quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Vera Magalhães: Velho Bolsonaro volta depois das 7 ondas

O Globo

Tão logo os brasileiros pulem as sete ondinhas e façam seus desejos para um 2022 que promete ser ainda mais duro que o último biênio, Jair Bolsonaro já terá rasgado a fantasia de moderado que Michel Temer lhe vestiu e estará de volta à velha forma conspiracionista, atirando contra tudo e todos. Desta vez com o cartão de crédito dos gastos populistas e eleitoreiros na mão e com limite alto.

Aos poucos, o presidente já vai se despindo do figurino que lhe causa desconforto, o que respeita as instituições e o contraditório.

Faz isso ao mesmo tempo que cerca sua base mais ideologizada à custa de bravatas e de promessas de benefícios financeiros ou empresariais.

A nova investida se dá junto aos policiais federais, num momento em que há muitas imbricações de interesses da sua família e dos seus sob responsabilidade da PF.

O prometido reajuste geral a servidores no ano eleitoral começou justamente pelos policiais. Veio na forma que também já se tornou usual no método bolsonarista: apenas avisando a Paulo Guedes que ele se vire para arrumar o dinheiro.

Bernardo Mello Franco: Lula favorito na eleição da fome

O Globo

O Ipec informa: Lula entrará no ano eleitoral como franco favorito para voltar ao Planalto. O ex-presidente lidera a disputa com 48% das intenções de voto. Todos os outros candidatos somam 38%.

Dez meses são uma eternidade na política, o que significa que o cenário pode mudar bastante até outubro de 2022. Mas o retrato mostrado pela pesquisa é inequívoco: se a eleição fosse hoje, o petista venceria no primeiro turno.

Lula registra os melhores índices entre os eleitores mais pobres (57%) e menos escolarizados (55%). São os grupos que mais sofrem com o retorno da fome e o aumento da inflação, duas marcas registradas do atual governo.

Em setembro, o Ipec constatou que fome e pobreza voltaram à lista dos temas que mais preocupam os brasileiros. Isso não ocorria desde 2002. Não por acaso, o ano em que o petista se elegeu pela primeira vez.

Elio Gaspari: O Fies saqueou a bolsa da Viúva

O Globo

O professor Mário Henrique Simonsen ensinava: se for bem enunciado, o problema mais difícil do mundo um dia será resolvido. Mal enunciado, o problema mais fácil do mundo jamais será resolvido.

Lula e Bolsonaro meteram-se na discussão do calote do Fundo de Financiamento Estudantil, o Fies. Na teoria, ele custearia as anuidades de jovens universitários que cursavam a rede privada de ensino. Na prática, desde 2011 virou um mecanismo que permitiu a transferência do risco da inadimplência para a conta da Viúva. Atendeu 3,4 milhões de jovens e tem a receber R$ 123 bilhões, ervanário superior ao déficit da União neste ano. Desse valor, R$ 27,9 bilhões foram contabilizados como ajustes para perdas.

Lula promete anistiar os devedores. Bolsonaro rebate: “Por que não fez lá atrás, pô? Está aí de sacanagem”. Noves fora a linguagem, quem abriu a porteira não foi Lula, mas Dilma Rousseff. O capitão correu atrás e agora oferece uma renegociação dessas dívidas. Está no seu terceiro ano de governo e ainda não apresentou um programa que faça sentido. Há pouco, mimou as universidades privadas, aninhando-as no ProUni.

Fernando Exman: O capitão na batalha das expectativas

Valor Econômico

Aliados queriam ver mais ousadia de um BC independente

A redução do poder de compra do brasileiro em 2022, ano eleitoral, ocupa um lugar central no rol de preocupações de auxiliares do presidente Jair Bolsonaro.

É o que explica, pelo menos em parte, recente esforço para o lançamento de uma série de medidas voltadas às famílias mais pobres. O pacote vai além do Auxílio Brasil, programa social que sucede o Bolsa Família com um valor inicial de R$ 400 já a partir de dezembro, antes do Natal, e para um número maior de beneficiários. O governo já sinalizou que o ticket médio deve subir para R$ 415.

Parlamentares aliados e auxiliares de Bolsonaro apontavam há meses que a alta dos preços dos alimentos poderia condenar o programa a já nascer desatualizado. Consideram, também, que o Banco Central (BC) poderia ter sido mais conservador nos últimos meses, a fim de construir as condições necessárias para a redução da Selic a tempo de viabilizar uma reativação da economia mais rápida no ano que vem.

Daniel Rittner: O que a eleição para o TCU deixou de contar

Valor Econômico

Órgão estaria deixando papel fiscalizador para assumir uma postura mais consultiva em relação ao Executivo

A eleição para a vaga recém-aberta no Tribunal de Contas da União (TCU) ignorou um debate que provoca cada vez mais aflições no governo e na iniciativa privada: por acaso o órgão de controle tem atuado não apenas como “watchdog” (que supervisiona a obediência às regras e à lei), mas assumido excessivamente as funções de “sheepdog” (conselheiro que guia políticas públicas e ações governamentais por meio da expedição de comandos)?

O tribunal já mexeu na taxa de retorno dos leilões de energia, multou diretores da Antaq por considerar que eles não regularam adequadamente a cobrança de uma tarifa por terminais portuários, entrou nos acordos de leniência com empreiteiras da Lava-Jato, travou a liquidação da estatal dos semicondutores (Ceitec), mandou os bancos públicos devolverem R$ 199 bilhões ao Tesouro. Suas decisões - não se discute se certas ou erradas - têm feito surgir uma safra de textos acadêmicos e análises sobre o raio de atuação do TCU.

Armando Castelar Pinheiro*: 2022: dosando o pessimismo

Valor Econômico

O antídoto mais eficaz é ter alguma clareza sobre o que esperar a partir de 2023

“Um dos principais trabalhos do cérebro é prever o futuro. (...) Algumas pessoas têm cérebros que são mais rápidos para detectar o perigo. Mesmo em situações ambíguas ou neutras, essas pessoas tendem a pensar, “algo ruim vai acontecer aqui”. Estas pessoas são as primeiras a preparar-se para o pior cenário, as primeiras a esperar um mau resultado. Em outras palavras, são pessimistas”.

Extrai esta citação do excelente livro de Elizabeth Blackburn e Elissa Epel, “The Telomere Effect: Living Younger, Healthier, Longer”. Ela me fez pensar se a maioria de nós, analistas da cena econômica, está olhando corretamente as perspectivas da economia brasileira em 2022, ou se nós nos tornamos, por variadas razões, pessimistas. Afinal de contas, às vezes parece difícil aceitar que estamos caminhando para um cenário tão ruim como o que temos hoje, sem a expectativa de que se faça algo para melhorá-lo.

Zeina Latif: De improviso em improviso

O Globo

O foco principal da política pública deve ser formação e requalificação de pessoas, dada a baixa qualidade da mão de obra e os avanços da tecnologia

É muito difícil ser empresário no Brasil. Recentemente ouvi de uma autoridade estrangeira que, se um CEO de multinacional sobrevive ao Brasil, está apto a conduzir a operação em qualquer outro país.

As empresas enfrentam muitos empecilhos — reduzido capital humano, infraestrutura e marcos jurídicos complexos e pouco previsíveis — que encarecem a produção e, assim, prejudicam o investimento e a inovação. A carga tributária elevada e a instabilidade econômica são sérios agravantes.

Como resultado, muitos buscam junto ao governo tratamento diferenciado, por meio de regimes especiais e isenções tributárias. São atalhos que podem até ajudar alguns no curto prazo, mas cobram preço elevado para a sociedade ao longo do tempo. Nem todos os pleitos dos empresários são justificáveis.

Fábio Alves: Os riscos de 2022

O Estado de S. Paulo

Os investidores vão encarar um 2022 que pode resultar em desfecho ainda mais extremo para o Brasil

Ressabiados por um ano em que a inflação e os juros subiram bem mais do que o previsto e a forte recuperação da economia, após o pior momento da pandemia de covid, minguou com rapidez, os investidores vão encarar um 2022 que pode resultar em desfecho ainda mais extremo para o Brasil.

Estariam os investidores precificando corretamente os riscos para a economia brasileira em 2022? Basicamente, são dois os maiores riscos domésticos e eles estão relacionados: o fiscal e o político. Para o primeiro, o mercado está relativamente otimista – ou será pura leniência? Para o segundo, a visibilidade é baixa.

Vinicius Torres Freire: Está lá um PIB estendido no chão

Folha de S. Paulo

Com economia no vermelho, arrocho de juros vai piorar e zumbis, enchem as ruas

Na então Grande Recessão do começo dos anos 1980, a gente via pessoas acampadas na rua, sob tendas de sacos pretos de lixo. O Brasil era como sempre pobre, mas não se tinha notícia daquilo, de crise tão longa e dos despejados pela crise expondo as nossas vergonhas cruéis até nas praças de bairros ricos.

Até então, ainda modernizávamos a pobreza, a desigualdade e outras opressões. Nem a ditadura militar era tão reacionária e cretina quanto essa gente que ora ocupa Brasília.

Mas o Brasil progrediu e o mundo nunca esteve tão bem de vida desde o Neolítico, como dizem os doutores Pangloss do capital. Agora, miseráveis vivem em pequenas barracas de camping e instalam centrais de lixo reciclável em praças e esquinas dos "bairros de bem". Houve progresso, né: em vez de sacos plásticos, tendas de armar e carroças de lixo com música.

No centro da cidade, os miseráveis são mais tradicionais. As "pessoas em situação de rua", como diz o eufemismo correto, deitam sobre papelão, envoltas em trapos que passam por cobertas. Muitos se aglomeram diante de centros de caridade que dão alguma comida ou roupa. Depois perambulam às centenas pelas redondezas da praça da Sé ou sob viadutos próximos da avenida Paulista.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro, o pesadelo não acabou

Folha de S. Paulo

A capacidade de destruição da atual gestão ainda é considerável e exige que organizemos nossas defesas

Não é porque Jair Bolsonaro parou de atacar diuturnamente o Supremo Tribunal Federal e outras instituições que seu governo se tornou menos nefasto. Ainda que com menos estardalhaço, ele permanece altamente destrutivo.

No campo da economia, o país retrocedeu várias décadas com PEC dos Precatórios, que permitirá ao governo e seus cúmplices do centrão expropriar recursos privados cujo recebimento já havia sido determinado pela Justiça. Para usar um rótulo caro aos bolsonaristas, a medida recende um "comunismo" com o qual as gestões petistas nem sequer ousaram flertar. O pior é que teria sido perfeitamente possível criar um bom mecanismo de auxílio emergencial, que é mais do que necessário, sem incorrer nesse tipo de violação às regras do jogo. Bastaria ter revisto algum dos muitos programas e subsídios pouco eficazes que o Estado brasileiro distribui à farta.

Bruno Boghossian: Aras vai com Bolsonaro até o fim

Folha de S. Paulo

Em 2022, país terá procurador-geral que dá conforto ao presidente para praticar desmandos

Assim que Augusto Aras tomou posse, Jair Bolsonaro definiu a relação entre os dois como "um amor à primeira vista". O procurador-geral fez questão de retribuir a declaração: prometeu uma atuação alinhada à "cultura judaico-cristã", brindou o presidente com tolerância máxima e chegou a chamar de "festa cívica" os atos golpistas de 7 de setembro.

A tabelinha continua firme. Na segunda (13), Aras pediu que o STF cancele um inquérito contra Bolsonaro pela falsa associação feita por ele entre vacinas contra a Covid e o HIV. O procurador já havia tentado barrar o caso em novembro, elencando 14 motivos para não investigar o presidente. Agora, ele diz que o inquérito não é necessário porque já existe uma ação na corte sobre o caso.

Mariliz Pereira Jorge: A canalhice bolsonarista

Folha de S. Paulo

Para eles, quem ficava em casa em 2020 e agora voltou a participar de atividades sociais é hipócrita

A canalhice bolsonarista se renova a cada semana. Não basta o boicote ao uso de máscara e à vacinação, essa corja que apoia Jair Bolsonaro se tornou especialista em manipular fatos, para constranger cidadãos que sempre seguiram as recomendações de autoridades sanitárias ao longo da pandemia da Covid-19.

A moda entre a milícia que bajula o presidente é ressuscitar posts de formadores de opinião, com a bandeira do "fique em casa", levantada durante os meses mais dramáticos, e confrontá-los em razão de seu comportamento atual: sair, viajar, frequentar bares e festas. Ainda há riscos? Sim. Mas a realidade é diferente da de um ano atrás.

Famosos que participaram da festa de uma youtuber sofreram ataques. Acontece o mesmo com políticos de oposição em momentos de lazer. Um deputado da bancada evangélica compartilhou uma foto em que esta colunista estava em Copacabana. Eram 5h30, praia vazia. Nem os bandidos cariocas tinham acordado.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS:

PEC precária

Folha de S. Paulo

Revelação tardia de votantes é novo dano à imagem

É raríssimo encontrar motivos nobres na relutância de autoridades em prestar esclarecimentos básicos à sociedade. Um detalhamento da votação da PEC do Calote, a muito custo obtido da Câmara dos Deputados, vai confirmando a regra.

Só na segunda (13) esta Folha conseguiu que a Casa legislativa presidida por Arthur Lira (PP-AL) fornecesse a lista de oito deputados que participaram em condições excepcionais da análise em primeiro turno do texto, ocorrida há mais de um mês.

Graças a um ato da cúpula da Câmara, esses parlamentares puderam votar a distância, sem registro de presença no plenário, por estarem viajando em missão oficial. Com quatro apoios no grupo, a PEC passou com 312 votos —exatamente quatro acima do mínimo necessário.

Enfim divulgada, depois de um pedido com base na Lei de Acesso à Informação e da publicação de uma reportagem que relatava a resistência de Lira, a lista de imediato mostrou problemas. Um dos deputados relacionados não estava em viagem oficial naquela data; outro estava em Brasília e presente no plenário.

Os meandros do caso demandam mais apuração, mas desde já fica claro que o governismo empenhou energia, verbas e manobras regimentais para uma vitória milimétrica —e precária, dado que a PEC passou por alterações no Senado que voltam agora ao exame dos deputados.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Música | Elba Ramalho e Raimundo Fagner: Festa