Os 20 milhões de votos que a ex-senadora Marina Silva obteve no primeiro turno das eleições presidenciais do ano passado poderão ser canalizados para um movimento que gestará a formação de um partido alternativo ao Partido Verde com vistas à eleição presidencial de 2014.
A ideia que está sendo amadurecida é lançar um movimento cujo conceito seria baseado em duas palavras: "verde" e "cidadania".
Um movimento político que consiga criar uma capilaridade pelo país todo, com a utilização "intensa e audaciosa" dos novos instrumentos de relacionamento social da internet como o Facebook e o Twitter, inclusive como forma de tomada de decisão com a audiência dos militantes, consolidando uma maneira radical de democracia.
Essa "democracia direta" foi proposta à atual direção nacional do PV, mas a maneira centralizada como o partido está organizado favorece a que ele seja dirigido de forma a reduzir, e não a ampliar, a participação de seus filiados.
Na Câmara existiriam cerca de 20 deputados que estariam dispostos a aderir a um novo partido capitaneado por Marina Silva, mas o entendimento é de que não há tempo hábil para registrar um partido para disputar as eleições municipais de 2012.
Tentar fazer um partido novo de afogadilho poria o risco de ele ter os mesmos problemas que hoje justificam a dissidência dos "marineiros".
Depois das eleições de 2012, o grupo de Marina analisará se há possibilidade de mudança do PV, ou se esse movimento dissidente deve criar seu próprio partido com vistas a 2014.
O movimento será constituído por pessoas que sairão do PV, outras que ficarão no partido, pessoas de outros partidos que comungam ideias semelhantes e mesmo cidadãos sem partido, que buscam uma alternativa nova à maneira de fazer política dos partidos atuais.
O movimento vai apoiar o PV onde de fato ele for "verde" e, em outros lugares, vai apoiar candidatos de outros partidos.
Na análise do grupo de Marina, os problemas detectados não são peculiares ao PV, mas resultantes de uma política que é engendrada pelo sistema eleitoral, pelo clientelismo.
Tudo indica que esteja se aproximando um desenlace da crise, provavelmente na próxima semana, mas os seguidores de Marina não querem repetir as divisões tradicionais dos partidos de esquerda, com grupos falando mal dos outros.
Na definição deles, o que existe é uma imensa energia na disputa interna que precisa ser liberada, criando um movimento na sociedade.
Se não houver o acatamento das condições mínimas exigidas, a tendência é abrir a dissidência. Ao mesmo tempo em que querem dar mais algum prazo para ver se "um mínimo de lucidez se abre na cabeça do Penna e de alguns dirigentes", ainda há consultas e reuniões a fazer, um trabalho de preparação do novo movimento, e estudos jurídicos em relação a quem tem mandato, como o deputado federal Alfredo Sirkis.
Ele gostaria de sair para firmar sua posição de solidariedade a Marina, mas ainda estuda os aspectos jurídicos da questão para não correr o risco de perder o mandato. Fernando Gabeira ficou uma época sem partido, e é possível que Sirkis faça o mesmo se a legislação permitir.
O que está acertado é que uma parte vai sair para claramente afirmar a existência de uma dissidência, até como solidariedade a Marina, porque o tratamento que foi dado a ela pela burocracia dominante no PV é considerado "ignóbil".
Quando ela chegou para o PV, definiu que não poderiam continuar existindo executivas provisórias, formadas pela direção nacional em processo de cooptação, teria que haver um processo democrático, com eleições para a escolha de seus diretórios em todos os níveis, desde a base municipal até a nacional.
Depois das eleições, quando Marina obteve 20 milhões de votos, a Executiva Nacional passou cinco meses sem se reunir, como se quisesse esfriar o movimento que levou o Partido Verde a ter esses milhões de votos.
Na primeira reunião que fez, surgiu a proposta de prorrogar o mandato de José Luiz Penna, que já está na presidência há 11 anos e tem uma maioria clientelista no PV.
Essa estratégia de manter as executivas regionais como "comissões provisórias" é uma maneira de controlar as bases partidárias com pessoas da confiança da direção nacional, que podem perder esse poder local com uma intervenção da Executiva Nacional.
A manobra para manter Penna na presidência foi considerada "uma espécie de tocaia" que fizeram para o grupo de Marina, que é minoritário dentro da estrutura burocrática do partido.
O grupo de Marina sentiu-se traído na medida em que não conseguiu impor ao PV uma nova forma de fazer política.
O que está acontecendo no momento é um embate entre os integrantes da estrutura atual do PV e os que querem mudá-la, abrir o partido para a sociedade.
Há ainda divergências conceituais sobre o movimento ecológico e divergências políticas com setores específicos do partido em Rondônia, Amazonas, Mato Grosso e Distrito Federal, que controlam a sigla e não querem que pessoas mais representativas, ligadas a movimentos ecológicos, cheguem aos postos de comando, para continuarem a fazer acordos políticos até mesmo com forças antagônicas ao movimento ecológico.
Em Brasília, por exemplo, o comandante do PV é um amigo do Penna, e, embora Marina Silva tenha ganhado a eleição presidencial lá, as pessoas ligadas a ela são boicotadas, não são chamadas para as reuniões.
Há comunidades no Facebook "Fora Marina". Na semana passada, a assessora jurídica da Executiva Nacional, Vera Mota, de confiança do presidente Luiz Felipe Penna, deu uma declaração dizendo que Marina tinha que ser processada por haver criticado os dirigentes do partido. E em nenhum momento Vera foi desautorizada pelo partido.
Nada avançou, portanto, no sentido de reformular a estrutura partidária. Ao contrário, há uma atitude de hostilidade a Marina, como se a estrutura atual tivesse ficado com medo dos 20 milhões de votos que ela teve.
FONTE: O GLOBO