Os resultados das eleições municipais foram animadores para o projeto
presidencial de Eduardo Campos. O partido do governador de Pernambuco, o PSB,
foi o que mais amealhou capitais: cinco. Quatro delas em confronto direto com o
PT, de quem é aliado nacional histórico. Nas três maiores, Belo Horizonte,
Recife e Fortaleza, o rompimento foi traumático.
Engordado com as vitórias, e ciente das estocadas que deu nos petistas,
Campos trata agora de fazer a distensão. Diz não querer ampliar seu quinhão no
governo federal e teria baixado ordem unida para que seus correligionários não
reivindiquem cargos em ministérios ou estatais. A decisão mostra a segurança de
quem vai acumulando as fichas e pretende trocá-las ou usá-las na hora certa.
Seu cacife já cresceu e o mercado sabe o preço.
A medida mostra também uma estratégia cara ao governador. Eduardo Campos é
neto de Miguel Arraes (1916-2005), mas parece se guiar pela máxima atribuída ao
velho Ulisses Guimarães (1916-1992): o político não deve se aproximar tanto que
não possa se afastar, nem se afastar tanto que nunca possa se aproximar.
Maior laboratório da quebra da polarização PT-PSDB deu errado
Deriva desta visão de mundo seu comportamento baseado no jogo de "morde
e assopra". Dobrou a direção estadual de seu partido em São Paulo para
apoiar Fernando Haddad, e sentiu-se livre para atacar longe do QG paulista do
PT, em territórios que considera domínios seus.
O flerte com a oposição segue o mesmo roteiro: abraçou Aécio Neves em Belo
Horizonte, mas fez um duelo de padrinhos em São Luís, onde o prefeito tucano
João Castelo, apoiado pelo senador mineiro, perdeu para seu candidato, o
deputado federal Edivaldo Holanda Júnior (PTC).
No segundo turno, o PSB conseguiu o que tanto queria: desceu do Nordeste e
marchou mais fortemente no Sudeste, ao conquistar cidades polos, como
Petrópolis e Duque de Caxias, no Rio, e Campinas, em São Paulo. Nesta última,
houve outra vitória sobre o PT - o que ocorreu também indiretamente no
município da Baixada Fluminense. Em troca do apoio a Haddad, Campos bateu pé e
fez a cúpula petista intervir para apoiar seu candidato, Alexandre Cardoso, que
controlará a prefeitura com a segunda maior arrecadação do Estado do Rio.
O PSB também teve reveses. Perdeu uma cidade importante, Curitiba, no único
caso de prefeito de capital derrotado já no primeiro turno. E, em São Vicente
(SP), caiu a longa hegemonia do deputado federal Márcio França, que durava
quatro mandatos, com a derrota surpreendente de seu filho.
O partido, no entanto, foi o que mais cresceu, 42%, no número de prefeituras
(pulando da nona para a sexta posição); e saltou de oitavo para quarto lugar no
ranking de dois critérios mais relevantes: o total de eleitores (de 5,9% para
11,05%) e de receitas que comandará - de 5,4% para 11,12%. O orçamento ainda é
a metade do líder PT, que terá à disposição 22,75%, mas é praticamente o mesmo
dos tucanos, com 12,48% da receita total das prefeituras.
É verdade que o impacto da eleição municipal sobre a presidencial é
limitado. O efeito mais direto do crescimento de prefeitos e vereadores é
aumentar as bancadas de deputados federais e estaduais. É este o próximo passo
que o PSB deve cumprir. Sua vocação majoritária está dada. Já elegeu o maior
número de governadores, em 2010, o de prefeitos de capitais, agora, mas ainda
carece de força congressual. Conta com apenas 32 parlamentares (6,2%, sétimo)
na Câmara e quatro senadores (5%, apenas o nono).
A lógica é que a colheita de prefeitos deste ano aumente a força parlamentar
do PSB em 2014. Mas como Eduardo Campos tem pressa surge daí sua necessidade de
utilizar o PSD como prótese e criar um bloco parlamentar para influenciar a
eleição das novas Mesa Diretoras, em 2013.
Com isso, o governador de Pernambuco se move no tabuleiro para realizar seu
grande sonho: quebrar a polarização entre o PT e o PSDB. Muitos resultados
saídos das urnas podem lhe ser favoráveis. Foi a eleição marcada pela
instabilidade dos humores do eleitorado, pelas reviravoltas e pelo clima de
mudança. Nunca a fragmentação partidária foi tão alta e em poucas vezes os
mandatários foram tão rejeitados. A taxa de reeleição geral foi de 55% e nas
capitais, ainda menos, 50%. Em apenas cinco de 26 capitais haverá governos de
continuidade.
No entanto, o maior laboratório da quebra de polarização entre tucanos e
petistas deu errado. A derrota de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo foi água
fria na fervura do projeto de Campos. Não é pouco, já que a experiência na
capital paulista era vista por parte da classe política como sinal dos tempos e
um estímulo a novas possibilidades na corrida presidencial. Caso se
aconselhasse com o ex-deputado federal, o governador provavelmente ouviria de
Russomanno: "Lição número 1: não crie uma popularidade artificial, como se
fosse uma bolha. Lição 2: amplie o número de aliados e aumente o seu tempo de
TV, ele talvez não seja tão essencial para subir, mas será crucial para
responder aos ataques. Lição 3: não despreze tanto os partidos, com um projeto
personalista. Lição 4: não parece, mas o Brasil é um país sério. Faça um bom programa
de governo".
Eduardo Campos, claro, não é Russomanno. Tem se articulado com muito mais
esperteza e parece conhecer o caminho das pedras. Prova disso é seu esforço de
construção partidária - embora sinalize que poderá lançar mão da tradicional
"solução pelo alto": a busca pelo apoio do empresariado.
A dúvida cruel de Eduardo Campos é se arranca por dentro ou por fora da base
governista. Por um lado, ser um bom menino em 2014 e imaginar que o PT lhe dará
espaço em 2018, tende a ser ilusão. Por outro, cerrar fileira na oposição é
competir com o PSDB, que já se estabeleceu como a verdadeira alternativa. Seu
desafio é não repetir o mesmo destino de Marinas, Heloisas e Garotinhos -
terceiras vias efêmeras e que se esvaíram.
Mais do que qualquer coisa, tudo dependerá da avaliação do governo de
plantão. Foi isso que fez Lula emplacar Haddad em São Paulo e não em diversas
outras cidades, como Recife, Fortaleza e Belo Horizonte.
Se Dilma se transformar em um Kassab, será meio caminho andado para Campos.
Mas ainda assim terá o bico de um tucano a atrapalhar o seu voo.
Fonte: Valor Econômico