sexta-feira, 16 de junho de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Validade das ideologias)

“Recordar a frequente afirmação de Marx sobre a “solidez das crenças populares” como elemento necessário de uma determinada situação. Ele diz mais ou menos isto: “quando esta maneira de conceber tiver a força das crenças populares”, etc. Outra afirmação de Marx é a de que uma persuasão popular tem, com frequência, a mesma energia de uma força material, ou algo semelhante, e que é muito significativa. A análise destas afirmações, creio, conduz ao fortalecimento da concepção de “bloco histórico”, no qual, precisamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais.”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p.238. Civilização Brasileira, 2006.

César Felício - A improvável resistência de Daniela Carneiro

Valor Econômico

Troca de ministra surpreende pela demora

A substituição de Daniela Carneiro no Ministério do Turismo, quando ocorrer, terá surpreendido apenas pela demora. Era algo configurado desde a sua posse, evento prestigiado apenas por aliados do Rio de Janeiro, o que chama a atenção, em se tratando de deputada licenciada. Mais do que denúncias de supostos vínculos de milicianos com seu grupo político, pesa contra a ministra a falta de entrosamento com o União Brasil, partido que deve abandonar em breve, e a ausência de articulação com o Republicanos, futuro partido.

Trocas ministeriais para azeitar a base no Congresso costumam ser rápidas. É insólita a situação de uma ministra zumbi, cuja demissão é dada como certa pela própria articulação política do governo no Congresso, circular pelo Legislativo em audiências públicas e seguir em frente despachando. Isto por vezes ocorre no caso de ministros em crise, atingidos por acusações, cuja troca precisa ser improvisada pelo governo federal.

A substituição da ministra tem lógica. Ela é uma deputada federal, está dentro do universo das escolhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para atender a classe política, e, presume-se, aumentar a governabilidade. Dos 37 ministros, 26 pertencem a partidos, sendo 9 deles fora do eixo da esquerda. Encaixá-la como sendo da cota pessoal do presidente não faz sentido. O União Brasil nunca se sentiu representado na Esplanada e traduz isso na prática.

Claudia Safatle - Sem trégua no debate dos juros básicos

Valor Econômico

Na avaliação de técnicos oficiais, o presidente Lula continuará discutindo com o Banco Central mesmo com corte do Copom

Não há a perspectiva de uma trégua na questão do juros básicos da economia, mesmo depois dos dados de inflação em queda e PIB crescendo acima dos prognósticos. Na avaliação de técnicos oficiais, o presidente Lula continuará discutindo com o Banco Central a respeito do nível elevado da taxa Selic, mesmo que o Comitê de Política Monetária (Copom), comece a cortar a Selic, hoje em 13,75% ao ano, já nas próximas reuniões. A narrativa está dada: quando o BC começar a reduzir os juros, vão dizer que o Copom foi tímido no corte, que ele veio atrasado, e por aí vai.

Como já se espera a presença do novo diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, na reunião do comitê de agosto, quando as expectativas crescem para ser o mês em que o BC daria o início da queda dos juros, ou na pior das hipóteses, indicaria no comunicado que cortaria a Selic na reunião seguinte, vem à mente uma possível narrativa do governo: “ Foi preciso o Haddad colocar alguém dele no Copom para o pessoal decidir afrouxar a política monetária”.

Naercio Menezes Filho* - Discriminações no mercado de trabalho

Valor Econômico

Para diminuir as diferenças entre brancos e negros, a política de cotas para o ensino superior está sendo muito importante e deve ser mantida

A situação das mulheres e dos negros sempre foi muito difícil no Brasil, principalmente devido à discriminação por gênero e raça que é frequente por aqui. Isto faz com que a empregabilidade e os salários dos negros e das mulheres tenham sido sempre mais baixos do que os dos homens brancos. O IBGE acaba de lançar uma nova pesquisa educacional (PNAD-educação), que traz dados detalhados de educação e salários em 2022. Com ela, podemos entender melhor o que está acontecendo com as diferenças por gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro no período pós-pandemia.

Neste artigo, vamos focar nos jovens adultos. Atualmente, temos cerca de 37 milhões de pessoas de 25 a 35 anos de idade no Brasil. Dentre estes, 23 milhões (62%) concluíram pelo menos o ensino médio A figura ao lado mostra as diferenças na taxa de emprego destas pessoas por educação, gênero e cor. Esta taxa mede a porcentagem de pessoas nesta faixa etária que têm algum trabalho, que pode ser remunerado ou não, permanente ou temporário, formal ou informal, mas que não incluí o trabalho doméstico.

Luiz Carlos Azedo - Investigado pela PF, Do Val é elo perdido dos atos golpistas

Correio Braziliense

Como membro da Comissão de Controle dos Serviços de Inteligência, Do Val divulgou informações sigilosas do SNI, com objetivo de incriminar autoridades do novo governo

A Polícia Federal realizou buscas em endereços ligados ao senador Marcos do Val (Podemos-ES), nesta quinta-feira, inclusive no seu gabinete do Senado. A operação não surpreendeu o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que foi avisado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelo inquérito que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro. Em Brasília e no Espírito Santo, foram apreendidos documentos, computadores, pen drives e, também, o celular do senador. Como membro da Comissão Mista de Controle dos Serviços de Inteligência, Do Val teve acesso e divulgou informações de documentos sigilosos do SNI, com o objetivo de incriminar autoridades do novo governo nos atos de vandalismo.

Um dos protagonistas da convocação da CPMI dos Atos Golpistas, Do Val foi para o olho do furacão do inquérito quando divulgou, nas suas redes sociais e em entrevistas coletivas, que teria se reunido com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado Daniel Silveira para tratar de uma operação de inteligência na qual gravaria uma conversa comprometedora com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. O objetivo seria afastá-lo das funções.

Vera Magalhães - Bolsonaro começa a encarar seu passivo

O Globo

Kassio Nunes Marques pode até ceder à enorme pressão a que é submetido e pedir vista do processo que, cedo ou tarde, levará o Tribunal Superior Eleitoral a declarar Jair Bolsonaro inelegível. A sobrevida que isso pode dar ao ex-presidente não se traduzirá, no entendimento de expoentes da própria direita, em grandes manifestações de apoio a ele nas ruas ou em possibilidade de reverter um placar estimado em 6 x 1 ou, no máximo, 5 x 2 pela perda de seus direitos políticos.

A ação no TSE, uma de 16 que questionam a conduta de Bolsonaro ao longo do processo eleitoral, é apenas o início da confrontação do capitão com seu legado de ataque sistemático às instituições e à democracia, abuso do cargo para buscar a reeleição e condução criminosa durante a pandemia de Covid-19, todas elas frentes com potencial de lhe causar danos sérios.

Até no bolso. Bolsonaro achou que poderia simplesmente deixar de pagar as multas que recebeu por sucessivamente afrontar as normas que determinavam o uso de máscara em São Paulo no auge da emergência sanitária. Aparecer com o rosto descoberto, de preferência jogando perdigotos em incautos, fazia parte do negacionismo bolsonarista e de sua maneira de medir forças com o então governador João Doria, na época ainda um potencial rival.

Ruy Castro - Bagunça nas contas de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

O TCU aprovou com ressalvas a sua prestação para 2022, com R$ 1,28 trilhão mal explicados

"Eu lhe dei 20 mil réis/ Pra tirar três e trezentos/ Você tem que me voltar/ Dezessete e setecentos." O baião de Luiz Gonzaga e Miguel Lima, um clássico de 1958, pode ajudar a entender a prestação de contas do governo Bolsonaro para o ano de 2022, aprovada "com ressalvas" na semana passada pelo Tribunal de Contas da União. "Ressalvas" porque, segundo o relatório do TCU, há uma "relevância de distorções" no valor de R$ 1, 28 trilhão. O que são "distorções" de tal "relevância", só o Sombra sabe. Mas o valor distorcido exige tradução para o português: 1 trilhão e 280 bilhões de reais. Não é pouca distorção.

Reinaldo Azevedo - S&P desafia o complexo de vira-lata

Folha de S. Paulo

Extremistas de centro ainda são reféns da fantasia da dupla negação

Parece ter havido um misto de surpresa e decepção em certos ambientes diante da notícia de que "a agência de classificação de risco S&P Global Ratings melhorou nesta quarta (14) a perspectiva de longo prazo do Brasil de estável para positiva", repetindo as primeiras palavras da informação publicada nesta Folha. Não é que essas pessoas sejam más e gostem de ver o país encalacrado. Nunca especulo sobre a maldade humana porque campo muito vasto. Atenho-me ao mais restrito: o dos interesses. "Então torcem para que tudo dê errado?" Não. É que previsões e antevisões, também as pessimistas, têm preço. E há, ademais, cortes que são de natureza ideológica, quase invencíveis.

Bruno Boghossian - Política miúda dá as cartas

Folha de S. Paulo

Primazia do centrão esvazia agenda e valoriza busca por vantagens e sobrevivência

Aquele Congresso travado, que faz jogo duro de votação em votação, sabe pisar no acelerador de vez em quando. A Câmara aprovou em uma hora e 58 minutos o projeto que pune o que chama de "discriminação" de políticos. A pressa era tanta que alguns deputados apertaram o botão verde antes de ler o relatório final.

O velocímetro da Câmara é um bom termômetro dos impulsos de autopreservação e busca por benesses no mundo político. Quando estão em jogo interesses pouco nobres da classe, os parlamentares costumam fechar acordos com rivais, encurtar discussões e fazer de tudo para não chamar muita atenção.

Hélio Schwartsman - Barbárie prisional

Folha de S. Paulo

Quebrar dedos de encarcerados é chocante, mas não surpreende

"Procedimento" é o nome que se dá a uma técnica de tortura de presos que já foi identificada em pelo menos cinco estados do país. Consiste em utilizar cassetetes para quebrar dedos das mãos dos presidiários.

A notícia choca, mas não surpreende. Pelo menos desde o célebre experimento da prisão de Stanford, de 1971, sabemos que a estrutura prisional é propensa a abusos. Ali, o psicólogo social Philip Zimbardo recrutou um grupo de alunos considerados mentalmente sãos e, por sorteio, definiu que metade deles faria o papel de guardas e metade o de presos numa simulação de encarceramento. Bastaram algumas horas para que os guardas começassem a maltratar os presos, e a coisa se agravou tanto que o experimento foi interrompido por razões éticas.

Flávia Oliveira - Crianças perdidas na selva: sobre milagre e saberes

O Globo

Elas foram salvas não por heroicos soldados do Exército nacional, tampouco por obra do Deus dos colonizadores, mas por saberes e divindades ancestrais

No mais comovente enredo de sobrevivência deste ano da graça de 2023, quatro crianças indígenas foram encontradas com vida depois de 40 dias num adensado pedaço da Amazônia colombiana. Os irmãos estavam desaparecidos desde 1º de maio, quando o avião em que viajavam caiu na selva, matando os três adultos no voo, entre os quais a mãe deles, Magdalena Mucutuy Valencia. As buscas intensas envolveram militares e um grupo de nativos íntimos do território, que localizaram os miúdos de 13, 9, 4 e 1 aninho de idade, na sexta-feira passada. Milagre? Só que não.

Houve comparações com a obra de Gabriel García Márquez, expoente do realismo fantástico latino-americano, Nobel de Literatura em 1982. Mas, para quem, nessas bandas, cresceu entre mitos e ritos afro-ameríndios e se acostumou a conviver com o invisível, o que existe é realidade. As crianças da etnia hitoto foram salvas não por heroicos soldados do Exército nacional, tampouco por obra do Deus dos colonizadores, mas por saberes e divindades ancestrais.

Eliane Cantanhêde - Autodestruição

O Estado de S. Paulo

Quem criticar e ‘discriminar’ o senador Do Val, alvo de ação da PF, deveria ser preso?

No dia seguinte à aprovação do projeto contra a “discriminação” de políticos, a Polícia Federal fez uma operação de busca e apreensão, ontem, dentro do Congresso e do apartamento funcional do senador Marcos do Val (Podemos-ES). A Câmara tenta criar cidadãos de primeira e segunda classe, enquanto a PF insiste em mostrar que “todos são iguais perante a lei”.

O projeto cria privilégios inadmissíveis para Pessoas Politicamente Expostas (PPEs), sem debate e conhecimento da sociedade. De repente, do nada, a urgência foi colocada em votação na noite de anteontem, aprovada rapidinho e, já na sequência, o projeto foi vitorioso, por 252 a 163 votos, prevendo multa e prisão de até quatro anos para agentes financeiros que se neguem a abrir contas ou crédito para os PPEs investigados e processados.

Bernardo Mello Franco - Vem aí a Lei Eduardo Cunha

O Globo

Suas excelências querem um tipo penal sob medida para protegê-las

Não bastam as imunidades, as mordomias e os penduricalhos. Suas excelências agora querem um tipo penal sob medida para protegê-las.

A Câmara aprovou projeto que cria o crime de discriminação contra pessoas politicamente expostas. A ideia foi apresentada por Dani Cunha, filha do deputado cassado Eduardo Cunha.

No texto, ela descreve os políticos como vítimas de “atos de cunho discriminatório”. A pretexto de reparar injustiças, a deputada propõe novos privilégios para a casta que integra.

Pedro Doria - Deixa o Monark falar bobagem

O Globo

Censura prévia é proibida pela Constituição. Cláusula pétrea. Jair Bolsonaro não é mais o presidente, e as eleições passaram

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou na quarta-feira o bloqueio de todos os perfis de redes sociais de Bruno Aiub, o Monark. Como ele é um comunicador que vive de se apresentar pelas redes, não é apenas uma ordem de censura prévia. É também uma proibição de que ele trabalhe e se sustente. É uma decisão grave. Censura prévia é proibida pela Constituição. Cláusula pétrea. Jair Bolsonaro não é mais o presidente. As eleições passaram. Qual o sentido de calar Monark?

O problema da liberdade de expressão no mundo digital não é trivial. Alguns repetem o discurso ingênuo de que deveria ser uma liberdade absoluta “como nos Estados Unidos”. O próprio Monark fala essas coisas — e ele não sabe do que está falando. Não é absoluta nem lá, nem em canto algum. Liberdade de expressão é um problema filosófico e prático, não é um problema moral como a direita autoritária faz parecer.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Contra “discriminação”, Câmara aprova privilégios

Valor Econômico

O pretexto é falso e a solução é um escárnio, criando obrigações cujo descumprimento acarretam multas e prisões contra instituições financeiras

Sob o comando do deputado Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados está votando qualquer coisa que seja benéfica aos próprios parlamentares. Na quarta à noite, aprovou em minutos um projeto de lei que pune bancos e outras instituições financeiras que se recusem a abrir conta ou fornecer crédito a pessoas politicamente expostas - parlamentares, juízes, prefeitos e membros dos Poderes da União, Estado e municípios. O objetivo declarado é impedir a “discriminação política”.

O PL 2720, escrito por Dani Cunha, deputada novata, filha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara cassado por seus pares e condenado a mais de 50 anos de cadeia, foi aprovado na calada da noite após apresentação surpresa e votação sumária na Casa, com aval de Lira. O texto segue agora para o Senado, para espanto de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que desconhecia a ideia e seu teor.

Poesia | Joaquim Cardozo - Chuva de Caju

 

Música | Lucy Alves - Ai que saudade de ocê