sábado, 27 de março de 2021

‘Brasil precisa de lideranças’, afirma FHC a empresários

Ex-presidente diz ainda que uma candidatura de centro contra polarização não pode ser ‘anódina’ e ‘tem de ter lado’

Marcelo de Moraes / O Estado de S. Paulo

“Centro não pode ser uma coisa anódina. Isso aí não ganha. Tem de ser o centro progressista.”, Fernando Henrique Cardoso

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil está “precisando de lideranças”. A uma plateia digital de mais de cem dos principais empresários e dirigentes do setor do varejo que participaram do evento “Quando os presidentes se encontram”, realizado na noite de anteontem pela Gouvêa Ecosystem, o tucano foi direto. Disse que, passada a pandemia do coronavírus, será cada vez mais necessário que o Brasil tenha uma liderança adequada para reorganizar seu rumo.

“Na emergência, vê-se mais claramente a importância da liderança. Se não houver liderança, é difícil a adaptação”, disse o ex-presidente. “Estamos precisando de lideranças no Brasil. Gente que, ao fazer isso, se exponha também. Líder não é quem já sabe. É quem se expõe. Olha, o caminho que eu acho é esse. Você vem comigo? Se for, tudo bem, você vira líder. Se não, você fica sozinho. Liderar não é mandar, é ter aceitação.”

Com o impacto da pandemia sobre a economia, o setor do varejo tem discutido soluções para reagir às dificuldades enfrentadas desde o ano passado. No evento, Fernando Henrique falou sobre o momento político atual e as perspectivas para a eleição de 2022.

Beto Funari, CEO da Alpargatas, questionou o ex-presidente sobre “quais os entraves estruturais vamos precisar priorizar para que o Brasil possa iniciar um novo ciclo de prosperidade socioeconômica”. FHC avaliou que, por causa da pandemia, haverá aumento da desigualdade “porque vai aumentar o desemprego”. “Você não resolve esse tipo de desigualdade do dia para a noite. Isso é um processo”, respondeu o tucano.

Marco Aurélio Nogueira* - O caos que nos rouba a vida

- O Estado de S. Paulo

Crise da pandemia e do desgoverno Bolsonaro atirou o País num poço do qual será difícil sair

Toda sociedade precisa de sistemas técnicos e administrativos. Quanto mais complexas e diversificadas, maior a necessidade. Sociedades desiguais, como a brasileira, dependem dramaticamente deles. O Estado, poder condensado, deveria funcionar como coordenador dos sistemas, em nome da vida comunitária, das liberdades e da justiça social. O próprio mercado é um vasto universo de sistemas. A vida coletiva, a rigor, é inconcebível sem recursos sistêmicos.

Há duas possibilidades de convivência entre os indivíduos (grupos, famílias, empresas) e as estruturas sistêmicas. A primeira seria aquela em que as pessoas acumulam recursos éticos e políticos para domesticar os sistemas e forçá-los a trabalhar em seu benefício sem sobrecargas desnecessárias.

A segunda é a que tem prevalecido na vida moderna: os sistemas submetem os indivíduos, roubando-lhes espaços de autonomia e defesa. Com sua progressiva burocratização, os sistemas crescem, blindam-se com normas e procedimentos, erguem muros que os afastam dos indivíduos. Processa-se o que o filósofo alemão Jürgen Habermas chamou de “colonização da vida” pelos sistemas. Sua conclusão é que nos entregamos ao que não podemos dispensar. Um belo dia descobrimos que estamos enredados nas malhas das estruturas que nos prestam serviços.

Ricardo Noblat - Bolsonaro tenta salvar os anéis porque os dedos já se foram

- Blog do Noblat / Veja

As pessoas começam a acordar para o tamanho da tragédia

No planeta Terra não tem governo que se sustente com 300 mil mortos por uma pandemia. Parte da culpa lhe será naturalmente atribuída, tanto mais quando se trata de um governo que fez por merecê-la. É esse o destino manifesto do presidente Jair Bolsonaro sugerido desde já pelas pesquisas de opinião pública.

A mais recente delas, revelada pela revista EXAME, é do instituto Ideia Big Data, que ouviu 1.255 pessoas entre os últimos dias 22 e 24 de março. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos. A desaprovação do governo Bolsonaro chegou à marca de 49%, a pior desde junho passado (54%).

Se antes era de 30% a porcentagem dos que consideravam Bolsonaro um líder ótimo ou bom, agora é de 25%. Com atraso, as pessoas finalmente começam a dar-se conta da dimensão da tragédia que se abateu sobre o país e de que tudo ou quase tudo dito por Bolsonaro a respeito não passou de mentiras.

Pablo Ortellado - Acuado, populismo de Bolsonaro encontra seus limites

- O Globo

Gostaria de chamar a atenção do leitor para um sutil deslocamento retórico na maneira como Bolsonaro se refere a quem defende as políticas de distanciamento social. Há pelo menos uma semana, Bolsonaro tem dito que não vai adotar políticas de lockdown como a maioria pede. A expressão “maioria” aplicada a adversários não é usual para Bolsonaro e é um sinal importante de fissura na sua estratégia populista.

A literatura recente da ciência política tem convergido para uma definição de populismo centrada na estratégia retórica de contrapor o povo às elites corrompidas e em propor a derrota dessas elites por meio de uma conexão direta do povo com o líder populista, sem a mediação de instituições como os partidos políticos ou a imprensa.

O filósofo político Ernesto Laclau enfatizava que o povo, usado pela retórica populista, era um termo vago e indefinido e que, nessa imprecisão, residia a sua força. O “povo” não eram os trabalhadores, as pessoas mais pobres, os “de baixo” ou as pessoas “comuns”, mas uma sinalização muito ambígua de maioria social, que permitia articular diferentes antagonismos em torno de um projeto político comum. Por isso, ele se referia ao povo como um significante vazio, sem significado definido.

Acânio Seleme - Tudo tem limite. Tudo!

- O Globo

Em dois meses na presidência da Câmara, Lira falou mais alto, mais duro e mais grosso do que Rodrigo Maia em dois anos

Arthur Lira não é nenhum santo. Ao contrário, o presidente da Câmara cometeu tantos pecados que dificilmente sairia do confessionário sem uma dúzia de rosários para rezar como penitência. Por isso mesmo, por todas as limitações do principal líder do Centrão, o sabão que passou no presidente Jair Bolsonaro tem mais valor. Em dois meses na função, Lira falou mais alto, mais duro e mais grosso do que Rodrigo Maia em dois anos. Você pode dizer que o Centrão é assim mesmo, morde forte para depois assoprar e levar alguma coisa em troca. É verdade. Mas o sinal amarelo de Lira tem outro efeito. O dissuasório.

Não se trata de Ernesto Araújo, uma porcaria que não vale nada. O que o presidente da Câmara divisou foi o seu futuro e o de seu grupo político. Dar apoio a um presidente fraco é a especialidade do Centrão. É disso que ele se alimenta e se fortalece. Aliar-se a um estorvo em franca decadência não faz parte do seu receituário. Foi assim com Dilma Rousseff, de cujo governo desembarcou tão logo percebeu que aquela canoa não chegaria até a outra margem. Será assim com Bolsonaro. Não é possível imaginar Arthur Lira, Ciro Nogueira e Aguinaldo Ribeiro ao lado de Jair Bolsonaro na proa de um navio afundando. Este é o cenário que se avizinha, e dele estes senhores farão tudo para se afastar.

Bolsonaro mandou dizer que não há nenhum problema entre os dois, e assessores palacianos afirmaram que o deputado segue sendo “fiel ao presidente”. Bobagem, os termos do texto não deixam dúvida do seu destinatário. Embora tenha deixado saídas honrosas, citando todos os Poderes e suas instâncias, o discurso mirou especialmente o Planalto ao mencionar “erros primários, erros desnecessários, erros inúteis”. E é para o seu principal ocupante que estão reservados os “remédios amargos e fatais” mencionados por Lira.

Oscar Vilhena Vieira - Declínio da liberdade de expressão

- Folha de S. Paulo

Ninguém frauda eleição sem antes provocar a erosão do direito à informação

A liberdade de expressão entrou em declínio na última década, como aponta o Relatório Global sobre Liberdade de Expressão (2019-2020), recentemente publicado pela organização não governamental Artigo 19. A partir da análise de 25 indicadores, coletados pelo V-Dem Institute, em 161 países, o Artigo 19 criou uma escala que vai de 0 a 100, dividida em cinco categorias de proteção à liberdade de expressão: crise, altamente restrita, restrita, pouco restrita e aberta.

Ao menos 51% da população mundial, ou seja, cerca de 3.9 bilhões de pessoas vivem em países em que o direito à informação e à liberdade de expressão encontram-se em forte “crise”, pois não ultrapassaram mais que 20 pontos na escala estabelecida pelo Artigo 19.

Embora o Brasil não se encontre nesse grupo, que inclui China, Turquia, Índia e Bangladesh, o país foi aquele em que a liberdade de expressão mais declinou na última década. Saímos da posição de país “aberto”, com 89 pontos, em 2009, para a categoria de país com liberdade de expressão “restrita”, com 46 pontos, em 2019. O que mais impressiona e preocupa, no entanto, é o fato de que o Brasil caiu, apenas no ano de 2019, 18 pontos.

Demétrio Magnoli - Idiotas inúteis

- Folha de S. Paulo

Vacinas, como smartphones, nascem de cadeias produtivas globais

Boris Johnson envolveu-se num escândalo menor ao explicar, a camaradas do Partido Conservador, que as vacinas surgiram “por causa do capitalismo, por causa da ganância”.

O primeiro-ministro britânico tem alguma razão: na origem das vacinas predominantes encontra-se a mistura capitalista da ganância (das empresas farmacêuticas) com subsídios estatais de risco (dos EUA e do Reino Unido). Mas ele esqueceu de dizer que o nacionalismo ameaça travar a imunização global, prolongando a pandemia.

Trump invocou a Lei de Produção de Defesa, promulgada na Guerra da Coreia (1950-53), para sujeitar exportações de vacinas, insumos e suprimentos para imunização a autorização federal. O Reino Unido copiou os EUA de modo menos deselegante, firmando contratos de prioridade de entrega com a AstraZeneca, cuja vacina nasceu de uma torrente de subsídios públicos.

Hélio Schwartsman - Reordenação de prioridades

- Folha de S. Paulo

Temos diferentes lógicas, que se mostram mais ou menos justificáveis

Já escrevi mais de uma vez que é complicado falar em certo e errado quando definimos os critérios de prioridade para a vacinação contra a Covid-19. O que temos são diferentes lógicas que se mostram mais ou menos justificáveis.

O que a maioria dos países acaba fazendo é combinar critérios que priorizam a proteção aos mais vulneráveis, como idosos, com critérios que privilegiam categorias de alta exposição que desempenhem funções essenciais, caso dos profissionais de saúde.

Cristina Serra - Nos quartéis ou nos ministérios?

- Folha de S. Paulo

Onde estarão em 2050 os tenentes de 2020?

general Pazuello assumiu o Ministério da Saúde com 15 mil mortos pela pandemia e deixou o cargo, dez meses depois, com mais de 300 mil cadáveres nas costas. Pazuello não tinha nenhuma credencial para o posto e ainda exibiu subserviência degradante ao genocida. "Um manda e o outro obedece" é sua frase que ficará para a história.

O desastre Pazuello contamina a imagem do Exército e a dos militares que decidiram trilhar o caminho de volta para a política, da qual haviam se afastado (ou pareciam ter se afastado) desde que o general Figueiredo deixara o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, em 1985, pedindo: "Me esqueçam". Por que voltaram?

João Gabriel de Lima - Nossas vocações e nosso Joe Biden

-  O Estado de S. Paulo

Para o mundo, nosso nome é Amazônia. Sem ela, estaremos condenados à irrelevância

Países têm vocações. A dos Estados Unidos é clara. No plano internacional, liderar o mundo democrático a partir das instituições que eles próprios ajudaram a criar – e que atendem pelo nome de Nações Unidas. No plano interno, beneficiar-se do maior ativo de seu DNA: ser um país de imigrantes. No período entre as guerras, exilados europeus ajudaram a consolidar nos Estados Unidos as melhores universidades do planeta. Ao longo das décadas seguintes, o país atraiu cérebros do mundo todo – talentos indianos na área digital, por exemplo – dando aos americanos enorme vantagem na economia do conhecimento.

Por isso era tão estranho ver alguém como Donald Trump – anti-imigração e anti-Nações Unidas – à frente de um país complexo, sofisticado e com ambição de liderança. A eleição de Joe Biden dá a sensação de que os Estados Unidos fizeram as pazes com suas vocações.

Sérgio Augusto - A raiz do mal

- O Estado de S. Paulo

Torpe submissão aos interesses de um lunático resultou na morte de 300 mil brasileiros

Bolsonaro quase me matou em 5 de outubro de 2018.

A dois dias do primeiro turno das eleições presidenciais, bastante tenso com a possibilidade de o candidato da extrema-direita vencer os dois turnos, tive um enfarte agudo do miocárdio. 

Aos amigos e ao colunista Ancelmo Góis, de O Globo, esclareci que sofrera, na verdade, um “bolsonaro agudo do miocárdio”. Ninguém contestou, nem duvidou. Uma semana e três stents depois, já estava em casa, pronto para o segundo turno, cujo trágico desfecho, felizmente, não me levou de volta ao hospital. 

A simples ideia de ouvir “o presidente Jair Bolsonaro” desafiava minhas coronárias e alentava minha crença na Primeira Lei de Murphy. Se algo pode dar errado, certo não dará. 

Imaginar na presidência da República aquele deputado do baixo clero, inapto, demagogo, fanfarrão, que nada de útil ou relevante fizera em quase três décadas de politicagem, era algo que me soava tão absurdo e inimaginável quanto William Bonner noticiar que Trump restaurara a monarquia nos EUA e agora era rei, ou que Fernanda Montenegro aceitara participar do próximo BBB. 

Marcus Pestana* - Lula e o PT: caminhos e descaminhos (2)

O PT nasceu em 10/02/1980 a partir de quatro vertentes principais: o sindicalismo do ABC; as Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à Teologia da Libertação; as correntes trotskistas e intelectuais independentes de esquerda. No seu manifesto de fundação dizia que “seria um partido sem donos”, “contra as elites e os patrões”, “um partido da classe trabalhadora com o objetivo de lutar pela emancipação do homem”.

Nas eleições de 1982, as primeiras eleições diretas para governador desde 1964, o PDS venceu em 14 estados, o PMDB em 10 estados e o PDT venceu no Rio de Janeiro com Leonel Brizola. O PT elegeu oito deputados e Lula chegou em 4º. lugar nas eleições para o Governador de São Paulo, com 10% dos votos, no seu batismo eleitoral. O tripé Montoro, Tancredo e Brizola, nos três maiores estados, foi essencial para a campanha das Diretas-já e a eleição de Tancredo Neves no Colégio eleitoral.

Monica de Bolle - Exaustão

- Revista Época

Tudo isso resulta da combinação entre o vírus, o descaso e as políticas intencionais do governo de fazer morrer

São 300 mil mortos, e estamos todos exaustos. Há um ano, era previsível que chegaríamos a 300 mil mortos, e estamos todos exaustos. Em 2018, já era possível antever o horror que seria o governo de Jair Bolsonaro, e estamos todos exaustos. Temos ainda meses duros pela frente e estamos todos exaustos. A angústia nos asfixia, e estamos todos exaustos. O medo nos oprime, e estamos todos exaustos. Mas exaustão não é sinônimo de tudo poder fazer. A exaustão não implica insensibilidade. A exaustão não pode determinar como tratamos pessoas que sequer conhecemos ou que mal sabemos como são e como pensam.

Como economista, estou exausta. Exausta de alertar, junto a outras vozes, que o Brasil estava caminhando para a tragédia dos corpos empilhados e asfixiados, das covas comuns e dos contêineres para os mortos, dos entubados nos corredores amarrados às macas sem sedativos, dos parentes aos prantos nas portas dos prontos-socorros. Das pessoas que morrem sozinhas, ainda que a realidade seja a de que todos nós, um dia, também vamos morrer sozinhos. A morte não permite acompanhantes, seja em que condições for. Sei disso, vivi isso junto ao leito de morte de meu pai há 30 anos, em um hospital, segurando sua mão. Ali estava ele, sozinho.

Dora Kramer - País na defensiva

- Revista Veja

Jair Bolsonaro mesmo admite que atua na contramão do desejo da maior parte dos brasileiros

O Brasil vem há dois anos se defendendo do presidente da República. A despeito do resultado negativo de suas investidas na avaliação popular sobre a qualidade do governo, ele não esmorece. Jair Bolsonaro mesmo admite que atua na contramão do desejo da maior parte dos brasileiros quando desafia o país a convencê-lo a mudar de comportamento: “Devo mudar meu discurso, me tornar mais maleável, devo ceder? Fazer igual à grande maioria? Se me convencerem, faço, mas não me convenceram ainda”.

Lançou esse repto a propósito da cobrança por medidas mais severas para o combate à pandemia, confessando que está em posição de minoria. Ele adianta ao mesmo tempo que por ora pouco se importa com isso e não vai mudar. Portanto, não há mais razão para aquelas dúvidas sobre se recuos e adaptações de discurso têm efeito fugaz ou duradouro.

O jogo, então, está assim jogado: Bolsonaro no ataque, o Brasil na defensiva. Não me refiro aqui ao universo da oratória, da troca de insultos pertencente ao campo do exercício do ódio improdutivo que propicia graça, anima a plateia, mobiliza emoções, mas não move moinhos de maneira efetiva. Em outras palavras, cultiva ilusões que levam a coisa alguma. O elenco de impropérios não sensibiliza quem tem neles seu ambiente mais familiar (lato e stricto sensu).

Alon Feuerwerker - Distensão tucano-petista?

- Revista Veja

A aproximação, se acontecer mesmo, despertará paixões

O noticiário traz indícios de distensão entre PT e PSDB. Seria algo inédito neste século, desde que Fernando Henrique Cardoso atravessou o rubicão em 1994 e se aliou ao então PFL (hoje Democratas) para formar um bloco anti-Lula na sucessão de Itamar Franco. Foi um movimento e tanto, pois petistas e tucanos vinham próximos e haviam sido sócios fundadores do impeachment de Fernando Collor.

Daí sobrevieram duas décadas de polarização eleitoral e política entre as legendas. O PT derrotou o PSDB sempre que teve segundo turno, já os tucanos ganharam duas vezes no primeiro turno nos anos 1990. Mas a dança do par acabou quando a Lava-Jato dinamitou primeiro o petismo e, mais perto da eleição de 2018, o tucanismo. A força de Luiz Inácio Lula da Silva ainda levou Fernando Haddad à decisão, mas aí deu Jair Bolsonaro.

As almas crédulas podem acreditar que ambas as agremiações estão mobilizadas pelo ímpeto de salvar o Brasil, já os espíritos mais céticos preferirão esperar para saber se não é apenas um enxergando no outro a escada para voltar ao poder em Brasília. É provável que seja uma mistura das duas coisas, mas na política a narrativa é sempre essencial. E desconfiar dela também.

Murillo de Aragão - Ainda não saímos do Ano Zero

- Revista Veja

O Brasil, por causa das idiossincrasias de seus governantes, errou

A pandemia completou mais de um ano, mas o Ano Zero — que marcaria a retomada econômica — ainda não começou no Brasil. Estamos muito atrasados em relação ao resto do mundo em decorrência das escolhas equivocadas do mundo político.

Como diria Galvão Bueno, vai se criando um clima terrível. E, acrescento eu, também para o governo. Sem uma oposição operacional, o governo se enrola em seu próprio vestiário. Prosseguindo com a analogia esportiva, o governo caminharia para o rebaixamento? E o que significa ser rebaixado na política? Sofrer impeachment ou ser derrotado em 2022.

Com 50% de aprovação entre “ótimo”, “bom” e “regular”, parece improvável que o governo seja rebaixado. Mas a campanha é ruim. A comunicação é péssima. A vocação para criar polêmicas inúteis é sem fim.

Com uma esquerda fraturada e um centro sem personalidade, Bolsonaro poderia virar unanimidade nacional, servindo um bufê a quilo de novidades e bondades aos grandes núcleos políticos do país. E, tal qual uma espécie de Lula, poderia caminhar para mais quatro anos, com potencial para eleger o seu sucessor lá adiante.

Eurípedes Alcântara - A nova ciência da escassez

- O Globo

Milton Friedman dizia: “Se colocarem o governo para administrar o Deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”. Os liberais na economia já foram mais descrentes de governos do que agora. Ninguém de bom senso advoga que o mercado sozinho tem solução para todos os problemas das sociedades contemporâneas. O conceito dominante agora é que o mercado regulado sabiamente por governos é a arrumação que melhor combina com a democracia. Entretanto, a começar pelas vacinas contra o vírus causador da Covid-19, todas elas concebidas ao cabo de processos com algum grau de cooperação entre iniciativa privada e instituições de pesquisa governamentais, nem mesmo esse arranjo garante sucesso na vitória definitiva sobre o problema básico da vida material — a escassez.

Carlos Alberto Sardenberg - Não, eles não mudaram

- O Globo

Por falar em comitê de combate à pandemia, eis o exemplo do Reino Unido: em março de 2020, início da primeira onda de Covid-19, o Parlamento aprovou legislação de emergência — “Coronavirus Act”, com vigência de um ano — dando poderes ao governo para administrar a crise. Isso incluía desde a decretação de lockdowns e fechamento de escolas até compra e distribuição de vacinas, sem que o governo precisasse voltar ao Parlamento a cada nova medida.

Foi uma decisão delicada para o Reino Unido, onde o parlamentarismo tem sua expressão mais forte. Transferir poderes ao Executivo é um movimento raro, para momentos graves.

Nesta semana, a legislação especial foi renovada por mais seis meses, pois o governo ainda luta para debelar a segunda onda — o que, aliás, tem conseguido, com uma combinação de isolamento social e vacinação em massa. Quase metade dos britânicos adultos já recebeu pelo menos uma dose.

No pico da segunda onda, 20 de janeiro deste ano, o Reino Unido registrou 1.826 mortes por Covid-19. Em 25 de março, 61 pessoas morreram.

Adriana Fernandes - Maquiadores profissionais

- O Estado de S. Paulo

Num governo pressionado pelo desastre da pandemia, emendas garantem apoio

Num dia, o aviso do presidente da CâmaraArthur Lira, ao presidente Jair Bolsonaro de que remédios políticos amargos e fatais poderiam ser adotados pelo Parlamento em resposta a mais erros do governo no enfrentamento da covid-19, que não serão tolerados. 

No dia seguinte, a farra das emendas parlamentares na mais vexatória votação do Orçamento dos últimos anos, com uso farto de maquiagem contábil.

Engana-se quem acha que a dura fala de Lira na véspera da votação do Orçamento nada tem a ver com o que aconteceria no dia seguinte. 

No exato momento em que Lira fazia o seu discurso, interpretado por muitos como uma ameaça velada de impeachment do presidente Bolsonaro, o Congresso, mais particularmente o Centrão, fervia na briga de última hora para o relator, senador Márcio Bittar, incluir mais emendas num Orçamento já cheio de prioridades invertidas como esta coluna vem apontando há meses.

Carlos Góes - Meu herói economista

- O Globo

Pérsio Arida foi um exemplo de resistência ao regime militar

O economista Pérsio Arida é meu herói da resistência ao regime militar. Você provavelmente conhece ele como uma das mentes por trás do Real. Talvez você não saiba que Pérsio foi torturado nos calabouços do regime militar.

Pérsio nunca foi terrorista. Nunca matou um soldado. Nunca explodiu uma bomba. Mas era membro da seção estudantil da VAR-Palmares. Seu crime foi ter pendurado uma faixa com os dizeres “Luta armada contra a Ditadura dos Patrões!” numa avenida.

Depois de se esconder numa quitinete durante semanas, foi capturado ao se encontrar com amigos de colégio (considerados “terroristas” pelo regime). Pérsio foi torturado em São Paulo. Ele é asmático. Ter sobrevivido aos choques e ao pau-de-arara é algo fortuito.

Luiz Paulo Costa* - Por um Auxílio Emergencial Municipal

A pandemia de covid-19 agrava-se! São três mil mortes diárias ultrapassando 300 mil no País. Sem perspectiva de vacinar 70% da população para a imunização coletiva no semestre. E sem adotar medidas mais restritivas em toda a Nação que reduza a circulação do vírus e variantes infectantes.

E esta situação dramática impactando as desigualdades sociais e econômicas. As ações sociais da comunidade diminuíram em até 90% a entrega de alimentos para as famílias mais vulneráveis da população. E o governo federal reduziu em 2,4 vezes o valor do auxílio emergencial do ano passado e por quatro meses.

“Ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem no Município”, dizia Franco Montoro. Portanto, é urgente encontrar soluções locais que atenuem a crise social. Afora as ações sociais já desenvolvidas pelas prefeituras, entendo que o momento exige a criação de um auxílio emergencial municipal.

O Bolsa Família tem hoje 2,1 milhões de famílias na fila de espera com 849 mil apenas na região Sudeste. E todas com avaliações dos serviços sociais municipais. Porque não um auxílio emergencial para atender as famílias das filas de espera de cada município? E as famílias vulneráveis do Cadastro Único dos Programas Sociais já somam milhares em regiões como o Vale do Paraíba paulista.

Enfim, é preciso em face da perda de renda e trabalho ter atingido as doações da comunidade, acionar o poder público municipal para socorrer a população mais vulnerável de cada cidade. Porque “é aqui que a piaba (que não canta) canta”, como falava o saudoso vereador Pedro Bala Celestino de Freitas de São José dos Campos.

*Jornalista e escritor

Música | Mariana Aydar + Fejuca - Medo Bobo

 

Poesia | Fernando Pessoa - O que há em mim é sobretudo cansaço