segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Alberto Goldman: símbolos da coerência

"Em junho do ano passado os bombeiros do Rio de Janeiro, em greve por melhores salários, invadiram o quartel-central da corporação. No dia seguinte, a maioria dos manifestantes foi presa. Terminada a paralisação o senador Lindbergh Farias, do PT, propôs uma anistia aos bombeiros. O projeto de lei recebeu emendas do próprio senador e dos senadores Renan Calheiros, do PMDB, e Eduardo Amorim, do PSC.

Alterado por emendas no Congresso, o projeto de lei que previa anistia criminal apenas para os bombeiros grevistas do Rio acabou estendendo o benefício a policiais e bombeiros de mais 12 estados e do Distrito Federal. Foram considerados anistiados todos os envolvidos em movimentos reivindicatórios em um período de 14 anos. A lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 11 de outubro do ano passado.

Essa é a notícia. E agora, ouviram a presidente e seu ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, dizerem, enfaticamente, que é inadmissível a anistia a policiais militares pois as suas paralisações são ilegais? Será que essa gente do governo esquece o que disseram e assinaram no dia anterior?"

Alberto Goldman, ex-ministro, ex-deputado e ex-governador. Dilma e Cardoso, símbolos da coerência. No Blog, 11/2/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Grécia aprova cortes em meio a caos nas ruas
Dois milhões elegem rival de Chávez
Piso da polícia pode custar R$ 46 bilhões

FOLHA DE S. PAULO
Sob pressão, Parlamento grego dá aval a cortes
Entrevista da 2ª: Peter Bofinger
Liga Árabe pede à ONU missão de paz na Síria
Lula quer antecipar aliança com Kassab para março

O ESTADO DE S. PAULO
Violência e confronto marcam votação de ajuda à Grécia
Convênios do PAC contratam secretárias
Salvador tem fevereiro mais violento
Leilão de precatórios é discutido hoje no TJ-SP

VALOR ECONÔMICO
Abono salarial já custa R$ 10,3 bi
Lei aumenta encargo para bolsa escolar
Governo dá novas missões ambiciosas para a Telebras
Receita imbatível para vencer eleição

CORREIO BRAZILIENSE
Lei seca suspende 4,9 mil carteiras
Grécia em chamas
Bahia segue na pauta
Empreitada brasileira

ESTADO DE MINAS
BH sem direito a prorrogação
Terra improdutiva

ZERO HORA (RS)
Força-tarefa define ações para combater o crack

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Lula fica livre do tumor

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

As fronteiras da ação policial :: José de Souza Martins*

A greve na Bahia e o despejo no Pinheirinho expressam as imperfeições da ordem e o desprezo elitista pelo Brasil da margem

A greve da Polícia Militar da Bahia ocorre na mesma conjuntura da intervenção da Polícia Militar de São Paulo no despejo dos ocupantes do Pinheirinho, em São José dos Campos. As motivações são opostas e os silêncios também. Mas os sujeitos não diferem. Na greve da Bahia, a PM priva a sociedade da segurança da ordem e, por meio da coação, força o governo petista a atender suas pressões. A PM de São Paulo, para cumprir ordem judicial e impor o primado da lei e da ordem, viu-se instrumento do que parecia e é uma injustiça praticada em nome do direito.

Apesar do fato de que as duas ocorrências se deem em territórios de governos de partidos antagônicos, elas oferecem a oportunidade de um exame das questões além do limitado horizonte do partidário. O país tem sido refém de um pendularismo ideológico que dificulta a compreensão de anomalias políticas, como essas. É que são elas expressões das estruturas profundas de uma sociedade carregada de heranças do pretérito e do atraso pré-político. A história não é petista nem tucana.

A greve da Bahia violou os direitos humanos da população baiana ao pô-la em situação de risco, concretizado nos decorrentes assassinatos e saques. E na violência generalizada do terror do amotinamento dos agentes de uma instituição essencial à manutenção da ordem. Encerrar a greve, como se os mortos vitimados pela omissão da PM baiana fossem apenas produtos defeituosos e descartáveis da linha de produção de uma fábrica, seria confissão de criminoso desprezo pela vida do outro. Em princípio, cúmplice de homicídio, mesmo decorrente de uma greve, tem seu crime capitulado no Código Penal, e não na legislação trabalhista. A greve na Bahia desandou, ainda, para o deboche, que lhe revelou o sentido último, ao aliciar a simpatia do general comandante da operação de imposição da lei, subornando-lhe as lágrimas com um bolo de aniversário.

Às pressas, a presidente da República desenterra projeto de regulamentação do direito de greve no serviço público, o que abrange as polícias. É medida que se torna urgente. Quando a liberalidade da lei é fator de abuso, violência e anulação das próprias condições de afirmação do direito, a regulação torna-se necessária. A greve é historicamente a indicação de um limite, não um direito de abuso.

É significativo que o atual governador, que foi um dia experimentado líder sindical, tivesse sido surpreendido, em visita a Cuba, por uma greve que correu fora dos canais sindicais de convenção e fora das expectativas da reivindicação negociável. Crianças e mães e o bolo do general são indicativos de reclamo pautado longe da racionalidade própria das relações de trabalho. Toda a população do Estado foi feita refém de uma chantagem. A reivindicação salarial justa deixou de sê-lo quando veiculada por meio de técnicas de intimidação e de extorsão.

As mudanças que vem ocorrendo no País no último meio século indicam claramente que o eixo da reivindicação de classe foi deslocado pela própria dinâmica da economia moderna e, sobretudo, pela dinâmica da sociedade. A sociedade se fragmentou e já não há fatores que deem unidade, visibilidade e eficácia política ao pressuposto da classe social como agente das demandas sociais. Hoje, as entidades e movimentos de reivindicação, mesmo os profissionais, estão mutilados pela interveniência de subjacentes demandas estranhas à situação de classe, como as raciais, religiosas e corporativas.

Os grupos desfavorecidos falam como grupos de interesse que expressam demandas informadas pela rusticidade das ideias da economia moral, como fazem os PMs da Bahia e como faz o MST, arrastando para o cenário de seus conflitos mulheres e crianças, aquém do sindicato e do partido e, portanto, aquém do neoliberalismo de negociação que os preside. Ou seja, a família como sujeito pré-político de carências. O que o historiador inglês E. P. Thompson chamou de economia moral retorna do fundo dos tempos, dando nova e diferente entonação às lutas sociais. Esse é o ponto que junta os problemas impostos aos respectivos governos pelas PMs na Bahia e em São Paulo.

Numa entrevista infeliz a Débora Bergamasco, a secretária da Justiça de São Paulo alinhavou argumentos de radical legalismo para justificar a ordem judicial do despejo no Pinheirinho e o emprego da PM para executá-la. O país da bem-vinda Constituição liberalizante de 1988 omitiu-se em relação a questões essenciais, como a dos limites morais na execução da lei. A própria ditadura militar, no governo Costa e Silva, em face da violência dos despejos de posseiros na Amazônia, baixara ato complementar instituindo a audiência prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na decretação de despejos pela Justiça, antepondo o primado social da reforma agrária às formalidades da lei, dada a possibilidade da desapropriação e da regularização fundiária. O caso da Bahia e o caso de Pinheirinho expressam as imperfeições da ordem e o desprezo elitista pelo Brasil da margem.

* José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros, de A política do Brasil lúmpen e místico (Contexto, 2011)

FONTE: ALIÁS/ O ESTADO DE S. PAULO

Mentira:: Caetano Veloso

Tarde demais para lamentar a imperdoável desatenção do governador Jacques Wagner aos problemas que levaram à greve da Polícia Militar da Bahia. Jânio de Freitas estava certo ao escrever que ao governador cabe a maior parte da responsabilidade pela situação. Hoje (quinta-feira) de manhã vi um PM dizer na televisão que as conversas telefônicas entre ele e o líder do motim ("Eu vou queimar viaturas, eu vou queimar duas carretas na Rio-Bahia"; "Fecha a BR!", respondia-lhe o comandante) tinham sido uma encenação de quem já sabia que estava sendo monitorado. Mas a invasão, na Paralela, de dois ônibus por homens armados e encapuzados é fato indiscutível - e que se afina com o tom desses telefonemas. O clima de terror que os grevistas quiseram instaurar deixou o Rio Vermelho deserto no sábado à noite: é como se a Lapa tivesse ficado deserta num fim de semana. Os assassinatos de moradores de rua continuam inexplicados.

Wagner era sindicalista. É inacreditável que ele diga que foi pego de surpresa. Nós todos já sabíamos o que tinha se passado no Maranhão e no Ceará, antes de sua viagem a Cuba. Ele deverá ser sempre criticado por não ter sido capaz de negociar e, uma vez o conflito deflagrado, não ter tido a força de personalidade para lembrar aos envolvidos que há instituições neste país.

Quando Lula chegou à presidência, chamou Luiz Eduardo Soares para projetar uma política nacional de segurança. Os lulistas nunca explicaram como e por que Soares foi despachado sem ter tido tempo sequer de testar um esboço de suas ideias. Mas já ouvi cem vezes que José Dirceu usou toda a sua energia para livrar o nascente governo do PT do estorvo que seria um homem íntegro e informado trazendo racionalidade para o enfrentamento da questão da segurança pública. Nada nem remotamente semelhante foi posto no lugar. O misto de aparelhamento com fisiologismo não permitiria uma experiência ousada. Ninguém está certo de que as decisões de Luiz Eduardo seriam bem-sucedidas. Mas é seguro que o que se tem aí não poderia ser piorado.

Ouço vozes populares iradas com o governador e simpáticas à greve. São vozes de pessoas íntimas minhas, e também de desconhecidos que escrevem cartas às redações ou que simplesmente se manifestam em diálogos casuais na rua. São pessoas que acham absurdo os salários dos policiais que arriscam a vida para encarar cidades tomadas por marginais. Muitas xingam os parlamentares que votam aumentos de seus próprios ganhos, quando sabemos que eles são todos bandidos e corruptos. Claro que a resposta é que não só não é verdade que todos os legisladores sejam bandidos como também que se sabe que há policiais que o são. As cenas na Assembleia Legislativa, com mulheres e filhos de policiais nas fotos, têm a alegria espontânea das greves do tempo de "Eles não usam black-tie". Mas é impossível não lembrar o conceito de escudo humano, num tempo em que se sabe que crianças se explodiram na Palestina Ocupada (que é como os árabes chamam o Estado de Israel).

O doloroso é sentir a fragilidade das instituições brasileiras. O clima de revolução aqui em Salvador surge em falas surpreendentes: uma policial militar foi flagrada dizendo a um dos líderes, por telefone, que queria aderir à greve, mas que seu marido, também policial, era contra, o que criaria problemas para ela em casa. Ela pergunta se o telefone do comandante do motim está grampeado, ao que ele responde que "sempre está". O desejo expresso dessa mulher e seu conflito lembram cenas de situações revolucionárias cheias de beleza e promessas. Há algo dessa atmosfera aqui. Enternece, excita, mas também amedronta e abate, pois sabemos aonde levam quase todas as revoluções. Lembro-me das conversas na faculdade sobre "condições revolucionárias" e de filmes italianos sobre heróis comunistas - mas também de Mao, Stalin e Pol Pot.

Assistir ao filme de Clint Eastwood sobre Edgar Hoover num cinema de Salvador hoje à noite, com todo o ridículo da música e da maquiagem de Hoover e de seu namorado, me fez pensar na deficiência de nossa utilização dos talentos. Hoover implantou o uso da impressão digital, pôs em prática uma visão nítida de segurança pública. Quem nos dera que um Luiz Eduardo Soares, em tudo tão oposto a Hoover, encontrasse os caminhos para criar uma ordem eficaz e com jeito brasileiro. Ou quem sabe do caos virá alguém diferentíssimo de Luiz e nos surpreenderá.

Ouvi que a casinha de Iemanjá, aqui ao lado, foi invadida e roubada, tendo os invasores quebrado as estátuas da deusa. Houve quem visse nisso uma expressão de intolerância antipoliteísta e inimiga da adoração de ídolos, em sintonia com a presença de alguns evangélicos entre os líderes do motim. Não consigo sentir assim, embora seja muito absurdo baianos não contaminados pela campanha evangélica destruírem imagens de Iemanjá. Será que Gilberto Dimenstein está certo e Salvador é uma mentira? (E eu deveria estar preso?) Na semana em que Wando morreu em BH, tenho vontade de ter visto um Aécio presidente - e de voltar a morar na Bahia.

Dimenstein tem razão. A cidade está um lixo. Tudo aqui dá a impressão de que não há futuro. "Sim", me disse Agostinho da Silva sobre a África, "ali de facto não há futuro. Por isso mesmo devemos fazê-lo". Limpar o Porto da Barra, retomar a manutenção do Pelourinho, pagar bem os policiais honestos, descartar os bandidos e os governantes ineptos, refazer a imagem de Iemanjá.

O doloroso é sentir a fragilidade das instituições brasileiras

FONTE: O GLOBO

General do povo, não:: Elio Gaspari

No século passado, havia generais de direita e de esquerda, deu em ditadura, assassinatos e tortura

A cena de confraternização do general Gonçalves Dias, comandante da 6ª Região Militar, com os PMs amotinados de Salvador foi constrangedora e impertinente.

Constrangedora porque o general foi aos amotinados, recebeu um bolo de aniversário e abraçou um deles. Esqueceu-se de que estava no comando de uma operação militar. Desde o início do motim, mais de 135 pessoas foram assassinadas em Salvador. A Assembleia Legislativa fora ocupada. Lojas e casas foram saqueadas. O prejuízo do comércio vai a centenas de milhões de reais, e os rebelados cantavam "Ôôô, o Carnaval acabou".

O general foi impertinente ao dizer o seguinte: "Peço aos senhores: se as pautas que estão sendo discutidas pelos políticos não forem atendidas, vamos voltar a uma negociação. Não poderá haver confronto entre os militares. Eu estarei aqui, bem no meio dos senhores, sem colete".

A primeira impertinência esteve na afirmação de que "as pautas estão sendo discutidas pelo políticos". A negociação estava na alçada dos Poderes constituídos, aos quais as Forças Armadas estão subordinadas. A segunda impertinência estava na afirmação de que "não poderá haver confronto entre os militares". Os PMs amotinados não estavam ali como militares, mas como desordeiros, cabeças-de-ponte de um motim articulado que se estendeu ao Rio de Janeiro. A ideia de que a negociação estava nas mãos dos "políticos" e de que "não poderá haver confronto entre os militares" é subversiva e caquética.

A tropa do Exército é mobilizada para exercer um efeito dissuasório. O discurso do general e a cena do bolo transformaram o poderio militar em alegoria carnavalesca. Se "não poderia haver confronto", com que autoridade um coronel ordenaria a um capitão que respondesse a uma agressão? (No dia seguinte, no peito, cerca de 50 pessoas furaram o cerco da tropa e juntaram-se ao motim. Na quinta-feira, no Rio, a polícia baixou o pau nos trabalhadores vitimados pela SuperVia.)

No século passado havia os "generais da UDN" e a eles contrapuseram-se os "generais do povo". Deu no que deu. O tenente que em 1964 comandava os tanques que guarneciam o Palácio Laranjeiras tornou-se um dos "doutores" da Casa da Morte, onde se assassinavam presos políticos. Em 1981, estava no carro que jogou a bomba na casa de força do Riocentro. Outra explodiu antes da hora, matou um sargento e estripou um capitão.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Caetano Araújo é reeleito presidente da Fundação Astrojildo Pereira

Diretório Nacional do PPS aprova nova direção da FAP

Por: Assessoria do PPS

O Diretório Nacional do PPS aprovou, nesta sexta-feira, após intenso debate, a nova direção da Fundação Astrojildo Pereira. Na presidência da entidade continua o cientista político e sociólogo Caetano Araújo (PPS-DF) e a direção-geral será assumida pelo ex-deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE). O presidente de honra é o jornalista Armênio Guedes.

A nova direção da FAP (confira membros abaixo) vai contar com 24 membros efetivos no conselho curador e sete na diretoria-executiva. Entre as missões da entidade para os próximos dois anos está a intensificação do trabalho de formação política dos quadros do partido.

A maior parte dos membros do conselho curador da entidade foi mantida.

A Fundação Astrojildo Pereira é um instrumento para análise e discussão das complexas questões da atualidade brasileira e mundial. Ela é aberta a todo e qualquer cidadão, independente de ser filiado ou não à agremiação partidária e de suas concepções políticas e filosóficas.

Instituída pelo Partido Popular Socialista, destina-se ao estudo e à reflexão crítica da realidade, na construção de referências teóricas e culturais que incidam sobre as lutas democráticas da sociedade brasileira. Também promove cursos de formação política presenciais e à distância, edita de livros e mantém uma biblioteca pública em Brasília. Confira mais no Portal da FAP.

Fundação Astrojildo Pereira

Presidente: Caetano Ernesto Pereira de Araújo, sociólogo (UnB), mestre e doutor em sociologia (UnB)

Presidente de Honra: Armênio Guedes, jornalista – RJ

Diretoria Executiva

Diretor-geral: Raul Jungmann, presidente do PPS-PE
Raulino Oliveira, economista – RJ
Francisco Inácio de Almeida, jornalista –DF
Luiz Antonio Gato – RJ
Soninha Francine, jornalista – SP
Márgara Cunha – DF
Marcilio Domingues – PE

Conselho Curador

Efetivos:

01. Caetano Araújo, sociólogo – DF
02. Davi Emerich, jornalista –DF03. Dina Lida Kinoshita, física e ambientalista – SP
04. Givaldo Siqueira, advogado – RJ
05. Giovani Menegoz, ensaísta – SP
06. João Batista de Andrade, cineasta e escritor – SP
07. João Carlos Vitor Garcia, economista – MG
08. José Ribamar Ferreira (Ferreira Gullar), jornalista – RJ
09. Lucília Garcez, lingüista e professora da UnB – DF
10. Luiz Werneck Viana, professor – RJ
11. Mércio Pereira Gomes, antropólogo – RN
12. Sérgio Camps Moraes, economista – RS
13. Silvio Tendler, cineasta – RJ
14. Luiz Carlos Azedo, jornalista – DF
15. Luiza Maria de Ferreira, jornalista –
16. Regis Cavalcante, jornalista – AL
17. Renata Bueno, advogada – PR
18. Helena Werneck, professora - SP
19. Stepan Nercessian, ator e deputado federal – RJ
20. Vladimir Carvalho, cineasta – DF
21. Raimundo Jorge
22. Alberto Aggio, historiador – SP
23. Tobias Santana
24. Ciro Gondim Leichsenring, presidente da FAP-SP

Suplentes:

01. Antonio Augusto Moreira de Faria, professor – MG
02. Arlindo Fernandes de Oliveira, advogado – DF
03. Cleia Schiavvo Weyrauch, professsora – RJ
04. Maria do Socorro Ferraz, professora – PE
05. Doriva Mendes
06. Aldo Pinheiro

E como mentem! :: Ricardo Noblat

"Se anistiar, vira um país sem regra." (Dilma, que, no ano passado, anistiou PMs e bombeiros grevistas de 13 Estados)

"Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente. Mentem, sobretudo, impunemente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacionalmente que acham que mentindo historia afora vão enganar a morte eternamente". Pois sim.

Apelo para o poema "A implosão da mentira", de Affonso Romano de Sant"Anna, sempre que esbarro em algum caso exemplar de mentira. Porque um desses exige uma resposta exemplar. E não conheço outra melhor do que o poema de Affonso, mineiro de nascimento, autor de mais de 40 livros. Um deles: "Que país é este?"

Na última sexta-feira , um auxiliar de Dilma indignou-se ao ler no jornal "O Estado de S.Paulo" reportagem de Tânia Monteiro sob o título "Planalto aborta visita de Dilma a obra da Transnordestina ao constatar abandono". O auxiliar perguntou agressivo: "Isso aqui é delírio de quem? Do jornal ou da repórter?"

A abertura da reportagem de Tânia: "Grades de proteção para afastar a multidão, toldos e um palanque foram desmontados às pressas na manhã de quarta-feira, 8, depois que a presidente Dilma Rousseff cancelou a viagem a Missão Velha, no sertão do Cariri (...) porque o palco da festa fora montado num trecho de obra paralisada da ferrovia Transnordestina."

A 24 horas da visita de Dilma, apenas quatro empregados trabalhavam na ponte 01 de Missão Velha. Restavam 190 dos 813 ocupados nos três trechos da estrada no início de dezembro. E apenas 299 nas obras da transposição do Rio São Francisco na altura da cidade de Mauriti. Antes eram 1.525.

O auxiliar de Dilma deve ter imaginado que Tânia escrevera sua reportagem sem sair de Brasília. De fato, ela visitou a região com antecedência. Conferiu o que viu e ouviu.
Teve mais sorte do que eu. Estava no Rio na quarta-feira passada quando soube da encrenca em que se metera na Bahia o general Gonçalves Dias.

Comandante da 6ª Região Militar, cabia-lhe a tarefa de enfrentar os policiais militares grevistas que haviam tomado o prédio da Assembleia Legislativa do Estado. Não lhe faltava competência para tanto — pelo contrário - Faltou-lhe bom-senso. Esqueceu que general não precisa ser simpático. Basta que seja eficiente.

No primeiro dia que passeou sua calvície em frente ao refúgio dos amotinados, o general ganhou um bolo de presente porque aniversariava. Ouviu cantarem "Parabéns para você".
Foi fotografado abraçado com um PM. Emocionou-se. E, por fim, chorou. O general romântico! O general do povo!

Com Dilma presidente, PM bandalho não ganha mais anistia, nem general chora abraçado com fora da lei. Apurei, então, por telefone que o general perdera o comando da repressão aos grevistas. Publiquei a notícia no meu blog. Para quê? Para nas quatro horas seguintes quase ser soterrado por desmentidos.

O ministro da Justiça desmentiu. O governador da Bahia desmentiu. O porta-voz do general desmentiu. E o próprio general desmentiu. Transferiu-me sua angústia, que só terminou quando li mais tarde reportagem de Tânia Monteiro no site do jornal "O Estado de São Paulo". Tânia cobre a área militar há 27 anos. Generala Tânia!

O comando da repressão aos grevistas fora transferido para o general Benzo, Comandante Militar do Nordeste informou Tânia. O governador da Bahia telefonara para Dilma e para o ministro da Justiça censurando o comportamento de Gonçalves Dias. Dilma estava furiosa com o general. Que, por sua vez, admitira para o governador ter se excedido.

Ao contrário de outros países, ninguém aqui é obrigado a falar com jornalistas ou a ajudá-los. Desrespeita o distinto público, porém, e deveria ser punida com rigor, a autoridade que informa errado e que mente a jornalistas. Ao cabo, engana o povo. "Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura".

FONTE: O GLOBO

Chave de segurança:: Melchiades Filho

O fim da greve dos PMs da Bahia e o início claudicante, porque sufocado, do levante no Rio podem dar a falsa impressão de que o problema está resolvido.

O vazamento das escutas telefônicas, que desnudaram tramas e crimes cometidos para dar visibilidade ao protesto, causou indignação no telespectador, não na tropa. Os sindicalistas perderam qualquer possibilidade de sensibilizar o público para suas reivindicações, mas não o respaldo da categoria.

Isso porque a questão salarial segue pendente. A disparidade chega a quase 200%: um soldado da PM ganha R$ 1.600 no Rio Grande do Sul, contra R$ 4.600 no Distrito Federal. A emenda constitucional (PEC 300) que cria um piso nacional não é apenas peça de chantagem. Trata-se de proposta legítima e fundamentada na realidade.

Também o calendário continua a favor dos sindicatos. Rio+20, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíada, os grandes eventos internacionais renovarão as chances de emparedar União e Estados.

Mais: os PMs não estão sozinhos no funcionalismo. Muitas categorias torcem para que eles façam um primeiro rombo no casco das finanças de Dilma. Policiais federais e agentes penitenciários, por exemplo, acompanham o caso com atenção.

E há as Forças Armadas. Por muito tempo, elas resistiram à ideia de patrulhar ruas. Hoje, muitos militares constatam que o combate à violência nas cidades pode representar uma oportunidade de sair da irrelevância e conquistar espaço orçamentário. Os PMs rebelados são bois de piranha nesse roteiro.

O Palácio do Planalto, que de início se meteu na crise apenas para tirar do sufoco um governador do partido da presidente, parece ter, com o passar dos dias, percebido os riscos potenciais. Não faz mais sentido se esconder na Constituição e tratar da segurança pública como problema exclusivo dos Estados.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O partido industrial:: Janine Ribeiro

Há no Brasil um projeto político - sem partido - composto daqueles que se inquietam com a desindustrialização do país, ou melhor, com a redução da parte da indústria em nossa produção e exportações. Em meados do século 20, quando o subdesenvolvimento e seus males despertaram reflexões de alta qualidade, entendeu-se que, para saírem da miséria, os países mais pobres deveriam ir além da agricultura, pecuária e extração de minérios. A única forma de se desenvolverem seria agregando valor-trabalho a seus produtos. As mercadorias com baixa quantidade de riqueza gerada pelo homem acabam valendo menos. Mesmo a grande exceção dentre os produtos coletados, o petróleo - que, por sinal, começou a se tornar mais caro apenas na década de 1970 -, não é uma benção para as nações que o extraem. A grande exceção são os Estados Unidos, mas justamente porque sua produção de petróleo é apenas um item numa economia complexa e rica. Em outros lugares, o petróleo desestimula a geração de riquezas pelo trabalho humano. Mas, ficando no Brasil, entendeu-se que a solução de nossos males passava pela industrialização. É o que une Volta Redonda, construída ainda na ditadura Vargas, os projetos de JK na década de 1960, o planejamento de Celso Furtado e as grandes obras da ditadura militar.

Riqueza natural não basta para fazer rico um país

Contudo, os dois últimos presidentes da República, FHC e Lula, conviveram bem com o que desde a década de 1990 alguns chamaram de desindustrialização. Voltou a crescer, em nossa pauta de exportações, o que vem da terra: seja a riqueza mineral gerada ao longo de milhões de anos e que desaparece para sempre, seja o produto do campo, ora lavoura, ora pecuária. Na análise que a Cepal fazia das causas da pobreza, trata-se de produtos honrosos, mas que não permitiriam dar o salto para o desenvolvimento. É verdade que a agropecuária e a extração de minérios hoje têm uma qualidade nunca antes vista. Ciência e tecnologia estão embutidas nelas. Por outro lado, hoje não basta ter indústrias: há as de primeiro e de segundo time. Só as melhores representam um diferencial. O trabalho agora valorizado não é qualquer um - é, sobretudo, o intelectual. Ou seja, a diferença de nossos dias não é bem entre indústria e agricultura: é entre o uso da inteligência e o uso dos braços. Mesmo assim, o fato é que nas últimas décadas - por coincidência as mais estáveis de nossa história política, as que também mais contribuíram para a redução da miséria e da pobreza - nossa economia de exportação voltou a se constituir principalmente de produtos com pouca agregação de valor. Há, aí, pelo menos um paradoxo, e talvez um risco.

Testemunhei um episódio dessa história quando jovem. Meu pai, Benedicto Ribeiro, jornalista econômico (ver José Venâncio de Resende, "Construtores do Jornalismo Econômico", 2005), trabalhava em 1967 com Horácio Coimbra, que presidia o Instituto Brasileiro do Café. Horácio, dono da Cia. Cacique de Café Solúvel, perdeu o cargo, vítima das pressões norte-americanas para que o Brasil não exportasse café solúvel, mas só em grão. Em plena vigência do Ato-5, o então deputado Helio Duque relatou esse caso em "A guerra do café solúvel" (1970). A simples transformação do café para solúvel, incluindo mais trabalho no valor do produto, já era um elemento de combate ao subdesenvolvimento.

Temos economistas e políticos preocupados com essa redução da qualidade do que exportamos. Os nomes óbvios são Luiz Carlos Bresser-Pereira, que deixou o PSDB no ano passado (como revelou ao jornal Valor), e José Serra, que em sua carreira se empenhou na defesa da indústria. Contudo, este assunto hoje não é pauta de discussão política. Não tem destaque na maior parte dos jornais, nem na televisão aberta. Apenas devo lembrar, aqui, que não se trata exatamente de defender a indústria na exportação brasileira; é antes de mais nada entender que o país não pode depender tanto da exportação, digamos, de soja para alimentar o gado estrangeiro. É ótimo exportarmos esses produtos, mas não bastam. Ou seja, o que chamei de partido industrial não é bem um defensor só da indústria, ou de qualquer indústria: o que o incomoda é a hipercommoditização do que mandamos para fora, que nos deixa econômica e politicamente vulneráveis, e o que ele quer é agregar trabalho brasileiro para o país produzir mais riquezas. Mais ainda: pretende romper com a ideia do país "rico por natureza", quando riqueza é o que fazemos, com o trabalho e, cada vez mais, a inteligência.

O problema é que esse partido da agregação do valor-trabalho não existe. Há economistas preocupados com o problema. Só que o assunto não vai à praça pública. Nem sei se Serra ainda lhe dá importância: na campanha, mal o mencionou. Pode ser tema impopular - é tão barato importar da China... Mas os pontos cruciais são dois: aparentemente, vemos aqui o calcanhar de Aquiles de nossa economia, que tem permitido uma redução drástica da pobreza; e, seguramente, é o assunto de que não se fala. Haverá políticos querendo trazer o assunto para o debate? Na verdade, o que chamei de partido industrial deveria ser conhecido como o "partido da inteligência como força produtiva". Talvez aí esteja o problema: ele se concentra demais no Ministério da Ciência, Tecnologia e, agora, Inovação. Poucos sabem dele. Mas é prioritário para nosso desenvolvimento. Não sei, a rigor, se ele tem que virar partido. Como os empreendedores de quem falei na coluna passada, talvez seja melhor que contaminem as diversas forças políticas. Mas tem que fazer-se presente no debate público.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Eleição quântica:: José Roberto de Toledo

O PSD kassabista tem poder de personagem de história em quadrinhos. Contamina os partidos do qual se aproxima com sua capacidade quântica, a de não estar em nenhuma e estar em todas as posições do espectro político simultaneamente. O alvo da vez é o PT.

Selada a parceria psdo-petista em São Paulo, a candidatura de Fernando Haddad se contorcionará para fazer uma campanha de oposição que defende a situação. Bom para Gilberto Kassab, cuja gestão aprovada por só 2 em cada 10 eleitores paulistanos terá de ser defendida pelo ex-futuro crítico - feito aliado por Lula.

Em troca de um apoio virtual da bancada federal do PSD ao governo Dilma, o prefeito paulistano ganhará espaço na propaganda eleitoral compulsória para lavar sua imagem. De quebra, Kassab ainda pode receber uma cadeira em Brasília para se encostar após a eleição.

Com tantos bônus, que é que custa enfrentar mais uma vaia de petistas durante a festa de aniversário do neoaliado? Quase nada. Os apupos entraram por um ouvido e saíram pelo bolso, convertidos em moeda de troca para Kassab.

Parece uma barganha desigual. O PT troca tudo isso por um apoio parlamentar que, na prática, já tem. Afinal, boa parte dos deputados que se bandearam para o PSD o fez justamente por não ver muita vantagem em continuar militando na oposição.

Talvez haja outra variável no cálculo. Será que, diante do apoio de Lula, Dilma Rousseff e do PT, o PSD ganha mais força junto à Justiça eleitoral? O partido tem uma ação em curso no TSE cuja vitória beneficiaria todas as siglas coligadas a ele nas próximas eleições - inclusive candidatos petistas.

A assessoria do Tribunal Superior Eleitoral defende o direito do recém-criado PSD de ter acesso ao dinheiro do Fundo Partidário e - melhor - ao tempo de propaganda eleitoral compulsória na proporção de sua bancada parlamentar. São minutos preciosos para Haddad numa eleição nivelada pelo desconhecimento dos candidatos junto à população.

O processo precisa ser julgado logo para valer nesta campanha. Quem não acredita na independência entre os Poderes pode desconfiar que a aliança psdo-petista pode ter a ver com o julgamento do caso. Céticos!

Nem tudo são votos favoráveis nessa aliança inusitada, todavia. Há o pequeno problema da opinião pública: 4 em 10 eleitores acham a gestão Kassab ruim ou péssima. E a rejeição ao mandachuva do PSD beira 60% entre os eleitores que manifestam espontaneamente intenção de votar num candidato petista.

O prefeito se dá nota 10, mas recebe nota 4,6 da população. Segundo o Datafolha, 46% não votariam no candidato apoiado por Kassab. O porcentual chega a 59% entre petistas.

Kassab é um peso pesado que pode arrastar aliados para o fundo. Será especialmente difícil de carregar para Haddad, que ainda precisa convencer a militância petista de que ele é o cara. Curiosamente, o PT - ou melhor, Lula - escolheu Haddad justamente por ele não somar rejeição pessoal à rejeição partidária.

Após eleger Dilma, Lula deve apostar que, com bastante propaganda, pode transformar qualquer um em algo palatável. Até Kassab.

Os poderes quânticos do PSD também têm o efeito oposto, de transformar o indeciso PSDB num partido de oposição. A aliança Kassab-Haddad enfraquece pré-candidatos tucanos que vão melhor na base pró-kassabista, como Andrea Matarazzo, e ajuda os mais fortes entre os oposicionistas, como Bruno Covas. Coisa de história em quadrinhos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O PT e as privatizações:: Aécio Neves

Toda mudança para melhor deve ser saudada. Por isso, devemos reconhecer como positiva, ainda que com o atraso de uma década, a privatização dos aeroportos.

Porém, uma pergunta é inevitável: por que, afinal, esperamos tanto? O governo, por inércia, permitiu que se instalasse o caos nos aeroportos e só reagiu diante da aproximação da Copa, alimentando a ideia de que só age sob pressão e tem na improvisação uma de suas marcas.

Talvez isso explique terem privatizado sem exigir garantias mínimas compatíveis com operações desse porte. Pouco parece importar se há entre os vencedores crônicos inadimplentes em outros mercados ou mesmo quem não tivesse condições de conseguir financiamento junto ao mesmo BNDES, em operação de muito menor porte.

Privatizaram fingindo não privatizar e ignoraram a oportunidade de buscar contrapartidas óbvias que pudessem garantir, em um mesmo lote, a modernização de aeroportos mais e menos rentáveis. Prevaleceu a lógica do maior ágio e do interesse comercial dos grupos privados em detrimento das populações de regiões onde os investimentos serão menos atrativos.

Por tudo isso, é desleal o ataque histriônico do PT às privatizações do governo FHC. Desleal porque em nenhum momento o programa de concessões ou privatizações foi interrompido. São as leis brasileiras que obrigam o uso de concessões em determinados serviços e não a ideologia petista, como tentam fazer crer, em risível contorcionismo verbal, alguns líderes do partido.

No governo FHC também foram feitas concessões como na área de energia elétrica. Da mesma forma que nos aeroportos, ao final do prazo de outorga os ativos retornarão à União. Aliás, é exatamente o que se discute agora -a renovação ou não de outorgas concedidas naquele período.

O episódio da privatização dos aeroportos, no qual serão usados recursos públicos do BNDES e dos fundos de pensão, prática demonizada pelo PT, que neles via um mero instrumento de financiamento do lucro privado, traz à tona uma outra indagação cada vez mais comum entre os brasileiros: afinal, o que pensa e qual é o PT de verdade? O do discurso ou o da realidade? O que lutou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Proer e o Plano Real ou o que os elogia hoje?

O PT dos paladinos da ética ou o do recorde de ministros derrubados por desvios? O que ataca as privatizações ou o que as realiza? O que, na oposição, defende de forma indiscriminada todo tipo de greve ou o que, no governo, reage a elas?

No mais, vale registrar: a insistência do PT em comparar modelos de privatização é bem vinda. Até porque não deixa de ser divertido ouvir o PT discutir quem privatiza melhor.

Aécio Neves, senador (PSDB-MG).

Um sonho que acabou:: Ferreira Gullar

Nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem permissão

É com enorme dificuldade que abordo este assunto: mais uma vez -a 19ª- o governo cubano nega permissão a que Yoani Sánchez saia do país. A dificuldade advém da relação afetiva e ideológica que me prende à Revolução Cubana, desde sua origem em 1959. Para todos nós, então jovens e idealistas, convencidos de que o marxismo era o caminho para a sociedade fraterna e justa, a Revolução Cubana dava início a uma grande transformação social da América Latina. Essa certeza incendiava nossa imaginação e nos impelia ao trabalho revolucionário.

Nos primeiros dias de novo regime, muitos foram fuzilados no célebre "paredón", em Havana. Não nos perguntamos se eram inocentes, se haviam sido submetidos a um processo justo, com direito de defesa. Para nós, a justiça revolucionária não podia ser questionada: se os condenara, eles eram culpados.

E nossas certezas ganharam ainda maior consistência, em face das medidas que favoreciam aos mais pobres, dando-lhes enfim o direito a estudar, a se alimentar e a ter atendimento médico de qualidade. É verdade que muitos haviam fugido para Miami, mas era certamente gente reacionária, em geral cheia da grana, que não gozaria mais dos mesmos privilégios na nova Cuba revolucionária.

Sabíamos todos que, além do açúcar e do tabaco, o país não dispunha de muitos outros recursos para construir uma sociedade em que todos tivessem suas necessidades plenamente atendidas. Mas ali estava a União Soviética para ajudá-lo e isso nos parecia mais que natural, mesmo quando pôs na ilha foguetes capazes de portar bombas atômicas e jogá-las sobre Washington e Nova York. A crise provocada por esses foguetes pôs o mundo à beira de uma catástrofe nuclear.

Mas nós culpávamos os norte-americanos, porque eles encarnavam o Mal, e os soviéticos, o Bem. Só me dei conta de que havia algo de errado em tudo isso quando visitei Cuba, muitos anos depois, e levei um susto: Havana me pareceu decadente, com gente malvestida, ônibus e automóveis obsoletos.

Comentei isso com um companheiro que me respondeu, quase irritado: "O importante é que aqui ninguém passa fome e o índice de analfabetismo é zero". Claro, concordei eu, muito embora aquela imagem de país decadente não me saísse da cabeça.

Impressão semelhante -ainda que em menor grau- causaram-me alguns aspectos da vida soviética, durante o tempo que morei em Moscou. O alto progresso tecnológico militar contrastava com a má qualidade dos objetos de uso. O que importava era derrotar o capitalismo e não o bem-estar e o conforto das pessoas. Mas os dirigentes do partido usavam objetos importados e viam os filmes ocidentais a que o povo não tinha acesso.
Se a situação econômica de Cuba era precária, mesmo quando contava com a ajuda da URSS, muito pior ficou depois que o socialismo real desmoronou. É isso que explica as mudanças determinadas agora por Raúl Castro.

Mas, antes delas, já o regime permitira a entrada de capital norte-americano para construir hotéis, que hoje hospedam turistas ianques, outrora acusados de transformar o país num bordel. Agora, o governo estimula o surgimento de empresas capitalistas, como o faz a China. Está certo desde que permita preservar o que foi conquistado, já que a alternativa é o colapso econômico.

Tudo isso está à mostra para todo mundo ver, exceto alguns poucos sectários que se negam a admitir ter sido o comunismo um sonho que acabou. Mas há também os que se negam a admiti-lo por impostura ou conveniência política.

Do contrário, como entender a atitude da presidente Dilma Rousseff que, em recente visita a Cuba, forçada a pronunciar-se sobre a violação dos direitos humanos, preferiu criticar a manutenção pelos americanos de prisioneiros na base aérea de Guantánamo, o que me fez lembrar o seguinte: um norte-americano, em visita ao metrô de Moscou, que, segundo os soviéticos, não atrasava nunca nem um segundo sequer, observou que o trem estava atrasado mais de três minutos. O guia retrucou: "E vocês, que perseguem os negros!".

A verdade é que nem eu nem a Dilma nem nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem a permissão do governo.

FONTE: ILUSTRADA/FOLHA DE S. PAULO

Uma questão de números: Merval Pereira

A disputa pelo controle político da nova classe C, explicitada pela preocupação do ministro Gilberto Carvalho de não a deixar "à mercê" de influências conservadoras, tem razões quase matemáticas: cerca de 39,6 milhões ingressaram nas fileiras da chamada nova classe média entre 2003 e 2011, número que vira 59,8 milhões se contarmos desde 1993.

Ela já corresponde, desde o ano passado, a 55,05% da população brasileira, ou seja, 100,5 milhões de brasileiros têm hoje renda entre R$ 1.200 e até R$ 5.174 mensais.

Para o economista da Fundação Getulio Vargas no Rio Marcelo Neri, isso significa que a nova classe média brasileira não só inclui o eleitor mediano, aquele que decide o segundo turno de uma eleição, mas também que ela poderia sozinha decidir um pleito eleitoral.

Complementarmente, a nova classe média é a classe também dominante do ponto de vista econômico, pois já concentrava 46,6% do poder de compra dos brasileiros em 2011, superando as classes A e B, essas com 45,6% do total do poder de compra.

As demais classes, D e E, têm hoje 7,8% do poder de compra, caindo do nível de 19,79%, de logo antes do lançamento do Plano Real.

As escolhas eleitorais serão, portanto, pela nova classe média e para a nova classe média. Para o economista da FGV do Rio, "Lula é a cara da nova classe média, FH e Dilma lembram mais a classe média mais tradicional do ponto de vista simbólico".

Marcelo Neri ressalta que, quando as pessoas sobem na vida, começam a ter o que perder e ficam mais conservadoras. "Portanto, vai depender da capacidade do governo de manter os movimentos nos últimos anos. Não só de crescimento, mas em particular a redução de desigualdade observada desde 2001".

Perspectiva para o futuro é um ponto especialmente forte no Brasil, Neri ressalta, lembrando que, segundo pesquisa de Felicidade Futura entre 150 países, o Brasil é tricampeão mundial.

Para o cientista político Amaury de Souza, a disputa pela classe média, sobretudo pelo voto dos evangélicos, "diz respeito aos projetos do PT que têm sido duramente criticados pelos evangélicos dentro e fora do Congresso como descriminação do aborto, união civil de homossexuais, criminalização da homofobia (nos termos do projeto de lei 122, de 2006) e o kit antihomofobia que seria distribuído nas escolas públicas pelo Ministério da Educação".

Vida, reprodução e morte constituem o cerne de qualquer religião, ressalta Amaury de Souza.

A aprovação maciça da operação da Polícia Militar na Cracolândia, revelada por pesquisa do Datafolha, segundo a qual a ação contou com o apoio de nada menos que 82% da população da cidade, é reflexo, na visão de Amaury de Souza, do posicionamento conservador não só da nova classe média, mas de praticamente toda a população de São Paulo e, provavelmente, do Brasil.

Mas ele ressalta que a pesquisa mostrou também que não se deve equacionar conservadorismo com repressão pura e simples.

"Os mesmos entrevistados mostram-se céticos quanto à eficácia dessa ação para acabar com o tráfico e o uso de crack e não acreditam que os usuários devam ser punidos pelo vício, sendo preferíveis medidas como a internação para tratamento, mesmo que compulsória", ressalta.

Amaury de Souza considera difícil que a grande popularidade da presidente Dilma Rousseff possa melhorar a imagem do PT.

Para ele, o próprio PT não está isento de responsabilidade pelo desgaste de sua imagem.

"Desde a eleição de Lula em 2002, o partido enceta um "aggiornamento" à socapa, abandonando posicionamentos históricos sem uma precedente autocrítica como o fez ao abraçar a ortodoxia econômica e, mais recentemente, a privatização e a punição de grevistas do setor público." É também de sua própria lavra, lembra o cientista político, a perda do discurso da ética pelo engajamento de seus dirigentes e políticos no mensalão.

Assim, ele acha que "é provável que o PT até sofra maior desgaste à medida que a presidente Dilma se torne mais popular".

Já Marcelo Neri lembra que, quando as expectativas são altas, também pode ser a queda, a decepção. "As pessoas adquirem novos hábitos quando sobem na vida e são mais sensíveis às quedas do que a aumentos de níveis de vida", avalia Neri.

A avaliação dependeria também do passado, mas não tanto do passado remoto, pois ao longo do tempo o presente se torna gradativamente passado remoto.

Seria o caso, por exemplo, dos brasileiros que não se conformam com as votações na internet que colocam Maradona à frente de Pelé como melhor jogador de futebol de todos os tempos.

"Pleitos são decididos pela experiência prática de cada um: a geração mais nova não viu Pelé jogar, mas viu ao vivo e a cores os gols do craque argentino." A mesma lógica valeria para a estabilização econômica de Fernando Henrique Cardoso. Como explica o economista Marcelo Neri, o Brasil foi o país com maior inflação no mundo entre 1970 e 1995, tanta inflação que, mesmo após 16 anos de estabilidade, somos o segundo em inflação acumulada desde 1970, perdendo apenas para a República do Congo.

"O fato é que o jovem brasileiro de hoje não tem na memória o pesadelo inflacionário pregresso e também não o vê como ameaça futura", ressalta Neri.

Na redução da desigualdade de renda brasileira de 2001 a 2009, a renda per capita dos10% mais ricos aumentou 1,5% ao ano, e a dos 10% mais pobres, 6.8% por ano.

Mais do que o "É a economia, estúpido!" da eleição dos EUA de 1992, Neri diz que o mais adequado para representar a eleição brasileira talvez seja: "É o social, companheiro!".

Por isso o ministro Gilberto Carvalho não se cansa de repetir que o governo precisa manter o crescimento econômico para não perder o controle eleitoral desses novos emergentes.

FONTE: O GLOBO

Debate tolo:: Míriam Leitão

Uma discussão ociosa surgiu depois da privatização dos aeroportos: quem privatiza melhor, PT ou PSDB? O PT, que usou eleitoralmente a privatização como sinônimo de roubo do patrimônio coletivo, fez o que condenava. Os processos foram parecidos, têm virtudes e defeitos. O Brasil tem muita necessidade de investimento em infraestrutura e está na hora de um debate mais maduro.

A ideia de que o governo Fernando Henrique fez privatização e o PT faz apenas concessão é tola. Uma siderúrgica se vende. Um serviço público se leiloa a concessão. Foi assim na telefonia, energia, estradas, aeroportos.

Houve erros em todos os leilões - de qualquer governo - e o mais recorrente é o dinheiro público ajudar a pagar o que o setor público está vendendo. Nas privatizações de FH, o BNDES financiou os compradores com dinheiro subsidiado. No leilão da última semana, os altos ágios serão pagos pelas Sociedades de Propósito Específico que serão criadas pelos consórcios vencedores com a Infraero. A estatal terá 49%. Como ela será parte da empresa que vai pagar a conta ficará na estranha situação de ter parte de suas receitas usada para pagar por um ativo que antes era 100% dela.

A maior virtude em todos os processos é o pragmatismo. Em vez de ter enormes prejuízos fabricando aço e usar dinheiro do Tesouro para capitalizar siderúrgicas, o governo passou a receber impostos sobre lucros crescentes de empresas que passaram a ser mais bem administradas. Em vez do absurdo atraso nas telecomunicações, vender as concessões para que novas empresas, mais ágeis, atendessem à explosiva demanda por telefone. Foi o que o governo FH fez, felizmente.

É a mesma esperança com os aeroportos. O Brasil está engargalado e precisa de novas empresas, inclusive internacionais, ajudando a remover os obstáculos ao crescimento. No caso dos aeroportos, o melhor era mesmo privatizar os mais rentáveis. É o que o governo Dilma está fazendo.

O Brasil precisa de uma montanha considerável de dinheiro para se tornar um país eficiente do ponto de vista logístico. O Instituto Ilos fez um estudo que divulguei esta semana no "Globo a Mais" mostrando que o país precisará investir R$ 900 bilhões para chegar ao patamar dos Estados Unidos em infraestrutura. O professor Paulo Fernando Fleury explicou que se o país investir 2% do PIB em rodovias, portos, aeroportos e ferrovias durante 25 anos conseguirá chegar ao nível de hoje dos americanos.

- Isso não é impossível porque em 1975 o Brasil investiu 1,8%. Atualmente está investindo 0,8% - disse Fleury.

Entre 2004 e 2010, o transporte de mercadorias por aviões aumentou 26%. Pelas rodovias, 23,6%; pelas ferrovias, 35%. O transporte aéreo de passageiro tem crescido a uma média de 10% ao ano. Temos exigido cada vez mais de todas as malhas de transporte do Brasil, e o Estado sozinho não consegue acompanhar.

O presidente da Infraero, Gustavo do Vale, me disse, em entrevista na Globonews, que a privatização foi feita dentro da equação financeira para que a empresa possa ter receitas para cuidar de outros aeroportos, grande parte deles deficitários, mas importantes para o país. A Infraero fez a projeção de crescimento da demanda para os próximos 30 anos e descobriu que só na região da Grande São Paulo será necessário um novo aeroporto com a dimensão de Guarulhos, para atender 30 milhões de usuários. A infraestrutura terá que crescer espantosamente nos próximos anos, e por isso o monopólio estatal da Infraero era insustentável.

O Galeão, explicou Gustavo do Vale, é tão velho que há dificuldade de encontrar peças de reposição. Tem 70 escadas rolantes, 65 elevadores, está sendo readequado e ampliado para demandas imediatas.

- O Galeão é importante para o Brasil, não apenas para o Rio. Temos daqui a alguns meses a Rio+20. Em 2013, teremos a Copa das Confederações e a vinda de talvez dois milhões de jovens católicos para o encontro com o Papa - afirmou Gustavo.

Há várias emergências como essa no nosso sistema aéreo. O Galeão não foi privatizado, nem se sabe se será. Mas deveria. Tudo pode ficar mais claro quando sair o Plano de Outorgas que vai disciplinar toda a aviação civil brasileira, em que há vários vácuos como o que ocorre com os 3.500 aeródromos do país, hoje funcionando de forma precária. Alguns terminais serão entregues aos estados e municípios. Enfim, tudo começou a mudar a partir do leilão da semana passada.

Houve pontos fracos no processo. De novo, os fundos de pensão de estatais foram chamados a salvar a pátria. São os donos de Guarulhos. Quem vai se dar bem são os sócios privados, já que terão dinheiro do BNDES para os investimentos e os fundos como garantia de capital.

Há dúvidas sobre a solidez dos consórcios que compraram Brasília e Viracopos, mas até o dia 17 a documentação que entregaram vai ser avaliada pela Comissão de Licitações.

Privatização e concessão são instrumentos normais para a gestão de um país complexo como o Brasil. Está na hora de o debate amadurecer no país. Há necessidades urgentes e perigosos obstáculos pela frente. E não temos tempo a perder com discussões ociosas.

FONTE: O GLOBO

Incoerente da Silva:: Dora Kramer

A tardia, mas benfazeja privatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, que abre ainda o caminho para a entrega do Galeão (RJ) e Confins (MG) à administração do setor privado, atordoou o PT e pareceu revigorar por alguns momentos o PSDB.

O ato deveria encerrar a questão, excluindo-a da agenda não digamos política, mas eleitoral porque o PT só volta ao tema quando interessa infernizar o adversário ruim de defesa.

Mas, como avisou o presidente do partido, Rui Falcão, "a guerra continua".

A depender de quem ganhe a batalha da comunicação com a sociedade, continuará na agenda com vantagem para os petistas. Os tucanos riram muito, divertiram-se em provocações nas redes sociais, no Congresso, em artigos e entrevistas.

Muitas (não todas) repletas de razões consistentes explicando diferenças e semelhanças entre o processo iniciado no governo Fernando Henrique, constatando a evidência: o que caracteriza a concessão é o controle e se o controle foi passado à iniciativa privada o nome do jogo é privatização.

Ofendidos, petistas reagiram com um discurso artificial segundo o qual lá houve roubalheira e entreguismo enquanto cá os procedimentos foram corretos, lucrativos e, sobretudo, "mezzo" estatal.

Fato é que os aeroportos terão gestão privada e o PT está com vergonha disso. Tanto que considera necessário se defender das "acusações" e já preparou uma cartilha de munição à militância.

Para explicar que o que fizeram não foi bem isso que dizem ter sido feito. Mesmo eivada de sofismas, uma ideia que aos tucanos jamais ocorreu: traduzir um tema de difícil compreensão de forma inteligível e repetir seus argumentos com convicção sem se deixar intimidar.

Mas parece que em geral políticos tratam como algo vergonhoso o ato da transferência para o setor privado, mediante quantias de dinheiro fabulosas, serviços com os quais o Estado não pode arcar.

Ocorre que ganham todos. Ganha o Estado e o público se as coisas são feitas direito como na incontestável - mais ainda muito contestada, desnecessário dizer por qual partido - privatização do setor de telecomunicações.

Não será surpresa se na próxima campanha aparecerem comparações entre as privatizações de um e as "concessões" de outro governo mostrando como a do PT foi bem melhor.

Surpreendente é o partido reagir ao ser apontado como incoerente. A privatização dos aeroportos é só um pilar no monumento à incoerência que o PT vem construindo há quase dez anos, ao adotar como sua a agenda que combateu durante a vida toda.

Excetuada a ampliação dos programas sociais, onde resolveu fazer do seu "jeito" saiu-se mal.

Desarticulou as agências reguladoras, não fez andar programas anunciados com pompa, convive com a paralisia em obras do PAC, "concedeu" rodovias pelo critério de menor tarifa prejudicando o andamento do processo e atrasou em pelo menos cinco anos a privatização dos aeroportos.

Para não dizer que não falamos de política, consolidou o modelo do feudo na ocupação de ministérios e transformou em cardinalato o baixo clero do Congresso.

Modo de fazer. Abissal a diferença entre os governadores Jaques Wagner, da Bahia, e Sérgio Cabral, do Rio, na condução das greves de policiais. Entre outros, por um detalhe: Cabral mandou prender grevistas no primeiro dia e Wagner passou dois dias dando entrevistas para dizer que a greve não existia.

Um preservou a autoridade sem conversar. Outro conversou demais e desgastou seu poder.

De coração. Capitão da PM da Bahia conta a seguinte história: o general Gonçalves Dias confraternizou com o grevista de quem ganhou um bolo de aniversário enquanto comandava o cerco aos amotinados porque os dois haviam servido juntos, anos atrás, em Sergipe.

Explica, mas não justifica.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A semana que abalou dogmas do PT

PT discute a relação e atropela dogmas

O PT comemorou seus 32 anos tendo que encarar a queda de alguns dogmas que o marcaram como um partido de massa: a privatização, a repressão a grevistas e alianças com partidos de centro-direita

José Genoino: "A paisagem da janela que se vê da oposição é diferente da que se vê quando se está no governo"

Maria Lima, Isabel Braga

BRASÍLIA. Ferido na alma com a doença que tirou seu principal líder do palco, o PT comemorou seus 32 anos de fundação sem a figura do ex-presidente Lula.

Tem ainda que administrar ironias e questionamentos sobre três temas caros aos petistas em sua origem e que sofreram fortes guinadas desde que o partido chegou ao poder central, há nove anos: privatizações, movimentos grevistas e alianças com partidos da chamada centro-direita.

A queda de alguns dogmas que marcaram o PT como partido de massas, dos trabalhadores organizados e dos movimentos populares, dizem hoje líderes petistas, faz parte das "dores do crescimento e do amadurecimento no governo". Para a oposição, os petistas só agora admitem que mentiram por muito tempo.

Ao longo da última semana, os dirigentes petistas renegaram com veemência o termo privatização para as concessões à iniciativa privada dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos.

E classificaram de necessária a repressão vigorosa, coordenada pelo governador petista Jaques Wagner e pela presidente Dilma Rousseff, à greve da Polícia Militar na Bahia. Porém, terminaram a semana sem uma justificativa consensual para a iminente aliança com o PSD de Gilberto Kassab, em São Paulo, em benefício da candidatura de Fernando Haddad, patrocinada por Lula.

Ex-presidente do PT, hoje assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoino alega que o PT sempre disse que greve armada não é greve. Admite que o PT mudou algumas bandeiras. Parte do amadurecimento, diz.

— Não é que abandonamos nossas bandeiras. É que a paisagem da janela que se vê da oposição é diferente da paisagem que se vê quando se está no governo.

Na construção desses 32 anos de história tivemos muita dor, muitas derrotas, mas construímos uma história vitoriosa e muito forte, com erros e equívocos.

Mas isso não prejudicou a ideia de um projeto nacional que está mudando o Brasil.

— Não é fácil reconhecer que mentiram por tanto tempo. O discurso contra as privatizações foi uma arma eleitoral poderosa contra nós nas duas últimas eleições.

Agora não é mais. O PT dos movimentos sociais, da defesa da ética, das greves e da mobilização popular morreu — diz o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

Poucos petistas assumem a nova realidade.

— Não me incluo entre aqueles que estariam envergonhados com essa decisão. Só privatizamos a estrutura de prestação de serviços em terra, não vendemos patrimônio. A Anac (agência que regula a aviação civil) continua regulando e a Infraero continua sócia — diz o senador Humberto Costa (PE).

Batizada no governo FH como "musa das privatizações", a então diretora de desestatização do BNDES, Elena Landau, foi uma das responsáveis por elaborar o modelo de privatização da Vale do Rio Doce. Semana passada, ela se divertiu com a reação de petistas às críticas contra a privatização ao estilo Dilma.

— Só lhes resta a discussão semântica. É privatização, sim! Venderam o controle e bateram o martelo. A Light e as telefônicas também foram privatizadas pelo modelo de concessão por tempo determinado, e o BNDES continua sócio. A privatização de Dilma é a mesma coisa, a Infraero continua como sócia, mas minoritária, com 49% das ações.

E, no caso do petróleo, que venderam poços para a OGX? — pergunta Landau.

Ela diz que não se importa de passar para Dilma a faixa de musa das privatizações: — Estou me divertindo muito agora, porque sofri muito. Não podia botar a cabeça para fora que levava uma cacetada e não tinha ninguém no partido para me defender. O PSDB não conseguiu sair das cordas. Agora até abro mão do posto de musa das privatizações para a presidente.

Outro ex-presidente do PT, o deputado Ricardo Berzoini (SP) diz que o partido mudou, mas insiste no discurso comum: — Que o PT mudou, é óbvio.

Nasceu pequeno, aguerrido, com muito sectarismo, e, ao longo de sua vida, foi aperfeiçoando sua visão sobre a política. Modificou sua política de alianças e assumiu muitos governos. Claro que isso impacta. Mas, nesses três temas, a imagem é mais enganosa que o fato.

Outro momento difícil para o PT foi explicar a gestão do petista Jaques Wagner na greve da PM. O manifesto de criação do PT, em 1980, diz sobre greves: "Não existe liberdade onde o direito de greve é fraudado na hora de sua regulamentação (...), onde os movimentos populares são alvo permanente da repressão policial e patronal, onde os burocratas e tecnocratas do Estado não são responsáveis perante a vontade popular." Mas, diante do motim armado dos policiais, Wagner, sem ter como atender as reivindicações, recorreu ao Exército.

— O Jaques Wagner me disse esta semana: Pinheiro, não estou dormindo! Não gostaríamos de ter passado por isso.

Mas passamos. E foi uma prova de fogo — disse o líder do PT no Senado, o baiano Walter Pinheiro.

Sobre alianças políticas, o senador Jorge Viana (PT-AC) admite o risco de uma guinada forte: — Temos que ter cuidado. O fato de termos chegado ao governos nos deixa um pouco reféns quando se trata de governabilidade.

Daí a importância de repactuarmos nossos compromissos sempre.

Alianças com ex-adversários, como Gilberto Kassab, poderão criar muitas dissidências, mesmo com Lula à frente dessa operação.

Dos vários discursos que o presidente nacional do PT, Rui Falcão, fez nas comemorações dos 32 anos do partido, duas frases calaram na militância: — É importante que não sucumbamos à aliança fácil, que quebra a nitidez do nosso programa.

O partido não pode se deixar levar pelo pragmatismo exagerado.

FONTE: O GLOBO

BNDES e fundos se unem na privatização

Ação busca garantir investimentos nas concessões promovidas pelo governo Dilma

Alexandre Rodrigues, Monica Ciarelli

RIO - O papel decisivo dos três maiores fundos de pensão do País e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no sucesso do leilão das concessões dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília reforçou a intenção do governo de usá-los cada vez mais como instrumento para viabilizar investimentos em infraestrutura com a participação da iniciativa privada.

A exemplo do modelo de privatizações do governo Fernando Henrique, a gestão de Dilma Rousseff aposta na dobradinha entre os fundos e o banco de fomento para acelerar projetos nas áreas de energia, transportes e logística como forma de sustentar o crescimento da economia brasileira em meio à recuperação lenta do cenário internacional. E trabalha para aproximá-los cada vez mais.

Juntos, Funcef (dos funcionários da Caixa), Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobrás) administram um patrimônio de mais de R$ 240 bilhões.

Com a tendência de queda dos juros, eles precisam de investimentos mais atraentes do que títulos públicos para sustentar o pagamento de benefícios futuros. Do outro lado, uma das principais deficiências do País é falta capital de longo prazo para financiar projetos como ferrovias, rodovias, portos, usinas hidrelétricas, que hoje se equilibram nos ombros do BNDES.

Evidência da atuação conjunta e orquestrada foi a nomeação, na semana passada, do ex-presidente da Funcef, Guilherme Lacerda, para a diretoria de Inclusão Social do BNDES. Ele ficará à frente dos financiamentos para projetos para a Copa do Mundo de 2014, como estádios, hotéis e projetos de mobilidade urbana, que já somam mais de R$ 4 bilhões na carteira do banco. Também responderá pelo crédito a projetos de Estados e municípios em áreas críticas como saneamento básico.

Segundo fontes do governo, Lacerda foi uma indicação do PT apresentada pelo Planalto ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho, não só por seu currículo, apreciado pela presidente Dilma Rousseff, mas por sua experiência na Funcef e trânsito livre nas demais fundações, o que interessa ao banco. A chegada dele vai intensificar um relacionamento que já é muito próximo.

Ação do BNDES. O BNDES mapeou uma demanda de quase R$ 400 bilhões para projetos de infraestrutura no País nos próximos quatro anos. Em 2011, o banco emprestou R$ 140 bilhões, 40% para infraestrutura, mas sabe que não poderá seguir crescendo mesmo com a política de empréstimos do Tesouro.

O plano do governo é conter o BNDES para usá-lo como formulador de modelos de concessão e fator de redução de risco no financiamento de grandes projetos. Por outro lado, quer usar as fundações para engordar consórcios e fundos de investimentos, atraindo mais investidores privados para os leilões ou para o mercado de títulos para infraestrutura, como as emissões de debêntures que o BNDES já estimula.

O leilão dos aeroportos se tornou o exemplo mais bem-sucedido desse modelo. Ele nasceu na área de projetos do BNDES quando o ministro da Aviação Civil, Wagner Bittencourt, ainda era diretor de infraestrutura do banco. Analistas e técnicos que participaram dos estudos ouvidos pelo Estado apontaram o crédito barato do BNDES para até 80% dos investimentos nos terminais como um fator decisivo nas contas dos consórcios que resultaram num ágio médio de 347% e arrecadação de R$ 24,7 bilhões.

Também contribuiu para a competitividade do pregão a ação da Invepar, companhia de transportes que reúne os três fundos de pensão e a construtora OAS. Em parceria com a sul-africana ACSA, a empresa acabou ficando com o terminal mais cobiçado, o Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, num lance de R$ 16,2 bilhões. A performance não foi uma surpresa no governo.

Uma fonte que acompanha as conversas frequentes entre os fundos e o BNDES revelou que o banco chegou a duvidar da capacidade da Invepar, mas tranquilizou o governo depois de verificar os números da empresa.

Modelo petista se assemelha ao do governo tucano

Fundos começaram a entrar em ex-estatais no governo FHC; agora, Dilma pretende levá-los para a infraestrutura

Embora o sucesso do leilão tenha provocado um tiroteio político entre tucanos e petistas sobre diferenças e semelhanças no jeito de cada um privatizar, a atração dos fundos de pensão e do BNDES para os processos de concessão de projetos de infraestrutura para a iniciativa privada no governo Dilma se beneficia de um modelo reforçado no governo de Fernando Henrique Cardoso.

É a musculatura que adquiriram no governo tucano como sócios de ex-estatais como a Vale que os fundos de pensão colocam agora a serviço da administração petista, que pretende canalizá-la agora para a área de infraestrutura. Maior fundação de previdência das estatais, a Previ tem hoje participações em mais de 50 empresas e um patrimônio superior a R$ 142 bilhões.

Os fundos já têm uma forte presença na área de transportes, energia, telefonia e logística como sócios influentes de companhias como Neoenergia, CPFL, Oi, Login, ALL, Cemig. Nesses negócios, aprofundam relações com grupos privados, estatais e governos que abrem possibilidades infinitas de associações e permitem ao governo influenciar cada vez mais o meio empresarial.

Além disso, as fundações investem em fundos de private equity que colecionam participações em empreendimentos que vão de termelétricas a estacionamentos. Em entrevista ao Estado pouco depois do leilão dos aeroportos, o diretor de Participações da Previ, Marco Geovanne Tobias da Silva, disse que a infraestrutura é cada vez mais atraente pelo retorno crescente de longo prazo.
Símbolo. De acordo com Silva, a conquista do aeroporto de Guarulhos pela Invepar, no qual a Previ é sócia de Petros e Funcef, alimentou o apetite de ampliação do portfólio, que já inclui o metrô do Rio e rodovias. 

"A empresa mudou de patamar, dobra de tamanho em 2013", comemorou, recusando a suspeita de que o lance vencedor de R$ 16,2 milhões pode ter sido alto demais

"Não foi nenhum tiroteio ou um valor impensado. Nesse setor há um potencial muito grande. Se déssemos um lance para levar barato, correríamos o risco de ficar fora da disputa", disse Silva.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Após duas décadas, governo ainda controla 44 empresas

Executivo é sócio minoritário e tem participações em dezenas de companhias

Gestão petista não aumenta total de estatais, mas amplia estrutura de empresas remanescentes

Gustavo Patu

BRASÍLIA - Após duas décadas de privatizações, o governo brasileiro ainda controla 44 empresas e é sócio minoritário de outras 57, sem contar dezenas de subsidiárias, participações indiretas e sociedades com outros países.

A administração petista não elevou o número total de estatais nem criou novas companhias de grande porte. No entanto, ampliou a estrutura e o poder de fogo de empresas remanescentes, em especial nos setores financeiro e petrolífero.

Segundo levantamento da Folha, o Tesouro Nacional contabilizava, no início do governo Lula, o controle de 52 empresas e mais 49 participações minoritárias -patrimônio estimado, em valores atuais, em R$ 170 bilhões.

De lá para o fim de 2010, o número de estatais caiu em razão de liquidações, incorporações e -apenas duas- vendas para o setor privado. Mas o total investido pelo governo federal em empresas foi calculado no ano passado em R$ 270 bilhões.

Trata-se de um valor semelhante ao do patrimônio líquido (o valor do investimento dos acionistas apurado pelo balanço) do banco JP Morgan Chase, a segunda maior companhia norte-americana por esse critério.

A expansão da cifra nos últimos anos pode ser explicada pelo crescimento da economia e, principalmente, por injeções de recursos promovidas pelo Tesouro para alavancar investimentos.

Um exemplo foi a capitalização da Petrobras, realizada no ano retrasado para viabilizar empreendimentos como a exploração do pré-sal.

Governo empresário

Em diferentes operações, o governo também reforçou o BNDES e o Banco do Brasil para elevar os financiamentos ao setor produtivo.

Se algumas estatais tiveram seus recursos multiplicados, o raio de atuação direta do governo na condição de empresário teve aumento mais modesto. Depois do auge na década de 90, o programa de privatização já havia se tornado menos ambicioso ao fim do governo tucano.

O aparato herdado pelos petistas mantinha e mantém forte presença nos setores de energia, bancos e transportes, além de empresas menores de atividades tão diferentes quanto saúde, aeroportos, informática e material bélico.

As empresas criadas nos últimos anos não implicaram investimentos volumosos, casos da Hemobrás, dedicada aos hemoderivados, e da Ceitec, de semicondutores.

A Petrobras passou a contar com uma série de novas subsidiárias, o que deu a aparência, em algumas estatísticas, de um grande aumento do número de estatais.

Sob Lula, foram privatizados os bancos estaduais do Maranhão (2004) e do Ceará (2005) -entregues à União no governo FHC. O Banco do Brasil absorveu os bancos de Santa Catarina e do Piauí, também recebidos dos tucanos para venda.

Ao todo, desde 1991, o programa de privatização vendeu participações majoritárias e minoritárias em 68 empresas, com arrecadação de US$ 40 bilhões (R$ 69 bilhões pelo câmbio atual).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO