Por Manuel Carvalho do Jornal Público, de
Portugal / O Globo
O imortal, cientista político e historiador
diz que não há nada a celebrar nos 200 anos da Independência e reflete sobre as
causas das desigualdades no Brasil
Ocupante da cadeira nº 5 da Academia
Brasileira de Letras, cientista político, historiador consagrado com passagem
por instituições americanas e europeias, pós-doutor pela Universidade de
Stanford, José Murilo de Carvalho, de 83 anos, conversou com o jornal Público,
de Portugal, na sede da ABL, no Rio, em entrevista marcada pelo desencanto com
o Brasil atual. “Talvez seja a minha idade”, afirma ele, que coordena a série
“200 anos de Brasil na ABL”.
Seguem abaixo os principais trechos da
conversa, editados pelo GLOBO dentro da série de reportagens 200+20, que busca
expandir os limites da efeméride histórica e oferecer aos leitores reflexões
sobre o Brasil mirando seu futuro.
O Brasil parece estar completamente abstraído
do Bicentenário da Independência. Como explicar esse alheamento?
A celebração dos 200 anos da chegada da
Corte ao Brasil, em 2008, foi quase nacional. O governo, à época, assumiu a
liderança, o de hoje não se esforça muito. O ambiente do país, por sua vez, não
está pra celebrações.
Era de se esperar que um governo de direita,
mais apegado aos ideais nacionalistas, tivesse apostado mais na data, não?
Certamente. O presidente Jair Bolsonaro é
de direita, mas é um bronco, totalmente inculto. Não tem nenhuma sensibilidade
pra estas coisas, não dá valor.
O Brasil vive um ambiente de desistência
cívica?
Há uma sensação de fracasso. Não temos como
nos transformar numa grande potência. Como disse José Bonifácio, o sonho da
Independência foi que, pelo tamanho e pela população, tínhamos condições de nos
transformar num “grande império”. Mas quem conseguiu? A China. Qual país vindo
da tradição portuguesa ou espanhola teve êxito? Isso faz com que comecemos a
perguntar: o que deu errado?