quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Merval Pereira - Segue o jogo

O Globo

Ministro Alexandre de Moraes citou em seu relatório que a conclusão do Ministério da Defesa é a mesma a que chegaram diversas instituições fiscalizadoras: não houve fraude no processo eleitoral

O mistério, com objetivos políticos, sobre o relatório de técnicos do Ministério da Defesa a respeito das urnas eletrônicas apenas explicita o retrocesso democrático que vivemos nestes últimos quatro anos, que precisa ser estancado. Em tempos normais, os militares não teriam sido chamados para auditá-las, tarefa que sempre foi delegada a universidades e institutos tecnológicos, além de aos próprios partidos políticos, que usavam seus especialistas para atestar a higidez do sistema.

Depois de mais de 25 anos de uso, nunca houve comprovação de fraude no sistema, invejado por vários países que, como os Estados Unidos, ainda usam o voto impresso em muitos estados. No Brasil, temos exemplos das trapaças mais diversas no tempo do voto impresso, que ficou caracterizado como um sistema falho e suscetível a fraudes, sucessor do “voto a bico de pena” da República Velha.

O (ainda) presidente Jair Bolsonaro levou quase dois dias para falar sobre o resultado da eleição, tendo admitido a derrota apenas implicitamente, após agradecer os mais de 58 milhões de votos que obteve. Enquanto isso, empresários ligados a esquemas golpistas interrompiam as estradas do país, numa evidente tentativa de tumultuar. Como não deu certo, e o bloqueio das estradas prejudicou a população, o presidente Bolsonaro teve de pedir que seus apoiadores desobstruíssem as rodovias e voltou à mudez à espera do tal relatório, que saiu ontem.

Míriam Leitão – Sentimentos misturados

O Globo

Em Brasília, Lula dá demonstrações de volta à normalidade, no mesmo dia em que o país perde Gal Costa, e Defesa divulga seu relatório malicioso sobre as urnas

O presidente eleito Lula foi a Brasília e ocupou todos os espaços políticos visíveis. Falou de volta à normalidade e em diálogo com as instituições. Depois de quatro anos de conflitos, ameaças e agressões verbais do presidente Bolsonaro contra as instituições, principalmente o Judiciário, a palavra “normalidade” soou muito bem. Lula encontrou os presidentes da Câmara e do Senado, foi ao STF, ao TSE e falou aos jornalistas. Tudo conforme o esperado de um presidente eleito, mas parecia novidade. Foi dia de brilho na política, de dor, na cultura, de fiasco dos generais.

Tente esquecer em que ano estamos. É 2022 quase no fim, mas por um momento parecia meio século atrás. Ainda há rumores nos quartéis como se fosse admissível que tenhamos que passar por isso a essa altura. Com a morte da Gal, a imensidão da perda, a voz cristalina de afinação perfeita, pareceu ainda mais inaceitável o ponto desafinado do dia: a espera do relatório da Defesa sobre as urnas. Gal, no tempo em que os militares nos impunham o terror, era luz e encantamento, era conforto e desforra.

Malu Gaspar – As escolhas de Lula

O Globo

Bolsonarismo e extrema direita continuarão à espreita, mas maior risco para o presidente eleito pode vir de suas próprias deliberações

A transição de Jair Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva tem produzido cenas de espantosa e bem-vinda normalidade, mas também uma série de dúvidas sobre os rumos do novo governo. Não porque, ao mesmo tempo que Lula visitava os chefes da Câmara, do Senado e do STF, em Brasília, uma enorme fila de caminhões e manifestantes pedindo a anulação das eleições e intervenção federal se formava a dez quilômetros de distância.

Afinal, apesar de todo o esforço de Bolsonaro, os militares reconheceram que não houve “nenhum indício de manipulação dos resultados que possa configurar fraude do pleito de 2022”.

Isso não significa que o bolsonarismo e a extrema direita devam desaparecer do cenário político, muito pelo contrário. À medida que a transição avança, porém, vai ficando mais evidente que, embora o golpismo continue à espreita, o maior risco para o governo Lula pode vir de suas próprias escolhas.

Luiz Carlos Azedo - Lula distensiona relação entre Poderes

Correio Braziliense

presidente eleito disse que não pretende interferir nas eleições do Congresso, em fevereiro, quando Lira, aliado de Bolsonaro, e Pacheco disputarão a reeleição, na Câmara e no Senado, respectivamente 

Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao restabelecer o diálogo político como método para resolução de conflitos, numa maratona de reuniões, ontem, distensionou as relações entre os Poderes da República. Ele se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Depois, deu entrevista à imprensa sem incidentes. Pôs um ponto final no choque entre os Poderes, principalmente entre o Executivo e o Supremo, ao defender a harmonia entre eles. O vice-presidente Geraldo Alckmin também participou dos encontros.

O caminho crítico era principalmente a relação com Lira, em razão de duas agendas: a PEC da Transição, que envolve a questão do orçamento secreto, e a eleição para o comando da Casa. Ficou acertado que a emenda constitucional será apresentada até 15 de novembro, com objetivo de permitir que os recursos do Bolsa Família, incluindo os R$ 150 a mais para cada filho, extrapolem o teto de gastos. Essa autorização servirá para destinar recursos aos programas da Educação e da Saúde.

Maria Hermínia Tavares* - O recado dos democratas

Folha de S. Paulo

Chapa Lula-Alckmin abriu as portas para uma aliança muito além da esquerda

O convite ao ex-governador Geraldo Alckmin para ser vice de Lula foi uma estratégia eleitoral bem-sucedida. Abriu as portas para uma aliança muito além da esquerda. Se não se pode medi-la em ganho de votos, tampouco se pode subestimar a importância de ter o petista trazido para seu lado antigos e recentes adversários, como Fernando Henrique e Simone Tebet; críticos das políticas econômicas de Dilma Rousseff, como os criadores do Plano Real; sem falar da ex-ministra Marina Silva, que saiu do PT por divergir da política ambiental e foi massacrada pela propaganda do partido na campanha de 2014.

A aproximação entre o petista e o antigo tucano-raiz não visou apenas convencer eleitores recalcitrantes. Conta mais o seu valor simbólico. Diante de um candidato à reeleição que apostou no extremismo, fomentando o descrédito nas instituições democráticas, o consórcio Lula-Alckmin provou que democratas com ideias para lá de distintas sobre políticas de governo — e que, já se agrediram reciprocamente — podem passar por cima de diferenças e ressentimentos idos para defender a ordem constitucional ameaçada.

Vinicius Torres Freire - Lula em Brasília à esquerda

Folha de S. Paulo

Exaltado, presidente eleito contra-ataca as pressões de quem quer conter gasto público

Luiz Inácio Lula da Silva voltou a Brasília como presidente, nesta quarta-feira. Ainda que presidente eleito, começa a governar, não apenas por palavras, mas por atos, como na negociação do Orçamento de 2023, por exemplo.

De volta a Brasília, seu primeiro discurso foi de esquerda, digamos assim, para simplificar. Não foi nada muito diferente do que Lula disse em tantas campanhas. Mas não foi assim parecido com o que fez em seus governos (2003-2010).

Lula parecia exaltado, como se farto de ouvir que não pode gastar. No discurso, na verdade, entrevista, disse que muito gasto na verdade é investimento, que é preciso pagar a dívida social de 500 anos e que não faz sentido "guardar" para "pagar juros aos banqueiros". A transcrição do que disse segue mais abaixo.

Bruno Boghossian - 'Nos livre do comunismo'

Folha de S. Paulo

No fim da conversa com vice eleito, presidente mostrou que continua assombrado por falsas ameaças

No fim da breve conversa que teve com Geraldo Alckmin (PSB), na semana passada, Jair Bolsonaro (PL) mostrou que continua assombrado por falsas ameaças.

Alckmin contou a aliados que, já na porta do gabinete presidencial, Bolsonaro agarrou seu braço e disse: "Por favor, nos livre do comunismo".

O vice-presidente eleito fez o relato a pelo menos três pessoas que estiveram com ele nos últimos dias. A frase de Bolsonaro variou em cada reprodução, mas todas as versões passavam pela suposta necessidade de proteger o país de um fantasma que não está no horizonte.

Ruy Castro - O ódio começa em casa

Folha de S. Paulo

Quantos pais e mães, hoje no Brasil, não estarão inoculando o nazismo em seus filhos?

Há pouco, jovens enrolados em bandeiras do Brasil em São Miguel do Oeste (SC) puseram-se em formação e fizeram a saudação nazista. Há uma célula nazista na cidade, que produz panfletos e bandeiras com a suástica. Dias depois, alunos de uma unidade da UFSC picharam suásticas e frases contra judeus nos banheiros. E meninos de um colégio em Valinhos (SP) postaram mensagens em louvor a Adolf Hitler, propondo que se fizesse com os petistas "o que Hitler fez com os judeus."

Igor Gielow – Lula evita choque com militares ao desarmar golpismo

Folha de S. Paulo

Relatório da Defesa paga pedágio a Bolsonaro e encerra de forma melancólica relação tumultuada

Em sua primeira incursão a Brasília após ser eleito presidente pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi cirúrgico. Prometeu normalidade institucional, abriu portas ao centrão e buscou desarmar o discurso golpista que subsiste em estradas e na frente de quartéis Brasil afora.

O temor do mundo político residia no uso que o bolsonarismo quer fazer do relatório do Ministério da Defesa acerca das urnas eletrônicas, que cumpriu o papel de deixar suspeitas no ar apesar de atestar que não houve fraude no pleito —um fim melancólico para a tumultuada reinserção dos militares na política sob Jair Bolsonaro (PL).

Não por acaso, o texto só foi divulgado depois que Lula concedeu sua entrevista coletiva, após reunião com o destinatário do papelório, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.

Maria Cristina Fernandes - Lula samba no golpismo

Valor Econômico

Sintonia do governo eleito com Poderes abafa relatório

Dois fatos definem a passagem do presidente eleito por Brasília. O anúncio de que a tramitação da PEC da Transição se iniciará pelo Senado e o convite para que o Supremo Tribunal Federal participe da discussão da questão ambiental e do status da posse e do porte de armas.

O anúncio revela que, por mais amistoso que tenha sido o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo eleito confia mais no senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa que, por iniciar a PEC, terá a última palavra.

O convite ao Supremo revela a expectativa de Lula de que a Corte equilibre o perfil marcadamente bolsonarista do Congresso para a reversão de marcos legais que tanto fizeram avançar o desmatamento quanto o armamento civil.

Ao se encontrar com os presidentes dos Poderes, Lula ainda evidenciou os termos da parceria estabelecida com seu vice. Enquanto Lula se movimenta como chefe de Estado, Geraldo Alckmin comanda o governo eleito.

Por trás do sorriso permanente, do ritual da nominata nas reuniões mais cotidianas e da disposição de falar tudo sem dizer nada, o vice eleito vai aparando arestas, compondo divergências e buscando soluções para conflitos infindáveis. Testa possibilidades e mata no peito as frustrações. Até Bolsonaro encontrou.

Cristiano Romero - COP27: a reestreia de Luiz Inácio Lula da Silva

Valor Econômico

Meio ambiente será tema tão ou mais importante na agenda do país nos próximos anos

Não há tema mais oportuno e adequado para o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao centro do poder do que o meio ambiente. Este é o assunto mais relevante da agenda internacional agora e, muito provavelmente, no futuro previsível. É, também, a maior “herança maldita” do atual governo, dada não só a escalada do desmatamento, mas também o desmonte de instituições públicas dedicadas a essa área e a consequente perda de reputação do país no mundo.

O Brasil perdeu o protagonismo conquistado na área ambiental durante mandatos sucessivos de presidentes que deram a devida prioridade ao tema. O presidente Jair Bolsonaro não participou nem da 25ª Conferência do clima da Organização das Nações Unidas (COP25), realizada na Espanha em 2019, nem da COP26, que se deu em Glasgow, no ano passado.

Jan-Werner Mueller* - Como se faz um fascista

Valor Econômico

Muitas vezes o fascismo não usou a violência para alcançar seu objetivo

Quase exatamente um século após a Marcha sobre Roma do líder fascista Benito Mussolini e de sua ascensão ao cargo de premiê italiano, Giorgia Meloni, uma figura política cujo partido descende dos fascistas originais, foi nomeada premiê da Itália. Estaríamos testemunhando a volta do fascismo com inicial minúscula - um fenômeno político que se propagou para muito além da Itália desde 1922?

Embora não haja nada de mau em fazer tal pergunta, espalhar com excessiva liberalidade esse palavrão começado com “f” poderia facilitar para os líderes de extrema direita a tarefa de afirmar que, já que seus críticos sempre exageram, eles também devem estar inflando a ameaça representada à democracia. Como era de ser esperar, Meloni se esforçou ao máximo para se distanciar do fascismo em seu discurso de estreia ao Parlamento.

Mas, ao examinar a questão do fascismo hoje, é preciso se lembrar que ele passou por fases diferentes. Embora não haja regimes fascistas na Europa ou nas Américas hoje, há certamente alguns partidos - inclusive governistas - que poderão migrar gradualmente para uma direção mais fascista.

William Waack - Lula e as paredes

O Estado de S. Paulo

As margens de manobra são estreitas e difíceis de serem superadas

Lula ainda não assumiu, mas já é possível constatar o quanto está emparedado. O êxito ou o fracasso de seu governo dependerá em boa medida da capacidade de superar essas barreiras.

O vai e vem em torno da fórmula para financiar o Bolsa Família pagando R$ 600 por mês demonstrou como é estreita a margem de ação legal, embora exista uma quase unanimidade política pela manutenção do benefício social nessas dimensões. Demonstrou também como é estreita a margem de atuação fiscal.

Esse é um problema gritantemente óbvio e uma das principais heranças não só de Bolsonaro. Até aqui Lula vem tentando escapar dessa parede – a necessidade de uma âncora fiscal, ou seja, de um limitador de gastos –, criando uma falsa dicotomia entre “responsabilidade fiscal” e “responsabilidade social”, quando são a mesma coisa.

José Serra* - Uma âncora fiscal em terra firme

O Estado de S. Paulo

O Poder Executivo precisa recuperar seu protagonismo na gestão do Orçamento e deixar de ser encurralado.

O novo presidente da República continuará refém de mudanças constitucionais caso queira reforçar o orçamento federal para implementar as políticas públicas que considera prioritárias para seu governo. Para evitá-las, seu primeiro passo deveria ser a reformulação das regras fiscais em vigor no País. A reconstrução do arcabouço fiscal permitiria resgatar o importante papel do Poder Executivo na gestão do Orçamento. Não será fácil, mas é necessário.

Para melhor entender o que está em jogo, vale apresentar alguns dados da proposta orçamentária que tramita no Congresso Nacional. Relatórios oficiais indicam que os recursos previstos para 2023 na área da Saúde estão no patamar mais baixo da última década, descontada a inflação. Em relação ao presente ano, a redução de gastos é de aproximadamente R$ 16 bilhões. Na Educação, com exceção da complementação do Fundeb, todas as áreas apresentam forte retração de verbas, em comparação com os últimos anos. Os investimentos públicos se encontram no menor valor da série histórica!

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula tem de indicar logo seu ministro da Fazenda

O Globo

Em vez de reduzir incerteza, nomes reunidos na equipe de transição despertam ainda mais dúvidas

A campanha eleitoral foi marcada pela ambivalência do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao tema mais crítico para seu governo: a política econômica. Nesta semana, em vez de nomear ministros para a área — como se espera há meses —, Lula procurou lidar com o suspense por meio da indicação de quatro representantes para a equipe de transição, liderada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Foi uma resposta tíbia. Por dois motivos. Primeiro, os nomes indicados têm visões diferentes, até antagônicas, aumentando, em vez de diminuir, a incerteza sobre o programa econômico. Segundo, não se sabe qual deles — se algum — permanecerá no novo governo.

Em vez de suscitar especulações, Lula deveria ter indicado logo seu ministro da Economia ou da Fazenda, como ele mesmo fez quando vitorioso em 2002, ao deixar a cargo do então coordenador de campanha Antonio Palocci a montagem da equipe econômica. Sabia-se que Palocci seria ministro da Fazenda, a partir daí montou-se um time qualificado, responsável pelo êxito de primeiros anos de governo. Atitude responsável também teve o presidente Jair Bolsonaro na transição do governo Michel Temer. Já na campanha de 2018, ele deixou claro que seu czar econômico seria o ministro Paulo Guedes. Neste ano, Lula semeou dúvidas.

Poesia | A Rosa de Hiroshima (Vinicius de Moraes com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Gal Costa - Bloco do Prazer / Balancê / Massa Real / Festa do Interior