terça-feira, 5 de março de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

Insistirá o governo no descaminho de subordinar a política externa a uma ideologia, e não às realidades? Em nenhum outro lugar as consequências dessa reviravolta seriam mais nocivas que na nossa vizinhança. A crise da Venezuela se aprofunda. O caso remete à “política do barão”, pois mexe com nossos interesses mais imediatos, na América do Sul. É de louvar a prudência dos militares, mas é de temer a vocalização de alguns líderes políticos sobre nossa ação nesse drama. Sejamos claros: o governo Maduro é antidemocrático e insustentável. Não é de hoje que tenho me manifestado publicamente dessa maneira, em reuniões internacionais, acadêmicas e políticas. Contudo falar em permitir bases estrangeiras em território nacional ou em abrir caminho para aventuras guerreiras nas nossas vizinhanças não tem nada que ver com os interesses brasileiros de longo prazo. E em política externa é disso que se trata.

Apoiar a oposição venezuelana é uma coisa. Imaginar que se deva fazer o que foi feito na Líbia, pensando que forças externas podem reconstruir a democracia no país, é ignorar os fatos. Os desatinos verbais têm sido de tal ordem que resta o consolo de ver os militares recordarem que temos uma tradição de altanaria e soberania a respeitar, soberania nossa e dos demais países.

Bom mesmo seria ver o Itamaraty voltar a ser coerente com sua tradição: ressaltar e criticar o autoritarismo predominante na Venezuela, apoiar a oposição, dar acolhida às vítimas do arbítrio do atual governo e manter acesa a chama democrática. Abrir espaço para que terceiros países, mormente distantes da América do Sul, queiram resolver o drama político pela força não nos convém e fere nossas melhores tradições de atuação internacional.


* Fernando Henrique Cardoso sociólogo, foi presidente da República. “A vez da Venezuela”, O Estado de S. Paulo / O Globo, 3/3/2019.

Cristovam Buarque*: Educação para todos

- O Globo

Brasil continua com mais de dez milhões de adultos analfabetos, só 40% dos jovens terminando o ensino médio sem qualidade

Um dos exemplos do populismo da elite brasileira é a defesa da ideia de “universidade para todos” sem que o defensor assuma compromisso e lute por outros sete objetivos: “erradicação do analfabetismo de adulto”, “alfabetização de todas as crianças na idade certa”, “garantia de conclusão de ensino médio com qualidade igual para todos”, “cada jovem com a mesma chance na disputa por uma vaga nos cursos mais demandados”, “garantia de que os selecionados para as universidades vão poder concluir seus cursos”, “confiança de que os formados estarão preparados para o exercício de suas profissões” e “possibilidade de que serão capazes de aperfeiçoamento para os novos conhecimentos e profissões que surgirão ao longo de suas vidas profissionais”. Sem estas sete lutas, a reivindicação de “universidade para todos” é um slogan demagógico por não defender as mudanças estruturais de que a educação brasileira de base e nosso ensino superior precisam para educar bem a todos.

As cotas para afro-brasileiros buscavam, e conseguiram em parte, mudar a cor da cara da elite brasileira. No entanto, a política de ampliar vagas para ingresso na universidade sem garantir aumento de egressos no ensino médio com qualidade provoca um crescente número de alunos que entram, mas não concluem o curso universitário — se concluem, não recebem a necessária qualificação para o desempenho de suas profissões no mundo contemporâneo. No fundo, “universidade para todos” sem “educação de base para todos com qualidade igual” é uma proposta dentro do espírito do individualismo neoliberal: atende quem pode pagar boa escola e oferece vagas para quem não tem boas escolas; sem a revolução de que o Brasil precisa.

Eliane Cantanhêde: Ruído e constrangimento

- O Estado de S.Paulo

É melhor buscar colegiados, consenso e segurança antes do que depois de falar

A inteligência de conselhos, debates e reuniões é ouvir ideias novas, contrapor visões diferentes, abrir alas ao contraditório e buscar consensos para a melhor decisão. Por definição, eles são incompatíveis com o pensamento único – que é o oposto da inteligência. Então, por que o governo desidrata os conselhos e desconvida uma cientista política respeitada para um deles?

Uma das qualidades do presidente Jair Bolsonaro – que Michel Temer tinha e Dilma Rousseff, definitivamente, não tinha – é saber ouvir e ter a humildade, ou a grandeza, de mudar de opinião. O problema é que ele inverte o processo: em vez de ouvir, debater (e ampliar o leque de opiniões) antes de chegar a um consenso, ele anuncia e depois vai ouvir, debater e chegar a um consenso.

Isso gera ruídos e constrangimentos. Nesses dois meses de governo, eles não foram poucos. Aliás, já começaram na transição, com o anúncio, e depois o “desanúncio”, da fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Ministros e assessores primeiro intuíram, e depois concluíram, que é preciso muita atenção ao que o presidente diz ou divulga pelas redes sociais, para poder apagar os incêndios rapidamente.

Quem primeiro teve a coragem de corrigir Bolsonaro em público, para neutralizar reações negativas, foi o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, que negou a intenção, anunciada informalmente pelo presidente, de aumentar o IOF e mexer no IR.

José Eduardo Faria*: Democracia e resiliência constitucional

- O Estado de S.Paulo

Está a nossa democracia consolidada para resistir a aventuras populistas e bonapartistas?

Acusada desde sua promulgação de conter altíssimo número de artigos, a Constituição brasileira não é extensa por incúria de seus autores. Escrita depois de 20 anos de uma ditadura militar, é compreensível que ela fosse bastante generosa em matéria de direitos individuais e sociais, a ponto de um ministro do STF ter afirmado que a Carta “só não traz a pessoa amada em três dias; fora isso, quase tudo está lá”.

A repulsa à ditadura também explica por que os constituintes recorreram à figura jurídica das cláusulas pétreas, para preservar liberdades públicas contra a aprovação de emendas constitucionais que tentassem limitá-las. Mas com isso impuseram suas concepções de poder às gerações futuras, suprimindo-lhes a prerrogativa de definir os direitos e o regime político que poderiam considerar adequados. Pelo mesmo motivo, os constituintes consagraram, ainda, um modelo de Estado e um padrão de regulação econômica que havia sido adotado em larga escala nas décadas seguintes ao pós-guerra.

Na época da Constituinte, porém, esse modelo e esse padrão já estavam em declínio, por causa da transterritorialização dos mercados, que privou os Estados de parte de suas funções legislativas e levou a um crescente policentrismo decisório no plano mundial. Para se adaptarem a essas mudanças, entre 1989 e 1999 dois terços dos países vinculados à ONU reformaram suas Constituições.

Com isso, o Brasil acabou ficando com um padrão de governabilidade travado, quando comparado com o padrão de outros países emergentes. Quanto mais extensa é uma Constituição, mais reduzidas são as esferas de decisão das maiorias parlamentares e da discricionariedade dos dirigentes do Executivo e maior é a tendência de judicialização das políticas públicas.

José Roberto de Toledo: O presidente inseguro

- Revista Piauí, nº 150. Março, 2019

Enquanto Guedes e Mourão tratam do que importa, Bolsonaro demite civis do segundo escalão

Quem assegura o presidente? Jair Bolsonaro mandou demitir a suplente de uma comissão de segundo escalão para provar que ainda manda. Ilona Szabó havia sido nomeada horas antes por Sérgio Moro para um cargo simbólico, sem poder nem salário. Daria aparência de diversidade a um governo que – como o episódio provou – se preocupa mais com as redes antissociais do que com a sociedade. Mas bastou uma campanha contra ela no Twitter para Bolsonaro ignorar seus conselheiros, desmoralizar Moro e mandar o ministro demiti-la.

Queimou, assim, mais um punhado de fichas de seu declinante cacife político – e sem ganhar nada com isso: nenhum voto a mais no Congresso, nenhum simpatizante que já não fosse convertido.
Não, não foi apenas uma demissão. Foi ato de quem carece de autoafirmação. O presidente agiu em defesa da própria autoridade, numa tentativa de impor a aceitação de seu poder por quem o cerca. É atitude de quem se acha fragilizado ou de quem busca se libertar de algum tipo de tutela. Qual governante faz isso com dois meses no cargo? E pela segunda vez em poucas semanas? Sim, porque a demissão de Szabó tem a mesma matriz que levou à defenestração precoce do ministro Gustavo Bebianno.

Nos áudios de WhatsApp da conversa que ele disse não ter tido com o ministro, ouve-se Bolsonaro invocar o próprio cargo – “como presidente da República” – para mandar Bebianno cancelar um encontro e uma viagem também desimportantes. Como se precisasse lembrar a si próprio e aos subordinados quem é quem.

Tanto uma quanto outra demissão nasceram da paranoia antiesquerdista de Bolsonaro e família. Da necessidade de perseguir inimigos reais ou imaginários para afirmar a própria identidade. Mas, se fosse só isso, a reação intempestiva do presidente seria acalmada por conselhos temperados de assessores mais experientes e racionais. Sua intransigência mesmo quando confrontado com o desgaste que imporia ao próprio governo é sinal de que a insegurança presidencial tem causa mais complexa.

Ranier Bragon: Grandes lorotas da humanidade

- Folha de S. Paulo

Encrenca da família Bolsonaro é das grandes, não importa foro ou proteção do cargo

Nos anos 90 o deputado João Alves gravou o nome no panteão das desculpas mais esfarrapadas da história ao justificar como ajuda divina os mais de 200 bilhetes de loteria premiados —o que para a CPI da época não passou de lavagem do dinheiro desviado do Orçamento.

Mais ou menos na mesma época foi a vez de o governo Collor revelar ao mundo que um empréstimo no Uruguai explicava o alto padrão de vida do presidente, não o esquema operado pelo ex-tesoureiro PC Farias.

Mais recentemente Eduardo Cunha (MDB) também brilhou ao atribuir fortunas encontradas na Suíça à sua desenvoltura como vendedor de carne enlatada para a África em um passado muito, muito distante.

Agora, o ex-policial militar Fabrício Queiroz nos brinda com o depoimento por escrito enviado ao Ministério Público antes do Carnaval.

Joel Pinheiro da Fonseca: A imprensa malvada

- Folha de S. Paulo

O discurso fanatizado inverteu o teor ideológico, mas mantém a mesma estrutura de revolta adolescente

Discutir o governo Bolsonaro nas redes sociais tem sido instrutivo. Há, claro, apoiadores do governo dispostos a argumentar com razão e serenidade. Mas o que mais chama a atenção é a torrente ininterrupta de ódio dirigida a quem ousa divergir do governo. Um dos ataques que mais vejo direcionados a mim é que sou "da imprensa", e "nós" não toleramos a perda da hegemonia desde que Bolsonaro venceu.

Isso me lembrou das discussões dos tempos de colégio, em que "a mídia" também era a vilã suprema. A questão é que lá, no início dos anos 2000, ela era vista como sendo de direita, promotora do neoliberalismo e da publicidade capitalista. O discurso fanatizado de hoje inverteu o teor ideológico, mas mantém a mesma estrutura de revolta adolescente.

Duas coisas me chamam a atenção nessa revolta contra a imprensa. A primeira é o coletivismo. Escrevo colunas de opinião, faço comentários políticos no rádio; estou, portanto, na imprensa. Mas sou só uma voz em meio a muitas outras, não raro discordantes. Não há sentido em incluir a mim, os demais colunistas de jornal, os jornalistas e funcionários das redações, os diferentes jornais, os âncoras de TV e os atores de novela num mesmo "a imprensa", organizada para um mesmo fim.

A segunda é a amnésia histórica. Na narrativa anti-imprensa, até as eleições do ano passado a imprensa reinava inconteste, monopolista das informações e das opiniões, fazendo e desfazendo presidentes a seu bel-prazer e promovendo a esquerda. Isso é simplesmente falso. Basta lembrar que os blogs do petismo já viam a imprensa como inimiga. O "Partido da Imprensa Golpista" deles cumpria o mesmo papel que o termo "extrema imprensa" cumpre hoje no discurso da direita radical pró-governo.

Pablo Ortellado: A reforma nas mídias sociais

- Folha de S. Paulo

Embora haja grande expectativa que Bolsonaro use domínio das mídias sociais para aprovar a reforma, terreno favorece a oposição

Há grande expectativa no meio político sobre a promoção da reforma da Previdência nas mídias sociais. Na campanha para presidente, Bolsonaro mostrou que com uma estratégia bem desenhada para mídias sociais era possível sobrepujar uma larga desvantagem em recursos tradicionais como verbas de campanha, tempo de propaganda na TV e palanque nos estados. Mas muitas das condições que permitiram o sucesso da campanha eleitoral de Bolsonaro não estão presentes na campanha pela reforma da Previdência.

Para que a informação se propague nas mídias sociais, é preciso que a mensagem mobilize sentimentos fortes no receptor.

Na TV ou num jornal, as mensagens são distribuídas para receptores "passivos", de maneira unidirecional, independente do conteúdo. Nas mídias sociais, as mensagens não se propagam assim. Para que se difundam, precisam despertar sentimentos (de medo, indignação, entusiasmo) que levem receptores a apertar o botão de reenviar numa cadeia viral sucessiva. É por isso que mensagens "frias" (informativas, reflexivas ou apenas desinteressantes) se difundem de maneira muito limitada nas redes.

Hélio Schwartsman: Qual crime?

- Folha de S. Paulo

Direito distingue dois tipos principais de homicídio, culposo e doloso

Não há dúvida de que o desmoronamento da barragem da Vale em Brumadinho envolve um ou mais crimes. Se o desastre tivesse se seguido a um terremoto ou coisa parecida, ainda poderíamos invocar a figura da força maior, terceirizando a responsabilidade para Deus. Não sendo este o caso, é lícito concluir que alguém pisou feio na bola. Investigações para apurar as responsabilidades penais são uma necessidade.

Não obstante, leio que a promotoria mineira quer imputar a funcionários da Vale "centenas de crimes" de homicídio qualificado com dolo eventual. O Direito distingue dois tipos principais de homicídio. Quando o autor não tem a intenção de matar, mas, agindo com imprudência, negligência ou imperícia, acaba por fazê-lo, o homicídio é culposo. As penas para ele são menores.

Quando o autor tem a intenção de matar ou assume o risco de fazê-lo, o homicídio é doloso. Se o método utilizado pelo assassino é cruel, como asfixia ou envenenamento, o homicídio, além de doloso, é qualificado, permitindo pena de até 30 anos, a maior admitida no Brasil.

Míriam Leitão: É preciso haver uma nova Vale

- O Globo

Não basta um novo presidente, após Mariana e Brumadinho, é preciso haver um comando que consiga fazer a transição para uma nova Vale

A queda de Fabio Schvartsman é condição necessária, mas não suficiente para começar a trabalhar por uma nova Vale. As duas tragédias foram tão devastadoras para o país e para a companhia que a reconstrução da imagem só será possível com uma mudança radical na mineradora. A Vale precisava de um nome forte e significativo que iniciasse uma revolução de valores, atitudes e administração da empresa.

A licença do presidente, e sua substituição por pessoa da própria empresa, sem qualquer referência à necessária mudança, não reconstrói a reputação, nem encaminha a solução de qualquer dos inúmeros problemas nos quais a empresa continua soterrada. Em nota divulgada ontem, a Vale disse que a escolha de Eduardo Bartolomeo para diretor-presidente foi uma forma de trazer um “executivo sênior” para o comando. Mas ele ocupa o cargo interinamente.

A comparação é imperfeita, mas vamos lembrar a Petrobras. Atingida por casos de corrupção, por má gestão, interferência política, a empresa teve crise reputacional, alto endividamento e prejuízos. Houve um momento que não conseguia sequer fechar um balanço. Não adiantou trocar duas vezes de presidente. Foi preciso recomeçar com novos parâmetros, a partir da gestão de Pedro Parente. O processo ainda não terminou, mas a companhia voltou ao lucro e tem regras de conformidade mais rígidas.

Cora Rónai: Não se amplia a voz dos imbecis

- O Globo

Gente burra e má sempre existiu, mas a sua voz jamais ganhou a dimensão que ganha hoje nas redes sociais

No dia em que faleceu o netinho do ex-presidente Lula, as minhas redes sociais foram tomadas pela comoção — e pela indignação contra pessoas que estariam tripudiando da morte da criança. Vi muitas manifestações de revolta mas, nas minhas redes, não cheguei a ver, naquele momento e em sua forma primária, nenhum post que não fosse de pesar ou de solidariedade.

Tentei encontrar as causas da indignação na sua raiz. Encontrei apenas dois posts com referências diretas ao menino Arthur, escritos por duas usuárias desconhecidas do Facebook, compartilhados milhões de vezes, dando às suas autoras um alcance (e uma notoriedade) que jamais teriam como conseguir nas asas da sua própria maldade; muitos posts questionando a saída de Lula da prisão e discutindo minúcias legais, como se deixar um avô ir ao enterro de um neto fosse um privilégio; e comentários genéricos contra o ex-presidente em publicações dos portais e da imprensa em geral, chocantes porque, no momento de horror indizível da morte de uma criança, tudo o que se espera é solidariedade à família, qualquer que seja essa família.

Em todos os casos, a desumanidade foi amplificada pelos bons sentimentos de quem reagiu a ela: o ódio pegou carona no amor e foi longe. As vastas ondas de solidariedade não repercutiram, é claro, porque reações normais tendem mesmo a não repercutir.

Gente burra e má sempre existiu, mas a sua voz jamais ganhou a dimensão que ganha hoje nas redes sociais.

Millôr costumava dizer que não se amplia a voz dos imbecis -- e ele nem chegou a pegar as redes sociais no seu auge. Na internet a voz dos imbecis repercute ad infinitum, e nós corremos o risco de achar que eles representam a totalidade da população fora dos nossos círculos de amizade: os "outros".

Candido Mendes*: O Brasil viúvo da esquerda

- O Globo

A desaparição das esquerdas no Brasil só ecoa uma perspectiva global dos nossos dias. É só deparar a ruína do socialismo francês, despencado para o quinto lugar nas opções eleitorais do país, ou o esvaziamento espanhol e a agregação à chanceler Merkel dos contingentes restantes do que poderia ser a sua contraposição na Alemanha.

Verificamos, ao contrário, esta cumulação das direitas em superdireitas, e toda a série de novos extremos partidários ao redor do mundo. É o que leva, inclusive, em tal radicalização, a confundir estabilidade com mudança, e à confusão de programas como o do governo Bolsonaro. Só deparamos o entulho do setor público, ao se cogitar, hoje, da sua privatização. Claro, como já viram os especialistas, ela envolve uma primeira desconcentração dessas atividades e, por força, a gradação dos setores a virem ao domínio particular. Não tem o governo ainda a noção da escalada desestatizante, e dos seus círculos viciosos, senão de seus bloqueios. Além disso, o Executivo não se decidiu ainda sobre a entrada, ou não, do capital estrangeiro nessa nova frente, e do volume e impacto de seu aporte.

Ressente-se de qualquer novo protagonismo de esquerda nessa alternativa, tanto se depara a evanescência do PT e de seu corpo político. Só se multiplicam os donatários das antigas siglas, ciosos da sua independência, e hoje prisioneiros de um irredutível divisionismo programático. Fica a interrogação sobre Ciro Gomes, na expectativa de seu retorno, na retirada siberiana a que se voltou. Mas expõe-se a um protagonismo obsoleto, numa torna descompassada.

Alon Feuerwerker: A lógica da ofensiva contra os sindicatos e sua pouca resistência

- Blog do Noblat / Veja

Sindicalismo está em uma sinuca

Na entradinha do Carnaval o governo editou medida provisória proibindo na prática descontar em folha qualquer taxa para sindicato. O mecanismo vinha sendo aprovado em assembleias após a reforma trabalhista acabar com o imposto sindical. Era uma forma de contornar a asfixia.

Margareth Thatcher e Ronald Reagan atuaram contra os sindicatos, com sucesso. Fernando Henrique Cardoso abriu seu governo quebrando a espinha dos petroleiros. Faz parte dos ciclos político-econômicos orientados a dar mais oxigênio ao capital, para relançar a economia.

Não é novidade que o atual período político se inspira no de 1964. Mas aquele regime nunca precisou – ou vai saber nem quis – eliminar o sindicalismo. Manteve, buscando extirpar os elementos para ele malignos. A repressão foi brutal. Mas não teve como meta eliminar os sindicatos.

Seria porém errado centrar a análise no desejo do governo. Todo poder faz o possível para enfraquecer e no limite eliminar qualquer resistência. Bolsonaro, como Temer, não ataca a estrutura porque quer, mas porque precisa, pela agenda. E principalmente porque pode.

E resmungar contra a ofensiva antissindical é inócuo. Para o resmungo ter efeito, o bolsonarismo precisaria sofrer algum dano de imagem por tentar liquidar os sindicatos. É o contrário: o eleitorado do presidente quer mesmo que ele quebre a coluna vertebral do trabalhismo.

Ricardo Noblat: O desfile histórico da Mangueira

- Blog do Noblat | Veja

Carnaval

Está para se ver no Rio ou fora dali desfile de uma escola de samba mais politizado, crítico e polêmico do que foi o da Mangueira que terminou nesta terça-feira quando o dia começava a raiar.

Embalado pelo mais feliz samba-enredo deste ano, a escola exaltou personagens com pouco ou nenhum lugar na história do país, e afrontou outros tratados como heróis pela história oficial.

Sobrou para Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, chamado de O Pacificador, patrono do Exército. Para a Princesa Isabel, a Redentora, que assinou a lei que acabou com a escravidão.

Sem falar do padre jesuíta espanhol José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil e suposto protetor dos índios, fundador da cidade de São Paulo, feito santo pela Igreja Católica em 2004.

“Brasil, meu nego/ Deixa eu te contar/ A história que a história não conta/ O avesso do mesmo lugar/ Na luta é que a gente se encontra”, cantou Mangueira, e a partir daí reescreveu a história do país.

Duque de Caxias, Anchieta e o marechal Floriano Peixoto foram apresentados dançando sobre corpos de índios e de escravos mortos e ainda ensanguentados.

A escola debochou do marechal Deodoro da Fonseca, o monarquista que derrubou o Império e proclamou a República enquanto o povo, bestificado, a tudo assistiu sem nada entender.

Debochou também de Pedro Álvares Cabral, que a história consagrou como o descobridor do Brasil, e de Dom Pedro II, que declarou o Brasil independente de Portugal às margens do rio Ipiranga.

A bandeira brasileira trocou de cores. O verde cedeu lugar à rosa e ocupou o lugar do azul. O dístico Ordem e Progresso foi substituído por Índios, Negros e Pobres.

Um carro alegórico, manchado de sangue e pichado com a palavra “assassinos”, reproduziu o monumento que em São Paulo homenageia os bandeirantes, caçadores de índios e de escravos.

O carro que fechou o desfile trouxe a pichação “Ditadura assassina” e como destaque a jornalista Hildegard Angel, filha da estilista carioca Zuzul Angel, morta pela ditadura militar de 64.

A saída da escola da avenida foi marcada pelo acenar de gigantescas bandeiras com o rosto da vereadora Marielle Franco, do PSOL, executada no centro do Rio vai fazer um ano.

Está bom ou quer mais? Se perdeu o desfile, pode vê-lo aqui. 

Herança irresponsável: Editorial / O Estado de S. Paulo

Governadores de oito Estados e do Distrito Federal descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal e infringiram o Código Penal ao entregar a administração a seus sucessores, eleitos no ano passado, sem deixar no caixa dinheiro suficiente para bancar despesas. Segundo informações fornecidas pelos próprios Estados ao Tesouro Nacional, o rombo, somado, chega a R$ 71 bilhões – e em alguns casos, como Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Sergipe, não havia dinheiro disponível nem para as despesas obrigatórias, como saúde e educação.

As normas legais ora violadas por esses governadores foram criadas justamente para coibir a prática de aumentar desenfreadamente os gastos públicos em ano de eleição. O fato de que nada menos que nove governadores tenham descumprido essas leis é um indicativo de que nenhum deles teme sofrer as penas previstas nas áreas civil, administrativa e penal – e, a julgar pelo histórico de impunidade nessa seara, não há mesmo motivo para esperar qualquer sanção, pois não há notícia de algum governador que tenha enfrentado os rigores da lei como consequência de sua irresponsabilidade.

Mas as leis são claríssimas. O artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que “é vedado ao titular de Poder (...), nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”. Assim, a partir de maio do último ano de mandato, os governadores não podem contrair qualquer “obrigação de despesa” que não possa ser paga até o final do ano ou que deixe “restos a pagar” para o próximo governo sem a equivalente disponibilidade de caixa.

Menor e melhor: Editorial / Folha de S. Paulo

Com primeiro lucro após quadriênio no vermelho, Petrobras vira a página da Lava Jato

A Petrobras apresentou lucro de R$ 25,8 bilhões no ano passado, após um quadriênio inteiro de prejuízo a partir de 2014 —quando a Operação Lava Jato expôs a corrupção que infestava a empresa.

Longe de ser um evento isolado, o resultado constitui fruto de um longo e penoso esforço de saneamento, financeiro e de gestão.

Um feito importante de 2018 foi o fechamento de um acordo extrajudicial de cerca de R$ 3,5 bilhões com autoridades americanas, que em grande medida eliminou novos riscos financeiros oriundos dos desvios detectados na petroleira.

Além de reforçar os diques contra intervenções políticas, a reestruturação da estatal, que prossegue sob a nova direção, tem como principais objetivos a redução das dívidas que chegaram a ameaçar sua sobrevivência, maior foco nos investimentos e restauração da excelência operacional.

Em todas essas frentes, os resultados são positivos. No ano passado, a dívida líquida (descontado o dinheiro em caixa) caiu 9%, para R$ 268,8 bilhões, equivalentes a 2,34 vezes o resultado obtido com as operações. A cifra bate a meta estipulada para o ano (2,5) e representa menos da metade do patamar atingido no auge da crise.

Inteligência é artigo raro no combate ao crime: Editorial / O Globo

Pesquisa feita por juiz mostra que maior parte das condenações não é precedida por investigações
Uma bem-sucedida operação realizada pela Polícia Federal em sete estados e no Distrito Federal, na manhã de 21 de fevereiro, prendeu 28 pessoas e apreendeu pelo menos 24 aeronaves de uma quadrilha acusada de traficar drogas da Colômbia e da Venezuela para o Brasil, os Estados Unidos e a Europa. Segundo investigações, o grupo, que tem ligações com facções criminosas brasileiras, teria transportado mais de nove toneladas de cocaína em 23 voos realizados em 2017 e 2018.

O modus operandi da quadrilha impressionou os investigadores. Mecânicos adulteravam aviões para aumentar a autonomia dos aparelhos e ocultavam seus prefixos, numa tentativa de escaparem da fiscalização. Até mesmo um submarino teria sido usado pelos criminosos a fim de levar a droga para a Europa e a África. Nos desdobramentos da ação, a Justiça determinou o sequestro de 13 fazendas e 10 mil cabeças de gado que pertenceriam a membros da organização criminosa.

Para que a ação alcançasse tais resultados, alguns fatores foram fundamentais. Um deles, a cooperação entre os diversos órgãos. A operação reuniu mais de 400 policiais e contou com o apoio da FAB e de instituições internacionais, como a Agência de Combate às Drogas dos EUA (DEA) e a Agência de Inteligência contra Terrorismo do Suriname (CTIU), país que está na rota dos narcotraficantes.

Riscos de uma intervenção militar / The Economist

Usar a força para depor Maduro pode ser perigoso

Em décadas passadas, os Estados Unidos usaram a força para mudar governos na Bacia do Caribe. Hoje, o país procura fugir de guerras, não entrar em mais uma. Mas o presidente Donald Trump vem insistindo em que “todas as opções estão na mesa” para remover do poder o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. E se ele pensar mesmo nisso? Especialistas acham que uma intervenção militar não seria aconselhável, por várias razões. Algumas fontes falaram sob anonimato.

Uma intervenção em grande escala do tipo “choque e pavor” exige um formidável esforço operacional e logístico. A intervenção no Panamá, em 1989, que tirou do poder o narcoditador Manuel Noriega, envolveu mais de 26 mil soldados, a maioria dos quais já estava no país. Terminou rapidamente.

Mas o Panamá é um peixinho. A Venezuela é um país montanhoso que tem o dobro do tamanho do Iraque. Possui grandes cidades. Nessas condições, a alta tecnologia militar dos EUA dá pouca vantagem. Cada um dos supostos objetivos – deter Maduro, instalar um novo governo, organizar eleições e possibilitar a entrada de ajuda externa – exigirá uma complicada operação que envolverá um grande número de forças terrestres.

Não há dúvidas de que a superpotência derrotaria as Forças Armadas venezuelanas, de 130 mil homens. “A capacidade militar da Venezuela seria rapidamente desintegrada”, diz Evan Ellis, do Colégio de Guerra do Exército dos EUA. Mas isso simplesmente levaria a um segundo problema. Um novo governo precisaria do mesmo Exército para manter a ordem.

Embora muitos venezuelanos recebessem bem uma invasão, outros resistiriam. Milhares de membros de gangues e milicianos poderiam criar o caos. “Alguns lutariam por Maduro, outros pela Venezuela, mas muitos mais pegariam em armas para repelir uma invasão ianque”, diz um analista de um centro de estudos ligado ao Pentágono. Francisco Toro, fundador e editor do Caracas Chronicles, um site noticioso independente, adverte para o perigo de se criar “uma Líbia no Caribe”.

Clóvis Rossi: Guaidó recupera pontos perdidos

- Folha de S. Paulo

Nada garante, porém, que líder oposicionista continue com capacidade de mobilizar apoiadores

A notícia não é que Juan Guaidó retornou à Venezuela. A notícia é que Juan Guaidó não foi nem impedido de regressar nem preso ao desembarcar, ao contrário do que se especulava.

Ressalva: não havia sido preso até o meio da tarde desta segunda-feira (4). Com isso e com a (de novo) impressionante maré humana que se mobilizou para recebê-lo, o presidente interino, reconhecido por mais de 50 países, recupera os pontos que parecia ter perdido ao fracassar, no dia 23 de fevereiro, a tentativa de forçar a entrada de ajuda humanitária na Venezuela.

Fracassado o intento, a sensação mais ou menos consensual na mídia internacional —e recolhida também nesta Folha— era a de que Guaidó perderia o ímpeto para continuar na escalada para forçar uma transição para a democracia.

Não perdeu, mas nada garante que continue com a capacidade de mobilizar seus apoiadores. O sociólogo Luis Salamanca chegou a dizer a um “site” oposicionista que Guaidó deveria ajustar a sua estratégia e passar a ensinar a seus apoiadores a “ter a esperança centrada no processo e não em um evento".

Em resposta a FH e Ricupero, Ernesto Araújo ataca ‘tradições inúteis’ e diz que Brasil orientou EUA na Venezuela

Ministro critica 'política de consenso' que orientou política exterior brasileira por décadas

André Duchiade / O Globo

Em um novo artigo em seu blog, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, atacou o que definiu como a “política de consenso” que orientou a política exterior do Brasil nos últimos 25 anos. Segundo ele, esse consenso não passa de um reflexo do consenso antes existente na “base do sistema político, que ameaçou sufocar a nação brasileira com a corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do povo brasileiro”.

O artigo de Araújo é uma resposta a críticas recentes a seu desempenho à frente do Itamaraty feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo embaixador aposentado e historiador da política externa brasileira Rubens Ricupero.

Em artigo publicado no Estado de São Paulo no domingo, FH, ao mesmo tempo em que elogia setores do governo ligados aos militares e ao mercado, ataca um “componente marcadamente ideológico, de raiz metafísica, exemplar no chanceler Ernesto Araújo, que desafia abertamente as tradições da política externa brasileira em suas concepções de soberania”.

Já Ricupero , em uma contundente palestra na semana passada no instituto de políticas econômicas liberais Casa das Garças, no Rio de Janeiro, disse que dois meses bastaram para entender que, no Itamaraty de Araújo, o principal mandamento é a subordinação a Washington — “um amo insaciável e intratável, que exige adesão total e sem reservas”.

Em réplica à crítica de que seu governo é submisso a Washington a ponto de contrariar a soberania e o interesse nacional, Araújo afirmou que, segundo o “confidenciou pessoalmente uma grande liderança democrática venezuelana, foram as iniciativas do Brasil que mudaram o jogo e mobilizaram os próprios Estados Unidos a romperem a inércia em que se encontravam até o início de janeiro e a virem colocar seu peso político em favor da transição democrática. Não foi o Brasil que seguiu os EUA, mas antes o contrário”.

Araújo respondeu que “enquanto Rubens Ricupero e Fernando Henrique Cardoso escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice”, ele próprio abraçava “ Juan Guaidó, esse líder destemido que, sob risco de vida, corporifica o sonho de uma nova Venezuela”.

“O ‘consenso’ na política externa, com sua ‘maturidade’ e ‘equilíbrio’, permitiu ao longo desse período a subida de Chávez na Venezuela, o predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul concebida como um bloco socialista, a consolidação de Chávez e Maduro no poder, a corrosão progressiva de todos os elementos do Estado Democrático de Direito naquele país”, acrescentou Araújo, que em seu discurso de posse defendeu a parceria do Brasil com países como a Hungria, onde, segundo a União Europeia, o Estado de Direito está ameaçado.

Diplomata é demitido após publicar críticas a Araújo

Presidente do instituto de pesquisas do Itamaraty reproduziu em blog textos de Ricupero e FH, que foram rebatidos por ministro

Carolina Brígido e André Duchiade / O Globo

O embaixador Paulo Roberto de Almeida foi demitido ontem do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores, que ocupava desde agosto de 2016. Nos dias anteriores, Almeida publicara em seu blog pessoal textos críticos ao chanceler Ernesto Araújo de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do e x-ministro e embaixador aposentado Rubens Ricupero.

A assessoria de imprensa do Itamaraty confirmou a demissão. Disse que a troca no comando do órgão já tinha sido acertada anteriormente, e não teve qualquer ligação com as publicações no blog. “A troca da presidência do Ipri, no contexto da troca da grande maioria das chefias do MRE, já estava decidida e foi comunicada ao atual titular”, diz nota do ministério.

Desde 2006, Paulo Roberto de Almeida mantém um blog sobre política interna e externa. Crítico ferrenho dos governos do PT, Almeida, que se identifica como um liberal, tem criticado setores do governo Bolsonaro ideologicamente próximos a Olavo de Carvalho, que chamou de “personalidade bizarra totalmente inepta em matéria de relações internacionais”.

“Aparentemente, esse mesmo blog que me serviu como quilombo de resistência durante os anos do lulopetismo diplomático abriu a justificativa, agora, para a minha exoneração”, escreveu Almeida em nota sobre a demissão. No texto, ele lembra que, “convidando a um debate sobre a diplomacia corrente”, também reproduziu em seu blog o artigo que o chanceler Araújo publicou na noite de domingo respondendo às críticas de FH e Ricupero. Na sua resposta a Ricupero e FH, publicada em seu blog pessoal, Araújo qualificou os dois de representantes de uma “tradição inútil” que orientou apolítica externado Brasil nos últimos 25 anos. Ele comparou o consenso sobre a diplomacia anterior ao governo Bolso na roa o consenso que havia no sistema político e que “ameaçou sufocara nação brasileira coma corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do povo brasileiro”.

Em seu artigo, publicado no domingo no jornal O Estado de São Paulo, FH atacara um “componente marcadamente ideológico” no atual governo, “de raiz metafísica, exemplar no chanceler Ernesto Araújo, que desafia abertamente as tradições da política externa brasileira em suas concepções de soberania”. Já Ricupero, em palestra na semana passada no instituto de política seco nô micas liberais Casa das Garças, dissera que no Itamaraty de Araújo o manda men toé a subordinação a Washington, num apolítica que desconhece os limites “da decência, da soberania e do patriotismo”.

Ricupero criticou várias iniciativas diplomáticas do atual governo, como o anúncio da mudança da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e ai deia, cogitada por Bolson aro e Araújo, de instalação de uma base militar dos EUA no Brasil. Em sua réplica, porém, Araújo se concentrou na Venezuela. Disse, citando “uma grande liderança democrática venezuelana”, que foram as iniciativas do Brasil, e não dos EUA, que mudaram o jogo elevaram Washington a “romper a inércia” em relação ao país vizinho, jogando “seu peso político em favor da transição democrática”

Embaixador exonerado aponta 'quebra de procedimento' no Itamaraty

Paulo Roberto de Almeida publicou textos críticos a Ernesto Araújo nas redes sociais; para diplomata, ministro é um 'júnior' na carreira

Camila Turtelli / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O embaixador Paulo Roberto de Almeida, exonerado do cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), nesta segunda-feira, 4, afirmou ao Estadão/Broadcast que sua saída aconteceu devido ao seu “espírito libertário”, expresso principalmente em suas redes sociais.

Almeida disse que já estava esperando a atitude do Itamaraty e critica a atuação do novo governo frente à Casa. “Os embaixadores estão obedecendo a ministros de segunda classe no Itamaraty. E todas as secretarias são ocupadas por funcionários juniores, ou menos antigos dos que estavam antes”, afirmou Almeida, que é diplomata de carreira desde 1977 e já serviu em diversos postos no exterior, inclusive na Bélgica.

Em relação ao chanceler Ernesto Araújo, diz que os próprios militares que integram o governo já demonstraram incômodo com algumas de suas posturas. “Os militares parecem também terem visto isso e adotaram uma espécie de ‘cordão sanitário’ ao redor do chanceler”, afirmou.

• Como foi que o senhor ficou sabendo da sua exoneração?

Recebi um telefonema do Chefe de Gabinete do Ministro de Estado (Pedro Gustavo Ventura Wollny) reclamando das minhas postagens no meu blog pessoal. Realmente, coloquei aquela palestra do (Rubens) Ricupero na segunda-feira passada, coloquei o artigo do Fernando Henrique Cardoso, no domingo, e o próprio artigo do chanceler (Ernesto Araújo) à noite. E claro, teci comentários.

• Há também outras postagens, anteriores a estas, que são críticas...

Sim, eu sou um espírito libertário, enfim, acredito que posso debater tudo. Enfim, eles ficaram irritados e ele (Wollny) me telefonou para dizer que não era saudável.

Ernesto Araújo ataca FHC e diz que Brasil guiou EUA na crise da Venezuela

Em blog, chanceler diz que ex-presidente desprezava povo brasileiro e critica tradição diplomática

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Em artigo publicado em seu blog, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ataca Fernando Henrique Cardoso por suas declarações sobre a crise na Venezuela, dizendo que o ex-presidente defende “tradições inúteis de retórica vazia” e que ele “abertamente desprezava” o povo brasileiro e os eleitores de direita.

No texto, intitulado Contra o consenso da inação, Araújo também afirma que foi o Brasil que guiou os EUA nas decisões tomadas recentemente em relação ao país vizinho, e não o contrário.

Na última quinta-feira (28), FHC havia postado em seu Twitter que “novas eleições livres são o caminho para o futuro democrático na Venezuela” e que “intervenções militares não conduzem à democracia”.

Araújo criticou FHC, dizendo que ele usa “o mais surrado dos artifícios retóricos” ao criar “uma falsa dicotomia” entre consenso e intervenção armada no país vizinho. “Ao contrário de FHC, eu acredito na diplomacia, porque acredito na força da palavra e do espírito humano para mudar a realidade, porque não sou cínico nem materialista, porque acredito no povo brasileiro, esse povo dos “grotões” que FHC abertamente desprezava (assim como desprezava e despreza os eleitores de direita que o fizeram presidente duas vezes)”, escreveu.

No texto, o chanceler Araújo critica a tradição da política externa brasileira nos últimos 25 anos, baseada no “consenso” —que ele qualifica de “infame”— e dizendo que ela permitiu a consolidação de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro no poder na Venezuela, a entrada do país no Mercosul e o “predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul concebida como um bloco socialista”.

“Insistir agora em que esse consenso continue a prevalecer na esfera da política externa, por temor e preguiça, sob o pretexto de ‘manter as tradições’, seria trair o povo brasileiro”, escreveu.

Prática assumida por Queiroz gerou ação contra deputada do PSOL no Rio

Ministério Público questionou divisão de remuneração similar à justificativa dada por ex-assessor de Flávio Bolsonaro

Italo Nogueira / Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - A "desconcentração de remuneração" reconhecida por Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), foi uma das razões para uma denúncia e uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra a ex-deputada Janira Rocha (PSOL) em 2015.

Janira responde na Justiça sob a acusação de concussão —exigir vantagem indevida para si ou para outra pessoa— e improbidade administrativa e teve os bens bloqueados.

Queiroz afirmou em petição ao Ministério Público do Rio que recolhia parte dos salários de servidores de Flávio para remunerar outras pessoas que trabalhavam informalmente para o gabinete do filho de Jair Bolsonaro. De acordo com ele, a prática era adotada sem conhecimento do então deputado estadual —que assumiu em 2019 como senador.

Esse foi um dos motivos da ação civil pública contra Janira e a razão para que Christiane Neves e Maria Beatriz Rios também se tornassem rés no processo. De acordo com a Promotoria, as duas "participavam do esquema que envolvia pagamentos a funcionários que não ocupavam efetivamente cargos no gabinete de Janira". A primeira era nomeada e a segunda, uma funcionária extraoficial.

A denúncia criminal também aponta as mesmas ilegalidades. O Ministério Público do Rio considerou a prática um desvio de finalidade da verba pública.

Novatos já adotam a velha política nas negociações da reforma da Previdência

Chegada de PEC à Câmara expõe apetite de parlamentares por indicações, verbas e prestígio

Thais Bilenky, Angela Boldrini / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A chegada da reforma da Previdência à Câmara escancarou a incompatibilidade entre teoria e prática de parte da bancada dos deputados federais novatos.

Apesar do discurso contra a velha política, o toma lá dá cá e outros clichês, parlamentares em primeiro mandato têm mostrado apetite por cargos, repasses e jeitinhos que criticavam na campanha eleitoral.

A discussão sobre as novas regras para aposentadorias e pensões tem aumentado a pressão sobre o Executivo e tornado explícita a voracidade dos parlamentares, principalmente daqueles com passagens pelos Legislativos estaduais e municipais.

A onda bolsonarista impulsionou uma renovação de 47% da Câmara, a maior desde a Assembleia Constituinte, em 1986. O novo ambiente foi recebido com otimismo para a aprovação de pautas como a reforma da Previdência.

Embora também tenha emplacado na campanha um discurso de que iria acabar com as indicações políticas para cargos públicos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi obrigado a ceder já na largada.

Uma planilha de cargos federais de segundo e terceiro escalões distribuída entre os congressistas foi rebatizada de banco de talentos logo que a reforma da Previdência chegou ao Congresso.

Por se tratar de PEC (Proposta de Emenda à Constituição), a reforma da Previdência precisa de apoio político expressivo, e Bolsonaro ainda aglutina sua base. São necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.

O banco de talentos mostra que o governo está disposto a atender o pleito dos novatos em troca da aprovação da reforma da Previdência.

A medida foi ironizada até por aliados, como o senador Major Olímpio (PSL-SP).

Segundo ele, “tucanaram o apadrinhamento”.

Os novatos com experiências regionais chegam com vícios. Mais da metade dos 243 estreantes tinha mandato. A maioria era deputados estaduais (69) e vereadores (55), segundo levantamento da Câmara.

Recomeçou o jogo: eleições municipais

Pelo menos 12 partidos estudam candidaturas às prefeituras de Rio e São Paulo em 2020

Fernanda Krakovics e Silvia Amorim / O Globo

RIO E SÃO PAULO – A mais de um ano e meio das eleições, partidos e políticos já deram a largada nas articulações de olho nas prefeituras do Rio e de São Paulo. Nas duas cidades, ao menos 12 legendas planejam concorrer, entre elas o PSL do presidente Jair Bolsonaro.

Até o momento, pelo menos sete nomes pretendem entrar na disputa contra o prefeito Marcelo Crivella (PRB), que concorrerá à reeleição. Como não serão mais permitidas coligações proporcionais, a tendência é que os partidos lancem nomes para a prefeitura como forma de puxar vereadores. Assim, o leque de candidatos deve ser ainda mais amplo.

Em São Paulo, candidaturas do campo conservador, antes restritas ao malufismo, ressurgem. No PSL, os deputados federais Joice Hasselmann e Eduardo Bolsonaro, além da deputada estadual Janaina Paschoal, podem entrar na disputa. E o prefeito Bruno Covas (PSDB) tentará a reeleição.

Um fator considerado decisivo por lideranças políticas do Rio para a definição do cenário eleitoral é como estará a popularidade tanto de Bolsonaro quanto do governador Wilson Witzel (PSC). Em princípio, a família do presidente não deve apoiar ninguém, assim como fez nas eleições para governador do ano passado.

— Ele (Bolsonaro) não aceita alguém ser candidato porque a prefeitura está um lixo só. Ele foi contra inclusive a candidatura do Flávio (Bolsonaro, em 2016), tanto que nem fez campanha — disse uma pessoa próxima do presidente.

AINDA NO INÍCIO
No PSL, partido de Bolsonaro, o deputado estadual Rodrigo Amorim está cotado para a disputa. Mais votado para a Assembleia Legislativa no ano passado, Amorim quebrou uma placa com o nome de Marielle Franco durante a campanha. Depois de tomar posse, emoldurou fragmento da placa e a pendurou em seu gabinete, como espécie de troféu. A vereadora do PSOL foi assassinada a tiros em março de 2018, junto com o motorista Anderson Gomes.

Em outra frente, o secretário de Educação de Witzel, Pedro Fernandes, atualmente sem partido, também é cotado. Sem espaço no MDB para disputar o governo do estado no ano passado, ele deixou o partido e se filiou ao PDT. No segundo turno, contrariando seu novo partido, Pedro apoiou Witzel e deixou a sigla.

Já o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), que perdeu as duas últimas eleições — em 2018, pessoalmente, para governador,eem2016,comPedro Paulo para a prefeitura — tem dito a aliados que não vai concorrer. O ex-prefeito voltou a trabalhar na iniciativa privada e tem dito que não quer ser candidato. Seus aliados, contudo, tentam convencê-lo do contrário. Paes foi acusado de receber caixa dois em delações de ex-funcionários das empreiteiras OAS, Odebrecht e do marqueteiro Renato Pereira, que trabalhou em suas campanhas. O ex-prefeito nega.

O MDB, que na eleição para governador apoiou Paes, diz que ainda não definiu o caminho a seguir em 2020.

—Precisamos aguardar para ver como os governos (estadual e federal) vão se desenrolar. — disse o presidente estadual do MDB, Leonardo Picciani.

Outro nome que deve estar presente na disputa mais uma vez é o de Indio da Costa (PSD). Ex-funcionários da OAS disseram, em delação premiada, ter repassado R$ 1 milhão para a campanha de Indio em 2010. Naquela eleição, o então deputado federal foi vice na chapa de José Serra (PSDB) à Presidência. Indio disse desconhecer os pagamentos citados pela OAS.

Na esquerda, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) deve disputar mais uma vez.

—Existe forte possibilidade da minha candidatura. Vamos fazer de tudo para ter um amplo campo progressista de apoio e construção. Mas as instâncias partidárias precisam ser respeitadas —disse Freixo.

Embora o deputado diga que o PSOL ainda não bateu o martelo em relação à sua candidatura, o presidente estadual do PT, Washington Quaquá, já disse que seu partido pretende apoiá-lo:

—Tem uma chance razoavelmente grande de apoiarmos o Freixo, que é o nome com maior densidade. Mas vamos buscar a ampliação da aliança, com PCdoB, PSB e PDT —disse Quaquá.

O PDT, no entanto, já aprovou a indicação de sua líder na Assembleia Legislativa (Alerj), deputada Martha Rocha, para concorrer.

—O nome dela é unanimidade e a capital é prioridade — diz o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.

Também devem concorrer os deputados Alessandro Molon (PSB) e Marcelo Calero (PPS).

Almir Rouche: Hino do Elefante de Olinda; Hino da Pitombeira de Olinda

João Cabral de Melo Neto: Questão de Pontuação

Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.