sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Fernando Abrucio* - O radicalismo vai vencer o jogo político?

Valor Econômico

O cenário se modificou nos últimos anos, com a ascensão da lógica da guerra permanente

O radicalismo tornou-se um dos maiores desafios da política contemporânea. Esse modelo privilegia o confronto e a polarização em vez da negociação e do compromisso. Por muitas vezes ele esteve presente e forte na História, mas a chamada terceira onda de democratização, iniciada com a Revolução dos Cravos em Portugal (1974), e o fim da Guerra Fria inauguraram uma breve era em que havia sempre a esperança da vitória dos acordos e do diálogo nos planos nacional e internacional, mesmo quando os conflitos permaneciam. O cenário se modificou nos últimos anos, com a ascensão da lógica da guerra permanente, que conquista cada vez mais corações e mentes, votos e armas.

A chamada pax americana não foi, evidentemente, um mundo róseo ou o fim da História. Houve guerras nos Bálcãs e no Iraque, vários atentados terroristas, o 11 de Setembro, a invasão do Afeganistão, algumas crises econômicas internacionais, a derrota da paz em Israel e a manutenção de importantes regimes autoritários, como a China ou a Arábia Saudita. Mesmo assim, havia dois fatores distintivos do período: a força de lideranças democráticas em várias partes do mundo, capazes de estabelecer algum nível de diálogo nacional e internacional, e uma maior cooperação entre potências globais e regionais, permitindo a entrada da China na Organização Mundial do Comércio e a ascensão dos Brics.

José de Souza Martins* - O ‘Livrinho’ de 1988 e o STF

Valor Econômico

Se for aprovada no Congresso a proposta de tornar os mandatos do STF temporários, o Judiciário pode se tornar departamento do Legislativo

O “Livrinho” de 1988, nome que o presidente Gaspar Dutra dera à Constituição de 1946, acaba de completar 35 anos de promulgação e vigência. Especialmente como instrumento de resistência contra a tentação de ditadura própria da boçalidade das minorias formadas na tradição dos feitores de senzala e dos capitães do mato que deixaram entre nós sua persistente cultura autoritária.

Infelizmente, nem o “Livrinho” escapou dos truques e das armadilhas da voracidade de poder dos que ainda não compreenderam que na democracia a categoria que governa é o povo, a entidade política abstrata cuja identidade e cuja função se definem na Constituição.

No entanto, um item de concepção subversiva do poder está lá. É no artigo 142 que, supostamente, mas não de fato, dá às Forças Armadas a função de tutelar a sociedade e o povo em vez de colocá-las sob a indiscutível tutela da Constituição, mesmo nas crises.

César Felício - Terror do Hamas acua esquerda no Brasil

Valor Econômico

Barbárie do Hamas dificulta o discurso pacifista que está na raiz da tradicional postura diplomática brasileira

A dificuldade em distinguir a causa palestina da condenação clara ao terrorismo do Hamas acua a esquerda nas redes sociais e na opinião pública. Do ponto de vista político, essa é a principal consequência doméstica da barbárie desencadeada pelos extremistas palestinos em Israel em 7 de outubro, estopim de uma guerra com desdobramentos ainda imprevisíveis.

Para ficar nas manifestações oficiais: o PT lamentou “a escalada de violência envolvendo palestinos e israelenses”. O PCdoB disse condenar “os ataques realizados por determinação do premier de Israel, Benyamin Netanyahu, contra a Palestina, como resposta ao contra-ataque organizado pelo Hamas”. O Psol deplorou “o apartheid sionista de Israel que vem empobrecendo o povo palestino”. O Rede disse condenar o terrorismo e o fundamentalismo de Netanyahu e do Hamas. O PDT não se manifestou. O PSB é a exceção, com o presidente da sigla, Carlos Siqueira se solidarizando com Israel em postagem nas redes. Salvo Siqueira, não se fez diferenciação entre culpados e vítimas.

Claudia Safatle - Efeito da guerra é incerto, mas dever de casa é obrigação

Valor Econômico

É importante prestar atenção na fala do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que disse que “a barra subiu para todos”

É cedo para se ter uma noção da dimensão dos impactos sobre a economia brasileira da guerra entre Israel e o Hamas. Não há clareza sobre os rumos dos preços do petróleo, que podem pressionar a inflação no país, colocando freios na redução da taxa de juros. Tudo vai depender da extensão desse conflito. Ele terá ou não a participação do Irã e da Arábia Saudita?

São vários senões que desde o último sábado nos deixam com os olhos pregados na televisão. Síria e Líbano, o que vão fazer? É impossível não se pensar no destino dos 2 milhões de palestinos que vivem na Faixa de Gaza sem energia, sem água e sem alimentos, todos cortados por Israel depois do ataque insano cometido pelo Hamas. E as crianças de Israel? Há vídeos terríveis circulando na internet que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, comentou sobre as atrocidades cometidas pelo Hamas.

Luiz Carlos Azedo - Gaza, Einstein e Freud quando quase todos perdem a razão

Correio Braziliense

Metade da população da Faixa de Gaza tem menos de 17 anos, qual será o futuro das crianças e dos jovens que sobreviverem à nova tragédia palestina?

Como acontece em toda guerra, são inevitáveis as comparações. No caso do brutal ataque de surpresa do Hamas a Israel, a comparação com o ataque da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, em Nova York, no 11 de setembro de 2001, serve de argumento para o apoio incondicional dos Estados Unidos à implacável retaliação do Exército de Israel à Faixa de Gaza, onde a maioria das vítimas são crianças, mulheres e idosos, como também aconteceu no ataque de surpresa do Hamas ao território israelense.

Estou entre os que preferem comparar o ataque do Hamas à ofensiva do Tet Lunar (ano novo) dos vietcongues e do Exército do Vietnã do Norte, que surpreendeu o Exército dos Estados Unidos em 30 de janeiro de 1968. Durante sete dias, os guerrilheiros comunistas ocuparam Saigon. A ofensiva foi um desastre militar, não provocou um levante popular nem destruiu o Exército do Vietnã do Sul. Mas teve um efeito devastador na opinião pública dos Estados Unidos e mundial, decidindo o destino da guerra.

Hélio Schwartsman - Intenções e efeitos

Folha de S. Paulo

Há diferença moral entre mortos pelo Hamas e pelas forças israelenses?

Qual a diferença moral entre os israelenses mortos pelo Hamas e os palestinos vitimados pelos bombardeios de Tel Aviv? Para quem morreu, nenhuma, mas, para os que ficaram, as circunstâncias das mortes importam. O fator mais saliente é a intenção. A sociedade não pune da mesma forma o motorista imprudente que atropela um pedestre e o assassino frio que envenena seu inimigo. Ainda que o resultado objetivo seja o mesmo em ambos os casos —a morte das vítimas—, o segundo tende a receber uma condenação muito mais gravosa.

Intenções, porém, são um negócio complicado. Consideramos permissível o ato do médico que dá altas doses de morfina para tratar a dor de um paciente terminal mesmo sabendo que a droga poderá provocar parada respiratória e óbito. Na literatura, a distinção entre objetivos explícitos e resultados antevistos mas não desejados leva o nome de doutrina do duplo efeito (DDE).

Bruno Boghossian - Diplomacia controlada

Folha de S. Paulo

Foco em repatriação e apelos humanitários reduzem controvérsias enquanto diplomacia afina posição

A agilidade na repatriação de brasileiros se tornou uma ferramenta importante para Lula num ponto crítico do conflito entre Israel e o Hamas. Com a retirada, o governo pôde celebrar o sucesso de uma ação incontroversa enquanto afina posições, envia mensagens externas e se desvia de armadilhas domésticas.

diplomacia brasileira fez uma opção tática para atravessar a fase inicial da guerra sem comprometer posições históricas ou a cautela exigida do país durante a presidência do Conselho de Segurança da ONU. O caminho escolhido foi a modulação de declarações públicas, o foco em ações operacionais e um apelo vocal à questão humanitária.

Marcos Augusto Gonçalves - Caetano viu paz frágil e ilusória em visita a Israel

Folha de S. Paulo

Em texto para a Folha, de 2015, compositor falou do radicalismo dos dois lados

Em 2015, após apelos de Roger Waters, ex-líder do Pink Floyd, e do bispo sul-africano (e Nobel da Paz) Desmond Tutu, para que cancelassem shows em IsraelCaetano Veloso e Gilberto Gil decidiram manter o que estava programado. Em resposta a Waters e seu movimento BDS (boicote, desinvestimento e sanções), Caetano expôs suas razões. Dizia ele na carta, em junho daquele ano:

"Eu preciso lhe dizer como meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que Netanyahu nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país".

E prosseguia:

Vinicius Torres Freire - Como sufocar Gaza até a morte

Folha de S. Paulo

Mundo parece dizer que haverá uma taxa de matança e mutilação aceitável ou inevitável

Neste ano, o povo de Gaza teve energia elétrica por 13 horas por dia, em média. A informação é do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), que recebe os dados da Companhia de Distribuição de Eletricidade de Gaza.

Este ano, pois, está mais ou menos na média de 12 a 13 horas diárias de eletricidade disponível desde 2019. Em 2017 e 2018, foram apenas 7 horas por dia.

Gaza tem a eletricidade que Israel permite, afora uma produção negligenciável de energia solar e algum contrabando mínimo de combustível para geradores. Além dos túneis do Hamas, há contrabando por túneis "privados", por assim dizer, de gente que quer driblar Israel ou não pagar impostos à ditadura islâmica. Mas é um nada no deserto de suprimentos.

Eliane Cantanhêde - Urgência urgentíssima em reunião na ONU

O Estado de S. Paulo

Brasil articula o único consenso possível na ONU: a questão humanitária, os civis e as crianças

Ao convocar uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança da ONU para esta sexta-feira, o Brasil sacou a única chance de não dar em nada: focar na questão humanitária. A guerra exige urgência, e discutir a toque de caixa uma solução para um conflito que dura décadas, ou carimbar ou não de terrorista o grupo efetivamente terrorista Hamas, seria perda de tempo, ou até o acirramento do racha internacional. Mas quem pode se manifestar contra o massacre de crianças, mulheres e civis? E a decapitação de bebês? Esse é o consenso possível.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, apoia essa linha, mas há obstáculos a um consenso: a polarização mundial e a exigência de pelo menos nove dos 15 votos do conselho e de nenhum veto entre os cinco países que são membros permanentes. Será?

Fernando Gabeira - A tragédia de um conflito sem fim

O Estado de S. Paulo

Continuo desejando uma solução de dois Estados independentes e solidários, mas me parece, a esta altura, tão religioso como desejar paz na Terra aos homens de boa vontade

Escrevo este artigo quando ainda se contam os mortos e as explosões das bombas iluminam as telas de tevê. Escrevo depois de um fim de semana terrível, quando ao menos 800 pessoas já tinham morrido num ataque terrorista a Israel.

Impossível não mencionar minha tristeza e sensação de cansaço com um conflito sem fim. Estou na política há meio século e, quando comecei, o conflito entre Israel e palestinos já tinha mais de 20 anos.

Acompanhei a Guerra do Yom Kippur, há 50 anos, os acordos de Oslo, em 1993, as inúmeras intifadas e nunca me afastei da posição brasileira sobre o conflito. Acho que a melhor saída é a existência de dois Estados independentes, vizinhos, vivendo em paz e cooperação.

Neto de libaneses, ao lado de meus companheiros de origem judaica Carlos Minc e o saudoso Alfredo Sirkis, sempre tentamos mobilizar as comunidades árabes e israelitas no Brasil para mostrarem, por meio de sua tolerância e fraternidade, que é possível uma coexistência pacífica.

Michel Gherman* - Depois do terror e da guerra

O Globo

Serão semanas difíceis. Ao final, descobriremos que não temos solução militar para o conflito e começaremos as negociações

Começo com o lado israelense da fronteira.

Depois de apelos emocionais e diretos, moradores do sul começaram a receber visitas de políticos apoiadores do governo Benjamin Netanyahu.

A vida no entorno da Faixa de Gaza nunca foi simples. O ambiente pastoral, de periferia rural, contrastava com eventuais ataques de foguetes do Hamas. Isso ocorre desde 2004. Com momentos mais tensos ou menos tensos. Moradores dessa região sempre reclamaram de pouco investimento na segurança e de falta de vontade de solução definitiva do imbróglio com o Hamas de Gaza.

Negociações indiretas ocorriam, principalmente durante os governos de Netanyahu; elas podiam resultar em alargamento dos intervalos dos ataques. Mas não resolviam definitivamente a situação. Aqui a lógica de ganhos pontuais e de administração do conflito era a dominante. Netanyahu sobrevivia politicamente, e os habitantes reivindicavam mais. Vida que seguia.

Hoje tudo mudou. Na realidade, tudo ficou diferente na última semana, no último sábado, na festa judaica de Simchat Torá (que celebra a conclusão e reinício da leitura anual da Torá, livro mais sagrado do judaísmo). Exatos 50 anos e um dia depois do início da Guerra do Yom Kippur, o maior fiasco militar de Israel até então.

Pedro Doria - Quem nos representa?

O Globo

Debate de ideias movido a reflexão foi substituído por um jogo de signos que exibimos nas redes. Esse jogo não tolera ambiguidades

Na noite de terça-feira, já circulavam pelas redes do país as imagens de um grupo de alunos na PUC-Rio que atacavam o professor Michel Gherman, do Departamento de Sociologia da UFRJ.

— Não nos sentimos representados por ele — afirmou uma das estudantes.

O debate era sobre o brutal ataque do Hamas no sábado, dia 7, em Israel. A aluna, judia. Gherman, também.

— Antissemita — afirmou outro.

Gherman é especialista no estudo do antissemitismo. Houve quem lhe pedisse que deixasse a PUC.

Os vídeos verticais que flagram o momento em que alguém lacra, critica com veemência, em que alguém se impõe moralmente ao outro fazem parte de um rito digital. Os vídeos são necessários, na internet, para que torcidas se formem. Os a favor, os contra. Esses vídeos são mostra de quanto se perdeu de qualidade no debate público. Na democracia.

Bernardo Mello Franco - Chamado de radical na ditadura, dom Mauro Morelli dedicou vida à luta contra a fome

O Globo

Bispo emérito de Duque de Caxias apoiou movimentos sociais, incomodou governos e ajudou a fundar a Ação pela Cidadania

A notícia passou quase batida entre tiros e bombas no Oriente Médio. Morreu na segunda-feira dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias. Com ele, vai-se um pedaço da história da luta pela democracia e contra a fome no país.

Dom Mauro foi ordenado padre em abril de 1965, quando a ditadura completava um ano. Em pouco tempo, entraria na mira dos órgãos de repressão. Relatórios militares se referem ao religioso como “progressista radical” e defensor de “subversivos”. “Desde seu tempo de seminário, está voltado para ideias marxistas”, sentenciou o Centro de Informações do Exército, em 1973.

Flávia Oliveira - A infância lá e cá

O Globo

Crianças estão em perigo em Gaza e em Israel, na Ucrânia e no Brasil

Na mais contundente nota emitida até aqui sobre o ataque terrorista do Hamas e a reação israelense, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apelou pela vida das crianças. Mereceu elogio do secretário-geral da ONU, António Guterres, por tratar a violência contra meninas e meninos israelenses e palestinos como “a mais grave violação aos direitos humanos” na tragédia que alcança o Oriente Médio. É relevante que o mandatário do país que ora ocupa a presidência do Conselho de Segurança da ONU, ainda que por somente um mês, apele por “humanidade na insanidade da guerra”.

O brasileiro propôs que o Hamas liberte as crianças israelenses sequestradas das famílias pelos terroristas e que Israel interrompa os bombardeios, para que os pequenos palestinos deixem a Faixa de Gaza com as mães na direção do Egito. Guterres, já no terceiro dia do confronto, chamou a atenção para crimes de guerra cometidos pelas duas partes e apelou pela abertura de um corredor humanitário para garantir alimentos, água e assistência aos civis palestinos.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta na renda beneficia mais pobres

O Globo

Momento é favorável, mas aposta no crescimento via consumo exige atenção para pressão inflacionária

A conjuntura econômica tem se revelado positiva para os mais pobres nos últimos meses. Há mais emprego, queda no preço de alimentos e alta no valor do Bolsa Família. Tudo isso tem tido efeito positivo no bolso dos brasileiros. A renda proveniente de remuneração do trabalho e benefícios sociais cresceu, descontada a inflação, 8% no acumulado do ano e 9% nos 12 meses terminados em agosto, segundo noticiou o jornal Valor Econômico.

Os números significam um alento, principalmente entre trabalhadores de baixa renda, e também aumento do consumo, responsável por fatia relevante do PIB. Está aí boa parte da explicação para o crescimento nos últimos trimestres. Há, porém, ceticismo sobre a sustentabilidade do ritmo atual.

É verdade que algumas condições deverão se manter favoráveis. Em setembro, pelo quarto mês consecutivo, caíram os preços de alimentos e bebidas levantados para cálculo do IPCA. A queda tem sido um alívio para as famílias de menor poder aquisitivo. Como elas gastam proporção maior do orçamento com comida, sentem mais pequenas flutuações. No acumulado do ano, a inflação para quem tem renda muito baixa está em 2,3%, 1,5 ponto percentual abaixo da taxa para a classe alta, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Poesia | A rosa de Hiroshima | Vinicius de Moraes

 

Música | Jair Rodrigues e Alcione - Não deixe o samba morrer