sábado, 27 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

A indicação e o discurso da nova equipe econômica é a negação de tudo o que a candidata Dilma falou durante a campanha eleitoral e a confirmação que tudo aquilo que nós avisamos que estava acontecendo no Brasil. O diferente é que para este governo sem credibilidade o custo do ajuste será muito mais alto porque falta algo que é essencial para que as medidas sejam menos dramáticas para a população brasileira. Já estamos vendo anúncio de aumento de impostos, de corte de direitos trabalhistas que não era a receita do PSDB. E tudo isso vem se agravando ao longo deste ano porque se o governo tivesse tomado medidas anteriormente, antes do processo eleitoral, por mais que isso eventualmente trouxesse prejuízo eleitoral, mas seria muito mais adequado para os cidadãos brasileiros porque seria menor o custo dos ajustes que serão feitos agora.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB. Olhe entrevista completa, mais abaixo.

Dilma deixa Lula de lado ao montar equipe e enfrenta resistência petista

• Ao contrário de 2010, quando manteve auxiliares de antecessor e o consultou ao escolher novos nomes, presidente restringe conselhos do padrinho à equipe econômica e acolhe parte das sugestões; anúncio de ministros do PT fica para a próxima semana

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao contrário de 2010, quando fez questão de ouvir o padrinho político durante a montagem do governo, a presidente Dilma Rousseff tem dado pouco espaço para os pitacos do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, ao escolher os ministros que vão acompanhá-la no segundo mandato, a partir de quinta-feira. Nesta sexta-feira, 26, esperava-se que o governo confirmasse mais nomes do PT que vão compor a equipe ministerial, mas o anúncio foi adiado para a próxima semana.

Dilma consultou o ex-presidente em novembro, e depois não pediu mais opiniões. Na época, Lula foi parcialmente atendido. Emplacou Nelson Barbosa no Ministério do Planejamento, mas teve de engolir a escolha de Joaquim Levy para comandar a Fazenda.

O resultado é a redução do número de ministros ligados a Lula no segundo mandato. A lista inclui Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), Miriam Belchior (Planejamento) e Celso Amorim (Defesa), entre outros.

Na terça-feira, quando foram anunciados 13 novos ministros, o único petista a aparecer na lista foi Jaques Wagner na Defesa. Esperava-se a confirmação de outros nomes, como Aloizio Mercadante na Casa Civil e José Eduardo Cardozo na Justiça, e o deslocamento de atuais ministros para outras pastas, como Ricardo Berzoini (de Relações Institucionais para Comunicações) e Miguel Rossetto (do Desenvolvimento Agrário para a Secretaria-Geral). Nada disso aconteceu. Faltam ser indicados 22 dos 39 ministros.

Lula e Dilma construíram uma espécie de acordo tácito para manter a relação com um mínimo de atritos. A base do acordo é: Lula só opina quando Dilma consulta. Como Dilma não tem consultado, Lula não tem opinado.

Os dois se encontraram três vezes depois da eleição. Em duas ocasiões, ainda em novembro, tiveram longas conversas sobre governabilidade e a montagem da equipe econômica. O terceiro encontro foi no dia da diplomação de Dilma, quando a presidente e o antecessor conversaram rapidamente antes da solenidade, na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Baixo perfil. Dilma estava acompanhada de Mercadante, apontado como responsável pelo “baixo perfil” dos nomes anunciados até agora, principalmente na área política.

O sonho do PT era ter Mercadante na Casa Civil, Berzoini em Relações Institucionais e Wagner na Secretaria-Geral. Dilma optou por trocar a pasta de Berzoini e escalar os gaúchos Rossetto e Pepe Vargas para as cadeiras próximas de seu gabinete no Planalto.

Petistas avaliam que essa opção tem influência de Mercadante, que quer concorrer à Presidência em 2018 e manobrou para evitar a concorrência de Wagner, outro nome com potencial de candidato, na “cozinha” do governo.

Testemunhas dizem que Lula ficou profundamente contrariado ao saber que Berzoini seria remanejado para dar espaço ao deputado gaúcho. As manifestações do ex-presidente limitaram-se a interlocutores e não chegaram a Dilma.

O estilo Dilma e o protagonismo de Mercadante também têm incomodado o PT. Integrantes da corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB) se queixam que a Mensagem ganhou mais espaço no ministério ao emplacar Vargas e manter Rossetto e Cardozo em pastas de prestígio.

“Recebi mensagens de militantes manifestando preocupação com a representatividade do equilíbrio interno de forças do PT na montagem do ministério”, disse Francisco Rocha, o Rochinha, coordenador da CNB.

Dirigentes petistas também reclamam da falta de diálogo com Dilma. A presidente chegou a pedir ajuda a alguns deles para sondar nomes, mas não deu mais satisfações ao partido.

Lula e movimentos sociais se unem para pressionar Dilma

• Ex-presidente promete ajudar líderes a cobrar atenção do governo a demandas

• Grupo informal deve ser criado dentro do PT para ajudar no diálogo com a esquerda nos próximos quatro anos

Marina Dias – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu assumir papel mais ativo na interlocução do PT com os movimentos sociais e promete ajudá-los a pressionar a presidente Dilma Rousseff para que atenda suas demandas.

Insatisfeito com o ministério formado pela sucessora para seu segundo mandato, Lula disse a aliados que, na sua avaliação, a mobilização social e a reaproximação com a esquerda são condições necessárias para que o partido continue no poder depois que Dilma encerrar seu mandato.

O ex-presidente, que governou o país de 2003 a 2010 e ajudou a eleger a petista com seu prestígio, pretende assim abrir caminho para se lançar novamente como candidato à Presidência em 2018.

Desde a reeleição de Dilma, em outubro, Lula intensificou seu contato com movimentos sociais e reuniu-se com lideranças da juventude, sindicalistas e dirigentes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

Aos sindicalistas, Lula afirmou que é preciso "sair do chão de fábrica" e participar de discussões sobre a reforma política, mudanças no sistema tributário e a regulação dos meios de comunicação.

Já para os trabalhadores sem terra, o ex-presidente fez um apelo para que as lideranças "reclamem menos" do governo Dilma e criem uma agenda efetiva de reforma agrária e agricultura familiar.

No último sábado (20), em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, Lula participou da inauguração de um conjunto habitacional construído pelo MTST com apoio do programa federal Minha Casa Minha Vida.

Um dia depois, gravou um vídeo divulgado pelo Instituto Lula em que pede mais diálogo de Dilma, que não compareceu ao evento, com os movimentos sociais, para que "faça um governo exitoso".

Na terça-feira (23), em novo vídeo publicado em sua página no Facebook, Lula afirmou que é preciso "reorganizar a base de alianças com os setores mais à esquerda da sociedade" caso o PT queira "continuar governando o país" depois de 2018.

Segundo interlocutores do ex-presidente, esse tipo de cobrança será feita periodicamente por Lula, que tem se queixado em conversas reservadas do estilo de Dilma, muito centralizador e pouco alinhado às bases do partido.

Contrariado com a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, o PT esperava que Dilma compensasse o aceno feito ao mercado financeiro indicando que agora estaria aberta também a dialogar com os movimentos sociais na base do partido.

Mas isso não aconteceu. Além de Levy, Dilma nomeou a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura e Armando Monteiro (PTB-PE) para o Ministério do Desenvolvimento, novamente contrariando os grupos da esquerda petista.

Equipe
Lula pretende criar na estrutura do PT um grupo informal, paralelo à executiva da sigla, que ajude a direção a levantar novas bandeiras e renovar o diálogo do partido com os movimentos sociais.

Estão cotados para participar da equipe o ex-ministro Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula; Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, que deve sair do governo agora; o deputado estadual Edinho Silva (SP), que foi tesoureiro da campanha de Dilma neste ano; e o senador Humberto Costa (PE).

O senador teria sido citado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa entre os políticos envolvidos no esquema de corrupção descoberto na estatal, e Lula deve aguardar o desdobramento das investigações antes de incluir seu nome na equipe.

Dilma adia anúncio de ministros do PT

PT disputa espaço no Planalto

• Em meio a briga interna na legenda, Dilma adia anúncio dos ministérios do partido

Catarina Alencastro, Luiza Damé e Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff desistiu ontem de anunciar mais ministros que farão parte de seu governo. Havia a expectativa de que nessa leva fossem divulgados os cargos que ficariam com petistas, mas a pressão de correntes internas da legenda insatisfeitas com a perda de espaço no Planalto foi um dos motivos que levaram ao adiamento. A presidente retorna de Salvador (BA), onde descansa na Base Naval de Aratu, na segunda e deverá finalizar as negociações dos últimos nomes da equipe. Ela ainda precisa anunciar quem comandará 22 ministérios a partir de 1º de janeiro e nos últimos dias os nomes definidos para as pastas reservadas ao PT têm gerado tensão entre a presidente Dilma e as correntes do partido ligadas ao ex-presidente Lula, que acha que está tendo um esvaziamento no Planalto.

Na última terça-feira, Dilma passou a maior parte do dia reunida com auxiliares mais próximos discutindo as vagas que ficarão com o PT. Essas conversas se estenderam para a manhã de quarta-feira, antes dela embarcar para a Bahia.

Embora já tenha decidido indicar o atual comandante da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Ricardo Berzoini, para as Comunicações, como queria o partido e era de interesse do próprio ministro, petistas ainda resistem à escolha que Dilma fez para a SRI, pasta responsável pela articulação política do governo: o deputado Pepe Vargas (PT-RS).

Além de considerarem que Pepe não tem perfil para a função, o ex-presidente Lula e a principal corrente petista, a Construindo um Novo Brasil (CNB), estão contrariados com a perda de espaço no Palácio do Planalto. Pepe é da ala interna Democracia Socialista, que atua em conjunto com a segunda maior corrente petista, a Mensagem. Já Berzoini é próximo de Lula e pertence à corrente majoritária do PT, a CNB.

Outra baixa na turma do ex-presidente será a troca de Gilberto Carvalho por Miguel Rossetto na Secretaria-Geral da Presidência. Rossetto também é da Democracia Socialista, mesma corrente de Pepe e pessoa de confiança de Dilma, de quem é próximo desde quando a presidente trabalhava no Rio Grande do Sul.

Ao lado da política econômica, a articulação política é uma das áreas mas sensíveis do governo. A escolha de Pepe para a SRI surpreendeu o PT. Ele é um deputado de pouca expressão política e não é considerado à altura da função por Lula nem por dirigentes petistas. Antes de deixar o MDA percorreu o País distribuindo tratores e caminhões junto com Dilma.

O ex-presidente prevê um cenário difícil para o governo no Congresso no próximo ano, com uma oposição mais aguerrida; uma base aliada pouco fiel; a eventual eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara; e com possíveis turbulências decorrentes do escândalo de corrupção na Petrobras.

O enfraquecimento da CNB e do grupo de Lula ocorre justamente no momento em que o partido cobrava maior participação e influência no governo. O sucesso do segundo mandato de Dilma é considerado fundamental pelo partido para fazer seu sucessor em 2018, após 16 anos no comando do governo federal e seu consequente desgaste.

PDT continuará no Trabalho
Além de ter perdido os ministérios da Educação e da Fazenda, o PT não deve conseguir o Ministério do Trabalho, como desejava para fortalecer a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Dilma chegou a oferecer ao presidente do PDT, Carlos Lupi, que o partido trocasse essa pasta, comandada atualmente pelo partido, pelo Ministério da Previdência, o que não foi aceito. O ministro Manoel Dias (Trabalho) deve permanecer no posto. Já o deputado André Figueiredo (PDT-CE), que aspirava ao cargo, deve assumir a liderança da bancada do PDT na Câmara.

Na última quarta-feira, Berzoini se reuniu com Dilma e ficou praticamente acertado que ele deve ir para as Comunicações. Não está definido, no entanto, se essa pasta vai incorporar a Secretaria de Comunicação Social, que faz a gestão das verbas publicitárias do governo. Nesse mesmo dia, Dilma acertou com o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), a transferência do ministro Gilberto Occhi, atualmente no Ministério das Cidades, para Integração Nacional. O PP preferia permanecer nas Cidades, mas não teve escolha. A pasta foi destinada a Gilberto Kassab (PSD).

Entre os nomes que devem ser anunciados na próxima segunda estão o do deputado eleito Patrus Ananias (PT-MG) para o Desenvolvimetno Agrário e do vereador Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP) para Transportes. O mais cotado para a Cultura é o petista Juca Ferreira. A presidente deve anunciar ainda a permanência dos ministros Ideli Salvatti (Direitos Humanos), Izabella Teixeira (Meio Ambiente), Tereza Campello (Desenvolvimento Social), Arthur Chioro (Saúde), Aloizio Mercadante (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça).

Escândalos derrubam ações da Petrobras em 6,19%

Ações ladeira abaixo

• Papéis da Petrobras caem mais de 6% com ameaça de rebaixamento e novo processo nos EUA

Rennan Setti, Ramona Ordoñez – O Globo

As ações da Petrobras interromperam uma sequência de três altas e caíram mais de 6% ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Foi o primeiro pregão após a agência de classificação de risco Moody"s indicar que pode rebaixar sua nota de crédito e depois de a cidade americana de Providence, Rhode Island, entrar com ação coletiva contra a companhia e membros da diretoria. A queda foi a maior em duas semanas e fez com que a ação ordinária (com direito a voto) da petrolífera voltasse a valer menos de R$ 10. Ela também provocou uma queda de 1,46% do Ibovespa, principal índice da Bolsa, para 50.144 pontos. Em Wall Street, os recibos de ações da Petrobras caíram 2,76%.

Os papéis da companhia recuaram 6,19% (ordinários, com direito a voto, para R$ 9,85) e 6,11% (preferenciais, sem voto; R$ 10,30). Assim, em um dia, a empresa encolheu R$ 8,6 bilhões em valor mercado. No mês, a empresa acumula perdas de 20%, ou R$ 131 bilhões.

- O possível rebaixamento é algo que preocupa muito porque aquele que a (agência de classificação de risco) S&P fez, há algumas semanas, foi limitado, não afetou o rating global da companhia. Se a Moody"s tomar essa atitude, isso será encarado pelo mercado como um evento muito negativo para companhia - disse o analista João Pedro Brugger, da Leme Investimento.

Na avaliação de Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença, as ações da companhia devolveram a alta "artificial" que registraram nos últimos dias. Nos três pregões anteriores, a empresa subiu 16,4%.

- Ela subiu sem qualquer motivo concreto, favorecida por um momento de pouca liquidez no mercado. A verdade é que o cenário continua muito negativo. Tudo está pesando: a possibilidade de rebaixamento pela Moody"s e os processos que a companhia enfrenta.

No dia 23, a Moody"s disse estar revisando as notas da Petrobras para possível rebaixamento. Por causa dos feriados do Natal, ontem foi o primeiro pregão desde o anúncio da Moody"s. A agência disse temer que a Petrobras seja forçada por credores a antecipar pagamentos por não ter divulgado balanço financeiro auditado.

Na quarta-feira, a capital do estado americano de Rhode Island, Providence, entrou com uma ação coletiva em Nova York contra a estatal, duas de suas subsidiárias internacionais e vários dos seus executivos, incluindo a presidente Maria das Graças Foster.

- Embora seja difícil afirmar com certeza nesse estágio inicial do processo, no mínimo, o volume de indenizações estará na casa das centenas de milhões de dólares - disse ao GLOBO Michael W. Stocker, sócio do escritório Labaton Sucharow e um dos responsáveis pela ação.

Stocker acredita que o processo será unificado às outras ações coletivas contra a firma brasileira nos EUA nos próximos meses e que toda a tramitação deve levar de dois a três anos.

Cidade perdeu 60% do valor investido
Segundo o processo, a cidade comprou 73.050 ADSs - American Depositary Shares, recibos de ações negociados nos EUA - da Petrobras entre março de 2012 e outubro deste ano, no valor de US$ 1,39 milhão. Mas o município se desfez de 19.700 desses papéis entre julho e setembro, obtendo receita de US$ 390 mil, de acordo com a ação coletiva. Assim, Providence possui ainda 53.350 ADSs, avaliadas hoje em US$ 395 mil, segundo cotação de mercado - desvalorização de 60% para um patrimônio que custou US$ 1 milhão. Quando a cidade comprou sua primeira ação da Petrobras, ela valia mais de US$ 28; ontem, encerrou cotada a US$ 7,39.

Providence ainda mantém títulos de renda fixa da Petrobras que adquiriu em 18 de novembro de 2014 por US$ 129 mil. Entre janeiro de 2012 e setembro deste ano, a cidade comprou cerca de US$ 770 mil em outros títulos da estatal, mas conseguiu vendê-los por valores próximos aos de compra durante esse período.

Para Cláudio Pinho, advogado especializado em petróleo da Fundação Dom Cabral, foi o fato de a Petrobras não ter publicado seu balanço financeiro auditado que levou Providence a citar nominalmente seus executivos na ação.

- Quando a Petrobras diz que vai publicar seu balanço mesmo sem o parecer da PwC, significa que os diretores estão assumindo a responsabilidade pelos números. Por isso, os executivos da Petrobras estão sendo citados nominalmente. A noção da credibilidade é tratada de forma mais séria nos EUA, e isso pode levar a uma corrida judicial mais forte daqui para a frente.

Segundo Pinho, a ação é semelhante às anteriores, só que é feita por uma municipalidade. Nos EUA, cidades e estados podem adquirir ações e debêntures, o que não é permitido no Brasil.

Procurada, a secretária de imprensa de Providence, Dawn Bergantino, disse que não comenta processos em andamento, mas afirmou que "a cidade está muito preocupada com as alegações surgidas contra a Petrobras."

Dilma é citada em ação nos EUA contra Petrobrás

• Presidente é listada, com mais 11 autoridades, em processo por ter assinado prospectos que basearam emissões de títulos da estatal

Alexa Salomão, Fernando Scheller - O Estado de S. Paulo

O escritório americano Labaton Sucharow, que representa Providence, capital do Estado de Rhode Island, em uma ação contra a Petrobrás e duas de suas subsidiárias, adotou uma estratégia jurídica agressiva: incluiu na ação a presidente Dilma Rousseff e outras 11 autoridades públicas e empresários na condição de "pessoas de interesse da ação".

Constam da lista o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o empresário Jorge Gerdau, do grupo Gerdau, e o executivo Fábio Barbosa, presidente do Grupo Abril, todos ex-integrantes do conselho de administração da Petrobrás.

O processo nos EUA ajudou a derrubar em mais de 6% as ações da estatal ontem. Ele tem entre os réus a presidente da estatal Graça Foster e um ex-membro do conselho de administração, o empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas.

O grupo de 12 pessoas está em outro situação: é citado por ter assinado prospectos que serviram de base para as emissões de títulos de dívida e ADS (American Depositary Share) que são discutidos no processo.

Os demais são: Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás; Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Miriam Belchior, ministra do Planejamento; Silas Rondeau e Márcio Zimmermann, ambos ex-ministros de Minas e Energia; Sérgio Quintella, ex-presidente do Tribunal de Contas da União; Marcos Antônio Menezes, do Instituto Brasileiro de Petróleo; e o general Francisco Roberto de Albuquerque. A reportagem tentou contato com todos os citados. Os que responderam até o fechamento da edição não quiseram comentar a ação.

Estratégia. Segundo advogados ouvidos pelo Estado no Brasil e no exterior, neste condição, os citados não são réus. "Mas, pela lei americana, dependendo do desenrolar da ação, do surgimento de novos fatos, das provas que forem anexados aos autos, o escritório pode pedir ao juiz que elas sejam chamadas a depor ou mesmo transformadas em réus", explicou o advogado americano James Munisteri, sócio especializado em litígios do escritório texano Gardere.

Segundo Munisteri, em litígios do gênero "pessoas de interesse da ação" podem virar réus se ficar provado duas circunstâncias: que elas sabiam que as declarações nos prospectos eram falsas ou se agiram com grave negligência, como assinar os papéis sem ler direito.
Na sua avaliação, incluir no processos autoridades tão importantes do Brasil pode ser uma "estratégia de pressão para forçar um acordo".

Em entrevista ao Estado, o sócio do Labaton Sucharow, Michael Stocker, responsável pelo caso, disse que "por enquanto" não há planos em transformar as "pessoas de interesse" citadas no processo em réus. Ele ainda afirmou que é "muito cedo, em nossa estratégia de litígio, dizer se essas pessoas serão chamadas a depor". Em um ponto ele disse ter certeza: os valores mínimos das multas a serem aplicadas no caso Petrobrás ficarão na casa de "centenas de milhões de dólares".

O valor arrecado pela Petrobrás com os certificados de dívida e as ADS que estão no processo passam de US$ 100 bilhões. Por isso, Munisteri acha que o processo pode colocar o caso entre o maiores já movidos nos EUA, gerando indenizações tão altas quanto as dos casos Enron e Worldcom. / Colaboraram André Borges, Rafael Moraes moura, Vinícius Neder

Conta de luz ficará 8,3% mais cara em janeiro

• A partir de 1º de janeiro, clientes das distribuidoras pagarão R$ 3 a mais por cada 100 kilowatts-hora consumidos

• Alta se deve ao início do sistema de bandeiras tarifárias, que indicará todo mês se houve aumento no custo

Machado da Costa - Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) definiu que em janeiro de 2015 todos os consumidores de energia ligados ao sistema das distribuidoras pagarão R$ 3 a mais para cada 100 KWh (kilowatts-hora) consumidos.

O acréscimo --de 8,3%-- deve-se à implementação do sistema de bandeiras tarifárias, que em janeiro, tem definida a cor vermelha.

O consumo médio de uma residência com quatro pessoas no Brasil é de 170 KWh por mês, caso em que a conta de luz subirá de R$ 60 para R$ 65, aproximadamente.

As quatro regiões do sistema interligado nacional (SIN) --Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Norte e Nordeste-- sofrerão o aumento nas tarifas.

Apenas os Estados de Amazonas, Amapá e Roraima, que ainda fazem parte dos sistemas isolados, não terão de arcar com a tarifa extra.

O sistema de bandeiras tarifárias é um instrumento que aumenta automaticamente a conta de luz assim que o custo de produção da energia é considerado elevado.

As três cores, vermelha, amarela e verde, indicam os diferentes níveis de custo.

Enquanto que a vermelha adiciona R$ 3 para cada 100 KWh consumidos, a amarela eleva em R$ 1,50. A verde retorna a tarifa para o valor cobrado antes da aplicação das outras bandeiras.

Os objetivos são antecipar a arrecadação das distribuidoras para suprir a alta de custo e alertar o consumidor.

A Aneel estabeleceu o ano de 2014 como período de testes para o novo sistema e não cobrou dos consumidores os valores adicionais. A partir de 1º janeiro de 2015, esses valores passarão a ser cobrados.
A divulgação da cor da bandeira válida para o mês seguinte será feita sempre na última sexta-feira do anterior. Para fevereiro, a cor será divulgada em 30 de janeiro.

Período de testes
Durante quase todo o ano escolhido pela Aneel para realizar as simulações das bandeiras tarifárias, a cor definida foi vermelho. Apenas no mês de janeiro, para todo o país, o amarelo foi vigente.

Em julho, mas somente para a região Sul, também foi definida a cor amarela.

Segundo estimativas do setor, caso a tarifa extra já estivesse sendo cobrada, as distribuidoras de energia arrecadariam cerca de R$ 9 bilhões a mais.

De acordo com conta feita pela Abradee, associação da distribuidoras, em um mês de cor vermelha, o valor pago pelos consumidores subirá R$ 800 milhões. Na bandeira amarela, a elevação é de R$ 400 milhões.

Outros aumentos
Além do aumento da conta de luz promovido pelo início do sistema de bandeiras tarifárias, outros fatores podem elevar a tarifa cobrada em mais 25 pontos percentuais, segundo especialistas consultados pela Folha.

Ao longo dos últimos dois anos diversos fatores confluíram para que a conta de luz disparasse em 2015.

Empréstimos às distribuidoras, desequilíbrios entre a oferta e demanda de energia e a desvalorização do dólar foram os principais.

Além disso, a Aneel aprovou em 9 de dezembro aumento de 46% para a energia de Itaipu, o que vai onerar os consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

As concessionárias do Norte e Nordeste, que não compram de Itaipu, terão reajuste de 20 pontos percentuais.

Por outro lado, há também fatores que evitam uma alta ainda maior. Até julho de 2015, cerca de 4.000 megawatts (6% do total consumido no país) serão barateados e repartidos entre as distribuidoras, devido ao término da concessão de 33 usinas hidrelétricas.

Entrevista do senador Aécio Neves

• Corrupção na Petrobras, depoimento Venina da Fonseca, CPMI, política econômica, porto de Mariel em Cuba, presidência da Câmara

Senador vamos repercutir a entrevista de Venina da Fonseca no Fantástico. Qual a leitura que o senhor dá aqui, daquela declaração dela que esteve com a presidente Graça e disse e relatou a ela os problemas, além de ter enviado e-mail?

As informações são extremamente graves, porque quando a corrupção deixa de ser o fato feito por ausência de caráter de um individuo ou de um grupo político, já é grave. Quando é algo institucionalizado em uma empresa e as providências não são tomadas, mesmo com tantos alertas feitos, é realmente algo inédito na nossa história contemporânea. E além da crise moral, além do prejuízo financeiro que vem tento a Petrobrás, há uma crise de governança que nós vamos infelizmente demorar muito tempo para superar. A Petrobrás, nós estamos assistindo ao longo de todos esses últimos anos, não teve quaisquer controles mínimos que empresas, muito menos complexas do que ela, determinavam ter. Então esse assunto se torna extremamente grave, porque não há uma clareza em relação à participação seja da presidente da Petrobras, de demais diretores da Petrobras e com um agravante, no Congresso Nacional, na CPMI, quando indagada se tinha conhecimento das denúncias ou informação que levasse a suspeitas mais profundas em relação a desvios da Petrobras, a atual presidente Graça Foster disse que não sabia de nada disso, apenas depois do inquérito da Operação Lava- Jato é que tomou conhecimento desses desvios. Portanto, a cada dia uma nova notícia e todas elas nos levam a ter uma gravíssima preocupação, porque se na Petrobras era assim, será que nas outras empresas também não era assim? Essa mesma governança? Infelizmente esse é o pior dos legados que o governo do PT nos deixa. Uma enorme desconfiança em relação à empresa, em relação aos investimentos privados que deveriam ter continuidade no Brasil e obviamente quem paga a conta ao final é o cidadão brasileiro.

Agora no caso da Venina da Fonseca há também algumas pendências que indicam que ela também cometeu ilícitos. Então até que ponto ela é confiável?

Acho que tudo isso tem que ser investigado. Ela tem que ser investigada, a direção da empresa tem que ser investigada e por isso que nós há mais de um ano fomos ao Supremo Tribunal Federal para garantir uma investigação do Congresso Nacional. E quem avançou foi o Ministério Público, foi a Polícia Federal e nós vamos retomar, logo após o recesso parlamentar, buscando assinaturas para uma nova CPMI, porque o sentimento que temos é que durante esse mês de janeiro teremos novas informações e não é possível que com tantas delações, com tantas confissões, já inclusive com retorno de dinheiro para o Brasil, o Congresso Nacional se mantenha blindado em relação a esse gravíssimo escândalo. O Congresso Nacional tem a responsabilidade, por ser a casa do cidadão, do povo brasileiro, de participar das investigações e de ajudar nas suas apurações punindo todos aqueles, independentemente de partido político, que tiverem responsabilidade com esses desvios que a cada dia mais trazem indignação a todos os homens e mulheres de bem do Brasil.

Por quê a presidente Dilma, ao seu ver, insiste em manter Graça Foster na presidência da Petrobras?

Acho que a presidente da Petrobrás perdeu todas as condições de ficar a frente da empresa. Cabe à presidente da República substituí-la e vai fazer isso no tempo. Talvez o estilo da presidente seja esse de tentar até o último minuto manter aquilo que a meu ver é impossível de ser mantido. Hoje não há capacidade da atual direção da empresa, eu me refiro a toda ela, de garantir o resgate da credibilidade para que a Petrobras estabeleça um novo portfólio de investimentos. Porque a Petrobras, ela vive hoje uma crise que vivem as demais petroleiras em razão da queda do preço do barril do petróleo, mas envolta nessa crise de desconfiança, de ausência de governança, corrupção sem limites e nós temos aí a premência, a necessidade de fazermos investimentos inclusive em relação ao pré sal. Apenas uma diretoria profissional, tudo que nós cobrávamos durante a campanha eleitoral, ao meu ver, resgata as condições de investimento, de financiamento da companhia.

Senador essa nova CPMI incluiria as delações premiadas? Porque me parece ser um ponto fundamental.

Acho que esse é o ponto de partida da nova CPMI, pois a partir daí ela não poderá mais desconhecer a realidade. Por que o que fez a base do governo até aqui? Blindou a CPMI com a sua maioria, desconheceu, até porque não eram públicos ou não eram oficiais todas as informações até quanto pôde. E nós já tínhamos denúncias, já chegavam a nós no Congresso Nacional há muito tempo denúncias e desvios na Petrobras. A próxima CPMI e acredito que o governo tem obrigação, até para fazer coro ao que diz a presidente da República, que quer apurar isso até as últimas consequências, independente de quem sejam os responsáveis, é absolutamente fundamental que tenhamos o apoio da base do governo para instalação já a partir dos próximos dias de fevereiro, do início da sessão legislativa, de uma nova CPMI que terá como base, como ponto de partido, as confissões que são as delações premiadas.

Não só com a Petrobras, mas parece que o governo perdeu a credibilidade em outras áreas econômicas. Como o senhor vê este anúncio desta nova equipe econômica que vai começar em 2015. Isso vai ajudar a resolver? É o caminho certo?

A indicação e o discurso da nova equipe econômica é a negação de tudo o que a candidata Dilma falou durante a campanha eleitoral e a confirmação que tudo aquilo que nós avisamos que estava acontecendo no Brasil. O diferente é que para este governo sem credibilidade o custo do ajuste será muito mais alto porque falta algo que é essencial para que as medidas sejam menos dramáticas para a população brasileira. Já estamos vendo anúncio de aumento de impostos, de corte de direitos trabalhistas que não era a receita do PSDB. E tudo isso vem se agravando ao longo deste ano porque se o governo tivesse tomado medidas anteriormente, antes do processo eleitoral, por mais que isso eventualmente trouxesse prejuízo eleitoral, mas seria muito mais adequado para os cidadãos brasileiros porque seria menor o custo dos ajustes que serão feitos agora. Existe uma esquizofrenia na condução da política econômica hoje. De um lado, a nova equipe anuncia um ajuste fiscal duro, talvez de 100 bilhões de reais no ano que vem para chegar a este superávit de 1,2 % do PIB. E ao mesmo tempo, a atual equipe econômica insiste em fragilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal, apresentar de novo proposta de recurso para o BNDES sem que o governo tivesse arcado inclusive com os subsídios já dados ao longo dos últimos anos. Então, o tempo vai nos mostrar se a presidente Dilma tem convicção de que o caminho do ajuste é o melhor caminho ou se o gesto da nomeação dos novos ministros foi apenas uma sinalização necessária e emergencial aos mercados, mas que ao longo do tempo eles continuarão fazendo como sempre fizeram até hoje.

Durante a campanha, o senhor falava que 2015 e 2016, dado ao cenário fiscal e econômico, eram praticamente dois anos mortos. O senhor vê a situação agora pior?

Serão dois anos difíceis, mas certamente serão piores porque este governo fará um ajuste muito mais penoso, repito, porque não tem credibilidade. Há ainda uma retração grande dos investimentos em absolutamente todos os setores. O Brasil é um país visto com enorme desconfiança hoje. E, agora sim, com a recuperação da economia americana, é mais um aspecto a trazer preocupação aos brasileiros. A fragmentação das agências reguladoras, por exemplo, e a incerteza que os mercados têm, que os cidadãos comuns têm de como será o processo de ocupação desses cargos, tudo isso agrava o ajuste. Por exemplo, a presidente da República inicia já o seu mandato refém de uma ampla base de apoio e caminhando na mesma direção em que terminou. E talvez ainda mais dependente. Então, são feudos distribuídos para partidos políticos, nacos de poder distribuídos para saciar a ânsia da sua base e tudo isso impacta negativamente nas expectativas. Economia é expectativa. Estamos vendo já um grande pacote. Tudo o que eu disse que não faríamos. A nossa gestão seria da previsibilidade. Mas como há uma expectativa dos mercados em saber como reagirá a presidente no próximo mandato, se torna necessário fazer algo muito mais duro do que faríamos certamente.

Hoje a presidente Dilma disse que é uma atitude de quem não sabe perder a se referindo ao pedido de cassação do registro eleitoral apresentado pelo PSDB na semana passada. O que o senhor teria a dizer a respeito?

Ao contrário. O primeiro brasileiro a reconhecer a derrota fui eu ao ligar para a presidente da República. Mas o Estado de Direito permite que você acione a Justiça não para impedir a posse da presidente da República, mas para apurar eventuais crimes cometidos durante a campanha eleitoral. Isso se faz na democracia e vamos exercer no limite daquilo que seja obviamente legal e razoável, esse nosso direito, como exerceriam outros partidos políticos. Se houve a utilização de uma empresa pública em benefício de uma determinada candidatura, tem de haver sanção. Tem de haver uma punição. Não estou falando aqui de cassação de mandato. E nós não podemos permitir que este discurso do PT de terceiro turno prevaleça. Porque a presidente venceu as eleições, mas ela não ganhou salvo-conduto para continuar fazendo o que vem fazendo ao longo de todos esses últimos anos e que tanto dano trouxe para a economia brasileira à imagem das nossas empresas e à vida dos cidadãos.

Durante a campanha o senhor fez críticas à questão do porto Mariel em Cuba. E com a volta da relação diplomática entre Estados Unidos e Cuba, o PT tem dito que foi uma grande jogada investir naquele porto. O senhor acha que muda alguma coisa?

Isso é quase uma piada do PT. O porto de Mariel é um porto construído com recursos financeiros que será, obviamente, benéfico a Cuba e administrado por uma empresa de Singapura, sem que traga qualquer benefício ao Brasil. Os benefícios ao Brasil ocorreriam se os portos dos quais os investimentos do BNDES tivessem sido feitos, fossem nos portos brasileiros. Não se justifica tanto porque a presidente fugiu deste debate durante todo o tempo. Mas eu saúdo o reatamento das relações. Acho que é um passo na diplomacia internacional extremamente marcante, mas para o qual não teve qualquer participação do Brasil.

Senador, na última sexta-feira o deputado Eduardo Cunha disse que ele é o único candidato da independência nessa disputa entre Júlio Delgado e Arlindo Chinaglia. Ele falou até que o PSDB vai ou pretende apoiá-lo. Como o senhor vê essa possibilidade?

Essa é uma decisão da Câmara. Temos que respeitar a autonomia dos deputados federais. Mas o sentimento que colhi nessa última semana em Brasília, é de que a ampla maioria da bancada opta, até em um gesto de reciprocidade, apoiar a candidatura do deputado Julio Delgado do PSB. E vamos ver como isso avança em relação a segundo-turno. Me parece que essa é a posição hoje de maior conforto para pelo menos a maioria do PSDB. Não há uma unanimidade claro, mas a maioria do PSDB deverá ir nessa direção.

O senhor defende alguma posição nesse caso?

Acho que esse é o caminho que me parece hoje mais adequado.

Senador como o senhor avalia essas novas denúncias que chegam em relação a Petrobras? O que a oposição pretende fazer em relação a isso? A gerente que fez, à época, denúncias para a Graça Foster, a posição da Dilma Rousseff. Como o senhor avalia isso?

As denúncias são extremamente graves e não cessam. A cada dia é uma novidade. a cada dia é uma informação nova. A presidente Graça Foster esteve no Congresso Nacional e disse que não tinha qualquer conhecimento em relação a qualquer tipo de irregularidade ou desvios na Petrobras. O que estamos vendo é que a presidente Graça Foster mentiu ao Congresso Nacional. Eu considero a sua situação hoje na Petrobras, a sua sustentação, absolutamente inviável. Porque a Petrobras, além dos escândalos, além dos prejuízos financeiros, enfrenta um problema com a queda do preço do barril do petróleo. Isso encontra a nossa empresa no momento em que ela tem que definir os seus investimentos, sobretudo em relação ao pré-sal. E para que a credibilidade da empresa seja resgatada, é preciso que ali esteja uma diretoria profissional. Isso não é uma necessidade de um governo, é uma necessidade do país. E eu estou convencido que mais dia, menos dia, isso terá que ocorrer.

E o que a oposição pretender fazer? Como o senhor avalia o posicionamento da presidente Dilma?

Eu, quando candidato, em alguns dos debates, dei à presidente a oportunidade de se desculpar com o brasileiros pela ausência de governança na empresa e pelos prejuízos que a empresa causava ao Brasil. Os escândalos depois da eleição foram tão maiores que aqueles que imaginávamos que sequer direito a desculpas eu acredito que a presidente tenha mais. Eu não acho que a presidente tenha se beneficiado pessoalmente de desvios, até fiz sempre essa ressalva. Mas do ponto de vista político isso aconteceu. E temos que agora, como oposição, estar vigilantes aguardando que as investigações continuem ocorrendo, aguardando o conteúdo das delações premiadas, porque acho que essa história ainda está no começo. Acho que estamos vendo ainda apenas a ponta do iceberg. Porque segundo, inclusive, um dos principais delatores, Paulo Roberto [da costa], o que ocorria na Petrobras ocorria também em outras empresas públicas brasileiras. O papel da oposição é garantir às instituições, seja Ministério Público, Polícia Federal, autonomia e independência para que continuem investigando até o final sem qualquer tipo de cerceamento, obviamente tentando impedir qualquer manobra que impeça que todos os envolvidos, todos eles, sejam agentes políticos, sejam dirigentes de empresas privadas, sejam dirigentes da Petrobras, todos eles sejam exemplarmente punidos.

Marco Aurélio Nogueira - Consagração aparente

- O Estado de S. Paulo

Ano com Copa do Mundo e eleições presidenciais sempre será diferente, sujeito a chuvas e trovoadas, lágrimas e sorrisos, emoções à flor da pele. Ainda mais quando a festa máxima do futebol se realiza dentro de casa. Foi assim com 2014.

Não que uma disputa futebolística pudesse causar impacto incomum neste "país do futebol", com torcidas gigantescas e apaixonadas, onde a bola rola em cada esquina ou pedaço de chão e no qual o interesse popular subsiste até mesmo em fases de penúria técnica e financeira de clubes, times e jogadores. A Copa atraiu mais por seus efeitos externos: não pelo que ocorreu ou poderia ter ocorrido nas arenas, mas, sim, pelo que foi feito ou se deixou de fazer para que se jogassem os jogos. Custos de estádios, obras, operações publicitárias para ligar o governo federal ao sucesso do evento, cálculos sobre eventuais ganhos turísticos e eleitorais. A política foi mais relevante que o esporte, despertou mais interesse e gerou muito mais tensão do que aquilo que os jogadores fizeram nos gramados.

O resultado final deu empate. O futebol foi pífio, a seleção brasileira fracassou com direito a humilhação, exibindo uma mediocridade técnica, tática e emocional que não se cantava em verso e prosa. Mas a gestão governamental conseguiu se descolar do fracasso esportivo e da exorbitância de gastos e permaneceu com a cabeça fora d'água, agarrada ao que havia de racionalidade no "projeto Copa", em que pesem as vaias orquestradas contra a presidente.

Dias depois da entrega da taça, o País mergulhou, inicialmente sem maior interesse, na disputa eleitoral. Parecia anestesiado, paralisado pela mesmice do discurso político e pela reiteração de uma conhecida polarização partidária, vivida como se fosse um clássico futebolístico que perdeu a graça por falta de jogadores de talento, estratégias de jogo surpreendentes e jogadas espetaculares, a que se assiste com tédio e por hábito, como rotina dominical.

PT e PSDB armaram o circo para serem os únicos a pisar no picadeiro para recitar o poema bem decorado.

Quis o destino que o roteiro desenhado fosse inviabilizado, primeiro com a morte trágica de Eduardo Campos e, depois, com a ascensão meteórica de Marina Silva. O coro dos contentes desafinou e um calor desconhecido se fez presente na velha política, desorganizando o que parecia organizado. PT e PSDB sentiram as chamas arder próximas e tiveram de apelar para as armas abjetas da política negativa.

Especialmente a partir do Palácio do Planalto - que não podia aceitar que uma outsider pusesse em risco o patrimônio eleitoral ali acumulado ao longo dos últimos 12 anos -, a violência da reação foi inusitada: a mentira, a difamação, a ameaça, a grosseria, a intimidação do eleitor, tudo foi usado para destruir, desconstruir e triturar Marina Silva. Nunca se viu algo do tipo sendo feito por um partido de esquerda.

A operação foi um sucesso e se estendeu para o segundo turno, alcançando então Aécio Neves. Funcionou mais uma vez. Voltou-se, assim, ao ramerrame do clássico desgastado, o vencedor passou raspando e o processo terminou com a aparente consagração de Dilma Rousseff.

Consagração aparente porque relativa e menos expressiva do que se imaginou. Passada a emoção da vitória e dos dias da refrega encarniçada, o novo mandato se apresentou sem ouropéis e lantejoulas: vazio de propósitos e de projetos claros, desprovido de novas ideias e condicionado por um ambiente adverso demais. As oposições cresceram, os aliados do Planalto já não se entendem como antes, o PT parece desnorteado, as ruas permanecem excitadas, os problemas se multiplicaram, falta munição própria na gestão econômica (a ponto de forçar o novo governo a saquear o estoque adversário) e há o caso imprevisível da Petrobrás, cujas labaredas não parecem destinadas a baixar tão cedo.

Vitórias eleitorais não garantem nada, nem sequer um mandato, menos ainda o sucesso. Uma vitória conseguida na bacia das almas e ocultando os problemas do País pode não ser uma vitória de Pirro, mas não propicia vantagens ou facilidades. Terá de ser comemorada perante o espelho do País realmente existente, com seus desníveis e suas carências, que continuam tão fortes quanto antes. Há problemas e deficiências para onde quer que se olhe. Na saúde, na educação, na infraestrutura, na segurança, no meio ambiente, no sistema hídrico e energético, nos transportes, nas cidades, na indústria. A cultura de governo estagnou, tendo de se haver com um sistema político que impõe aos governantes exigências que os fazem ficar mais lentos e menos coesos, oneram seus custos e os levam a compor equipes ministeriais ao sabor de pressões e chantagens, não de atributos técnicos ou critérios gerenciais.

É o preço maior da "velha política" que tanto se defendeu durante as eleições, contra as ideias da "nova política" trazidas por Marina Silva e por setores da esquerda democrática. Valorizado, o "velho" impõe agora sua lógica, limitando o que poderia haver de vida nova e tirando do novo governo parte das energias com que poderia crescer. Faz com que ele "domine" sem conseguir "dirigir". Sem um parâmetro consistente de direção política, intelectual, técnica e moral, os diversos vencedores ficam soltos e passam a querer sua parte no espólio, armando, para tanto, um cerco que asfixia o governo. Como todos têm o rabo preso, estão mais fracos e mais temerosos, o que em política nunca é bom.

E assim cai a última folha do calendário. 2015 já se anunciou com todas as cores e pompas, avisando que não há por que esperar dele promessas de dias melhores, muito dinheiro no bolso ou saúde pública para dar e vender. A cidadania ativa, democraticamente composta e orientada, terá de se fazer presente para extrair do novo ano o que ele se nega a conceder. Que assim seja.

*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp

Merval Pereira - Briga interna

- O Globo

A dificuldade que a presidente Dilma está tendo para anunciar os nomes do PT de seu novo Ministério indica bem os desentendimentos das correntes internas do partido, que se refletirão no andamento do governo, sobretudo dentro do Congresso. Nomear Pepe Vargas para o Ministério das Relações Institucionais contra a vontade da facção majoritária Construindo um Novo Brasil — Vargas é da Democracia Socialista (DS ) — e, sobretudo , sem o apoio do ex-presidente Lula, terá consequências graves para a presidente , que claramente tenta montar dentro do Palácio do Planalto uma trincheira que lhe permita governar sem grandes concessões ao partido a que está filiada, mas que nunca liderou.

Aloizio Mercadante, no Gabinete Civil, é a figura central desse núcleo duro do governo que substituiu pessoas ligadas a Lula, como Gilberto Carvalho e Antonio Palocci no primeiro mandato, para colocar em seus lugares petistas próximos a Dilma e, por isso mesmo, afastados dos setores que decidem dentro do partido. Além do mais, Miguel Rossetto e Pepe Vargas, ministros que coordenarão os movimentos sociais e a articulação política, são gaúchos, o que provoca insinuações de que Dilma está se isolando em suas preferências pessoais. Dilma resiste a outra pressão do PT, para que coloque Ricardo Berzoini nas Comunicações , como indicação de que o controle social da mídia é prioritário nesse 2º governo. O PT, orientado por Lula, quer uma guinada à esquerda no restante do Ministério, mas Dilma dá preferência a estabelecer canais diretos com os partidos aliados e a manter por perto gente em quem confia.

Indulto
O advogado do ex-presidente do PT José Genoino terá que fazer malabarismos para incluí-lo no indulto natalino assinado no dia 24 por Dilma. Como os termos do decreto são os mesmos do ano passado, Genoino teria que ter cumprido 1/3 da pena e isso não aconteceu ainda, pois até agora, de acordo com o controle de execução de penas do Tribunal de Justiça do DF, Genoino cumpriu 1 ano, 1 mês e 10 dias de uma pena total de quatro anos e oito meses. Ele teria que reduzir de sua pena total alguns dias por ter lido livros ou trabalhado, mas teria que provar. O destino do ex-presidente do PT ser á decidido em última instância pelo ministro Luís Roberto Barroso na base da interpretação pessoal.

Ele pode ser desqualificado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça por uma tradição não escrita de não indultar políticos envolvidos em crimes de desvio de dinheiro público. Mas como não foi condenado por peculato, e sim por corrupção ativa, pode se beneficiar disso. O indulto só não é concedido formalmente para condenados por crimes hediondos e tráfico de drogas. O decreto de indulto também inclui pessoas "acometidas de doença grave e permanente que apresentem grave limitação de atividade e restrição de participação ou exijam cuidados contínuos que não possam ser prestados no estabelecimento penal". Tanto Genoino quanto Roberto Jefferson podem ser enquadrados nesse caso, especialmente o petista que já está em prisão domiciliar.

Petrolão
O processo que a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa está abrindo contra a estatal, alegando que sofreu assédio moral e que a companhia teria feito cortes ilegais no salário, revela uma maneira de administrar que tem sido usada pelas gestões petistas para pressionar os funcionários a aceitarem os desvios que porventura presenciarem. Na ação, os advogados contestam a redução de 69 mil reais para 24 mil brutos, que não poderia ter sido feita por uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Para cooptar os funcionários em setores chave, os diretores da Petrobras atribuíam a eles altas gratificações, mas as retiravam diante da primeira reação crítica às práticas da empresa. O silêncio era bem recompensado. Só que a estatal não seguia a determinação do TST de que, depois de 10 anos, a gratificação é incorporada ao salário, mesmo que o funcionário seja removido da função.

Igor Gielow - Aécio, segundo ato

- Folha de S. Paulo

Aécio Neves chega ao fim do ano como candidato ao posto de primeiro líder de oposição viável desde a ascensão do PT ao poder em 2003, algo que José Serra e Geraldo Alckmin não conseguiram após perderem suas eleições presidenciais para o time lulista.

A abulia histórica do tucanato fez do seu PSDB um partido que encarnava a oposição algo efetiva apenas em campanhas, mas não entre elas.

Sua maior bandeira, a gestão econômica, foi absorvida por Lula-1. A fórmula se repete agora com a ida de Joaquim Levy para a Fazenda, o que leva a um primeiro desafio para Aécio: dizer o que ele faria de diferente.

Nas contas tucanas, Levy só colocará a casa em ordem se usar remédios amargos. Das duas, uma: ou afeta o que ainda sustenta Dilma (emprego), ou não consegue tirar o país do buraco. Resta ao PSDB dizer qual dose de qual veneno ele iria usar.

Mais: a energia da quase vitória na eleição ainda está no ar, com o fastio ao PT visível em centros urbanos. Assim, Lula está com a faca nos dentes, acossado pelo escândalo da Petrobras e pela agenda de crise do governo. O resto de ministério medíocre em favor da governabilidade montado por Dilma é corolário disso.
No pós-eleição, Aécio assumiu um tom mais agressivo. Mas não sobreviverá quatro anos só com isso, tanto que busca agenda propositiva e aliados como o PSB, e ainda tem de descobrir como dissociar o descontentamento com o governo dos urubus que pedem a volta da ditadura --como disse, são os black blocs a assombrar uma oposição renovada.

Se conseguir manobrar por esses obstáculos em 2015, Aécio poderá chegar a 2016 como fiador de palanques de oposição fortes nas principais capitais. Precisa manter adversários internos por perto e provar que estão errados eles e os inimigos, que o tacham como inapetente. Dando certo, dificilmente perde a braçadeira de capitão da equipe que enfrentará em 2018 o PT de, ou com, Lula.

Ministério medíocre - O Estado de S. Paulo / Editorial

Dilma Rousseff tem pelo menos três grandes desafios para enfrentar já no início de seu segundo mandato na Presidência da República: corrigir os rumos da economia para recolocar o País na direção do crescimento; administrar o maior escândalo de corrupção da história da República procurando minimizar consequências que poderão ser devastadoras para os partidos que a apoiam, especialmente o PT; e saciar, na medida do possível, o crescente apetite da chamada base aliada por espaço que signifique poder e seus benefícios, num aparelho governamental que já é muito maior do que seria necessário, mas ainda insuficiente para satisfazer a ambição dos pleiteantes.

Diante disso, é fácil de imaginar as dificuldades que a presidente reeleita tem enfrentado para montar o novo Ministério. Mas, pelo que se viu dos 17 titulares do futuro gabinete - serão 39 -, o resultado é medíocre. Desconsiderado o trio desde logo designado para Fazenda, Planejamento e Banco Central - que dependerá do nível de autonomia de que desfrutará para confirmar os prognósticos positivos que saudaram sua escalação -, as indicações até agora confirmadas revelam que Dilma só está sendo capaz - ou talvez não deseje outra coisa - de oferecer ao País uma equipe medíocre, para se dizer o mínimo.

A nova composição do núcleo político do governo parece indicar duas tendências. De um lado, tentar estabelecer uma relação mais estável e produtiva com um Congresso Nacional que foi uma fonte permanente de dissabores para Dilma no primeiro mandato. Mas é mais que sabido que esse tipo de conchavo apenas estimula o apetite fisiológico de políticos que não têm compromissos programáticos - a não ser tirar nacos da coisa pública.

A outra tendência parece ser a de diminuir a influência política do PT no Palácio do Planalto, especialmente da corrente majoritária do partido, a Construindo um novo Brasil (CNB), cuja liderança mais expressiva é o ex-presidente Lula.

No primeiro mandato de Dilma, Lula foi presença forte no governo. Influiu diretamente na nomeação dos ministros mais importantes, inclusive aqueles que foram atingidos pela "faxina" que Dilma tentou promover depois de um ano no exercício do poder. Como influiu também para, algum tempo depois, recompor o mesmo perfil de equipe, se não com os mesmos nomes, com representantes dos mesmos interesses político-partidários. E nos gabinetes fisicamente mais próximos da presidente Lula deixou dois homens de sua absoluta confiança: Gilberto Carvalho na Secretaria-Geral da Presidência e Antonio Palocci no comando da Casa Civil.

A Casa Civil está e vai continuar nas mãos de Aloizio Mercadante, que nunca privou da intimidade de Lula. E a Secretaria-Geral da Presidência terá como titular o gaúcho Miguel Rossetto, integrante da corrente Democracia Socialista (DS), maior rival do grupo de Lula dentro do PT.

Tudo indica, diante dessas novas evidências, que Dilma pretende, no segundo mandato, se descolar tanto quanto possível da onipresença de seu criador. Faz sentido, considerando as características de autossuficiência e voluntarismo que se evidenciam no temperamento da presidente, que agora, reeleita, parece se sentir mais à vontade para andar com as próprias pernas. Resta saber até que ponto o ex-presidente vai se conformar com a novidade.

Candidato óbvio a voltar à Presidência, Lula sabe que dependerá muito de um bom desempenho de Dilma no segundo mandato para aspirar a uma vitória nas urnas em 2018. Mas não é porque sua capacidade de atuar politicamente dentro do governo parece diminuir que ele ficará de braços cruzados. Suas digitais estão claramente impressas na articulação dos movimentos sociais de esquerda que pretendem levar às ruas uma pauta de reivindicações "progressistas", como revelou reportagem do Estado na sexta-feira. É a alternativa que Lula pode ter encontrado para permanecer em evidência. Mas isso diz respeito ao futuro.

O que interessa a curto prazo, e é vital para todos os brasileiros, é a capacidade do futuro Ministério de equacionar e resolver os sérios problemas econômicos que foram agravados nos últimos anos. E tudo indica que tal capacidade não existe. Afinal, continuam no governo as pessoas e os partidos que produziram os males que nos afligem.

Cristovam Buarque - Papa Francisco

• O mundo inteiro reconhece o papel de Sua Santidade na quebra do impasse de cinco décadas entre os dois países

- O Globo

Minha geração já assistiu diversos milagres políticos. Um deles foi o desmonte do socialismo real no Leste Europeu que provavelmente não teria ocorrido, naquele momento, se não fosse à liderança moral do Papa João Paulo II. Com o seu sentimento polonês, ele teve papel fundamental no despertar da necessidade das mudanças que as forças sociais empurravam nos países daquela área.

Nesses dias, o milagre foi retomar as relações diplomáticas entre dois povos que viviam como inimigos a poucos quilômetros de distância, sem que um conseguisse vencer o outro. Nem os EUA estrangularam Cuba pelo uso do poder econômico, nem Cuba estrangulou os EUA com guerrilhas na América Latina.

O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, que um dia ocorreria pela pressão das forças sociais nos dois países, não teria acontecido agora sem a ousadia tanto do presidente Barack Obama, quanto do presidente Raul Casto, e sem, sobretudo, a força moral, aliada ao sentimento latino-americano de Sua Santidade.

O mundo inteiro reconhece o papel de Sua Santidade na quebra do impasse de cinco décadas entre os dois países. Mesmo com a força política dos dois presidentes, as forças sociais não definiriam o momento; poderiam ficar represadas por outras décadas, até que um gesto às despertassem.

No Brasil, passamos por isso. A desigualdade que nos envergonha, a violência que nos mata, a corrupção que nos rouba recursos, a ineficiência que nos estrangula. Tudo isso pressiona para que algo ocorra e permita nosso salto para uma sociedade eficiente e harmônica. Sabemos o que é preciso fazer, sabemos como fazer, temos os recursos para isso, falta que as lideranças políticas se indignem, colocando a moral na frente da política e a política tomando decisões decentes quanto ao uso dos recursos dos quais dispomos.

Mas parece que internamente não estamos conseguindo este despertar. Agimos barrando a vontade das forças sociais e não a favor delas.

Precisamos reatar relações entre nossas classes sociais. E o caminho é colocar todas as nossas crianças em escolas com qualidade e com a mesma qualidade: os filhos dos pobres em escolas tão boas quanto às escolas dos filhos dos ricos. As forças sociais buscam isso, na ânsia de fazer com que o Brasil seja um país eficiente, justo, decente e com liberdade individual plena. Mas a política não se sensibiliza.

Aparentemente há um divórcio entre a ansiedade das forças sociais, querendo um país melhor no futuro e o comodismo das forças políticas, que querem apenas administrar improvisadamente o presente. Por isso, meu apelo à Santidade: escreva aos líderes políticos brasileiros, do governo e da oposição, como fez para os líderes de Cuba e dos EUA, e fale da necessidade de reatamento social. Talvez, Sua Santidade consiga nos despertar, como fez com os Presidentes Obama e Castro.

O Natal é um bom momento para isso.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Demétrio Magnoli - Petrobras em três tempos

• A Petrobras já não somos nós: é a dívida de nossos filhos e dos nossos netos que ainda não nasceram

- Folha de S. Paulo

Eike Batista profetizou que um dia as ações da OGX valeriam tanto quanto as da Petrobras. Segundo uma amarga e já célebre ironia que circula na internet, a profecia está prestes a se realizar, mas de um modo inesperado. Sob Lula e Dilma, a estatal do petróleo converteu-se na demonstração de um teorema: a identificação da pátria a um partido conduz à destruição em massa de riqueza social.

No princípio, era o tempo do mito. "O petróleo é nosso", lema da cruzada que se concluiu pela criação da Petrobras, extraía a sua força de uma narrativa clássica pela qual a nação assume a forma de coisas palpáveis: tesouros naturais engastados no subsolo. De acordo com a gramática mítica, a soberania nacional equivale ao monopólio estatal da exploração dessas substâncias cobiçadas por estrangeiros poderosos. A Petrobras somos nós, portanto.

O mito não tem tempo. É um registro eterno, imorredouro. Pereniza-se diante de nós, nas milionárias campanhas de publicidade da estatal --que são, de fato e ilegalmente, propaganda política do governo e do PT. Reacende-se periodicamente, nas campanhas eleitorais, como uma falsa mas repetitiva acusação de lesa-pátria contra oposicionistas que conspirariam para privatizar a Petrobras, desfazendo o tecido da nação.

No tempo das finanças, a Petrobras nunca foi nós. Organizada como Estado-paralelo, imune à fiscalização pública e à concorrência empresarial, a estatal tornou-se um veículo de corrupção endêmica: a lendária, valiosa "caixa-preta". Nesse registro, desde o princípio, a Petrobras são eles: os donos do Estado e seus sócios no mundo empresarial.

"Sempre foi assim", escrevem agora os áulicos de sempre e alguns convertidos recentes, não para denunciar os crimes do passado, mas para normalizar os do presente, ocultando sua singularidade. Sob Lula e Dilma, a corrupção endêmica evoluiu até o estágio de corrupção epidêmica e, por meio da distribuição partidária de diretorias, a estatal converteu-se em ferramenta de sustentação de um projeto de poder. A Petrobras são eles: o PT, o PMDB e o PP.

No Evangelho de Tomé, o "tesouro imperecível" encontra-se "onde as traças não se aproximam para comê-lo nem os vermes o destroem". Se o petróleo é um fetiche, o pré-sal é o fetiche absoluto. No Evangelho de Lula e Dilma, o pré-sal, "dádiva de Deus" ou "bilhete premiado", abrirá "as portas do futuro" e será "fonte de felicidade material e espiritual", trazendo "mais casas, mais comida e mais saúde".

Na foto icônica, um Lula de macacão laranja pousa a mão suja de petróleo nas costas do macacão laranja de Dilma. A inauguração do pré-sal é o dia do encontro dos dois tempos: naquele 21 de abril de 2006, impulsionado pelo motor da arrogância, Lula violou um tabu, profanando o mito. A Petrobras não somos nós nem eles, mas eu, estava dizendo o presidente, no cenário de campanha eleitoral da Plataforma P-50. Então, uma maldição silenciosa, implacável, desceu sobre a estatal.

A maldição engendrou o tempo da falência. Vergada sob o peso dos investimentos compulsórios exigidos pelo regime de partilha, a Petrobras consome o capital espectral aportado por títulos do Tesouro, ou seja, pelo trabalho das gerações futuras. Hoje, na conjuntura da retração dos preços do barril de petróleo e da apreciação do dólar, seu valor de mercado oscila em torno de um terço do valor de uma dívida multibilionária e seu patrimônio líquido é um enigma dentro de um segredo envolto no mistério de um balanço inauditável.

No "bilhete premiado" de Lula está escrito menos casas, menos comida, menos saúde. Depois da louca euforia do pré-sal, a Petrobras já não somos nós, nem eles, nem ele: é a dívida de nossos filhos e dos nossos netos que ainda não nasceram. Lembre-se disso a cada vez que escutar as marchinhas nacionalistas tocadas pelos menestréis da esperteza.

Míriam Leitão - Garantia da ordem

- O Globo

Um silêncio oficial recebeu a nota do Superior Tribunal Militar. Silêncio quase aquiescente. A nota diz que a Justiça Militar foi "garantista", querendo dizer que garantiu direitos na ditadura. Bizarro. As pessoas eram presas sem ordem judicial, respondiam IPM dentro dos quartéis sem direito a advogado nesta fase e civis eram julgados por militares. Esta foi a garantia oferecida aos opositores.

Passaram-se dias, desde a nota. Ao todo, 15 dias. Mesmo assim escrevo porque o som do silêncio tão longo só aumenta o espanto de quem sabe o que se viveu naquele tempo. Não havia garantia dos direitos, essa era a regra do jogo no regime ao qual a Justiça Militar serviu tão bem.

Independentemente do que tivessem feito, eram todos culpados até prova em contrário. As prisões eram sequestros: pessoas eram arrancadas de suas casas, ou do meio da rua, sem a chance de um telefonema, e sem ordem judicial. Alguns não voltaram. As confissões na maioria das vezes foram extraídas sob tortura. Com base nisso era iniciado o Inquérito Policial Militar respondido, quase sempre, dentro das instalações militares, sem que o advogado estivesse presente.

Assim se instruía o processo que depois correria nas auditorias militares. No julgamento havia um único momento em que o réu tinha chance de falar. Era no sumário de culpa. Em geral se ficava em frente ao pelotão de militares naquelas salas das auditorias para ser interrogado pelo juiz-auditor, o único togado naquele júri. Os outros eram fardados. Diante deles, 1918 pessoas, entre elas esta colunista, denunciaram torturas. Muitos foram tão aterrorizados durante o processo que se calavam. A ameaça era de voltar para a prisão ou, aos que estavam presos, de que a tortura voltaria. Essa era a garantia dada aos opositores do regime. A maioria dos que passaram por isso era jovem e nunca havia pegado em armas. Todos foram tratados como inimigos da Pátria.

O STM disse que há "equívocos e inverdades" no relatório da Comissão Nacional da Verdade. O documento aponta que a Justiça Militar "teve papel fundamental na execução das perseguições e punições políticas" e chamou de "anomalia" os civis serem julgados pela Justiça Militar. Nada mais fez a CNV do que dizer o óbvio. Mas até hoje, 30 anos depois, o óbvio ofende os ouvidos dos militares e dos seus auxiliares.

Na longa nota, a presidente do STM defende a Justiça Militar citando elogios de advogados conhecidos como prova de que tudo estava correto juridicamente. Heleno Fragoso, Sobral Pinto, Evaristo de Moraes e Técio Lins e Silva, e outros, usaram as técnicas possíveis para livrar aqueles que defendiam. Mas as vidas e as declarações desses juristas deixaram claro o quanto condenaram o regime que tinha por base leis de exceção, e a suspensão de direitos e garantias individuais.

Ora, juíza Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidente do STM, de que garantias a senhora está falando? De estudantes serem julgados por militares com base em processos iniciados dentro dos quartéis e após torturas? O que é "inverídico, injusto e equivocado" em condenar aquela ordem fora da ordem? A senhora já esteve em pé em frente a uma corte marcial? Já ficou presa sem formação de culpa, sem ordem judicial e sem advogado? O que fizeram os tribunais militares para apurar as denúncias dos réus de que foram torturados nas prisões?

A Justiça Militar foi parte do arbítrio e do teatro de absurdos que se instalou no Brasil durante a ditadura. Se não fosse para reconhecer o erro, o melhor seria o silêncio. Não se nega o inegável.

Mikhai Gorbachev - Uma nova Guerra Fria

• Culpa por tensão internacional é do Ocidente, por ter cantado vitória após fim da URSS

O Estado de S. Paulo

Agora que 2014 chega ao fim, está claro que as estruturas políticas europeias e internacionais que existem desde 1989 falharam no teste do tempo. Aliás, o mundo não testemunhava um ambiente tão tenso e frágil desde o fim da Guerra Fria, com derramamento de sangue na Europa e no Oriente Médio contra o pano de fundo de uma ruptura do diálogo entre grandes potências. O mundo parece à beira da 2.ª Guerra Fria. Alguns chegam a dizer que ela já começou.

Por outro lado, o principal organismo internacional - o Conselho de Segurança da ONU - praticamente não está desempenhando nenhum papel ou tomando ações concretas para sustar os conflitos e as matanças.

Por que ele não agiu com determinação para avaliar a situação e desenvolver um programa de ação conjunta? Uma primeira razão, acredito, é que a confiança criada com trabalho duro e esforço mútuo para encerrar a Guerra Fria desmoronou. Sem essa confiança, as relações internacionais pacíficas no mundo globalizado de hoje são inconcebíveis. Mas essa confiança não foi minada ontem apenas; isso já vinha ocorrendo há muito tempo. As raízes da situação atual remontam aos acontecimentos dos anos 1990.

O fim da Guerra Fria devia marcar o início de um caminho para uma nova Europa e uma ordem mundial mais segura. Mas em vez de construir novas instituições de segurança europeias e perseguir a desmilitarização da Europa - como prometia a Declaração de Londres de 1990 da Otan - o Ocidente, particularmente os EUA, cantou vitória. A euforia e o triunfalismo subiram à cabeça dos líderes ocidentais. Aproveitando as fraquezas da Rússia e a falta de um contrapeso, eles se recusaram a fazer advertências contra um monopólio da liderança global.

Os acontecimentos dos últimos meses são consequências da miopia de buscar impor a própria vontade desconsiderando os interesses dos parceiros. Uma pequena lista destes faits accomplis incluiria a ampliação da Otan, a guerra na Iugoslávia (particularmente Kosovo), planos de defesa antimíssil, Iraque, Líbia e Síria. Por consequência, o que era uma bolha se tornou uma ferida supurando.

Efeito colateral. E a Europa é a que mais sofre. Em vez de liderar as mudanças num mundo em globalização, o continente se transformou numa arena de sublevações políticas, competição por esferas de influência e conflitos militares. A consequência inevitável é que a Europa está se enfraquecendo numa época em que outros centros de poder e influência se fortalecem. Se isso continuar, a Europa perderá sua influência nos assuntos mundiais e se tornará gradualmente irrelevante.

Felizmente, a experiência dos anos 1980 sugere outro caminho. A situação internacional na época não era menos perigosa do que é hoje. Mas nós conseguimos melhorá-la - não só normalizando relações, mas pondo fim à própria Guerra Fria. Isso foi alcançado principalmente pelo diálogo. Mas a chave do diálogo é vontade política e estabelecer as prioridades certas.

Hoje, a principal prioridade deveria ser o próprio diálogo: uma renovação da capacidade de interagir, ouvir e escutar o outro. Sinais promissores estão surgindo por esforços iniciais que renderam resultados apenas frágeis e modestos: o acordo de Minsk para um cessar-fogo e desengajamento militar na Ucrânia; o acordo de gás trilateral firmado por Rússia, Ucrânia e a União Europeia; e uma sustação da escalada de sanções mútuas.

Precisamos continuar a sair de polêmicas e acusações mútuas para uma busca de pontos de convergência e um levantamento gradual das sanções que estão causando prejuízos a ambos os lados. Como um primeiro passo, as chamadas sanções pessoais que afetam figuras políticas e parlamentares devem ser levantadas para que eles possam se juntar ao processo da busca de soluções mutuamente aceitáveis. Uma área de interação poderia ser ajudar a Ucrânia a superar as consequências da guerra fratricida e reconstruir as regiões afetadas.

O mesmo vale para os desafios globais e a segurança pan-europeia. Os principais problemas globais de hoje - terrorismo e extremismo, pobreza e desigualdade, mudança climática, migração e epidemias - estão se agravando dia a dia. E, por diferentes que sejam, eles têm uma característica comum: nenhum deles tem uma solução militar. No entanto, os mecanismos políticos para resolver esses problemas ou inexistem ou são disfuncionais apesar de a persistente crise global dever nos persuadir a buscar - sem demora - um novo modelo capaz de assegurar a sustentabilidade política, econômica e ambiental.

Quanto à segurança da Europa, somente uma solução pan-europeia é viável. Aliás, as tentativas de enfrentar o problema ampliando a Otan ou com uma política de defesa da UE foram contraproducentes. Precisamos de instituições mais inclusivas e mecanismos que proporcionem proteções e garantias para todos.

A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), na qual se depositavam tantas esperanças, até agora não se mostrou à altura da tarefa. Isso não significa que a OSCE deva ser substituída por algo novo - especialmente porque ela agora assumiu funções de controle importantes na Ucrânia. Mas eu diria que a OSCE é um edifício que requer grandes reparos e alguma construção nova.

Anos atrás, o ex-ministro alemão das Relações Exteriores, Hans Dietrich Genscher, o ex-Consultor de Segurança Nacional americano Brent Scowcroft e outras personalidades políticas propuseram a criação de um Conselho de Segurança, ou Diretoria, para a Europa. Concordo com sua abordagem. Na mesma linha, durante a presidência do primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, ele propôs a criação de um mecanismo europeu de consultas preventivas diplomáticas e obrigatórias na eventualidade de uma ameaça à segurança de qualquer Estado. Se tal mecanismo tivesse sido criado, os piores eventos da Ucrânia poderiam ter sido evitados.

Os líderes europeus certamente são culpados por terem engavetados essas e outras "ideias europeias". Mas a culpa deve ser compartilhada também por toda a classe política europeia, as instituições da sociedade civil e a mídia.

Embora eu seja, por natureza, um otimista, tenho de admitir que é muito difícil não ser pessimista neste encerramento de 2014. Mas não devemos nos entregar ao pânico e ao desespero, ou nos deixar ser atraídos para o vórtice da inércia negativa. A experiência amarga dos últimos meses precisa ser transformada na vontade de nos reengajarmos no diálogo e na cooperação.

Esse é o meu apelo a nossos líderes, e a todos nós, para 2015: vamos pensar, propor e agir juntos. / Tradução de Celso Paciornik

* É prêmio Nobel da Paz e último presidente da União Soviética, fundou em 1993 a Cruz Verde Internacional, com sede em Genebra, uma organização não governamental empenhada em questões de segurança, pobreza e degradação ambiental

Marcos Troyjo - Iludindo-se com Cuba

- Folha de S. Paulo

Nos últimos 12 anos, o Brasil apostou numa América Latina de "duas velocidades". Colocou fichas na coalizão de regimes mais à esquerda. Privilegiamos o eixo "socialista-bolivariano", baseado na onipresença do Estado na vida econômica e numa xenofobia seletiva centrada nos EUA. Venezuela, Bolívia, Equador e de alguma forma a Argentina integram esse grupo.

Com a normalização de relações com seu grande vizinho, Cuba, epicentro histórico de tal agrupamento, voltará a ter em Washington, não Brasília ou Caracas, sua referência geoeconômica.

Da perspectiva diplomática, iniciativas apoiadas pelo Brasil na cooperação hemisférica sem a participação dos EUA, como Unasul e a Celac, perdem força.

Há outra América Latina em movimento. A Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru) não é um bloco em si, mas plataforma para interação com outras áreas, até o Mercosul. Negociam parcerias que envolvem também EUA, Japão e outros países da Ásia-Pacífico.

Nessa formação da América Latina de duas velocidades, o Brasil é uma espécie de Hamlet -aprisionado no dilema do "ser ou não ser".

Do lado do "ser", o empresariado industrial, historicamente refratário à liberalização comercial, está mudando. A CNI já se disse aberta a acordos com os EUA.

Do outro, o "não ser", alguns acham que o Brasil deve evitar tratativas hemisféricas em que os EUA estejam presentes. Partidários desse "não ser" estão ávidos por demonstrar que nossa inserção internacional da última década não é um retumbante fracasso.

Próceres da política externa recente fazem ver que nos generosos gestos a Havana havia embutida "visão estratégica". Com perspectivas que agora se abrem para Cuba, o Brasil "sairia na frente".

A economia não é -e tampouco deve ser- único vetor da diplomacia. O tema da solidariedade, por exemplo, é muito importante. No entanto, o argumento de que Cuba é economicamente um "must" não pode ser levado a sério.

O potencial de cooperação econômica com Cuba é irrisório. Seu PIB é de US$ 65 bilhões. O comércio Cuba-Brasil é de US$ 600 milhões. Apenas em 2013 os brasileiros gastaram em Miami US$ 1,6 bilhão.

Cuba não é a fonte de investimentos de que o Brasil tanto precisa. Não há parceria de escala relevante para nossas dimensões.

O porto de Mariel, suposto "golaço" de nossa política externa, não é um investimento. Obras ali empreendidas por companhias brasileiras financiaram-se pelo governo brasileiro. Trata-se de apoio à exportação de serviços. Não será o Brasil ou qualquer empresa brasileira que operará Mariel, mas uma companhia de Cingapura.

Não há facilidade no futuro do porto apenas por que empresas brasileiras ajudaram a construí-lo. O aeroporto de Miami também contou com participação de construtoras brasileiras -nem por isso abrem-se oportunidades especiais para o Brasil. Para a vertente latino-americana de nossa aposta terceiro-mundista, a nova Cuba não é uma "bola dentro", mas uma "bola nas costas".

Marcos Troyjo, é economista e cientista social e mora entre Nova York e o Rio. Fez doutorado em sociologia das relações internacionais na USP e pós-doutorado na Universidade Columbia, em Nova York, onde também é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas e dirige o BRICLab. É professor-conferencista também no Ibmec. Trabalhou como diplomata de carreira e foi secretário de imprensa da Missão do Brasil junto à ONU em Nova York.