quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Projeto de poder desmontado

- O Globo

A prisão do agora prefeito afastado do Rio Marcelo Crivella tem efeitos políticos imediatos, e outros a médio e longo prazos. O Republicanos é o quarto nome de um mesmo partido ligado ao projeto de poder do Bispo Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Nasceu como uma facção da bancada evangélica dentro do Partido Liberal (PL), mas o mensalão apanhou em cheio seus líderes envolvidos em corrupção, inclusive o bispo Carlos Rodrigues, braço direito de Macedo, que foi parar na cadeia. Para fugir desse estigma, o bispo Macedo fundou o Partido Municipalista Renovador (PMR), que foi apelidado na época pelo então prefeito do Rio Cesar Maia, de “Gospel do Crioulo Doido”: além do vice-presidente de Lula, o mineiro José Alencar, dos políticos evangélicos da seita do Bispo Macedo, como o então senador, bispo licenciado Marcello Crivella, teve a adesão inicial intelectual Mangabeira Unger, do ex-ministro Raphael de Almeida Magalhães, entre outros.

Em 2006, o partido mudou o nome para Partido Republicano Brasileiro (PRB), e em 2019 passou a se chamar Republicanos, sempre tendo como líder e atual presidente o bispo Marcos Pereira, entre idas e vindas para ser ministro do governo Michel Temer.

A escolha do partido do Bispo Edir Macedo pelo clã Bolsonaro pode ter se esvaído diante do escândalo envolvendo Crivella, que acolheu os filhos do presidente 01, Flavio, e 02, Carlos, e a mãe deles, que não conseguiu se eleger este ano.

Rosângela Bittar - O futuro do atraso

- O Estado de S. Paulo

Será um janeiro de frenesi político, longe de qualquer realidade dos brasileiros

A eleição dos presidentes da Câmara e do Senado não ficam definidas por antecipação, nunca. As negociações que levam a reviravoltas na boca da urna não permitem dizer que o favoritismo de hoje, do candidato governista Arthur Lira, permanecerá até 2 de fevereiro.

Dois exemplos da memória.

O mais recente: na primeira eleição de Rodrigo Maia, 2017, depois do mandato tampão após renúncia de Eduardo Cunha, o DEM só o apoiou na véspera, e o aliado principal, o PSDB, definiu-se na manhã da votação.

O mais perturbador: Apesar da proibição regimental, o PT se dividiu em 2005 e lançou dois candidatos. Um oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh, outro avulso, Virgílio Guimarães. Venceu Severino Cavalcanti, que não estava na história. E saiu dela como uma anedota.

São fatos que reduzem a mera hipótese a apregoada certeza da vitória dos candidatos do presidente Jair Bolsonaro às presidências da Câmara e do Senado. No Senado ainda há três nomes disputando a unção presidencial mas, na Câmara, o candidato Arthur Lira já negocia abertamente em nome do presidente, há meses. 

Luiz Carlos Azedo - Cidade Maravilhosa

- Correio Braziliense

E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos)

Refrão: “Cidade maravilhosa,/ Cheia de encantos mil!/ Cidade maravilhosa,/ Coração do meu Brasil! (Bis)”. Primeira parte: “Berço do samba e das lindas canções/ Que vivem n’alma da gente,/ És o altar dos nossos corações/ Que cantam alegremente”. Segunda parte: “Jardim florido de amor e saudade,/ Terra que a todos seduz, /Que Deus te cubra de felicidade, /Ninho de sonho e de luz”. O velho Sérgio Cabral, pai, foi quem me chamou a atenção para o fato de que o famoso hino carioca Cidade Maravilhosa, de autoria de André Filho, começa como se a orquestra fosse tocar uma sinfonia e logo vira marchinha de carnaval.

Coube ao maranhense Coelho Neto — que hoje empresta o nome a um dos subúrbios cariocas da antiga Central do Brasil —, cunhar a expressão “cidade maravilhosa”, num artigo publicado no jornal A Notícia, em 1908. Mais tarde, em 1928, publicaria um livro de contos com esse título. Era época em que a antiga capital da República fervilhava, em todos os sentidos, aspirando à condição de Paris dos trópicos, ambição criada após a reforma urbana do prefeito Pereira Passos, no começo do século. O jornalista Ruy Castro relata essa época no livro Metrópole à beira mar (Companhia das Letras).

A marchinha surgiu logo depois, em 1934, mas somente fez sucesso no carnaval do ano seguinte. A primeira parte da música é realmente sinfônica, plagiada de Mimi é una civetta, o terceiro ato da ópera La Bohème, de Puccini. André Filho era amigo de Noel Rosa, com quem divide a autoria do samba “Filosofia”, gravado por Mário Reis, em 1933. A amizade entre ambos, porém, gerou controvérsias sobre a autoria do hino carioca, que alguns atribuem ao poeta de Vila Isabel, como registrou Jacy Pacheco, em Noel Rosa e sua época: “Aqui nos lembramos de composições que ele deu e que vendeu. Que foram divulgadas com outros nomes… dentro da cidade maravilhosa, cheia de encantos mil…” Pode ser pura maldade.

Ricardo Noblat - Vacina pouca, minha toga primeiro

- Blog do Noblat / Veja

No país do “você sabe com quem está falando”...

O que você entenderia se recebesse do Supremo Tribunal Federal um ofício pedindo a reserva de vacinas para imunizar 7 mil servidores do tribunal e do Conselho Nacional de Justiça?

Naturalmente, que o tribunal pretendia que do total de vacinas a serem entregues ao Ministério da Saúde para aplicação em massa nos brasileiros, 7 mil fossem destinadas aos seus servidores.

Não há outra leitura possível do ofício assinado por Edmundo Veras, diretor-geral do tribunal, enviado à Fundação Oswaldo Cruz, fabricante da vacina Oxford/AstraZeneca contra a Covid-19.

Veras argumenta no ofício que a vacinação dos servidores representará “uma forma de contribuir com o país em momento tão crítico, pois ajudará a acelerar o processo de imunização”.

Bruno Boghossian – Jogo bruto na Câmara

- Folha de S. Paulo

A cada dia que passa, governistas e o grupo de Rodrigo Maia têm mais a ganhar ou perder na disputa

A disputa pelo comando da Câmara deve ficar um pouco mais bruta até a eleição de fevereiro. Lances feitos pelos principais jogadores nos últimos dias aumentaram o risco que a vitória e a derrota vão representar para cada um deles.

A exibição de poder feita por Rodrigo Maia (DEM) em seus momentos finais na cadeira deu uma pista sobre as ameaças que devem rondar o Palácio do Planalto caso seu grupo político continue na chefia da Casa a partir do ano que vem. O movimento sugere que a disputa já mudou a dinâmica de forças por ali e pode se aprofundar nas próximas semanas.

Na última sexta-feira (18), Maia incluiu na pauta uma votação que poderia tornar permanente o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família. A nova despesa não estava no radar da equipe econômica, mas o deputado usou a proposta numa reação a Jair Bolsonaro, que acusava a Câmara de segurar esse benefício.

Fernando Exman - Sombra de Bolsonaro na eleição da Câmara

- Valor Econômico

Campanha vai recomeçar em janeiro sem favorito

Em 2 de fevereiro de 2017, Jair Bolsonaro dirigiu-se à tribuna sabendo que não teria a menor chance de se eleger presidente da Câmara dos Deputados. Não demonstrava desânimo, tampouco desconforto com protestos da esquerda. Afinal, não era a primeira vez que se candidatava ao posto e o então deputado pelo PSC fluminense não mirava mesmo a principal cadeira da Casa. Estava lá, isso sim, para executar mais um movimento de sua campanha antecipada à Presidência da República.

Bolsonaro fez questão de marcar posição em relação à mesma agenda legislativa que hoje o leva a tentar influenciar a sucessão do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Naquele dia, era Bolsonaro quem tentava ostentar o discurso de resgate da credibilidade da Câmara. “Todos sabem muito bem que vivemos uma crise nos três Poderes nunca sentida em nosso país”, declarou, talvez menosprezando a capacidade do país de boicotar o próprio futuro. “Sabemos que o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições. Hoje temos uma Câmara que não cria leis, que não fiscaliza e que não representa os anseios do povo. O Poder Legislativo se apresenta subserviente ao Executivo e submisso ao Judiciário”, prosseguiu, também talvez sem de fato acreditar que anos à frente estaria do outro lado da Praça dos Três Poderes.

Elio Gaspari - 2021 com militares no quartel

- O Globo / Folha de S. Paulo

Pode-se esperar que eles não se metam nas confusões que vêm por aí, nem que sejam instrumentalizados para agravá-las

Salvo a vacina, o que é muita coisa, pouco se pode esperar de 2021. Bolsonaro não vai mudar, as investigações das rachadinhas e das notícias falsas continuarão a assombrá-lo. As reformas de Paulo Guedes continuarão como promessas de campanha. O ministro da Educação continuará sem saber de onde saiu o edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que pretendia torrar R$ 3 bilhões comprando computadores para escolas públicas, inclusive 230 mil laptops para os 255 alunos de um colégio mineiro. Pode-se contudo esperar que os militares não se metam nas confusões que vêm por aí, nem que sejam instrumentalizados para agravá-las.

Felizmente, os oficiais da ativa estão calados. Uns poucos, da reserva, fazem-se ouvir, sempre com alguma estridência. Há dois tipos de oficiais da reserva falando. Alguns, como o general Santos Cruz, foram para o governo de Jair Bolsonaro e viram-se excluídos. Suas falas são o jogo jogado. Outros, simplesmente estão na reserva, e falam como cidadãos. Quase todos achavam que o capitão no Planalto era uma boa ideia.

Militares falantes são heróis para as vivandeiras que rondam os bivaques dos granadeiros. Quem definiu esses personagens, há tempo, foi o marechal Castello Branco. Existem vivandeiras de todos os matizes políticos. Acabam todas mal. Em alguns casos, vão para a cadeia, como sucedeu à maior delas, Carlos Lacerda. O general De Gaulle chamou-o de “demolidor de presidentes”. Acabou proscrito pelos generais e preso no jirau de um quartel da Polícia Militar.

José Nêumanne - Bolsonaro investe contra a palavra, a vida e a verdade

- O Estado de S. Paulo

Presidente não cumpre as próprias promessas, sabota vacina e ataca meios de comunicação

Gestão Bolsonaro completa 2 anos sem cumprir promessas. Esta é a manchete deste jornal no último dia 21. O texto de Vinícius Valfré relaciona os 12 principais temas da campanha eleitoral que levou o capitão à vitória, todos abandonados no governo.

Já no início da gestão havia deixado de lado promessas de palanque, como privatizações, reforma tributária e apoio à Lava Jato. Para completar, em abril livrou-se de uma promessa pessoal: o ex-juiz Sergio Moro, símbolo da operação contra a corrupção. Outro pilar da lorota para seduzir liberais crédulos, o “posto Ipiranga” na economia, Paulo Guedes, ficou na equipe, mas nenhuma bandeira sua foi desfraldada de fato. “Reformas desidratadas foram encaminhadas ao Congresso sem uma articulação política capaz de viabilizá-las. A simplificação de tributos e a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até cinco salários nunca saíram do papel”, registrou Valfré.

Ele nomeou para cargos poderosos membros do Centrão, indicados por políticos acusados de receber propina, em troca de apoio em eventual processo de impeachment e outros assuntos de interesse pessoal e familiar. Prestigiou as pautas prioritárias para seu eleitorado fiel da extrema direita, o direito de matar dos policiais (presunção de ilicitude), o afrouxamento de limites de velocidade no trânsito e a suspensão de decretos de rastreamento de armas. O principal lema da campanha – “O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” – foi trocado por “aos meus filhos tudo, aos inimigos o rigor da lei”. Disse que era “a Constituição”, superando o rei francês Luís XIV, que se definia como “o Estado”. E que os R$ 89 mil depositados pelo acusado pelo Ministério Público do Rio de ser miliciano Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar, para a consorte, Michelle, são irrisórios para configurarem propina. Confessou, sem querer, querendo, ser corrupto.

Ruy Castro - Vergonha ou orgulho?

- Folha de S. Paulo

Que cidade ou estado do Brasil tem tantos ex-governantes efetivamente no xadrez como o Rio?

Aqui no Rio, modéstia à parte, votamos muito mal. Ano após ano, só elegemos pilantras para o Governo do Estado, a Prefeitura, a Assembleia Legislativa, a Câmara dos Vereadores. Temos fascinação por canalhas, caímos na conversa deles, somos uns bons otários. É verdade que, ao se apresentarem em busca do voto, eles prometem acabar com a corrupção, resolver o problema da segurança, salvar o Rio. E, como é isso que queremos, caímos de novo. Um dia, são levados de camburão para a grade e só então descobrimos o rombo nas nossas finanças.

Marcelo Crivella, o pior prefeito da história da cidade, foi engaiolado ontem a nove dias do fim de seu mandato. Nunca é cedo demais para aplicar creolina no ralo. Vai se juntar aos ex-governadores Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Wilson Witzel, Moreira Franco e o casal Garotinho e a uma corja de ex-secretários do estado e do município, membros dos tribunais de contas e demais nomeados por eles, todos despojados de seus mandatos e respondendo por assalto à coisa pública.

Bernardo Mello Franco - Bispo no xadrez

- O Globo

Depois de se mostrar um mau prefeito, Marcelo Crivella também se revelou um mau profeta. O bispo passou a campanha anunciando a prisão do adversário Eduardo Paes. Ontem ele é que foi em cana, acusado de chefiar um esquema de corrupção.

De acordo com as investigações, o grupo começou a faturar antes da eleição de 2016. Quando o bispo virou prefeito, seus aliados montaram um “quartel-general da propina” para fraudar licitações e achacar fornecedores.

O Ministério Público apontou Crivella como o “vértice” da organização criminosa. O principal operador era o lobista Rafael Alves. Ele instalou o irmão na Riotur e passou a despachar na Cidade das Artes e acompanhar as caminhadas matinais do prefeito.

Ao examinar as provas, a desembargadora Rosa Helena Guita concluiu que a quadrilha atuou de modo permanente, “ao longo dos quatro anos de mandato” e “nos mais variados setores da administração”.

Zuenir Ventura - E Biden não virou jacaré

- O Globo

Presidente eleito dos EUA, com transmissão ao vivo pela TV, tomou sua primeira dose de vacina da Pfizer/BioNTech

Além de tudo, a vacinação em massa seria um bom negócio para o país. É o que dizem duas autoridades econômicas do governo: o presidente do Banco Central e o ministro da Economia. Roberto Campos Neto afirma que investir em vacina é mais barato do que o pagamento de benefícios emergenciais. Já Paulo Guedes traduz isso em números. Em entrevista, ele lembrou que o auxílio emergencial chegaria a R$ 55 bilhões por mês, enquanto a vacinação da população custaria menos da metade, R$ 20 bilhões.

Isso não deveria ser novidade. Desde criança, me acostumei ao ritual de ser picado contra diversas doenças, numa boa. Doía um pouquinho, mas valia a pena, porque fazia bem à saúde da gente e do país. Nunca chegou a me fazer chorar.

Até que ultimamente comecei a ouvir perguntas disparatadas sobre possíveis efeitos que seriam causados pela imunização. Ideia de algum maluco, como a hipótese de que quem tomasse corria o risco de virar jacaré. Parei de rir quando soube que não era uma fake news das redes sociais. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi quem, num evento na Bahia, advertiu os ouvintes assustados: “Se você virar um jacaré, é problema seu”.

Roberto DaMatta - O homem que não mentia

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Melinho é o único sujeito que conheci que nunca mentiu. Na sua casa as crianças jamais ouviram falar de cegonha, de político honesto e, a propósito, de Papai Noel

Foi no bar do Soares aqui em Niterói que, num velho Natal, fui apresentado a Melo Reis da Costa Santos, famoso por ser um homem que não mentia.

Como os “amigos de praia”, os “de bar” contam muito no pouco tempo que dispõem fora da casa e da família. Alforriados, eles competem escudados por suas gloriosas fantasias reveladoras de desejos que, como feridas expostas, esperam por mercúrio cromo, gaze e esparadrapo. Foi nesse ambiente quixotesco, animado por narrativas fantásticas, que eu encontrei essa nobre figura.

Melinho é um afastado professor da faculdade de Ciências Ocultas e Letras Apagadas (vulgarmente chamadas de “Ciências Sociais”) por ter assediado uma aluna. Fiquei chocado, porque Melo Reis da Costa Santos é um careca feio de pernas finas, e tem 90 anos!

O escândalo, é lógico, aconteceu quando os bichos falavam e os homens “cantavam” em vez de agredir as mulheres. Tempos em que os asnos eram proibidos de governar e — como nada é perfeito — as mulheres obedeciam. Naqueles tempos miológicos, um professor Melo dava aula barbeado, de terno e gravata e tinha plena consciência de seu poder feiticeiro sobre seus alunos, tanto que, durante o processo e para horror do juiz narcisista que usava peruca e comia a tabeliã do fórum, Melo Costa admitiu-se culpado e forneceu detalhes que a própria vítima considerou incríveis, pois confirmavam sua culpa.

Vinicius Torres Freire - Economia fraca no verão da Covid-19

- Folha de S. Paulo

Metade final de 2021 deve ser melhor, mas desordem na saúde deve causar estagnação

A segunda metade do ano que logo vem pode ser de notícias melhores na economia se o governo não sabotar o país. O verão de 2021, porém, vai ser uma “fase vermelha”, como se diz aqui em São Paulo das restrições mais graves para comércio e serviços na epidemia.

Não quer dizer que a economia vá embicar para baixo ou que embique de modo relevante. Mas os indícios são de que deve haver estagnação, uma parada da recuperação desde o fundo do poço de meados do ano. Quais são esses indícios?

Índice de Confiança do Consumidor medido pela FGV caiu de modo significativo de novembro para dezembro e a intenção de ficar na retranca nos gastos é alta. O repique da epidemia, o fim dos auxílios emergenciais, a desordem no programa de vacinação e o desgoverno em geral devem derrubar os ânimos.

A inflação medida pelo IPCA deve ficar entre 5,5% e 6% ao ano de abril a agosto. É uma dentada cruel na renda real e uma injeção de desânimo na veia do povo miúdo.

Cristiano Romero - Todos sabemos por que o Brasil não dá certo

- Valor Econômico

Trata-se de questão ética: como ser feliz num país racista

Muitos brasileiros fazem a seguinte pergunta diante do espelho: "Por que o Brasil não dá certo?". Geralmente, quem faz a indagação não tem muito do que reclamar. Sua vida é melhor aqui, mais fácil, mais farta, com maior acesso ao que o país oferece de melhor a seus cidadãos, do que seria se ele vivesse em outra economia de renda média ou mesmo numa nação rica, ainda que sendo proporcionalmente detentor de renda equivalente. A péssima distribuição de renda explica parte dessa história.

Evidentemente, aqui, todos, pobres e ricos, reclamam da extrema violência que ceifa anualmente a vida de cerca de 60 mil pessoas - em 2018 (último dado disponível), foram 57.956, mas, como há algo de podre no reino das estatísticas dos Estados, visto que nos anos recentes houve aumento exponencial de mortes violentas sem causa determinada, o número de mortos está subestimado.

O contingente de pessoas que sai de casa num determinado dia para morrer parece uma espécie de maldição estatística, uma vez que, com poucas variações, se repete ano a ano. Maldição? Praga? Predestinação diabólica de um povo condenado à miséria e ao sofrimento? Não creia nisso. Não há nada intangível nas estatísticas da violência no país chamado Brasil.

Os dados oficiais da violência mostram que 75,7% dos brasileiros assassinados há dois anos eram negros - entre as mulheres, o percentual é 68%, informa o Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Ipea com base nas ocorrências registradas pelas secretarias estaduais de segurança pública em 2018. Mais da metade (29.064) eram jovens com idade entre 15 a 29 anos.

Em 2018, uma mulher foi assassinada neste país a cada duas horas, somando 4.519 vítimas. Olhemos mais de perto os números e num período maior de tempo, para tentar achar uma pista que aponte alguma tendência desta terrível mazela nacional: entre 2008 e 2018, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa de mulheres negras assassinadas aumentou 12,4%.

Nilson Teixeira* - O que não acontecerá em 2021

- Valor Econômico

Privilégios fiscais e renúncias tributárias que beneficiam os principais grupos de interesse não serão cortados ou reduzidos de forma expressiva

Uma das tradições da indústria financeira é a de publicar no fim do ano cenários prospectivos. Esse trabalho está sujeito a incertezas e choques, o que reduz o grau de acerto das projeções econômicas. Este ano foi um triste exemplo dessa dificuldade.

Após algumas décadas, já não me dedico diretamente à essa tarefa. O vício da profissão, no entanto, me faz apresentar previsões do que não ocorrerá no Brasil em 2021. Ao contrário do passado, em que a torcida era sempre a de acertar, torço para estar errado, senão em todas, ao menos em algumas dessas projeções.

O Congresso não aprovará uma Reforma Administrativa abrangente. Caso a discussão evolua, seus efeitos nos próximos anos serão pouco significativos. Assim como na proposta do governo encaminhada ao Congresso, a maioria dos parlamentares não parece interessada em fazer essas medidas alcançarem o atual corpo funcional. O risco é de as medidas só tratarem dos servidores civis do Executivo e ampliarem o número de carreiras que não estarão sujeitas à modernização das regras.

Uma Reforma Tributária ampla não será aprovada, apesar do consenso generalizado de que é necessário revisar por completo o código tributário. Uma reforma parcial já seria uma conquista, mas dificilmente eliminaria grande parte das exceções existentes nem teria prazo de transição reduzido.

Os privilégios fiscais e as renúncias tributárias que beneficiam os principais grupos de interesse não serão cortados ou reduzidos de forma expressiva. Apesar do empenho de vários parlamentares, o Congresso provavelmente não diminuirá sequer os subsídios que não ofereceram nenhuma contrapartida nas últimas décadas em termos de aumento da produtividade, de melhoria da distribuição de renda ou de redução da pobreza.

Raul Jungmann* - Militares e elites civis – liderança e responsabilidade

- Capital Político

Aos 18 dias de novembro de 2016, o Presidente da República, Michel Temer, enviou ao Congresso Nacional a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional, que nós, à época, tínhamos coordenado na qualidade de Ministro da Defesa que éramos. Dois anos depois, em 18 de dezembro de 2018, o Presidente do Senado e do Congresso, Senador Eunício Oliveira, enviou à Presidência da República os textos, para sanção.

Considerando que seu governo estava praticamente findo, o Presidente Temer deixou para seu sucessor a assinatura presidencial que sancionaria os referidos textos.

O Presidente Jair Messias Bolsonaro, entretanto, entendeu que a Política, Estratégia e o Livro Branco eram projetos do governo anterior (e não de Estado, o que eles verdadeiramente são), e não os sancionou. Resultado, até hoje vigem os textos de 2012, até que os projetos em tramitação, referentes ao quadriênio de 2020 a 2024, sejam aprovados.

Nós fomos o relator do que hoje é a Lei Complementar 136, que no seu bojo trazia uma novidade histórica. Pela primeira vez, o Congresso Nacional passaria a apreciar e, portanto, decidir sobre as diretrizes, objetivos e rumos da defesa nacional – algo que não consta da nossa Constituição Federal.

Ao negociar as emendas à proposta original com o Ministro Nélson Jobim, imaginávamos o potencial que teria a análise das mais elevadas decisões quanto à nossa defesa e segurança por parte do parlamento e o diálogo histórico que se travaria entre o poder político e os militares, num claro avanço do diálogo democrático. Em vão.

Ao longo de dois anos de tramitação, os textos de 2016 não foram objeto de nenhuma audiência pública. Seu parecer, emitido pela Comissão Mista de Inteligência, e não pelas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas do Congresso, era, claramente, uma colagem das propostas, sem críticas ou aprimoramentos dignos de nota.

Aylê-Salassié F. Quintão* - ¿Por qué no te callas?

É Natal!  Estão todos ocupados. No Brasil, políticos e governantes concentram-se em uma insólita disputa para a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados. Isolados, mas conectados, os cidadãos discutem ferozmente a validade das vacinas da pandemia.  Como se todos, coniventemente silenciosos, dissessem, “não estamos nem aí”: para os venezuelanos, para os haitianos, para os bolivianos, para  os hondurenhos imigrados para o Brasil.

Sem emprego, nem oportunidades de trabalho disponíveis, esses imigrantes continuam, em grande número, a   viver por aqui em abrigos, nas periferias e nas ruas ignorados e, praticamente, abandonados com suas crianças, sobrevivendo de esmolas.  São ex-professores, professoras, comerciantes, agricultores, engenheiros, enfermeiras, dentistas e até médicos refugiados, fugindo de uma suposta ação revolucionária capitaneada, na Venezuela, por um grupo político instalado no Poder.

“Socorro! Sou venezuelana. Tenho um filho menor, e não temos o que comer” : é a mensagem, escrita a carvão em uma folha de papelão, por uma jovem dos seus 28 a 30 anos, enfermeira, pedindo ajuda no sinal de trânsito. Sob uma chuva fina e intermitente, disputa, perigosamente, em frente a um shopping, os espaços entre os carros ali parados.

O quadro em Brasília repete-se em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Vitória, etc.. Os venezuelanos foram espalhados pelas grandes cidades do País, e todos estão órfãos, precisando do apoio das populações locais. Continuam concentrados em Pacaraima, cidade fronteiriça, e em Boa Vista. Mais de 30 mil venezuelanos passaram a residir em Roraima desde o início da fuga em massa, em 2016. Muitos não conseguiram sair do estado. Outro tanto, sem abrigos, vive ao relento.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Democracia desmoralizada – Opinião | O Estado de S. Paulo

Mundo da irresponsabilidade generalizada gestou a catastrófica presidência de Jair Bolsonaro e a eleição do prefeito Marcelo Crivella

E eis que mais um governante do Rio de Janeiro foi preso. Muito ainda se falará sobre o rumoroso caso do prefeito Marcelo Crivella, detido a nove dias do final de seu desastroso mandato, sob acusação de chefiar organização criminosa movida a propinas. Mas nem é preciso esperar o desfecho do caso para que se constate a incrível frequência com que o eleitor fluminense escolhe mal seus dirigentes.

Recorde-se que o agora fichado Crivella conseguiu a proeza de ir para o segundo turno na eleição passada mesmo tendo legado à cidade que governava a pior administração de que se tem notícia. Ou seja: não contentes em terem jogado fora seu voto há quatro anos, quando Crivella foi eleito a despeito de ser quem é, muitos eleitores do Rio de Janeiro tornaram a fazê-lo quando já deveria estar clara para todos a sua inépcia.

Se a prisão do prefeito do Rio de Janeiro ainda no exercício do cargo, por incrível que pareça, já não tem tanta importância, pois se trata de evento tristemente corriqueiro na vida política fluminense, a notícia deve servir para que os eleitores brasileiros reflitam sobre como têm exercido seu direito de voto.

A escolha de governantes e representantes no Legislativo por meio do voto livre e direto não é algo trivial. Ao exercer esse direito, o eleitor assume a corresponsabilidade pelos destinos de sua cidade, de seu Estado e do País, razão pela qual deve fazê-lo de maneira consciente e ponderada.

Música | Caetano Veloso - Autoacalanto

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.