foi implantada em Campinas e em Belo Horizonte. Por fim foi adotada, com valor pequeno, no governo federal. Havia sido feito um cadastro que depois foi ampliado. A pergunta era: quantos são e onde estão os invisíveis? O Estado foi buscá-los.

César Felício - Não vale o escrito

- Valor Econômico

Da forma como pode ser feita, mudança corrói democracia

O acordado prevalece sobre o legislado. Esse é o espírito, tão em sintonia com os novos tempos, da argumentação que o Senado apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da reeleição para as presidências das Casas do Congresso. A Constituição, em seu artigo 57, parágrafo 4, é um tanto quanto explícita: o mandato dos presidentes do Senado e da Câmara é de dois anos, “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

No parecer do secretário-geral da Mesa do Senado, esta norma não pode ser levada a ferro e fogo. A peça constata uma obviedade: circunstâncias políticas fizeram com que na Constituição de 1988 se mantivesse o princípio criado no regime militar de se impedir a reeleição indefinida dos presidentes das duas Casas, porque é disso que se trata. A partir dessa constatação, a de que o Congresso constituinte criou normas não porque Deus as esculpiu em uma pedra, mas por circunstâncias políticas, chega-se ao desfecho surpreendente: como as circunstâncias políticas são outras, o texto do parágrafo quarto do artigo 57 merece ser declarado caduco.

A reeleição, seja de quem for, presidente da República, da Câmara, do Senado, governador ou prefeito, já não é algo saudável para um dos pilares básicos da democracia, que é a competição política. Da forma como querem fazer, contudo, é pior. Muito pior. Corrói outros princípios.

A Constituição sempre é um produto de sua época, mas com regras que precisarão necessariamente valer para outros tempos. Por isso tanto é melhor quanto mais enxuta for, o que não é o caso da brasileira. O pecado da prolixidade em 1988 é remediado pela emenda constitucional, e o texto da Carta já foi modificado mais de cem vezes.

Claudia Safatle - Guedes busca receitas nos 3 D

- Valor Econômico

Equipe do Ministério da Economia diz que Paulo Guedes é resiliente e não vai deixar o cargo facilmente

Tão logo foi descartada a forma que havia sugerido para financiar o programa de renda mínima, o Renda Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou para sua assessoria e encomendou alternativas. Na segunda-feira mesmo, os técnicos, sob a coordenação do secretário Especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, começaram a esmiuçar os 3 D: desobrigação, desvinculação e desindexação do Orçamento.

Na reunião em que apresentou o plano para o pós-pandemia em que constava do pacote a substituição do Bolsa Família pelo Renda Brasil - como parte do Pró-Brasil que estava para ser divulgado no dia seguinte -, Guedes propôs que a renda mínima fosse financiada por remanejamentos de programas sociais existentes, tais como abono salarial, Benefício de Prestação Continuada e diversas outras rubricas do Orçamento da União. Assim, os programas sociais seriam mais bem focalizados.

O presidente Jair Bolsonaro contou, na quarta feira, em viagem à Minas Gerais, que na reunião de segunda-feira suspendeu o anúncio do Pró-Brasil, marcado para a terça, porque não pretendia remanejar dinheiro “dos pobres para os paupérrimos”. Descartada aquela hipótese, sobraram os 3 D que são parte da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo. Bolsonaro disse, também, que esperava novas soluções para hoje.

José de Souza Martins* - A América e nós

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Por que copiamos o que de pior o eleitorado dos EUA escolheu para governá-lo?

Em dias passados, a Convenção Nacional do Partido Democrata, dos EUA, iluminou o fosso que nossas eleições de 2018 abriram entre o verdadeiro Brasil e o Brasil da cópia. Porque, naquelas eleições, sem sermos informados e advertidos pela Justiça Eleitoral e pelos partidos, nossa falta de imaginação elegeu a mera cópia do presidente americano, Donald Trump. Personagem do que de pior de política tem a América. Seu governo é um dos mais distantes das grandes tradições sociais e democráticas daquele país.

Nessa convenção, os candidatos do Partido Democrata e os adeptos de seus valores e propósitos dão perturbadora visibilidade às escolhas que o eleitorado brasileiro fez aqui, notórias no ano e meio de incertezas e desgoverno.

Se a falta de imaginação, de formação política, de competência, de discernimento dos eleitos daqui não lhes deixava senão a alternativa de copiar, por que não copiaram gente como a que se apresentou na tribuna da convenção de lá na semana que passou?

Gente como Barack Obama, Michelle Obama, Kamala Harris e Biden, além dos muitos coadjuvantes que se manifestaram com discernimento a representar a diversidade rica da opinião democrática americana?

Se era para copiar, por que não copiamos os princípios enunciados nos discursos responsáveis desses oradores que têm um perfil consolidado de compromisso com os valores das grandes tradições humanistas da sociedade americana? Por que, enfim, tivemos que copiar o que de pior o eleitorado americano escolheu para governá-lo?

Ricardo Noblat - Bolsonaro serve mais dois sapos para Paulo Guedes engolir

- Blog do Noblat | Veja

Mais gastos de olho na reeleição

Nada pode estar tão intragável que não possa piorar. A Paulo Guedes, que por enquanto permanece como ministro da Economia, o presidente Jair Bolsonaro serviu mais dois sapos.

Primeiro sapo: sob pressão de ministros e de políticos por mais recursos para o Plano Pró-Brasil de retomada dos investimentos, Bolsonaro destinou 6,5 bilhões do Orçamento para obras públicas..

Metade desse valor será aplicada em obras indicadas por parlamentares a serem executadas em seus redutos eleitorais. Guedes só queria liberar 4 bilhões.

Segundo sapo: Bolsonaro autorizou a Polícia Federal a abrir concurso para a admissão de mais dois mil agentes. Em breve, deverá fazer o mesmo com a Polícia Rodoviária Federal.

Parecer do Ministério da Economia diz que contratações estão proibidas pela lei que congelou reajustes dos servidores até o fim de 2021. O Ministro da Justiça convenceu Bolsonaro do contrário.

É possível que se defina hoje o valor do auxílio emergencial prorrogado contra o Covid-19. Bolsonaro quer pagar 300 reais. Guedes, 250. O tamanho desse sapo definirá o futuro do ministro.

Eliane Cantanhêde - Na frigideira com Moro

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro tem os votos e as decisões, Guedes tem duas opções: engolir em seco ou cair fora

Desta vez, o presidente-candidato Jair Bolsonaro acertou duplamente, no conteúdo e na forma. O que resolve a questão do desenvolvimento e da renda é mesmo o emprego e foi uma bela sacada anunciar que não vai “tirar de pobres para dar a paupérrimos”. Quem há de discordar? De quebra, é bom slogan de campanha, pois atinge quem tem um mínimo de bom senso e os alvos do presidente, o Nordeste e os de baixa renda, ou seja, o eleitorado que parecia cativo do PT.

De fato, causou espanto a “mágica” do ministro Paulo Guedes para financiar os devaneios populistas e a campanha à reeleição do presidente: tirar de abono salarial, salário-família, seguro-defeso (para pescadores artesanais) e até do Farmácia Popular (remédios grátis para, por exemplo, hipertensão e diabetes). A explicação dos burocratas é que há muita fraude, muito rico tirando ‘casquinha’. Ou seja: se a água da banheira está suja, jogue-se o bebê fora.

Bolsonaro disse “não” para Paulo Guedes, que já reclamou da “debandada” do seu time e ainda tem de ouvir calado a crítica pública do presidente a quem sobrou. E foi antes de a assessora Vanessa Canado responder à pergunta que não queria calar: o “novo imposto” de Guedes é, sim, a velha CPMF. E isso balança o tripé da política econômica: Bolsonaro, Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que ora se alia a Guedes, a favor do teto de gastos, ora a Bolsonaro, contra a CPMF.

Elena Landau* - Universo em desencanto

- O Estado de S.Paulo

Vontade de apagar a História é característica de governos autoritários como este

Um amigo da família, publicitário da Kibon, era responsável por batizar os novos produtos da marca. Estava com especial dificuldade para o nome de um sorvete de frutas. Inquieto, taciturno, trancado em seu escritório, não queria ouvir um pio das crianças brincando. E nós, amedrontadas, obedecíamos. Até que um dia ele sai eufórico pela casa gritando: “Jajá de coco”, enquanto socava o ar como Pelé.

Essa lembrança me veio à cabeça logo que soube do nome do novo plano do governo, a ser lançado em um Big Bang Day. Imagino um grupo de técnicos reunidos em uma mesa na Esplanada a socar o ar, eufóricos com o grande achado.

O suposto plano é apenas um apanhado de iniciativas dispersas. Mistura assuntos emergenciais com questões estruturais. Não traz respostas de curto prazo para a saída da pandemia, nem projeto de longo prazo de crescimento. Nada de abertura comercial, redução drástica nos gastos tributários, revisão de regime especial do IR, abertura comercial, privatização ampla e reforma administrativa. E um choque educacional, nem pensar. Ainda tem a CPMF, é claro.

Celso Ming - Umas e outras maldades de uma nova CPMF

- O Estado de S.Paulo

Quanto mais se examinam as distorções que esse tributo pode trazer, mais ele se torna inaceitável

Dia após dia, vão aparecendo novas maldades embutidas no projeto da nova taxa sobre movimentações financeiras, cujo nome, sobrenome e sigla seriam Imposto sobre Transações Financeiras, ITF.

Na última quarta-feira, a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, confirmou que esse novo tributo não se restringiria apenas a operações digitais, como tantas vezes afirmara o ministro Paulo Guedes. Mas, como disse ela, alcançará “todas as transações da economia”.

Também não é verdade que se trata de uma alíquota baixa, de apenas 0,2%. Ela incidirá sobre as duas pontas de cada transação, tanto sobre quem paga quanto sobre quem recebe. Ou seja, a alíquota verdadeira é 0,4%, mais alta do que o 0,38% cobrado pela antiga CPMF, que atingia apenas a ponta do pagamento.

Isso significa muita coisa. Recolherá o ITF tanto quem estiver pagando pelo pãozinho com cartão de crédito como também o padeiro. Significa, também, que o contribuinte brasileiro pagará também pelo consumo no exterior. Se ele liquidar sua conta com cartão de crédito, terá de recolher automaticamente os 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre câmbio (conversão da moeda estrangeira em reais), mais o 0,2% dessa nova taxa. O turista estrangeiro que quitar suas contas no Brasil com cartão de crédito não estará sujeito ao imposto, mas quem dele receber terá de recolher sua parte.

Ruy Castro* - Como ser tapeado - e gostar

- Folha de S. Paulo

Nasce um otário por minuto, dizia Barnum; adivinhe quem concorda com ele

Steve Bannon, estelionatário americano inspirador da família Bolsonaro, foi apanhado desviando o dinheiro que seus seguidores supunham ter doado para construir um muro separando os EUA do México. Bem feito para esses seguidores, cujo apoio a projeto tão infame merecia mesmo ter ido para o bolso de seu criador. Mas duvido que tenham se revoltado ao se verem feitos de bobos por Bannon. O otário não se revolta.

“Nasce um otário por minuto”, sentenciou outro americano, P.T. Barnum (1810-1893), showman, político, filantropo, criador do circo moderno e teórico da arte de tapear. Barnum não se referia só ao otário ocasional, que um dia caiu num golpe, mas ao otário renitente, capaz de cair sempre no mesmo golpe.

Vide os corolários de sua tese: “Toda pessoa que foi tapeada uma vez pode ser tapeada de novo”; “Pode-se tapear o máximo de pessoas pelo máximo de tempo”; “Quanto maior o golpe, mais os que caem nele gostam”; e um que se aplica tão bem ao Brasil: “Ninguém jamais perdeu dinheiro por superestimar a ignorância do povo americano”.

Hélio Schwartsman - Guedes subiu no telhado?

- Folha de S. Paulo

O ministro tolera certo nível de pressão do chefe, mas deve haver linha vermelha além da qual ele não vai

Nada indica que Paulo Guedes deixará o governo nos próximos dias. Ele parece ter assimilado bem a patada pública que o presidente Jair Bolsonaro lhe desferiu. Mas a contradição fundamental não irá embora. O objetivo do equilíbrio fiscal, do qual Guedes é um emblema, não é facilmente conciliável com a ideia de engordar programas sociais permanentes para ajudar o presidente numa eventual reeleição.

Meu palpite é que Guedes e o teto de gastos é que irão embora. O ministro tolera certo nível de pressão do chefe, mas deve haver uma linha vermelha além da qual ele não vai. Não estou seguro de que o capitão reformado se conformará à zona de conforto do ministro.

Bolsonaro, embora já tenha dito que o Bolsa Família era um jeito de comprar o voto do “idiota” e assegurado que não recorreria a esse tipo de expediente, sentiu o gostinho de surfar na popularidade que programas assistenciais propiciam ao governante sob o qual se materializam e quer criar um para chamar de seu, o Renda Brasil.

Vinicius Torres Freire - BC dos EUA toma decisão histórica

- Folha de S. Paulo

Fed muda sistema de metas de inflação e talvez enterre o modelo dessa política tal como a conhecemos

O Banco Central dos Estados Unidos tomou uma decisão que pode dar uma mãozinha para o Brasil e para o controle da nossa dívida pública. Trocando em miúdos, quer dizer que as taxas de juros por aqui talvez também possam ficar mais baixas por mais tempo, tudo mais constante. Como é historicamente óbvio, sempre podemos nos arrebentar por vontade própria, não importa o ambiente econômico mundial. Mas é uma ajuda.

A decisão do Fed é uma providência candidata a entrar para os livros de história econômica. Altera ou talvez enterre a política de metas de inflação tal como a conhecemos, ideia que dominou a teoria e prática de política monetária no último quarto de século.

No que tem de essencial e mais simples, a decisão é uma formalização de providências que vêm sendo adotadas pelo menos desde 2019. O Fed agora afirma explicitamente que vai procurar atingir sua meta de inflação de modo ainda mais flexível. Declara de antemão que não vai elevar sua taxa básica de juros assim que a inflação estiver perto de 2% e subindo. Caso não esteja ocorrendo de fato uma alta de preços desembestada ou alguma anomalia qualquer, vai tolerar inflação além de 2% e deixar como está para ver como é que fica.

Isto é, o Fed vai mirar em uma espécie de média móvel de inflação, apurada em alguns anos, aliás como já se acha correto fazer com metas fiscais (de contenção de déficit das contas públicas).

Reinaldo Azevedo - País assiste a disputa de reacionários

- Folha de S. Paulo

No idílio passadista do presidente, filho de pobre trabalha e o do rico estuda

Paulo Guedes salta na frigideira porque seu modo de ser reacionário não combina com o de seu chefe, Jair Bolsonaro. O tal "Big Bang" do ministro da Economia —o dito "plano econômico-social"— promove uma redistribuição da pobreza entre os pobres. Seu chefe achou a coisa explícita demais, com potencial eleitoral danoso.

No universo recriado por Guedes, o Brasil continuará a ser o país em que, segundo o Relatório da Desigualdade Global, da Escola de Economia de Paris, os 10% mais ricos ficam com 55% da renda. O problema não está aí. Ocorre que o 1% dos ricos de verdade —coisa de 1,4 milhão de adultos— ficam com mais da metade: 28,3%.

Não fiz a conta. Talvez seja o caso de saber quanto detêm do tal bolo aqueles que formam o 0,1%, a "crème de la crème" da concentração de renda. Os liberais de fancaria que andam por aí a vomitar obscenidades logo vociferam: "Ninguém é pobre porque o outro é rico. É preciso esforço!".

Fruto da indolência, quem sabe?, os 50% mais pobres têm de se contentar com 13,9% do conjunto de todos os rendimentos. A seu modo, Guedes até quer fazer alguma correção. Pretende acabar com a dedução no Imposto de Renda dos gastos com saúde e educação. Topa mexer naqueles 10% que concentram 55% da renda, mas nunca no 1% que abocanha 28,3%. Quanto ao 0,1%, bem...

Luiz Carlos Azedo - O espelho côncavo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“No Brasil republicano, sempre houve grande influência do americanismo, em contraposição ao nosso iberismo. Essa contradição está no DNA das nossas jabuticabas institucionais”

As eleições nos Estados Unidos estão sendo vistas como uma encruzilhada do destino do mundo, na qual o “sonho americano” está em risco e, com ele, a democracia em várias partes do planeta. O presidente Donald Trump, que disputa a reeleição, defende teses regressivas em relação à democracia norte-americana e um nacionalismo que contrasta com o globalismo que sempre pautou a atuação da Casa Branca na cena mundial; não por acaso, o ex-presidente Barack Obama, num pronunciamento inédito para quem já comandou o país, em apoio a Joe Biden na convenção democrata, acusou Trump de ser uma ameaça à democracia e aos direitos humanos.

O sonho americano é a grande invenção política da Independência dos Estados Unidos. Seu ethos sintetiza o comportamento social e cultural dos norte-americanos ao longo de sua história. Liberdade, segurança, oportunidades iguais e justas para o sucesso pessoal, bem-estar para as famílias e perspectivas de futuro ainda melhor para as crianças, graças ao trabalho duro, numa sociedade capaz de superar qualquer obstáculo e na qual qualquer um pode chegar ao topo. Essa é a ideia-força do The American Dream. A crise de 2008 e as mudanças em curso no mundo, com a emergência da China como grande concorrente dos Estados Unidos, porém, frustraram os norte-americanos.

Sem dúvida, o sonho americano foi ressignificado pela eleição de Barack Obama, mas foi amesquinhado com a chegada de Trump ao poder, que pôs a imagem dos Estados Unidos de cabeça para baixo, como num espelho côncavo. Em antropologia, o ethos é constituído pelos traços e modos de comportamento que formam o caráter e a identidade de um povo, ou seja, uma identidade social. Do ethos deriva a ética, isto é, as normas e regras de conduta que devem ser observadas pelos membros de uma sociedade.

Trump subverte o ethos do sonho americano, com uma narrativa na qual exalta o pior e não o melhor da sociedade e da história dos Estados Unidos. O problema é que não está sozinho no mundo, sua narrativa negacionista e reacionária, que reforça as autocracias, estimula retrocessos na ordem política de muitos países democráticos, inclusive, o Brasil.

Os pobres de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo

É notável o contraste entre seu empenho em criar um programa de transferência de renda e o desinteresse em reformas que gerem empregos

O súbito interesse do presidente Jair Bolsonaro pelos pobres do País, jamais demonstrado em seu passado como parlamentar e ausente na campanha que o elegeu em 2018, deveria ser motivo de aplausos. Afinal, quando um presidente da República usa a força de seu cargo para colocar a pobreza entre suas principais preocupações, tende a transformar a superação da desigualdade em prioridade na agenda política.

No entanto, é notável o contraste entre o empenho de Bolsonaro em criar um generoso programa de transferência de renda e seu desinteresse patente em promover reformas que criem condições para o desenvolvimento e a geração de empregos. Ao agir assim, o presidente não demonstra real interesse na superação da pobreza, que só será possível com mudanças estruturais que deem ao Estado capacidade efetiva de prover, de maneira sustentável, o mínimo necessário para que milhões de brasileiros deixem efetivamente de ser pobres.

Se estivesse realmente interessado em transformar a vida dos pobres, o presidente Bolsonaro estaria, desde seu primeiro dia no governo, engajado na promoção dessas reformas estruturais. Contudo, malgrado as retumbantes promessas eleitorais de uma revolução no Estado, Bolsonaro nada fez ou faz, de fato, para liderar os debates sobre essas reformas. Ao contrário, sempre que instado a se posicionar, ou cria dificuldades - como na reforma da Previdência, em que agiu como sindicalista em favor de algumas categorias de servidores - ou simplesmente engaveta projetos - caso da urgente reforma administrativa.

O teste do teto – Editorial | Folha de S. Paulo

Renda Brasil gera tensão entre Bolsonaro e Guedes e põe à prova limite de gastos

Além de viabilizar um ajuste gradual do Orçamento, o teto para os gastos federais inscrito na Constituição tem um caráter didático. A sujeição da despesa total a um limite incentiva a avaliação da qualidade, da eficiência e da prioridade de cada política pública.

Não se pode afirmar, infelizmente, que tal entendimento esteja consolidado no debate público —provavelmente porque o padrão das últimas décadas foi a expansão contínua das ações do Estado. A iniciativa do governo Jair Bolsonaro de criar o programa Renda Brasil já põe à prova o mecanismo.

Em razão do teto, a desejada ampliação do Bolsa Família depende do corte de outros desembolsos. O Planalto gostaria de ao menos dobrar a transferência direta de renda a famílias muito pobres.

Como o Orçamento é engessado por pagamentos obrigatórios, a questão se resume a abater despesas livres restantes, aprovar reformas mais profundas ou desistir do limite máximo dos gastos.

Nos últimos anos, a escolha tem sido reduzir investimentos, que já caíram ao nível da imprudência, mal cobrindo a depreciação da infraestrutura. Também resta pouca margem para cortar no custeio.

Nesse cenário, a primeira opção da equipe do ministro Paulo Guedes, da Economia, foi utilizar recursos de programas sociais tidos como menos eficientes no combate à pobreza: o abono salarial, o Farmácia Popular e seguro-desemprego sazonal para pescadores.

Bolsonaro não tem como fugir da realidade fiscal – Editorial | O Globo

Para lançar o Renda Brasil sem ameaçar o teto de gastos, o melhor seria ele encarar as reformas

O embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes em torno do Renda Brasil revela a distância que, entre nós, separa a realidade econômica da fantasia política. Sem cortar outras despesas, não há como expandir o Bolsa Família para atender os 66 milhões que recebem o auxílio emergencial, mantendo o teto de gastos públicos — compromisso assumido pelo próprio Bolsonaro.

Para financiar o Renda Brasil, Guedes sugeriu acabar com programas sociais ineficazes, como abono salarial, seguro-defeso ou salário-família. Bolsonaro estrilou contra o fim do abono, dizendo que não “tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. A saída de Guedes era coerente com o espírito de um governo que, na economia, afirma zelar pela saúde das contas públicas. Mas esbarrou noutro governo que, na política, quer tudo ao mesmo tempo.

A solução para criar espaço orçamentário — para qualquer coisa, não só para o Renda Brasil — é conhecida: promover reformas que reduzam os gastos obrigatórios. É o caso da reforma administrativa, medida urgente cujo impacto no Orçamento seria imenso e duradouro.

Bastaria economizar uns 3% do que o Estado gasta com o funcionalismo para, somando aos recursos já gastos no Bolsa Família, financiar um Renda Brasil na faixa de R$ 250. Congelar a folha de pagamentos federal renderia, em dois anos e meio, o equivalente a outro Bolsa Família. Desvincular despesas obrigatórias das respectivas fontes de receita ajudaria a liberar recursos hoje engessados. Inscrever na Constituição a permissão para reduzir salários e jornadas em emergências fiscais, como a que vivemos hoje, contribuiria para evitar o colapso das contas públicas.

Segunda Turma do STF desfalcada prenuncia retrocesso na Lava-Jato – Editorial | O Globo

O que está em jogo vai além do futuro de Lula ou do xadrez político —é o futuro do combate à corrupção

A licença médica do ministro do Supremo Celso de Mello, da Segunda Turma do STF, deu um xeque-mate na Lava-Jato. Antecipou o cenário dos sonhos para os políticos condenados por corrupção com base em inquéritos instaurados pela força-tarefa de Curitiba. Situação que pode se manter indefinidamente, a depender de quem o presidente Bolsonaro venha a indicar para a vaga do ministro, que se aposenta em novembro.

O preceito legal de que todo empate em julgamento favorece o réu faz com que, sem Celso de Mello, os quatro ministros restantes da Turma fiquem divididos entre dois “garantistas” (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski), mais sensíveis a argumentações da defesa, e dois “punitivistas” (Cármen Lúcia e Edson Fachin, este relator dos processos da Lava-Jato no STF).

Os primeiros efeitos práticos dessa divisão da Segunda Turma já ocorreram. Caiu uma sentença do juiz Sergio Moro condenando um doleiro do caso Banestado e, pela primeira vez, um acordo de delação premiada foi anulado. Ele fora firmado na Operação Pelicano, contra fiscais de renda de Curitiba. Os dois casos são de antes da Lava-Jato e prenunciam o que poderá acontecer no julgamento de outras ações que contestem vereditos do ex-juiz.

Renda mínima e teto de gastos pesam na balança da reeleição – Editorial | Valor Econômico

Sem teto ou sem balizas fiscais consistentes, a travessia do governo até as eleições não seria nada fácil

O “big bang” pretendido pelo governo não terminou com uma explosão, nem com um murmúrio, mas com um resmungo irritado do presidente Jair Bolsonaro dizendo que o Renda Brasil estava suspenso. São insondáveis os desígnios do presidente, menos o seu plano de reeleger-se. Ele reclamou do valor estimado pelo ministro Paulo Guedes, entre R$ 230 e R$ 270 - achou pouco. Guedes fez cálculos e, para chegar nos R$ 300, teria de acabar com certos programas, como o abono salarial. Bolsonaro disse que não iria tirar dos pobres para dar aos “paupérrimos”. Os mercados viram na reação de Bolsonaro um sinal de que o teto de gastos vai desabar logo. Bolsas caíram, o dólar subiu.

Governos organizados discutem questões vitais como essa em privado e a apresentam em público sem arestas. Mas o governo Bolsonaro não se entende nem a portas fechadas, como demonstrou o show de horrores da reunião ministerial de 22 de abril, feita para debater um plano de investimentos para o país. O presidente faz o que quer, quando quer, mas reuniões de trabalho com a equipe econômica poderiam produzir mais luz e menos ruídos.

Há questões de forma e de fundo na recusa de Bolsonaro. A primeira é política. Guedes é hoje um pilar do governo, com sua política liberal que é apoiada por boa parte dos empresários e investidores. Até para simular unidade de propósitos, alguma reverência e polidez no trato mútuo seria recomendável. Mas, para Bolsonaro, não existem eminências em seu governo. O presidente o desautorizou em público, mais uma vez, relembrando a série de situações constrangedoras a que expôs o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro.

Música | Casuarina - Eu quero é botar meu bloco na rua (com Lenine)

Poesia | Thiago de Mello - A magia

Eu venho desse reino generoso,
onde os homens que nascem dos seus verdes
continuam cativos esquecidos
e contudo profundamente irmãos
das coisas poderosas, permanentes
como as águas, os ventos e a esperança.
Vem ver comigo o rio e as suas leis.
Vem aprender a ciência dos rebojos,
vem escutar os cânticos noturnos
no mágico silêncio do igapó
coberto por estrelas de esmeralda.