domingo, 12 de maio de 2019

Opinião do dia: Yascha Mounk*

Mais recentemente, novatos na política tiveram grande sucesso ao prometer que devolveriam o poder ao povo. Mas onde conseguiram formar um governo, tornaram a sociedade bem menos liberal – e logo começaram a ignorar as verdadeiras preferências da população. Na Hungria e nas Filipinas, na Polônia e nos Estados Unidos, direitos individuais e o primado da lei estão agora sob o ataque coordenado de ditadores populistas. O rival mais sério do sistema de direitos sem democracia acabou sendo um sistema de democracia sem direitos.

Será que a crise atual terminará em uma conversão drástica do liberalismo antidemocrático à democracia iliberal, seguida por uma queda gradual rumo à ditadura total? Ou será que os defensores da democracia liberal são capazes de suportar o ataque populista – e renovar um sistema político que, apesar de todos os defeitos, fomentou paz e prosperidade sem precedentes?

É tentador presumir que os populistas que agora estão em ascensão em muitos lugares do mundo não conseguirão cumprir suas promessas e em breve cairão em desgraça.

*Yascha Mounk, cientista político, alemão, professor da Universidade Johns Hopkins. O povo contra a democracia – por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la, pp. 302-3. Companhia das Letras, 2019

*Pedro S. Malan: Atualidade de relembranças

- O Estado de S.Paulo

A democracia moderna precisa de serenidade para enfrentar seus desafios de forma eficaz

Em 9/11/2003 publiquei neste espaço artigo intitulado Dois livros e um discurso. Os livros eram O Elogio da Serenidade, de Norberto Bobbio, bela defesa dessa virtude tida como não política, “virtude fraca, mas não dos fracos”; e Insultos Impressos, de Isabel Lustosa, excelente trabalho sobre os primeiros anos de nossa imprensa à época da independência. O discurso, por sua vez, era do então deputado Fernando Gabeira, pronunciado no Congresso por ocasião de seu desligamento voluntário do PT, que teve como chamada Sonhei o sonho errado.

Passados 15 anos, volto aos dois livros por razões que espero possam atrair o interesse do leitor que acompanha a falta de serenidade e o nível de agressividade de nossas polarizadas redes sociais, bem como as baixarias dos insultos que ali imperam. Estão a nos faltar mais da serenidade de um Fernando Gabeira e menos do linguajar das redes sociais.

À época, escrevi que acreditava, ou esperava, que ofensas pessoais (ou insultos impressos) gratuitas e inconsequentes tendessem a perder peso relativo no debate em favor de substância, conteúdo e respeito aos fatos – ainda que nunca desaparecessem por completo, porque não existe política sem emoção. Que acreditava, ou esperava, que a serenidade, como postura, atitude, tenderia gradualmente a ser vista como imprescindível e reconhecida virtude – inclusive política. Que acreditava, ou esperava, que o aprofundamento do discurso sobre “sonhar sonhos errados”, estimulado por Gabeira, pudesse ter implicações para o debate político e econômico dos três anos que se seguiriam. E julgava, sim, como julgo hoje, que os temas dos dois livros e do discurso estavam ligados. Por isso a eles volto.

Em Insultos Impressos, Isabel Lustosa nota três circunstâncias daquele momento histórico que fizeram o debate alcançar surpreendentes níveis de violência: “A situação de instabilidade e indefinição política que o país vivia; (...) a democratização do prelo, trazendo para a forma impressa elementos de oralidade no que tinha de mais popular e coloquial; a emergência de quadros da elite brasileira sem hábitos de vida pública anterior que, a partir de sua inserção no debate político, trouxeram para o espaço público, por meio da palavra impressa, atitudes da vida privada”. Como nota a autora, “cada um escrevia e assinava o que bem entendia (...) um processo de liberalização política sem precedentes em nossa história”.

*Rolf Kuntz: Enquanto o País derrapa, Bolsonaro cuida de armas

- O Estado de S.Paulo

Devotado a seu guru, o presidente se absteve de repelir a ofensa brutal ao general Villas Bôas

Nem o governo aposta mais num mísero e constrangedor crescimento econômico de 2% neste ano, e uma nova projeção oficial é esperada para os próximos dias. Mas a palavra “governo” é um tanto imprópria, nesse caso, porque seu significado inclui, normalmente, a Presidência da República. O presidente Jair Bolsonaro tem mostrado, de fato, menos preocupação com a economia do que com outros assuntos, provavelmente mais altos em sua escala de prioridades. Enquanto o pessoal do Ministério da Economia refazia as contas e o ministro Paulo Guedes batalhava no Congresso pela reforma da Previdência, o chefe de governo cuidava de um decreto sobre porte de armas. Estava cumprindo, segundo explicação de gente do Executivo, uma promessa de campanha. Faz sentido. O último balanço trimestral apontou apenas 13,4 milhões de desempregados, número muito menor que o dos beneficiários potenciais do decreto do bangue-bangue. Segundo cálculo do Instituto Sou da Paz, informou o Estado, cerca de 19 milhões de pessoas poderão ter acesso facilitado a armas – e a armas pesadas, anteriormente permitidas apenas a policiais e a membros das Forças Armadas. Alguém poderá, no entanto, propor uma comparação diferente.

Como ficaria a discussão se fôssemos além dos 13,4 milhões de desempregados e tomássemos como referência a população subutilizada, formada por 28,3 milhões de pessoas? Os desempregados, medidos segundo critério internacional, são apenas uma parcela desse conjunto. O contingente dos subutilizados supera o dos potenciais portadores de armas. Talvez pudesse merecer, portanto, maior atenção do presidente. Mas isso ocorreria somente se ele estivesse disposto a cuidar de um assunto mais complicado. Ele tem mostrado certa aversão a esse tipo de exercício, embora se tenha declarado capaz, há pouco tempo, de criticar a metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas o presidente, é preciso reconhecer, vem cuidando da educação, apontada como prioritária por apoiadores e também por críticos do governo. Pelo decreto das armas, menores de 18 anos poderão exercitar-se em clubes de tiro sem autorização judicial. Bastará a permissão de um responsável legal. Com isso, o processo educacional ficará menos burocratizado, com vantagem para a formação de crianças e jovens.

Eliane Cantanhêde: Tsunami

- O Estado de S.Paulo

Ao mirar o Meio Ambiente, Bolsonaro assusta e alimenta a oposição a ele na sociedade

Está cada vez mais claro que os alvos do presidente Jair Bolsonaro são ditados por ideologia, numa guerra santa contra “esquerdopatas”, reais ou imaginários, em áreas estratégicas do País. De um lado, escancara a posse e o porte de armas. De outro, atira em universidades, pesquisas, área de Humanas, ambiente, ONGs e conselhos.

Ao reagir ao tal Olavo de Carvalho, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas disse que, “substituindo uma ideologia pela outra, (ele) não contribui para (...) a solução concreta dos problemas brasileiros”. Perfeito. Nota mil.

Pois o presidente Bolsonaro governa como se não houvesse nada além de direita versus esquerda. Depois de tantos anos sujeito aos erros da esquerda, o Brasil está à mercê dos erros da direita.

Depois de partir para cima das universidades, onde jovens continuam sendo jovens, aqui e em toda a parte, o governo desloca suas metralhadoras, fuzis, revólveres e todos os cartuchos contra o Meio Ambiente, uma das áreas do Brasil com maior prestígio no mundo, pela biodiversidade invejável, pelo rigor das leis, pela credibilidade de especialistas e técnicos.

Desde a campanha, Bolsonaro já demonstra, no mínimo, um desconhecimento e um desdém pela preservação e a sustentabilidade. Seu chanceler, Ernesto Araujo, foi além ao falar ironicamente em “ambientalismo”, que seria uma militância a serviço das esquerdas internacionais, junto com Direitos Humanos, por exemplo, para destruir os valores cristãos do Ocidente.

Depois, Bolsonaro pensou até em extinguir o ministério. Desistiu, mas escolhendo um ministro praticamente alheio à problemática ambiental, o advogado e administrador Ricardo Salles. E, ao assumir a Presidência, passou a usar o cargo para uma revanche.

Em janeiro, o Ibama anulou a multa aplicada ao cidadão Jair Bolsonaro por pescar na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ), o que é proibido por lei. Em março, o fiscal que cumpriu a lei foi exonerado. Na semana passada, a retaliação foi ampliada para a própria Estação de Tamoios, quando o agora presidente, numa “visão progressista”, disse que ela “não preserva nada” e defendeu transformá-la na “Cancún brasileira”, trazendo bilhões de reais para o turismo.

Vera Magalhães: Indo à forra

- O Estado de S.Paulo

Presidente Jair Bolsonaro governa com o espírito de ‘agora é minha vez’

A vitória de Jair Bolsonaro, contra o establishment e todas as previsões, e quebrando um ciclo de alternância de poder no campo da centro-esquerda, levou ao poder um presidente e um entorno imbuídos do sentimento de revanche. “Agora chegou a nossa vez”, parecem pensar, ou mesmo dizer, a cada anúncio de casuísmos travestidos de políticas públicas.

Depois de anos acusando a esquerda de vitimização e de fazer mimimi identitário, o que mais se vê são os filhos do presidente, ministros e assessores colocados em cargos para aparelhar o Estado com uma conversinha jeca de que a direita passou anos sufocada, lendo Olavo de Carvalho quase como sinal de resistência heroica, e agora foi finalmente reconhecida pelo povo oprimido pela sua superioridade ideológica e, portanto, está legitimada para empurrar essa agenda goela abaixo da sociedade, do Congresso, do Judiciário e de quem mais ousar reclamar.

Bolsonaro foi multado praticando pesca submarina em local proibido? Revogue-se a multa! Libere-se a pesca! Vamos transformar a região de Angra dos Reis na Cancún brasileira.

Estudo de impacto ambiental e de viabilidade turística da região? Para quê, ora bolas? O presidente curte esse esporte, um dos poucos que poderá praticar agora, depois do atentado que sofreu. Vamos liberar logo, de preferência por decreto.

O “capitão” adora armas, paixão que passou para os filhos 01, 02 e 03. Passou a vida como parlamentar do baixo clero defendendo essa pauta, que levou à campanha eleitoral e aos discursos de posse. Então vamos tratar de liberar a posse e o porte de armas, sempre por decreto.

Janio de Freitas: Maníaco de morte

- Folha de S. Paulo

Impossível esquecer um candidato cujo simbolismo era mímica de pistoleiro

A violência não basta a Jair Bolsonaro. Esse ir além é o traço só seu na conturbação que, por genética maldosa e incorreção educativa, assemelha o pai e os três filhos maiores.

Os desvios de dinheiro público verificados nos gabinetes parlamentaresde Jair, Flávio e agora Carlos (as verbas de Eduardo ainda não foram examinadas) expõem sua íntima interação, por exemplo, na improbidade que em outros casos deu, e voltaria a dar, grandes escândalos de imprensa. Jair tem algo particular, porém, e apenas seu —que se saiba.

A vida pública de Jair Bolsonaro é demarcada por uma ideia persistente: a morte. Alheia. Provocada. Não importa de quem. Iniciante na carreira militar, sua estreia no noticiário se deu pela maneira como pensou em elevar os vencimentos dos tenentes. Não com um manifesto, greve, um movimento de solidariedade civil. Sua atitude foi ameaçar de explosão o abastecimento de água do Rio e de explodir quartéis, caso não saísse o aumento.

Os danos à vida dos cariocas, com inestimáveis vítimas, e as mortes de oficiais e soldados eram indiferentes ao seu estado muito mais do que reivindicatório. A mesma ideia de vitimação de inocentes que ocorre a terroristas da Al Qaeda, do Estado Islâmico, do Boko Haram.

Afastado do Exército, em acordo de cúpula que o preservou da punição, e eleito por militares e suas famílias, na política Bolsonaro acompanhou a corrente integrada por policiais questionados e por ligados às milícias no Rio.

Sempre apoiado pelo mesmo segmento eleitoral, em Brasília ligou-se à bancada da bala e aos ruralistas. E deu continuidade ao uso da tribuna para a apologia dos crimes de morte da ditadura, torturadores, policiais degenerados e operações de extermínio. A relação dos Bolsonaros com milicianos estava aí anunciada.

Bruno Boghossian: Como fabricar uma greve

- Folha de S. Paulo

Weintraub escolheu a tática do confronto e adotou idioma da retaliação política

Ao ouvir os planos desvairados de Abraham Weintraub para as universidades, um político calejado perguntou se ele não temia greves e protestos. O ministro respondeu que conhecia o risco de paralisações, mas não deu bola e disse que estava preparado para enfrentá-las.

O governo Jair Bolsonaro serviu um coquetel inflamável a alunos e professores. O novo ministro da Educação adotou como idioma oficial um discurso de retaliação política, fez ameaças à autonomia das instituições e escolheu a tática do confronto para anunciar bloqueios no orçamento da área.

Weintraub transformou em propaganda ideológica aquilo que deveria ser um congelamento de despesas duro, mas relativamente comum. Ao contingenciar 30% da verba não obrigatória, o ministro disse que puniria universidades que promovessem “balbúrdia”.

A pasta levou uma semana para corrigir o disparate. Primeiro, Weintraub estendeu o corte a todas as instituições. Depois, saiu a público com chocolatinhos e sua conhecida expressão de injustiçado para explicar que o congelamento representava só 3,4% do orçamento.

Vinicius Torres Freire: Greve, o miolão do Congresso e tsunami

- Folha de S. Paulo

Protesto dos professores e derrotas na Câmara preocupam agentes do governo

Os professores fazem greve nacional contra a reforma da Previdência na quarta-feira, dia 15, com manifestações no centro das principais cidades do país. O protesto terá pelo menos o apoio de estudantes, incitados pelas declarações ferozes do ministro da Educação.

Também pelo meio da semana, o governo deve tomar uma traulitada do parlamentarismo de improviso da Câmara, cortesia das lideranças do miolão. Trata-se do ajuntamento de dois terços dos deputados, uns 340 personagens à procura de um autor, bloco majoritário e maior que o velho centrão, nem governista nem oposicionista.

Mais ou menos sob a liderança de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Casa, o miolão pretende ser um governo-sombra ou paralelo, que imponha limites a Jair Bolsonaro e invente uma pauta própria de projetos para si e até para o país.

Protestos e traulitadas talvez sejam o "tsunami" de que o presidente da República falava na sexta-feira (10). Pelo menos era o que causava nervosismo no Gabinete de Segurança Institucional.

Em abril de 2017, houve uma greve que praticamente enterrou a já então estertorante reforma da Previdência de Michel Temer. O Joesley Day de maio foi pá de cal na morta.

Era uma "greve geral", no entanto. Além do mais, teve repercussão e adesão mais amplas do que o universo das centrais sindicais que convocaram o protesto e dos paredistas mais costumeiros (pessoal de transporte, servidores, bancários, petroleiros). Por exemplo, professores de escolas privadas aderiram; milhares de paróquias católicas faziam campanha contra a reforma. Para facilitar, o presidente era unanimidade nacional. Além da margem de erro, ninguém apoiava Temer.

Por enquanto, um terço dos eleitores acredita que Bolsonaro é bom ou ótimo. Por mais azedo que esteja o Congresso, não há projeto parlamentar organizado de enterrar a reforma previdenciária, ao contrário, apesar da baderna palerma do Planalto. A ideia é mais colocar uma corda no pescoço do governo do que decapitá-lo, ao menos por enquanto.

*Marco Lucchesi: Desmonte!

- O Globo

Professores são tratados como espiões da KGB, dispostos a favorecer entrada de tanques soviéticos no Brasil

Escrevo, hoje, em primeira pessoa, apenas e tão somente, na qualidade de professor titular da UFRJ. Não falo senão por mim mesmo, com as cordas vocais que me constituem.

Pergunto até quando Catilina irá abusar da nossa paciência, e qual o tamanho do abismo a que nos leva? Procuro modular minha indignação diante dos ataques desferidos à Constituição de 1988. Fruto soberbo de uma transição inacabada para a democracia, nossa Carta Magna vive sob estado de sítio. Espero que o Supremo desperte do sono dogmático e compreenda, de modo frontal, a gravidade do momento.

Só o tempo dirá como chegamos ao presente estado de coisas e quem sequestrou nossa frágil democracia. Só o tempo dirá quais foram os arquitetos desse frágil castelo de cartas, e quem feriu o coração da República.

Tenho mais de 50 anos e nunca me senti tão vilipendiado como professor. Os reitores das universidades são tratados como agentes da desordem e do “marxismo cultural”. O ministério ameaçou corte de verba por motivos impensáveis a três universidades. Ao perceber que era inconstitucional, abriu fogo contra todos.

Houve quem defendesse o fim do ensino da Filosofia e da Sociologia. Um argumento interessante para documentar a que ponto chegamos.

Nosso original chanceler, na mesma linha ortodoxa, disse que a autoridade máxima do país era o novo Messias, a pedra angular que todos rejeitaram.

Sugiro que façamos um estudo do campo semântico da política atual, seguindo o “Linguagem do Terceiro Império”, de Viktor Klemperer.

De onde tiraram a loucura de acabar com os cursos de Filosofia e Sociologia? Em que país do mundo, em que regime totalitário se ousaria tamanho dislate? Um misto de soberba e despreparo de hooligans, ungidos por um deus odioso.

Mas é também um plano, para adestrar a universidade pública. Poderão ensinar, em casa, que a Terra é plana, ou quadrada, que a evolução não existe, que só a Bíblia interessa, e que a ciência sem religião é de satanás.

Sou um péssimo exemplo: cursei História na UFF. Sou professor de literatura. E bem mais grave: com pós-doutorado de Filosofia na Alemanha. Deveria ressarcir os cofres públicos.

Fico espantado que não tenham lido Max Weber, Karl Mannheim e, nem tampouco, o “deletério” Karl Marx, homem de vasta cultura. Esse filósofo, de barba selvagem, trazia no DNA o escândalo da desigualdade entre os homens. Ele e Francisco, o de Assis e o do Vaticano. Todos a serviço do “Fórum de São Paulo”.

Bernardo Mello Franco: A balbúrdia vai às ruas

- O Globo

Depois dos cortes, Carlos Bolsonaro atacou o Pedro II. Seus tuítes, que misturam ideias confusas e mau português, mostram que o país precisa investir na Educação

Os cortes na Educação e o ataque às universidades federais ameaçam produzir um efeito bumerangue para o governo. Depois de quatro meses, Jair Bolsonaro enfrentou o primeiro protesto de peso. Os estudantes prometem um segundo round na quarta-feira. Foram convocadas manifestações em diversas capitais.

Na segunda passada, alunos do Pedro II iniciaram o movimento nas ruas da Tijuca. Caminharam até o portão do Colégio Militar, onde o presidente participava de mais uma solenidade fardada. A Polícia do Exército cercou os jovens, mas não impediu que os gritos abafassem a cerimônia. Armados de livros e cadernos, os estudantes mostraram que a “balbúrdia” tem potencial para incomodar.

O país já passou por outros arrochos, mas os governos simulavam constrangimento ao tirar verbas da Educação. Agora vive-se uma era de apologia da ignorância. Os cortes são festejados pelas autoridades, em tom de vingança contra o conhecimento. Cada bolsas de estudos a menos vira uma vitória sobre o “marxismo cultural”.

O ministro Abraham Weintraub bloqueou R$ 2 bilhões das universidades sob a alegação de que elas promoveriam “bagunça” e “evento ridículo”. O adjetivo descreve bem sua performance nos últimos dias. Ele confundiu Franz Kafka com quitute árabe e usou “chocolatinhos” para justificar os cortes. No meio da demonstração, o chefe comeu um dos bombons.

Ascânio Seleme: A conta de Bolsonaro está chegando

- O Globo

Por simples teimosia, falta de visão e articulação política, o presidente Jair Bolsonaro apanha no Congresso Nacional como se estivesse em fim de mandato. Logo na largada demitiu aquele que melhor dialogava com a casa, o ex-ministro Gustavo Bebianno, atendendo a futricas do filho Carlos. Depois, demorou a recuar da sua decisão de não fazer concessões em torno de projetos que queria aprovar. E agora, não consegue sequer que parlamentares alinhados se entendam e aprendam a lidar com a política. E a votar a favor de suas propostas.

O que se viu na votação da comissão especial do Congresso que analisa a reforma administrativa foi um típico ajuste de contas, bem conhecido do Congresso, e sempre articulado pelos partidos de centro que buscam incessantemente espaços no poder para usar como trampolins políticos que os mantenham em cena. Analisando mais de perto os pontos aprovados e rejeitados pela comissão, dá para se entender como foi cuidadoso o trabalho fisiológico dos deputados do centrão com o apoio do PT.

1 - Tirar o Coaf do Ministério da Justiça e o devolver para o Ministério da Economia amputa uma dos braços do ministro Sergio Moro. Sem o Coaf, que controla todas as atividades financeiras do país, o xerife da corrupção perde a visão geral que teria automaticamente sobre a movimentação de fundos de pessoas, empresas, políticos ou partidos suspeitos. Quem ganha são a banda podre da política e o crime organizado (milícia, tráfico, contrabando etc). Foi o Coaf que identificou as movimentações vultosas de Fabrício Queiroz e, num passado mais remoto mas ainda vivo na memória nacional, escancarou o mensalão do PT.

2- A devolução da Funai da Agricultura para a Justiça, decidida pela mesma comissão, só tem um sentido: empilhar mais problemas na mesa de Moro. Não que a atribuição da questão indígena seja da Agricultura, não é. Mas, neste momento, o que parece ter movido 15 dos 24 deputados que votaram foi a vontade de atrapalhar, de tirar o foco do ministro que assumiu para si a tarefa de varrer a corrupção da vida pública.

Míriam Leitão: Ataque a militares explica governo

- O Globo

O problema é a ambiguidade de Bolsonaro e os motivos que o levam a alvejar seu próprio governo, como se a ele fizesse oposição

O importante nos episódios recorrentes de ataques do mentor ideológico do presidente e dos seus filhos aos ministros militares é a revelação do estilo deste governo de alimentar polêmicas desgastantes, usar o tom inadequado na comunicação e de queimar os seus próprios quadros. O presidente Jair Bolsonaro emite mensagens duplas. Avisa pelo porta-voz que as discussões devem ser encerradas, e em seguida as realimenta pelas redes sociais ou em falas ambíguas.

O debate estéril que atravessou a semana inteira, e na qual teve que se envolver até o general Villas Bôas, tem que ser entendido porque é revelador. Quando Olavo de Carvalho ataca alguém, ele desqualifica a si mesmo, porque não é um debate de ideias, mas uma coleção de palavras chulas e ofensas grosseiras. Ele não tem relevância alguma, passa a ser assunto porque o presidente o colocou em um panteão particular. Lá, Bolsonaro, seus filhos e seus seguidores mais fanáticos prestam-lhe homenagens tão frequentes quanto imerecidas. Fica pior quando essa adoração envolve símbolos nacionais e recursos públicos.

A grã-cruz da Ordem de Rio Branco não é propriedade do presidente da República. O mandato acaba um dia, e a insígnia continua para ser dada pelo Ministério do Exterior a pessoas que tenham relevância. Não é definitivamente o caso em algumas das escolhas deste ano. Na Ordem de Rio Branco, o presidente foi ajudado por seu ministro do Exterior, Ernesto Araújo, cujo desequilíbrio se mede pela comparação que fez entre Bolsonaro e Jesus Cristo. Pessoas que deliram a esse grau não podem ser levadas a sério.

Carvalho já estava atacando os militares do governo, quando o presidente mandou fazer um jantar em torno dele na embaixada em Washington, que custou, claro, recursos públicos.

Luiz Carlos Azedo: A charada do tsunami

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora. Seus eleitores querem um Estado capaz de manter a ordem, mas desprezam os políticos e os partidos”

O presidente Jair Bolsonaro sempre cria uma polêmica ou gera um grande suspense quando participa de eventos ou concede entrevistas tipo “quebra-queixo” (aquelas improvisadas, nas quais é cercado por repórteres e fotógrafos). Dessa vez, foi na saída de um evento da Caixa Econômica Federal (CEF), na sexta-feira, ao comentar as derrotas do governo na comissão especial da Câmara que examinou a reforma administrativa de seu governo. Enigmaticamente, declarou: “Sim, talvez tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda certeza. Somos humanos, alguns erram, uns erros são imperdoáveis, outros, não.” É uma charada.

O que será esse tsunami? Pode ser uma rebordosa de alguma medida já tomada, como o corte de verbas das universidades, que está provocando grandes manifestações de protesto de estudantes, professores, funcionários e pais de alunos, ou o espanto causado, entre os defensores dos direitos humanos e autoridades do setor de segurança pública, pela liberação do porte de armas para cerca de 20 categorias profissionais, como advogados e caminhoneiros, e praticantes de tiro ao alvo. Será que vem por aí uma nova greve de caminhoneiros, um dos segmentos de sua base eleitoral?

Pode ser também alguma coisa ligada ao evento em si, como anunciar a venda dos ativos da Caixa Econômica Federal (CEF), cujas atividades ficariam restritas ao financiamento imobiliário, como pretende o secretário das Privatizações, Salim Mattar. Na quarta-feira, em fala aos jornalistas após a primeira reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Mattar afirmou que é mais fácil para o governo vender participações em empresas, cujo prazo para conclusão do processo varia de 60 a 90 dias, do que a preparação de uma companhia estatal para venda, que demora de seis meses a um ano e meio, de forma a cumprir a legislação e as exigências dos órgãos de controle.

“Desinvestimentos acontecerão mais cedo, mas as privatizações vão acontecer. É uma questão de ajuste”, disse Mattar. Comparou os primeiros meses de gestão à preparação de uma orquestra sinfônica. “Nesses quatro meses de governo, estamos ensaiando para fazer essa orquestra funcionar, e vai funcionar”. Traduzindo, significa fazer uma lipoaspiração nas empresas estatais e mesmo na administração direta, vendendo ativos públicos, como no caso já citado da Caixa Econômica Federal (CEF). O governo planeja, por exemplo, focar o Banco do Brasil no crédito rural e a Petrobras, na exploração de Petróleo, desfazendo-se de outras atividades. Além disso, quer vender milhares de imóveis do patrimônio da União pelo país afora, começando pelos parques nacionais, santuários da nossa natureza.

Ricardo Noblat: Desafio à coragem do capitão

- Blog do Noblat / Veja

Entre a Velha e a Nova Política
O candidato disposto a quebrar o sistema uma vez eleito como prometeu durante a campanha passada, o presidente da República que investe contra o establishment por não fazer parte dele, tem agora uma oportunidade de ouro para provar que fala a verdade.

O Congresso enviou para seu exame um projeto de lei que prevê anistia a multas aplicadas a partidos que não destinaram devidamente recursos para promover a participação feminina na política. Caberá a ele concordar ou não com o projeto.

Desde a sua criação em 1995, a Lei dos Partidos sofreu pelo menos 19 alterações, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. Quer dizer: uma alteração a cada 14 meses. E todas para beneficiar os próprios partidos em falta com suas obrigações.

Pelo menos 9 projetos de lei foram apresentados para anistiar multas de candidatos e de partidos. Somente um foi aprovado. Bolsonaro terá de decidir até a próxima sexta-feira se veta ou se sanciona o mais recente – algo como R$ 70 milhões.

Manda a lei que os partidos destinassem o mínimo de 5% das verbas do Fundo Partidário para promover participação das mulheres na política. A maioria deles desobedeceu a lei. Se Bolsonaro negar a anistia, o Congresso poderá derrubar seu veto.

Em teste, a coragem de Bolsonaro para contrariar os partidos no momento em que mais precisa de votos para aprovar a reforma da Previdência e a Medida Provisória 870 que extinguiu, fundiu ministérios e deu uma nova configuração administrativa ao governo.

Se ele sancionar o projeto de lei será o primeiro presidente da República desde 1995 a autorizar uma anistia para multas devidas pelos partidos. Espera-se que vete, quando nada para sustentar a história de que existe uma Nova Política em contraposição à Velha.

*Fernando Henrique Cardoso: O convento dos perseguidos

- Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso detalha a criação do centro de pesquisa Cebrap logo após o AI-5, sublinha o papel do centro na evolução intelectual do país e explica como ele colaborou para aproximá-lo de figuras políticas como Ulysses Guimarães e Lula.

Alguns de nós, professores da USP, fomos aposentados compulsoriamente pelo AI-5, 50 anos atrás. Era um grupo que incluía a mim, Elza Berquó, Paul Singer, Cândido Procópio Ferreira, José Arthur Giannotti...

Eu já havia sido exilado em 1964. Fui para o Chile e depois para a França, onde dei aulas na Universidade de Paris. E após o AI-5, muitos de nós tivemos de novo convites para ir ao exterior. Mas não havia, da nossa parte, disposição de sair. “Já passei tantos anos fora, vamos tentar organizar alguma coisa aqui”, pensei.

Foi difícil criar o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). As pessoas estavam com medo. Procuramos algumas personalidades que pudessem nos dar algum respaldo, como Paulo Egydio Martins, que viria a governar São Paulo, e o empresário e político Severo Gomes. Também tivemos apoio de gente como dom Paulo Evaristo Arns, Celso Lafer e José Mindlin, que nos deram suporte político e moral.

Eu tinha já uma certa experiência internacional, sobretudo na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), e assim conhecia instituições como a Fundação Rockefeller, a Fundação Ford —isso tudo era muito suspeito aqui no Brasil. Havia muito preconceito com essa coisa de americano. Mas a Fundação Ford teve papel muito importante a favor dos atingidos pelos golpes no Chile, na Argentina e no Brasil, com o financiamento ao Cebrap.

Aqui dentro, o apoio institucional que tivemos foi da Fundação Getulio Vargas, onde trabalhava gente como Roberto Gusmão e Antonio Angarita. Esse respaldo todo colaborou para que as fundações nos dessem algum recurso. A certa altura, conseguimos um “endowment”, uma doação com a qual compramos uma fábrica de móveis na Freguesia do Ó que estava para fechar. Alugávamos esse galpão enorme para ter renda.

Essa base fixa de dinheiro foi essencial, assim como os contratos que íamos firmando com empresas de prestação de serviços. Nos anos 1970, empresas de planejamento coincidiram de estar contratando trabalhos de pesquisa no limiar entre o público e o privado. Ali pudemos obter mais algum dinheiro.

O Cebrap foi uma das primeiras organizações não governamentais, quando o nome ONG ainda não existia. Antigamente se tinha uma cabeça muito estatal, em que todo o dinheiro tinha que vir do governo. E o Cebrap não tinha como fazer assim.

Mas ainda sobrevivíamos mal. Alguns de nós não tirávamos quase nada do Cebrap, nos mantínhamos dando aulas por fora, às vezes com temporadas em instituições estrangeiras —afinal, éramos em grande parte professores aposentados.

Começamos a juntar toda a intelectualidade de quem o governo não gostava —pessoas que não eram só da USP nem só de São Paulo. Vieram Bolívar Lamounier e Vilmar Faria, de Minas Gerais, Carlos Estevam Martins, do Rio de Janeiro. Pode parecer que não é nada, mas isso evitou aquilo que os americanos chamam de “inbreeding”, o nós com nós. Então, pelas circunstâncias, o Cebrap já nasceu com ligações internacionais e com boa parte do Brasil.

Adam Przeworski: ‘A democracia está em crise, mas não morrerá’

Entrevista com o renomado cientista político, Adam Przeworski refuta teses pessimistas, mas reconhece riscos

Marco Rodrigo Almeida / Folha de S. Paulo

Convidado de honra para seminário do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o renomado cientista político polonês Adam Przeworski refuta as teses sobre a morte da democracia apresentadas por muitos de seus colegas. Vê, no entanto, as erosões graduais do sistema efetuadas por meios legais como um fenômeno relativamente novo.

A crise da democracia. No campo da ciência política, é provável que nenhum outro tema tenha sido mais debatido nos últimos quatro, cinco anos. Eventos de natureza e efeitos variados —como a vitória de Donald Trump nos EUA, do brexit no Reino Unido, de Viktor Orbán na Hungria e de Jair Bolsonaro no Brasil, entre outros— levaram a discussão para muito além do mundo acadêmico, despertando um insuspeito interesse popular por teorias políticas. Livros sobre a derrocada do modelo de democracia liberal viraram best-sellers em vários países.

O cientista político Adam Przeworski, 79, não nega a tão propalada crise, mas considera que os prognósticos mais pessimistas de seus colegas não passam de artimanhas para atrair a atenção da imprensa.

As ameaças à democracia, diz ele, têm causas históricas profundas, cujas raízes ligam-se a condições econômicas, sociais e culturais. O capitalismo, afirma, impõe os principais limites à democracia, relação conflituosa de solução quase impossível.

Nascido na Polônia no começo da Segunda Guerra Mundial, professor do departamento de ciência política da Universidade de Nova York (EUA), Przeworski é uma das principais referências mundiais no estudo de democracia e eleições.

Numa pesquisa célebre no meio acadêmico, desenvolvida, entre outros, com o brasileiro Fernando Limongi, aponta que a riqueza de um país é fator preponderante para a preservação dos valores democráticos. A partir de determinado nível de desenvolvimento econômico, diz o estudo, a democracia jamais entrará em colapso.

Przeworski fará a conferência da primeira mesa dos seminários promovidos pelo Cebrap.

• Nos últimos anos, muitos cientistas políticos passaram a dizer que a democracia está morrendo ou corre sérios perigos mesmo em regiões em que suas bases estão mais consolidadas, como EUA e países da Europa Ocidental. O senhor concorda? 

Não, essas declarações destinam-se apenas a atrair manchetes de jornal. É verdade que muitas democracias estão passando por crises de instituições representativas, crises que têm profundas raízes nas condições econômicas, sociais e culturais.

Essas crises podem durar muito tempo e algo terá que mudar, mas acredito que a democracia, como método de escolher governos por meio de eleições, está aqui para ficar.

• Em um estudo famoso publicado em 1996, o senhor e seus parceiros concluíram que nenhuma democracia jamais caiu num país cuja renda per capita anual excedesse os US$ 6.055 (o nível argentino em 1976). Isso ainda se mantém? 

Isso ainda é verdade. O único país em que a democracia entrou em colapso depois de 1976, com uma renda ligeiramente superior à da Argentina, é a Tailândia. Mas no passado a maioria das democracias foi derrubada pelos militares, que perderam tanto a capacidade como a vontade de se engajar na política.

O que é novo é a subversão da democracia por políticos democraticamente eleitos, uma erosão gradual da democracia por meios constitucionais, como na Venezuela, na Turquia, na Hungria e talvez no meu país natal, a Polônia.

• O senhor também percebe uma onda populista em todo o mundo?

Sim, há uma onda populista. Mas não se pode reclamar da persistente e até crescente desigualdade econômica e rejeitar as críticas populistas às instituições representativas tradicionais: se essas instituições estivessem funcionado bem, teríamos menos desigualdade.

Na jogada de marketing, ninguém quer ser mais partido

Saem palavras e siglas ligadas a ideologias, entram slogans: por que as legendas estão mudando tanto de nome?

Batismos e rebatismos de legendas são comuns na crônica política brasileira

Ruan de Sousa Gabriel / O Globo

Saem o socialismo, o trabalhismo, o liberalismo e outras ideologias políticas. Entram verbos e substantivos parecidos com slogans: “Avante”, “Podemos”, “Cidadania”. Algumas das principais legendas eleitorais brasileiras (e outras sem tanta relevância) estão mudando de nome para tentar se reconciliar com uma sociedade que rejeita o sistema político tradicional. Uma pesquisa Datafolha divulgada em abril informou que apenas 5% dos brasileiros “confiam muito” nos partidos.

Uma das mudanças mais recentes ocorreu no PPS (Partido Popular Socialista), que, desde março, prefere ser chamado de Cidadania. Em 1992, após a falência da União Soviética, lideranças importantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) fundaram o PPS para afirmar as aspirações democráticas dos socialistas. Quase três décadas depois, eles abandonam a referência ao socialismo para receber grupos que pregam a renovação, como o Agora, o Acredite e o Livres, que abandonou o PSL (Partido Social Liberal) no início de 2018, com a entrada de Jair Bolsonaro.

—Mudamos o nome para melhor representar a nova sociedade —disse Roberto Freire, presidente da legenda. —Na sociedade industrial, que não existe mais, os partidos representavam a classe operária ou a classe média. Hoje, um partido tem que representar todo o conjunto social.

Também mudaram de nome recentemente o PTN (que virou Podemos), o PSDC (Democracia Cristã) e o PP (Progressistas). O PRB quer se chamar Republicanos e o PR (Partido da República) vai voltar a ser PL (Partido Liberal). O MDB, que há pouco a mais de um ano se livrou do “P” de “partido”, discute se chamar apenas “Movimento”. O PSDB não descarta adotar outro nome.

—Essas mudanças de nome refletem o desgaste dos partidos, que não representam mais as mesmas linhas ideológicas de quando foram criados. Os nomes já não expressam mais a pregação desses partidos — afirmou o marqueteiro Lula Guimarães, que, no ano passado, trabalhou na campanha presidencial do tucano Geraldo Alckmin.

Silvana Krause, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lembra que na História já houve casos em que a lei exigiu a mudança de nomes. Em 1979, uma norma baixada pela ditadura extinguiu a Arena e o MDB e determinou que todas as legendas carregassem a palavra “partido” no nome. O MDB virou PMDB; a Arena, PDS. Depois, o PDS se dividiu em PPR e PFL. O PPR virou PPB, depois PP e, desde 2017, Progressistas. Em 2007, o PFL deixou se ser Partido da Frente Liberal e adotou outro nome: Democratas (DEM).

—O MDB quer ser Movimento para reivindicar sua atuação na ditadura militar e na transição democrática. Essa volta às origens tem a ver com o desgaste do partido depois do impeachment de Dilma Rousseff —afirma a professora.

Para o cientista político Antonio Lavareda, que participou das discussões da mudança de nome do PFL, os partidos se rebatizam por três razões principais: ascensão de novas lideranças; mudanças programáticas e ideológicas; reposicionar-se diante do eleitorado e se apresentar como um movimento social com raízes firmes na sociedade. O PSDB, por exemplo, talvez mude de nome porque as novas lideranças partidárias, como o governador de São Paulo, João Doria, estão mais próximas da direita do que da social democracia.

MODA TAMBÉM NO EXTERIOR
Mudanças não são uma característica apenas brasileira. Na França, depois de substituir Jacques Chirac na liderança da centro-direita, Nicolas Sarkozy mudou o nome da União por um Movimento Popular (UMP) para Os Republicanos. Na Europa, aliás, partidos políticos com nomes que parecem slogans —Podemos, Cidadãos, França Insubmissa, A República em Marcha, Alternativa para a Alemanha — têm roubado eleitores de siglas tradicionais. Diferentemente do que ocorre no Brasil, no entanto, esses partidos nasceram como representantes de movimentos sociais.

—No caso da Europa, partidos como Podemos e Cidadãos, de fato, emergiram da sociedade —diz Lavareda. —Aqui os partidos continuam os mesmos de antigamente. Mudaram de nome como estratégia de reposicionamento — completou.

Guimarães concorda que a crise de representatividade permanecerá se a mudanças ficar só nos nomes: —Se for uma renovação só na embalagem, o desgaste desses vai continuar.

Para novatos, disputa entre nova e velha política é desnecessária

Eleitos por movimentos de renovação dizem que Bolsonaro não elimina ‘vícios’

Dimitrius Dantas / O Globo

SÃO PAULO - Com pouco mais de cem dias de mandato, a maioria dos políticos eleitos por movimentos de renovação, como o RenovaBR, adota postura crítica em relação ao governo Bolsonaro e defende que a disputa entre velha e nova política deveria ficar para trás. Para eles, o Planalto vem falhando em cumprir a promessa de mudar vícios antigos.

As críticas mais duras, como era de se esperar, vêm de deputados eleitos por siglas de oposição, além do único senador que chegou ao cargo via um movimento de renovação, Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Mas mesmo aqueles que elogiam parte da agenda do governo —principalmente a econômica — enxergam limitações em outros setores. O principal deles, afirmam, é a falta de diálogo no Congresso.

Segundo a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), um dos aprendizados nos quatro primeiros meses de governo foi perceber que a guerra entre a “velha e nova política” tem sido inútil. Para ela, em nome da nova política, o governo confunde acordos com negociatas e criminaliza a negociação. A visão é compartilhada por outros deputados, como Felipe Rigoni (PSB-ES).

— A boa política tem que ter diálogo. A gente não escolhe com quem a gente conversa na política: quem escolhe com quem conversa, não conversa com ninguém. Mas não tem articulação. Não tem maestro: é uma orquestra sinfônica sem sinfonia —diz Rigoni.

Ex-ministro do governo Temer, Marcelo Calero (Cidadania-RJ) participou de um governo identificado pela ala bolsonarista com a velha política. Deixou a pasta da Cultura após denunciar pressão de Geddel Vieira Lima, na época também ministro, para a liberação de uma obra em um edifício em Salvador. Agora Calero faz parte dos movimentos de renovação e diz que o governo Bolsonaro tem apenas um verniz de nova política.

Os excessos da Justiça: Editorial / O Estado de S. Paulo

Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o então presidente Michel Temer, ao conceder o indulto natalino em dezembro de 2017, não excedeu suas competências constitucionais, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) excedeu-se em suas prerrogativas, determinando a prisão preventiva de Michel Temer apesar de não estarem preenchidas as condições legais. Ainda que o desfecho do processo do indulto tenha feito jus ao que manda a Constituição, os dois casos mostram como, às vezes, a Justiça pode ser causa de graves abusos contra o Direito.

No art. 84, a Constituição estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. E o art. 5.º, XLIII prevê quais crimes não podem ser anistiados: “a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”.

Apesar de o Decreto 9.246/2017 respeitar perfeitamente as condições constitucionais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade do indulto natalino, entendendo que ele “ampliou os benefícios desproporcionalmente e criou um cenário de impunidade no País”. O indulto de 2017 é, de fato, mais amplo do que os de anos anteriores.

Com o Supremo em recesso, o processo foi remetido à então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que suspendeu, por decisão liminar, os efeitos do Decreto 9.246/2017. Era o início de uma interferência do STF em seara do chefe do Executivo federal. Em março de 2018, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, permitiu a aplicação parcial do decreto, considerando que, em algumas situações, não havia motivo para sustar o benefício. Ao atuar assim, o relator reescreveu o indulto, assumindo uma competência exclusiva do presidente da República.

Derrotas de Moro: Editorial / Folha de S. Paulo

Ministro da Justiça perde com desarticulação política e medidas armamentistas do governo; deixar bolha brasiliense pode ser uma alternativa

Sergio Moro chegou à pasta da Justiça como um representante de grandes esperanças do eleitorado de Jair Bolsonaro (PSL). Mais do que o cargo de ministro, teria recebido um mandato para combater de forma implacável o crime, a corrupção e os maus costumes do velho sistema político nacional.

Além disso, o currículo de servidor muito atuante sugeria que o ex-juiz pudesse formular políticas públicas fundamentadas, o que não é característico do bolsonarismo.

Entretanto Moro parece se perder na tormenta da desorganização política e administrativa do governo. A inexperiência no jogo parlamentar e a desarticulação com movimentos da sociedade civil contribuem para o desnorteio do ministro, alvo de revanches por parte de figuras do Congresso.

Sua grande iniciativa até aqui, o pacote anticrime, tem avançado pouco ou nada, em parte por ter sido elaborado sem diálogo suficiente com setores envolvidos.

Progressos na defesa do direito autoral na internet: Editorial / O Globo

Parlamento Europeu aprova marco para balizar negociações entre plataformas digitais e autores

A velocidade do crescimento da internet e do uso de tecnologias digitais não atropelou apenas modelos de negócios em incontáveis segmentos — de serviços de táxis ao jornalismo impresso. Os dois, bem como os demais, procuram se reinventar, usando anova tecnologia. Não é a primeira vez que isso acontece no mundo. Há, ainda, nessa transformação, sérias questões legais, levantadas pela revolução tecnológica. No caso da internet, cresce de importância, e não é de hoje, o problema do desrespeito ao direito autoral.

Até pela falta de um melhor entendimento do que estava acontecendo, no início da explosão da internet, difundiu-se a ideia de que se passava a ter acesso a uma quantidade infinita de conteúdos sem ser necessário pagar por eles. E não era verdade. Enquanto se formavam grandes plataformas e amplos canais de distribuição de textos, fotos, vídeos e sons — Google, Facebook, Twitter, por exemplo —, começou a abrir um fosso entre o tamanho e a rentabilidade dessas companhias digitais e as empresas tradicionais geradoras de conteúdos, as jornalísticas entre elas, e os seus criadores.

Sérgio Augusto: Somos todos do Pedro II

- O Estado de S. Paulo

Para Nelson Rodrigues, os alunos do colégio eram ‘uma força da natureza’

Fiquei particularmente emocionado com o protesto dos estudantes contra o bloqueio no orçamento da Educação, na última segunda-feira. Ainda mais porque protagonizado, no Rio, por alunos do Colégio Pedro II, e nas barbas do presidente, que então celebrava, no Colégio Militar, os 130 anos daquela instituição de ensino.

“Educação não é mercadoria!”, gritava a estudantada, àquela altura ainda alheia à promessa presidencial de isentar de bloqueios e cortes as escolas militares e multiplicá-las pelo País afora, concretizando seu obstinado desejo de transformar o Brasil num imenso quartel.

Rompida a letargia, espera-se que os estudantes voltem mais vezes às ruas para exercer o mesmo papel que tiveram em outros momentos cruciais da história republicana. Com estudantes não se brinca. Mesmo coagidos, reprimidos, presos e mortos, eles sempre acabaram vencendo. Foi assim no Estado Novo, na crise da posse de João Goulart, na ditadura militar, no governo Collor.

A autêntica balbúrdia estudantil – não aquele “kit gay” replicado pelo ministro Abraham “Franz Kafta” Weintraub para justificar seus punitivos e ideológicos estrangulamentos orçamentários – está apenas começando.

Fiquei particularmente emocionado com o protesto porque fui aluno do Pedro II; e sobremodo surpreso com a solidariedade de alguns estudantes do Colégio Militar, eternos rivais da garotada do Pedro II. “Ele não!”, gritou Marina Reis, aluna do CM, fardada para a ocasião, seguida por colegas que também viralizaram na internet. Parabéns às moças do CM, que, espero, acabaram com uma secular e tola rivalidade.

Considerado o “colégio padrão do Brasil”, a pedra angular de nosso ensino médio, no Pedro II estudaram e ensinaram algumas das inteligências mais fulgurantes do País. Isso desde 1837, quando o fundaram e batizaram com o nome do infante imperador, então com 12 anos, por coincidência a mesma idade que eu tinha ao iniciar o que na época chamavam de curso secundário.

O Pedro II foi minha alma mater. Passei lá sete anos, de 1954 a 1960, lá me eduquei para o resto da vida e até sacramentei minha escolha profissional ao assumir a edição de A Chama, jornal do Grêmio Científico e Literário do colégio.

Carlos Drummond de Andrade: Para sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade, em “Lição de coisas”. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Roberta Sá e Marcelo Gonçalves: Mais alguém