sábado, 26 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Roberto Freire

Se a maioria da Câmara rejeitar a lista indicada pelos líderes, como é que vamos ficar se não pode ter chapa alternativa ou candidatura avulsa? O Supremo vai querer indicar os seus membros?
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Roberto Freire, deputado federal por S. Paulo e presidente nacional do PPS, entrevista em 18.12.2015.

Afinal, Dilma cometeu crime?

Dilma cometeu crime?

Juristas com pontos de vista divergentes expõem seus argumentos para defender, ou rejeitar, a tese de que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade ao executar as “pedaladas fiscais” e ao autorizar créditos suplementares sem aval do Congresso, razões alegadas para pedir seu impeachment, contam Bruno Góes e Marco Grillo

• Juristas avaliam a possibilidade de impedimento da presidente após ‘pedaladas’ e edição de decretos

Bruno Góes e Marco Grillo - O Globo

O debate em torno dos pontos que embasam o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff evidencia diferentes interpretações. A questão crucial — se as “pedaladas fiscais” e a autorização para os créditos suplementares sem o aval do Congresso configuram crime de responsabilidade — dá origem a pontos de vista divergentes e suscita de embates apaixonados de botequim a discussões técnicas.

Para contribuir com o debate, O GLOBO pediu a juristas que defendem claramente um dos lados que explicassem suas conclusões.

A expressão “pedalada” é usada para explicar a manobra na qual o governo atrasa o repasse a bancos públicos (responsável por pagamentos como benefícios do Bolsa Família) para melhorar artificialmente seu resultado fiscal. No orçamento familiar, seria como, na hora de aperto, adiar uma despesa para fechar as contas do mês. A dívida continuará.

No caso do governo, a discussão gira em torno da legalidade da manobra, que contribuiu para rebaixar o grau de investimento do país. Em decisão inédita, o TCU concluiu que a manobra configura uma operação ilegal de crédito, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que o governo é proibido de usar os bancos públicos para fazer empréstimos. Por essa razão, decidiu sugerir a reprovação das contas de Dilma, base para os pedidos de impeachment da presidente. O governo reconhece as “pedaladas”, promete abolir o mecanismo, mas alega que não há operação de crédito. A polêmica ganhou fôlego esta semana, quando o relator das contas de Dilma no Congresso, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), apresentou parecer pela aprovação, repetindo os argumentos oficiais e desconsiderando o entendimento do TCU.

Outro argumento usado para o pedido de impeachment é a edição de seis decretos que liberaram R$ 2,5 bilhões em créditos, sem aval do Congresso, o que também violaria a lei.

Caixa do Tesouro paga parte das ‘pedaladas’

• Governo remaneja recursos do superávit financeiro para quitar R$ 10,9 bi do FGTS e R$ 15,1 bi do BNDES

Martha Beck, Cristiane Jungblut, Danielle Nogueira e Rennan Setti – O Globo

O governo editou, na última quinta-feira, uma medida provisória (MP) e uma portaria que garantem à equipe econômica mais recursos para fechar as contas de 2015 e pagar boa parte das chamadas “pedaladas fiscais” (atrasos nos repasses do Tesouro para bancos públicos e o FGTS ocorridos nos últimos anos). A MP 704 permite que receitas do superávit financeiro sejam usadas para o pagamento de despesas primárias este ano.

O superávit financeiro é composto pelo excesso de arrecadação de anos anteriores. Ele existe porque a maioria dos tributos tem uma vinculação (a contribuição previdenciária, por exemplo, só pode ser gasta com despesas da Previdência Social). Assim, quando um ano se encerra e nem tudo o que é arrecadado é gasto para aquele fim específico, o dinheiro que sobra passa a ser superávit financeiro. Esse excesso fica na conta única do Tesouro e passa a compor o “colchão de liquidez”, reserva que existe para o pagamento da dívida pública. O que a nova MP faz é permitir que essa sobra seja usada para pagar outras despesas em 2015, incluindo as “pedaladas” fiscais.

Quase 46% das ‘pedaladas’
Já a portaria 130, do Ministério do Planejamento, indica que R$ 26 bilhões das “pedaladas” serão pagas com o superávit financeiro. Ela realoca as receitas, abrindo espaço para que R$ 10,9 bilhões sejam destinados ao FGTS e R$ 15,1 bilhões, ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES. O montante corresponde a quase 46% das “pedaladas”, estimadas em R$ 57 bilhões.

O acerto das “pedaladas fiscais" é uma das prioridades do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Essas manobras foram usadas no primeiro mandato de Dilma Rousseff para melhorar artificialmente o resultado das contas públicas. A estratégia foi condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e serviu como principal elemento para que a Corte rejeitasse as contas do governo de 2014. Por isso, a ideia do ministro é pagar logo o passivo e encerrar o assunto.

Técnicos do governo afirmaram que o uso de superávit financeiro para pagar despesas primárias não é novidade. Segundo eles, esse tipo de operação foi usada pelo governo federal em diversas ocasiões desde 1997. Além de permitir o uso do superávit financeiro para fechar as contas, a MP 704 determina que os valores pagos pelo BNDES à União referentes a concessões de crédito serão destinados ao pagamento da dívida pública federal. Essa ação faz parte do esforço do governo para pagar as pedaladas sem que isso tenha impacto excessivo sobre o endividamento público.

Apesar de não ser ilegal, especialistas consideram a medida “oportunista”, por ter sido baixada no apagar das luzes de 2015, quando o Congresso está em recesso. E alertam para as consequências do gesto diante dos investidores e para o risco de banalização do Orçamento:

— Uma MP no dia 24 de dezembro demonstra esperteza e oportunismo do governo, pois o Congresso só vai apreciar a medida no ano que vem — diz Gilberto Braga, professor de Finanças do Ibmec. — Do ponto de vista puramente financeiro, a MP resolve a necessidade emergencial do governo, mas há um empobrecimento da qualidade das despesas públicas.

Aécio: ‘truque contábil’
Para Maurício Pedrosa, estrategista da Queluz Asset Management, a MP revela mais um improviso do governo:

— Trata-se de mais um expediente de curtíssimo prazo que visa a resolver um problema estrutural no apagar das luzes do ano. É como se estivéssemos tentando resolver um problema grave com aspirina. É um péssimo sinal para investidores e agências de risco.

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), criticou a MP. “Vemos, mais uma vez, e lamentavelmente, o governo Dilma fazer uso de truques contábeis para pagar outros truques contábeis que foram as ‘pedaladas’ fiscais”, disse Aécio, em nota. “A nova MP foi publicada às vésperas do feriado de Natal. É um governo que pede um novo voto de confiança aos investidores, mas que, na manhã seguinte, volta a se aproveitar de um momento em que a imprensa e a sociedade estão desmobilizadas para publicar atos polêmicos”, completou.

Tesouro pressiona e BNDES vai pagar R$ 4,8 bi em dividendos à União

• Recursos serão usados pelo governo para fechar as contas deste ano, mas banco vinha resistindo a fazer o repasse

Vinícius Neder e Adriana Fernandes - O Estado de S. Paulo

RIO, BRASÍLIA - A poucos dias do fim do exercício de 2015, o Tesouro Nacional buscou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma robusta contribuição para ajudar no fechamento das contas do governo. Depois de forte pressão da equipe econômica, o banco aprovou antes do Natal o pagamento de cerca de R$ 4,8 bilhões em dividendos à União, segundo fontes com conhecimento da operação.

Nos últimos meses, o banco de desenvolvimento, que começou a diminuir de tamanho no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, travava uma queda de braço com o governo federal para evitar o repasse dos dividendos. O BNDES ainda não havia repassado nada em 2015. A última transferência do banco ao Tesouro – seu único acionista – foi feita em setembro do ano passado.

O pagamento dos dividendos foi acertado na mesma semana em que o governo decidiu colocar em dia seu débito de R$ 15,1 bilhões com o banco por conta das pedaladas fiscais. Procurado, o BNDES informou que não comentaria o repasse.

Mesmo com o aval do Congresso para fechar o ano com déficit de até R$ 119,8 bilhões, o governo federal precisou contar com o reforço de caixa do BNDES para conseguir cumprir a meta fiscal de 2015. Desde 2008, os dividendos pagos pelo BNDES e pela Caixa se transformaram numa das principais fontes de receitas extraordinárias para garantir o cumprimento das metas fiscais. Só o BNDES pagou R$ 63 bilhões em dividendos desde 2008.

A política de aumento de dividendos contribuiu para a perda da credibilidade da política fiscal, por conta dos vultosos empréstimos concedidos pelo Tesouro aos bancos públicos. Esses repasses ajudaram a melhorar o lucro dos bancos e, com isso, também inflaram a distribuição de dividendos, numa manobra que ficou conhecida como transformação de “dívida em receitas” para aumentar o superávit das contas públicas.

Pedido. O pagamento dos dividendos foi pedido em dois ofícios de 15 de dezembro, assinados pelo então secretário do Tesouro da equipe do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, Marcelo Saintive. Os recursos se referem tanto a uma complementação do lucro de 2014 quanto a uma parcial do resultado de 2015 – normalmente, as empresas pagam dividendos após a divulgação do balanço anual, no início do ano seguinte.

Mesmo com a troca de comando na Fazenda, a exigência do Tesouro de cobrar o pagamento dos dividendos foi mantida pelo novo ministro Nelson Barbosa. A autorização para o pagamento foi dada pelo conselho do banco em reunião realizada no dia 23, quando Barbosa já estava à frente da Fazenda.

A cúpula do BNDES vinha resistindo a manter esse ritmo de repasse porque precisa reforçar seu capital regulamentar, principalmente por causa do que a Petrobrás lhe deve. É uma estratégia gerencial dos bancos reservar parte de seus lucros para reforçar seu capital, melhorando seus indicadores perante as regras de regulação do Banco Central (BC) e ampliando sua capacidade de emprestar.

Por causa da Petrobrás, o BNDES está desenquadrado das normas do BC sobre exposição a um único cliente. A exposição leva em conta todos os recursos que um banco compromete com seus clientes, incluindo dívida e participação acionária.

Hoje, o limite de exposição do BNDES para uma mesma empresa é de R$ 24,7 bilhões, segundo dados do terceiro trimestre, mas, no caso da Petrobrás, esse valor está acima do dobro. A instituição de fomento encerrou 2014 com cerca de R$ 64 bilhões comprometidos com a petroleira, conforme cruzamento de dados feito pelo Estado em abril. Neste fim de ano, segundo uma fonte, essa exposição caiu para pouco mais de R$ 50 bilhões, sobretudo por causa da queda das ações da Petrobrás.

O BC não aplica sanções contra o BNDES porque há cerca de 15 anos algumas exceções na hora de calcular o limite da exposição à Petrobrás foram criadas em resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN). Uma delas permitia ao BNDES excluir a participação acionária do cálculo.

A mais recente dessas resoluções, do fim de junho, impediu o BNDES de dar novos empréstimos à petroleira e estabeleceu um cronograma para a eliminação do excesso de exposição, até 2024. De 2016 a 2018, o BNDES está obrigado a reduzir em 20% o excedente. Se o banco pudesse usar o lucro para aumentar o capital, o limite subiria, dando folga perante o BC. Sendo acionado pelo Tesouro para pagar dividendos, o BNDES poderá agora necessitar de novas exceções para não ficar de fato desenquadrado.

Aécio diz que governo faz 'truques contábeis' para pagar pedaladas

• Pela MP 704, publicada na quinta, o superávit financeiro das fontes de recursos decorrentes de vinculação legal existentes no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2014 poderá ser destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias no exercício de 2015

Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG) divulgou nesta sexta-feira, 25, nota criticando a edição pelo governo federal da Medida Provisória (MP) 704, que trata das fontes de recursos para cobertura de despesas primárias obrigatórias e pagamento da Dívida Pública Federal (DPF). "Vemos, mais uma vez, e lamentavelmente, o governo Dilma fazer uso de truques contábeis - o uso do superávit financeiro da conta única do Tesouro Nacional - para pagar outros truques contábeis que foram as pedaladas fiscais", afirma Aécio.

Pela MP 704, publicada na quinta, o superávit financeiro das fontes de recursos decorrentes de vinculação legal existentes no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2014 poderá ser destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias no exercício de 2015. Ela estabelece ainda que os valores de concessões de crédito realizadas por força de lei ou medida provisória pagos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à União serão destinados exclusivamente ao pagamento da DPF.

Para o tucano, Dilma repete "o mesmo truque" utilizado em dezembro de 2014, quando foi editada a MP 661, que estabelecia em um de seus artigos que "o superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderá ser destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias". "Este ano, portanto, o governo Dilma volta a editar a Medida Provisória autorizando o uso do saldo financeiro da conta única do Tesouro Nacional para pagar tanto despesas primárias quanto as pedaladas fiscais", diz o tucano.

O presidente do PSDB lembra que a nova MP foi publicada às vésperas do Natal, assim como as MPs que mudaram o seguro desemprego e as pensões, no ano anterior. "É um governo que pede um novo voto confiança aos investidores, mas que, na manhã seguinte, volta a se aproveitar de um momento em que a imprensa e a sociedade estão desmobilizadas para publicar atos polêmicos", ataca.

"O recado está claro: tudo indica que o governo federal usará novamente uma manobra fiscal para fazer frente a suas despesas. O saldo financeiro da conta única do Tesouro Nacional deveria ser usado, no entanto, apenas para o pagamento de dívida pública, como estabelece a Lei 11.943, de 28 de maio de 2009", completa o senador.

Aécio destaca que para fazer uso de recursos da conta única para pagar despesas atrasadas, seria necessário que o governo tivesse arrecadação superior à despesa primária, "o que não é o caso", aponta. "De acordo com as boas práticas contábeis, despesas primárias (despesas não financeiras) devem ser pagas com a receita de impostos e contribuições. Quando o governo não tem recursos suficientes para pagar suas despesas não financeiras, pede recursos emprestados ao mercado por meio da emissão e vendas de títulos públicos, uma operação que aumenta a dívida bruta e a líquida no ato do pagamento das despesas não financeiras que deu origem ao aumento da dívida", emenda na nota.

Ao final da mensagem, o tucano fala em falta de bom senso do governo petista. "Uma despesa primária atrasada deveria ser paga com arrecadação de impostos e/ou com aumento da divida bruta decorrente da emissão de novos títulos públicos. Mas quem espera bom senso e transparência de um governo do PT sempre se decepciona", lamenta.

A integra da nota
'O governo da presidente Dilma Rousseff publicou, ontem (24/12), nova Medida Provisória (704) que autoriza o uso de recursos da Conta Única do Tesouro no Banco Central para pagar suas despesas primárias.

Repete o mesmo truque que já usou ano passado. Em dezembro de 2014, editou a Medida Provisória 661, que estabelecia no seu Art. 2°: “O superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderá ser destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias”.

O que significa exatamente isso? Autoriza o governo federal utilizar recursos da conta única - recursos de contribuições arrecadadas no passado e que não foram gastas nas finalidades específicas e ficaram na conta única rendendo juros - para pagar despesas primárias, que são os gastos com as políticas públicas.

Este ano, portanto, o governo Dilma volta a editar a Medida Provisória autorizando o uso do saldo financeiro da conta única do Tesouro Nacional para pagar tanto despesas primárias quanto as pedaladas fiscais.

Importante notar que a nova MP foi publicada às vésperas do feriado de Natal. No ano passado fizeram o mesmo com o envio por MP das mudanças propostas no seguro desemprego, abono salarial e pensões. É um governo que pede um novo voto confiança aos investidores, mas que, na manhã seguinte, volta a se aproveitar de um momento em que a imprensa e a sociedade estão desmobilizadas para publicar atos polêmicos.

O recado está claro: tudo indica que o governo federal usará novamente uma manobra fiscal para fazer frente a suas despesas. O saldo financeiro da conta única do Tesouro Nacional deveria ser usado, no entanto, apenas para o pagamento de dívida pública, como estabelece a Lei 11.943, de 28 de maio de 2009.

Ocorre que para o governo fazer uso de recursos da conta única para pagar despesas atrasadas seria necessário que tivesse arrecadação primária superior à despesa primária, o que não é o caso, pois o próprio governo projeta um déficit primário de R$ 60 bilhões este ano, sem o pagamento das pedaladas.

De acordo com as boas práticas contábeis, despesas primárias (despesas não financeiras) devem ser pagas com a receita de impostos e contribuições. Quando o governo não tem recursos suficientes para pagar suas despesas não financeiras, pede recursos emprestados ao mercado por meio da emissão e vendas de títulos públicos, uma operação que aumenta a dívida bruta e a líquida no ato do pagamento das despesas não financeiras que deu origem ao aumento da dívida.

Assim, no caso do pagamento das pedaladas fiscais, isso não seria diferente. As pedaladas fiscais - dívidas do Tesouro junto a bancos públicos - são despesas primárias (equalização de juros) que não foram pagas no exercício financeiro que a despesa ocorreu.

Uma despesa primária atrasada deveria ser paga com arrecadação de impostos e/ou com aumento da dívida bruta decorrente da emissão de novos títulos públicos. Mas quem espera bom senso e transparência de um governo do PT sempre se decepciona.

Vemos, mais uma vez, e lamentavelmente, o governo Dilma fazer uso de truques contábeis - o uso do superávit financeiro da conta única do Tesouro Nacional - para pagar outros truques contábeis que foram as pedaladas fiscais.

Aécio Neves - Presidente Nacional do PSDB"

Eleições Municipais: Grandes cidades atormentam PT

As grandes cidades, onde a crise política e os casos de corrupção costumam influenciar mais o eleitor, assombram a cúpula do PT nas eleições de 2016.

Grandes centros assombram PT

• Para cúpula petista, desgaste eleitoral devido aos casos de corrupção será maior nessas cidades

Sérgio Roxo - O Globo

-SÃO PAULO- A cúpula do PT tem uma preocupação especial para a disputa eleitoral do ano que vem: as cidades grandes. A avaliação interna é que o impacto da crise que atinge o partido, causada pelo envolvimento de integrantes da sigla em escândalos de corrupção e pelo desgaste do governo Dilma Rousseff, influenciam mais os eleitores desses municípios do que os das pequenas cidades, onde prevalecem as questões locais. Para tentar atenuar esse cenário desfavorável, o partido pretende pôr as campanhas nas ruas o mais rapidamente possível.

O PT comanda 15 das 83 prefeituras do país onde as eleições são disputadas em dois turnos (cidades com mais de 200 mil eleitores). Vivem nesses municípios 15,1 milhões de eleitores.

A preocupação principal é com seis dos 15 municípios onde o prefeito já está no segundo mandato e não pode tentar nova reeleição. Decidir rapidamente um candidato é considerado fundamental para aumentar as chances de manter o comando dessas cidades.
Uma eventual perda de prefeituras em municípios grandes enfraqueceria o partido para a disputa presidencial de 2018, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode tentar voltar ao Palácio do Planalto.

Processo de impeachment prejudicou planos
Os planos petistas de antecipar o planejamento para as eleições municipais, porém, sofreram um revés coma decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de abrir o processo de impeachment contra Dilma.

— Estamos concentrando a nossa energia nessa luta contra o golpe — admite o secretário de Organização do PT, Florisvaldo Souza, um dos encarregados de monitorar as articulações das candidaturas pelo país.

A expectativa é que a batalha do impeachment se arraste, pelo menos, até março, mês que o Diretório Nacional do PT reservara para realizara conferência que definirá atática eleitoral e apolítica de alianças.

— Teremos que nos concentrar nas eleições também. Vai te releição independentemente de qualquer coisa — frisa Florisvaldo, ao ser questionado sobre o prolongamento do processo.

Debandada de prefeitos, outra preocupação
Há dúvida ainda sobre como o eventual impeachment de Dilma pode influir no pleito:

— A questão do impeachment é um tema nacional e não vai intervir nas eleições municipais porque, nessas disputas, você faz o debate local — minimiza Cida de Jesus, presidente do PT de Minas Gerais, onde a sigla comanda só uma cidade com mais de 200 mil eleitores: Uberlândia.

O PT terá outro problema para administrar em março: o risco de saída de prefeitos. Com a aprovação da reforma política, o prazo para mudança de partido para quem quer disputar as eleições municipais passou a ser o começo de abril. A legenda já sofreu uma baixa em cidades grandes, em setembro, quando Luciano Cartaxo, de João Pessoa, trocou o PT pelo PSD. Ele alegou “escândalos políticos” como justificativa. A capital da Paraíba tem 460 mil eleitores.

Com Cartaxo, deixaram o PT de João Pessoa dois vereadores e o presidente municipal do partido, Lucélio Cartaxo, irmão do prefeito, o que desestruturou o partido na cidade.

— Vamos disputar a eleição contra ele (Luciano Cartaxo), com uma candidatura do PT ou com aliança — garante Florisvaldo.

A saída de Cartaxo enfraquece o partido no Nordeste. Agora, a o PT comanda só uma cidade com mais de 200 mil eleitores na região: Vitória da Conquista (BA) — onde o prefeito Guilherme Menezes não pode tentar a reeleição. A avaliação interna é que a disputa na cidade será acirrada.

O presidente do PT da Bahia, Everaldo Anunciação, aposta nos temas locais para manter o comando do município, mas reconhece:

— Nas cidades grandes, é claro que a conjuntura nacional tem um impacto maior.

O PT tem outro problema: a maioria das cidades grandes administradas pelo partido está no estado de São Paulo, onde o desgaste da sigla é considerado maior. São oito prefeituras paulistas com mais de 200 mil eleitores, incluindo a capital do estado, administrada por Fernando Haddad. Em cinco, o prefeito poderá tentar a reeleição.

Grandes municípios petistas

Perde e ganha com a janela

Ilimar Franco – O Globo

Deputados de todos os partidos já avaliam qual o caminho adotarão quando for aberta a janela para a troca de partidos. É consenso que o PT, que naufragou no escândalo da Petrobras, vai sangrar. Neste ano, já perdeu 69 prefeitos. O PSB, o PSOL e a Rede podem receber os desencantados. Os petistas estão em pânico diante das eleições municipais. Nas reuniões internas, o presidente da sigla, Rui Falcão, diz que o ataque contra o PT é muito forte. O PMDB, apesar das denúncias, preveem analistas, está entre os que vão ampliar suas bancadas. Como a oposição (PSDB, DEM, Solidariedade e PPS), deve atrair deputados do PP, do PSD e do PR, entre outros.

O candidato do PPS
Barrado no PDT, o senador Cristovam Buarque está negociando se mudar para o PPS. Num encontro de senadores, nesta semana, disse que pretende se filiar ao novo partido na certeza de que será candidato à Presidência em 2018.

Só olhando
O PDT pode perder vários senadores. Um deles já está de malas prontas. O senador Reguffe (DF) vai anunciar sua saída depois do carnaval, quando o Congresso voltar a funcionar. Sua intenção é ficar “um bom tempo” sem entrar em partido algum.

Picciani nega a Pezão uso de fundo de R$ 190 milhões

• Presidente da Alerj diz que reserva financeira do órgão não resolve crise

• Com dívida de R$ 1,3 bilhão na saúde, governador também teria saído derrotado em negociação junto ao TJ, que dispõe de R$ 478 milhões provenientes de taxas judiciais. Situação de hospitais melhora, mas ainda falta material

Com a dívida da saúde estacionada em R$ 1,3 bilhão, o governador Luiz Fernando Pezão tentou uma manobra para lançar mão de recursos de um fundo da Assembleia Legislativa, que tem R$ 190 milhões, mas saiu da negociação derrotado. Presidente do PMDB do estado e aliado de Pezão, o presidente da Alerj, Jorge Picciani, criticou o governo por buscar saídas “paliativas” para a crise. “Daqui a três meses, o estado está sem dinheiro de novo”, disse Picciani ao GLOBO. Pedido semelhante também teria sido negado pelo Tribunal de Justiça, que dispõe de R$ 478 milhões em fundo especial. Os hospitais ainda sofrem com falta de insumos.

Crise sem fundo

• Alerj se recusa a emprestar parte de reserva de R$ 190 milhões, e TJ nega verba de taxas judiciais

Carina Bacelar, Lluiz Ernesto Magalhães, Luiz Gustavo Schmitt, Vera Araújo - O Globo

Sem receita para honrar seus compromissos, o governador Luiz Fernando Pezão não apenas está raspando o cofre do estado como tentou, sem sucesso, lançar mão de recursos de fundos especiais do Legislativo e do Judiciário, que juntos somam R$ 668 milhões. Presidente do PMDB do Rio e aliado de Pezão, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, foi o primeiro a negar o pedido e foi enfático ao criticar a estratégia do governo estadual de tentar controlar a crise com medidas “paliativas”. Em seu caixa, a Alerj tem reservas de R$ 190 milhões. Com R$ 478 milhões depositado em um fundo constituído por taxas judiciais, o Tribunal de Justiça do Rio também teria negado pedido semelhante feito pelo estado.

Segundo Picciani, o Executivo tinha a intenção de usar parte dos recursos da Alerj para fazer caixa e aliviar as dívidas com fornecedores, prestadores de serviços e até ajudar a pagar a segunda parcela do 13º dos servidores. Só na saúde, a dívida do governo é de R$ 1,3 bilhão.

— Eu disse que não é possível (emprestar dinheiro do fundo). Esses recursos não resolvem a situação do estado, e eu não vou contaminar a minha administração. O governo tem é que cortar despesas. O que adianta o Eduardo Paes (prefeito do Rio) dar R$ 100 milhões para pagar a dívida da saúde? É uma solução política para o problema hoje, mas, daqui a três meses, o estado não tem mais dinheiro de novo — disse Picciani.

Ao comentar a crise, o presidente da Alerj, que comanda a base de sustentação do governo na Assembleia, foi mais longe e defendeu o rompimento de todos os contratos com Organizações Sociais (OS) e empresas terceirizadas, com as quais a dívida já chega a R$ 3 bilhões. Para ele, a saída é decretar emergência em todo o estado, e não só na saúde, como fez Pezão. Em tom crítico, ele disse que esse instrumento permitiria ao governo firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público e fazer contratações temporárias por dois anos.

— O decreto permitiria que os funcionários dessas empresas e Organizações Sociais fossem contratados diretamente pelo governo, o que reduziria muito os gastos, já que não seria preciso pagar as taxas de administração e os encargos. Por exemplo, um médico que custa R$ 8 mil a uma OS acaba saindo por R$ 22 mil para o estado. O governo não tem mais capacidade financeira para arcar com isso — disse o presidente da Alerj.

Picciani propôs que a dívida com fornecedores e prestadores de serviços seja parcelada:

— Defendo que o governo peça uma carência de 6 meses para quitar os débitos e parcele dívidas em 30 meses.

O orçamento previsto para o pagamento de pessoal e o custeio da Alerj este ano foi de R$ 929 milhões. As sobras desse recurso são depositadas no fundo. Parte desse dinheiro deverá ser usada, por exemplo, na reforma do prédio do Banerjão, no Centro, para onde a sede do Legislativo será transferida no ano que vem.

Segundo fontes do GLOBO, o TJ alegou que o dinheiro, que é destinado a despesas de custeio da corte, não pode ser usado para pagamento de pessoal. O Fundo Especial do Tribunal de Justiça é constituído por 20% das receitas de taxas e custas de processos. Por ano, o fundo movimenta cerca de R$ 800 milhões, dos quais R$ 478 milhões estão disponíveis hoje, de acordo com levantamento feito pelo deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB). Somente para 2016, ele deve receber R$ 812 milhões. Há pouco mais de um mês, a Alerj aprovou uma medida que pode ajudar ainda mais a reforçar o caixa do TJ, ao autorizar reajustes nos valores de várias taxas judiciais.

A legalidade sobre o uso dos fundos, se podem, por exemplo, ser usados para o pagamento de pessoal, é motivo de controvérsia. O desembargador aposentado Marcus Faver, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio, ressaltou que a lei 2524/1996, de criação do Fundo Especial do Judiciário, veta o emprego dos recursos para honrar salários:

— A existência do fundo é uma garantia de que o Judiciário tem autonomia de gestão em relação ao Legislativo. O empréstimo de recursos ao estado é possível e já ocorreu em diversas situações. Na década passada, por exemplo, isso aconteceu nos governos Rosinha e Benedita da Silva. O Judiciário foi ressarcido com créditos dos royalties do petróleo — contou Faver.

Decreto garantiu R$ 41 milhões
Por sua vez, Luiz Paulo defende a tese de que os recursos dos dois fundos, do Legislativo e do Judiciário, podem ser emprestados para o estado honrar quaisquer compromissos, de salários a pagamento de fornecedores:

— Uma vez que os recursos são emprestados, eles vão para o caixa único do estado. Não há como determinar como esses recursos serão usados. Havendo acordo, o empréstimo pode sair. Em 2014, o Tribunal de Justiça emprestou R$ 400 milhões ao estado.

A assessoria do governo estadual não confirmou os pedidos de empréstimo.

Na busca por recursos, Pezão baixou um decreto na quinta-feira transferindo para o Tesouro R$ 41 milhões de dois fundos especiais do estado. Desse total, R$ 36 milhões são do Fundo de Recuperação Econômica dos Municípios, que financia projetos principalmente em cidades do interior. Os R$ 5 milhões restantes vêm de um fundo reservado para concessão de microcrédito.

A relação entre o governador Pezão e o Judiciário azedou esta semana após decisões desfavoráveis ao governo. Na quarta-feira, Pezão disse que recorrerá das liminares que determinam o pagamento dos salários antecipados da Justiça e do Ministério Público, e a aplicação de 12% do orçamento na Saúde.

— (A Justiça) pode mandar também um carro-forte com recurso (dinheiro) junto. Eu não tenho recursos para pagar — ironizou o governador, em entrevista na quinta-feira.

Por nota, o TJ manifestou “estranheza acerca das declarações” do governador. Disse ainda que seu objetivo foi assegurar o cumprimento da Constituição.

Marco Aurélio Nogueira: Judiciário hiperativo, política em frangalhos

- O Estado de S. Paulo

Difícil de achar na história brasileira outro ano mais movimentado e politicamente patético do que 2015.

A tragédia de Mariana – infame e perversa, tanto pelas causas quanto pela dimensão – fez par com a degradação do sistema político, a desmoralização de uma classe política e a corrosão de um estilo de governar. A cidadania foi convidada a assistir a um seriado que oscilou entre o trash, com cadáveres decepados e sangue na tela, e o drama trágico, em que um império se decompõe pedra após pedra à espera do herói encarregado da reconstrução. Só que o herói não se materializou.

A crise que destruiu um império erguido com suor e lágrimas começou antes de 2015. Seu início coincidiu com o mandato de Dilma Rousseff e com as primeiras rachaduras no bloco que sustentava os governos petistas, baseados numa esquisita aliança com o grande empresariado, alguns movimentos sociais e o PMDB. De 2011 para a frente, os resultados foram pífios, sobretudo na economia, na gestão pública e na política. Tudo contribuiu para tirar racionalidade e determinação da conduta governamental, que passou a seguir rotas sinuosas e improdutivas. A demolição chegou ao sistema político, que se rebaixou a níveis inimagináveis de mediocridade.

Um presidente da Câmara dos Deputados acusado de corrupção e quebra de decoro forneceu o parceiro ideal para uma presidente da República apática, sem liderança e cercada por um mar de corruptos e corruptores. Ampliou-se a presença funesta de um ministério sem plano de ação e de partidos sem viço.

O fim do ano chegou com o País paralisado, enredado na inflação e na recessão, vendo ameaçadas as conquistas sociais e em marcha batida para a desilusão. Governantes impotentes, incapazes de reagir à crise que se foi aprofundando, uma classe política que foge de suas responsabilidades básicas, a ausência dolorosa de um debate público vigoroso que desenhasse um mapa para o futuro, uma sociedade civil tensa e indignada, mas desarvorada: nada ajudou a abafar o fogo que passou a queimar em Brasília.

Em novembro, o presidente da Câmara – mal-amado por todos e suspeito no limite do razoável – decidiu ativar o impeachment da presidente. Disseram que teria agido por vingança, com o intuito de salvar a própria pele. Meia-verdade, pois a ideia do impedimento já havia cavado espaço na dinâmica política do País e veio com embalagem e assinaturas respeitáveis. O Congresso se converteu em praça de guerra, com direito a quebras de urnas, cantorias “patrióticas”, baixarias e tapas no plenário. O vice-presidente escreveu à presidente para reclamar do tratamento que vinha recebendo, tentando conter a sangria que subordinava parte do PMDB à Presidência. A legenda pôs a nu suas entranhas fraturadas, mas também mostrou que algum peso terá no processo do impeachment, caso ele venha a avançar.

Diante do caos que crescia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu mostrar que em política não há vácuo que perdure. Colocou todas as patas no centro do processo, distribuindo ordens e ritos. Judicializou tudo, dos procedimentos ao regimento interno da Câmara. Determinou até a prisão de um senador em pleno exercício do mandato. A política esfrangalhou-se de vez. A tensão e a incerteza cresceram, turbinadas, nas vésperas do Natal, pelo enterro do ministro da Fazenda, cuja morte estava anunciada desde o dia em que tomou posse, e pela sucessão de indicadores que mostravam a economia reduzida ao osso, com o PIB recuando 4%, a produção industrial regredindo, o desemprego batendo na casa dos 10%, a inflação ameaçando disparar.

Nenhuma conclusão. Tudo se transferiu para fevereiro, salvo as tempestades do verão. O impeachment, que poderia ter sido aproveitado como oportunidade para abrir nova fase política, com menos chantagens e um jogo mais limpo, logo foi catapultado para o velho e bom maniqueísmo: enquanto os governistas o vetavam como um “golpe contra a democracia”, os oposicionistas o convertiam na única saída possível, um dia do Juízo Final a partir do qual tudo seria diferente.

O ano termina com um clamor por transformações no modo de fazer política e de organizar o Estado. Os cidadãos não mais emprestam lealdade a um sistema que se mostra fechado em si mesmo. Querem participar, mas de outro modo, que ninguém sabe qual é.

Impossível continuar a dizer que a estrutura institucional vai bem, que o Judiciário manterá o País na linha, que corações valentes e guerreiros do povo brasileiro estão a ser criminalizados sem justificativa. A vida mudou, mas as práticas e as instituições da política não acompanharam a mudança. Sob certos aspectos, até mesmo se andou para trás: os partidos são uma pálida lembrança do que um dia já foram, os cidadãos não querem se organizar como comunidade política à moda antiga, o debate público é de uma indigência a toda prova, engessado pelos volteios do marketing e do discurso ideológico. E, se não há debate de qualidade, como é que o povo irá se engajar racionalmente nesta ou naquela direção?

O problema não é somente de liderança: o arranjo todo está defeituoso. A crise não resulta de uma reação da direita, de uma vingança dos derrotados de 2014 ou de um desejo sórdido do grande capital. O governo Dilma está fazendo água por seus próprios erros e escolhas, pelo déficit de articulação que sempre apresentou.

Algumas prisões e uma troca de comando ou de ministros podem ajudar a que se supere a crise num primeiro momento. Se o arranjo, porém, não for modificado, aquilo que eventualmente for eliminado pela porta da frente voltará pela porta dos fundos.

A melhor perspectiva para o ano novo é que a política democrática volte a falar mais alto, recomponha o Estado e institua um governo que imprima direção ao País.

Vestindo a roupagem do otimismo, que 2016 não seja tão ruim quanto se desenha: muitas vezes é preciso atingir o fundo do poço para que se consiga empuxo suficiente para voltar à superfície.
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É professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais (Neai) da Unesp

Cristovam Buarque: Os brasileiros do ano 2016

• Não vai bem um país onde as Pessoas do Ano são juízes e policiais

- O Globo

Não vai bem um país onde as Pessoas do Ano são juízes e policiais que corrigem nossos erros do passado, no lugar de pessoas que constroem nossa grandeza futura, políticos, empresários, intelectuais.

Por toda nossa história, os sucessivos governos brasileiros mantiveram relações promíscuas enriquecendo empresários, políticos e partidos, mas foi em 2015 que descobrimos que o Brasil foi tomado pela corrupção medida em bilhões. Descobrimos que o partido que se elegeu prometendo acabar com as relações promíscuas levou-as ao nível máximo, confundindo Estado, Governo e Partido como se fossem uma única entidade com o propósito de manter-se no poder a qualquer custo moral, financiando campanhas e enriquecendo líderes. Mas não descobrimos ainda que além desta “corrupção no comportamento dos políticos” há uma “corrupção nas prioridades da política” quando mesmo sem roubo de dinheiro para bolsos privados, há desvio de dinheiro de obras do interesse da população e da nação para obras de interesse de minorias privilegiadas no imediato. Um prédio estatal de luxo ao lado de favelas sem água e esgoto é corrupção, mesmo que não haja superfaturamento, nem propina.

Em 2015 descobrimos a vergonha de não sermos capazes de vencer simples mosquito que está infectando nossas mulheres com um vírus que faz nossos bebês nascerem com cérebros comprometidos por toda a vida futura. Mas não descobrimos ainda que em quase 130 anos de República, a maior parte de nossas crianças, mesmo sem vírus zika, mesmo com cérebros normais não recebem tratamento educacional necessário para o pleno desenvolvimento de seus cérebros ao longo da vida. Ainda não descobrimos que os Aedes aegyptis estão impedindo o desenvolvimento biológico, mas nós, por nossa corrupção nas prioridades estamos impedindo o desenvolvimento intelectual de nossos jovens: somos nosso próprio aedes aegypti.

Descobrimos a crise econômica que vinha sendo anunciada por muitos analistas desde quando a economia “estava bem, mas não ia bem”, porque os sintomas da crise estavam visíveis para os observadores atentos. Agora, temos recordes negativos de desemprego, desvalorização cambial, recessão, déficits nas contas públicas, mas não descobrimos que nossa crise já dá sinais de uma decadência estrutural por falta de inovação, poupança, investimento, eficiência, educação, ciência e tecnologia, competitividade por efeitos do corporativismo e da burocracia.

Este foi um ano de descobertas graças a procuradores, policiais e juízes corrigindo nossos erros do passado; por isso, os Moros, os Janots e os policiais da PF sãos os brasileiros do ano 2015. Esperemos que 2016 possa ser um ano de início de construção, e os brasileiros do ano sejam cientistas, empresários, políticos, artistas, atletas, filósofos fazendo o certo e o novo. Para isso, é preciso que, daqui para frente, os brasileiros de cada ano sejam os eleitores que escolhem os construtores do futuro.
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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Demétrio Magnoli: O Leão só ruge para baixo

- Folha de S. Paulo

A Receita Federal investiga o Instituto Lula, informou a Folha na terça (22). "A investigação nasceu a partir de dados da inteligência da Receita, que colabora com a Operação Lava Jato", explica a reportagem. De fato, sem uma operação do Ministério Público, o Leão jamais investigaria uma "pessoa especial". O Leão foi domesticado: na nossa república de compadres, ele só ruge para baixo.

A minuta de uma Lei Orgânica do Fisco, que concede autonomia técnica aos auditores fiscais, dorme desde 2010 numa gaveta empoeirada da Advocacia-Geral da União. O temido Leão é um bichinho de estimação do ministro da Fazenda, que nomeia o secretário da Receita e controla as indicações dos superintendentes regionais e dos chefes de unidade. A centralização de poder nos cargos de comando funciona como couraça protetora dos indivíduos de "sangue azul".

"Tudo começou com FHC". No caso da Receita, o álibi clássico do PT contém um grão de verdade. Pela Portaria SRF 782, de 1997, o governo colocou uma coleira no Leão, inventando a figura do "acesso imotivado". O nome é deliberadamente enganoso: o acesso torna-se "imotivado" apenas por não contar com autorização prévia de um chefe de unidade. O auditor que ousar seguir pistas laterais surgidas numa investigação autorizada sujeita-se a punições administrativas.

A alegação de que a figura do "acesso imotivado" protege o contribuinte de perseguições é falsa e cínica. Falsa, pois todo acesso de dados fiscais por auditor da Receita deixa um rastro eletrônico que identifica seu autor, permitindo responsabilizá-lo. Cínica, pois tem como pressuposto que os chefes, detentores de cargos de confiança, são guardiões incorruptíveis dos princípios republicanos. Na prática, a espada de Dâmocles do "acesso imotivado" assegura à cúpula da Receita a prerrogativa discricionária de determinar quem será e quem não será investigado. O rugido do Leão depende da voz de comando do domador, que é o governo.

Na Receita, tudo que FHC começou, o lulopetismo radicalizou. A Portaria RFB 2.344, de 2011, consolidou as punições associadas ao "acesso imotivado". Além disso, no ano anterior, o governo criou uma lista de "pessoas politicamente expostas", cujos dados fiscais só podem ser acessados mediante aviso ao próprio secretário da Receita. A lista de fidalgos abrange os detentores de cargos eletivos do Executivo e do Legislativo, ministros e dirigente de empresas estatais, ocupantes de altos cargos de livre nomeação, a cúpula do Judiciário, governadores, prefeitos e presidentes de partidos políticos. "Essas pessoas têm uma situação que, caso haja um acesso indevido, estarão protegidas", anunciou na ocasião o ministro Guido Mantega, oficializando a divisão dos brasileiros em cidadãos de primeira e segunda classe.

A "lista de Mantega" nasceu de um pretexto esperto. Na campanha eleitoral de 2010, como parte da guerra suja petista, os dados fiscais de José Serra e de seus familiares foram acessados indevidamente. O detalhe é que o acesso não partiu de um auditor fiscal, mas de uma servidora do Serpro, provavelmente cumprindo missão partidária. Assim, escudado na alegação de proteger um rival político, o governo adicionou uma focinheira ao Leão, impedindo-o de rugir para cima. Na época, casualmente, a Petrobras sofria o assalto das forças da coalizão PT-PMDB, em aliança com as grandes empreiteiras.

O Leão amestrado está submetido a rígido controle alimentar. Nos últimos anos, a remuneração dos auditores fiscais desceu uma ladeira íngreme, situando-se hoje atrás dos salários dos funcionários de 26 fiscos estaduais. Al Capone foi pego por sonegação fiscal, o menor de seus crimes. Nossos Capones, porém, têm pouco a temer pelo lado da Receita. São amigos do rei e da rainha, pessoas especiais, "politicamente expostas". No Natal, eles brindaram a isso.

O ocaso de um projeto hegemônico? - José Augusto Guilhon Albuquerque e Elizabeth Balbachevsky:

- O Estado de S. Paulo

Desde a transição para o segundo mandato de Dilma Rousseff, quando os impasses insanáveis na constituição do novo ministério se tornaram públicos, o único consenso é de que a Presidência está travada, como de resto todo o sistema político e a própria sociedade. Apenas a economia corre solta, seguindo sua própria dinâmica morro abaixo.

A cada diagnóstico corresponde uma solução, criando um círculo vicioso, já que as soluções realimentam o problema. Mas a paralisia a que todos se referem não pode ser enfrentada sem ter clareza sobre a natureza da crise que atinge toda a sociedade.

A paralisia política tem uma explicação bem simples. É que os políticos bem-sucedidos não são aqueles despossuídos de ambição, mas aqueles que percebem, nas aspirações de seus representados, uma oportunidade para realizar suas próprias ambições. Quando essa oportunidade não está clara, a ambição pessoal conduz ao imobilismo.

Todos os atores políticos relevantes (a elite política, lideranças empresariais e sindicais, etc.) perceberam de longe as oportunidades que a crise abriu para avançar ou preservar seus interesses, pois a segunda presidência Dilma começou a cair na noite da reeleição. A angústia expressa nas atitudes da presidente reeleita deixou claro que o preço pago para reelegê-la não permitiria mais fechar a conta: na manhã seguinte, Dilma acordaria inadimplente.

Não teria autonomia para nomear o ministério que quisesse nem para compor o ministério que não queria (isto é, o que Lula conseguiu lhe impor parcialmente). Não haveria mais milagre dos pães para turbinar os programas faraônicos, nem para satisfazer a voracidade dos “aliados”, nem para compensar a ambição dos empreiteiros, a frustração do PT e a ansiedade de Lula, que se tornara incapaz de controlar, ao mesmo tempo, o governo, o PT e o eleitorado.

Todos os protagonistas, longe de tentar harmonizar suas ambições com as aspirações populares – muito claras em todas as pesquisas de opinião –, optaram pelo oportunismo. O resultado foi um jogo de vetos mútuos em que todos os interesses tiveram de se limitar ao mínimo denominador comum: ganhar todo o tempo possível até 2018.

Isso explica, entre outras coisas, o fracasso do ajuste fiscal, inviabilizado pela ação conjunta de Lula, do PT, de partidos “aliados”, da oposição e de parte considerável do empresariado. Além do medo da classe política de dar um cheque em branco a um governo que perdera toda a credibilidade, prevaleceu o temor de reinjetar sangue bom em governo ruim.

Essa paralisia, entretanto, não se confunde com a crise, que a precede. A crise da presidência petista não tem origem na “maldição” de nosso sistema eleitoral, que obriga o presidente, se quiser governar, a formar uma coalizão, mas, sim, na pretensão hegemônica do PT, que o leva a renegar a legitimidade das demais forças políticas.

Lula e o PT nunca se apoiaram em alianças com um mínimo de convergência política, mas, sim, num consórcio de partidos que, para fazerem parte, precisam se comportar como legendas de aluguel. Esse tipo de consórcio tem custos, que tendem a aumentar o preço a pagar pelo apoio e diminuir a lealdade ao governo, tornando o consorciamento da base aliada tanto mais frágil quanto mais se amplia.

O cerne do problema consiste numa crise que, embora inevitável, ninguém tem pressa de enfrentar. O que implica que ela se prolongará indefinidamente enquanto não encontrar seu limite, que ninguém pode prever qual seja. Enquanto não atingir esse limite e enquanto nenhum ator com poder de decisão perceber que a superação da crise tem prioridade sobre seus interesses de curto prazo, o povo brasileiro continuará entregue à própria sorte. Essa é a única justificativa política aceitável para o risco institucional de afastar o principal núcleo de resistência a qualquer correção de rumo do método petista de governar e de conduzir a economia. O povo brasileiro não deve pagar pelos desmandos de Dilma Rousseff.

É preciso ter claro que o risco que corremos vai muito além da momentânea paralisia do Estado e da sociedade, e decorre da vigência de projetos de hegemonia de vários atores políticos e sociais em curso há mais de uma década. Todos objetivam criar inimigos e aguçar o antagonismo entre duas classes de brasileiros: os cidadãos, que têm o monopólio da legitimidade, estabelecem as regras e sancionam os resultados em benefício próprio, e os súditos, destituídos de legitimidade e poder de decisão, mas que pagam todos os custos.

Movidos por interesses diversos, movimentos sociais, sindicatos, algumas profissões, alguns setores da economia, alguns partidos políticos, algumas religiões e organizações ativistas são protagonistas desses projetos e deles se beneficiam, sob o manto protetor do PT e de seus dois governantes. Os demais, se não se calam, são traidores ou golpistas.

Essa diversidade de interesses não sobrevive isoladamente, mas se entrelaça num projeto claro de demolição do sistema democrático. Lula atacou uma a uma as instituições de governo. Tratou os parlamentares de “300 picaretas”, ofendeu o Judiciário e ora paralisou, ora desmoralizou os órgãos de controle de contas e toda a administração federal. Esses projetos foram bem-sucedidos em minar as instituições, abrindo caminho para que a crise da Presidência contaminasse todo o sistema político. Seus efeitos se entranharam profundamente na sociedade, que hoje tende a aceitar essa aberração protofascista como ordem natural das coisas.

Isso torna ainda mais incontornável o dever político de afastar do Poder Executivo o consórcio de interesses espúrios engendrado em torno do PT, de Lula e Dilma Rousseff. Mas esse dever político envolve o dever moral correspondente de participar da coalizão que irá restaurar a dignidade do Estado brasileiro. Se líderes tucanos pretendem tirar proveito do impeachment, e depois fugir à responsabilidade, é bom pensarem duas vezes, pois pagarão muito caro por mais este oportunismo.
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São: professor titular da USP, cientista político e autor do Kindlebook ‘memorial do medo. Os primeiros passos da ditadura’; e professora do departamento de ciência política da USP, vice-diretora do núcleo de pesquisa de políticas públicas/USP

Sérgio C. Buarque: O que diz a Constituição do STF?

Revista Será? (PE)

Não sendo sequer advogado, careço de capacidade técnica para avaliar decisões do Supremo Tribunal Federal que reúne as maiores autoridades jurídicas do Brasil. No entanto, de uma simples leitura da Constituição Federal de 1988, tenho razões para estranhar as conclusões sobre o rito do processo de impeachment da Presidente da República, aprovado por maioria simples no STF. O artigo 86 da constituição, tratando de crimes de responsabilidade do Presidente, diz explicitamente que “admitida a acusação por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”. Afirmando que, no caso da admissão da acusação pela Câmara de Deputados, o Presidente será submetido a julgamento pelo Senado, a Constituição não deixa aberta qualquer possibilidade desta Casa do Congresso simplesmente arquivar o processo. Além disso, ainda no artigo 86, a Constituição acrescenta que “admitida a acusação contra o Presidente da República”, “o Presidente ficará suspenso de suas funções” por 180 dias (…) “após a instauração do processo no Senado Federal”.

Duvido que exista alguma sutileza jurídica neste artigo que não seja perceptível aos simples mortais, estando tão escondida que apenas os iluminados membros do Supremo Tribunal Federal conseguem descobrir. Em nenhuma passagem, artigo ou parágrafo da Constituição, está dito que o Senado pode deixar de instaurar processo depois de admitida a acusação por dois terços da Câmara de Deputados. E, no entanto, pela resolução do STF o Senado recebeu o poder para, com maioria simples, sustar um processo admitido por dois terços dos deputados, depois de passar por uma Comissão especial¹. O que constitui uma descabida desproporção de poder que, além do mais, difere do que está previsto na Constituição. O Supremo inventou um passo não previsto na Carta Magna entre a admissão pela Câmara e a instauração do processo pelo Senado que passa agora a rediscutir a admissibilidade.

Na verdade, pelo menos no que se refere às responsabilidades das duas casas do Congresso, a Constituição define claramente o rito de impeachment; e mais, explicita um procedimento bastante equilibrado, com a distribuição entre o que admite a acusação (Câmara de Deputados) e aquele que julga (Senado). A Câmara decide por larga maioria se é cabível a abertura de um processo de impeachment mas remete para o Senado a prerrogativa de julgamento final. Que, evidentemente, terá que instaurar o processo e, portanto, levar a votação para o plenário, votação esta que terá que ser decidida também por 2/3 dos senadores. A divisão de papéis assegura um perfeito equilíbrio do processo.

Além destes aspectos do artigo 86, quando trata das responsabilidades da Câmara de Deputados e do Senado, a Constituição diz com todas as letras no Art. 51 da Seção III que “compete privativamente à Câmara dos Deputados (parágrafo I) autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-presidente da República e os Ministros de Estado”. Sendo uma decisão privativa, não pode ser rejeitada, ignorada ou arquivada pelo Senado.

Se li a mesma Constituição que o STF, com os artigos apresentados acima, parece muito estranho o voto da maioria dos ilustres ministros da suprema corte em relação às responsabilidades da Câmara e do Senado no processo de impeachment. Eles devem estar certos. Mas, fica uma dúvida: quem avalia o julgamento do STF?
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Sérgio Buarque, economista

Renato Andrade: Um ano de extremos

- Folha de S. Paulo

É difícil encontrar na memória recente um ano tão conturbado no Brasil quanto este longo 2015 que vai chegando ao fim.

Vivemos um ano de extremos. Discussões acaloradas sobre política e economia suplantaram os "selfies" e as imagens de bichinhos que sempre reinaram nas redes sociais por aqui.

Muita gente foi "deletada" da lista de antigos amigos simplesmente porque defendeu que a opção A era melhor do que a alternativa B ou vice-versa. Sobrou muita radicalização, faltou um pouco de bom senso.

Começamos janeiro com três selos de bom pagador na gaveta, expectativa de crescimento econômico, inflação um pouco salgada e um novo ministro da Fazenda chamado para colocar as contas federais em ordem.

De lá para cá, perdemos dois dos três selos –e já temos a perda do último contratada. O crescimento virou um tombo há muito não visto, com perspectivas sombrias para o ano que chega. A inflação bateu em dois dígitos. O chefe da equipe econômica foi defenestrado, as contas públicas vão fechar mais uma vez no vermelho e o novo comandante precisa provar, diariamente, que vai esquecer o que sempre defendeu.

Na política, o roteiro é o mesmo. Presidente reeleita sobe a rampa do Palácio do Planalto em janeiro. Passa o ano inteiro numa guerra com o chefe da Câmara dos Deputados, que, entre explicações mal dadas sobre vultosos milhões no exterior e um pedido para ser afastado do cargo, deu de presente para Dilma Rousseff o pontapé inicial da análise do processo de impeachment da petista.

O Congresso garantiu cenas patéticas de troca de tapas entre integrantes do conselho responsável pelo decoro parlamentar e outras agressões físicas no plenário da Câmara. Até o econômico Michel Temer resolveu trocar insultos com seu colega Renan Calheiros em plena luz do dia.

Não há nada no horizonte que indique um 2016 diferente. O equilíbrio perderá a batalha outra vez.

Míriam Leitão: Reconstrução argentina

- O Globo

Os argentinos começarão 2016 com uma série de aumentos de preços de vários serviços. O reajuste escolar está previsto para 25%. Os saltos da inflação e do dólar podem corroer mais rapidamente a lua de mel do novo presidente Mauricio Macri. Ele não tem responsabilidade por estes aumentos, porém a conjuntura tende a piorar muito antes de melhorar.

É difícil para qualquer governante fazer o ajuste de uma economia tão desorganizada como está a da Argentina. No caso, foi obra de anos de erros da administração de Cristina Kirchner. O governo peronista somou intervencionismo voluntarista, tarifas reprimidas, câmbio artificial, inflação alta, recessão, esgotamento de reservas, manipulação de indicadores, isolamento internacional, queda de competitividade da indústria.

Há vários paralelos com o Brasil, mas nós não temos todos os problemas que os vizinhos têm. Um dado importante da diferença é o fato de o Brasil possuir um volume considerável de reservas cambiais. O presidente Mauricio Macri tem que fazer ao mesmo tempo a correção do câmbio, a suspensão de medidas de restrição de compra de dólar, a administração das reservas escassas e a negociação com os credores da dívida externa.

Tudo ficaria mais fácil se a Argentina tivesse reservas. Mas, sem elas, como sustentar a eliminação dos entraves à compra dos dólares? Pode não haver moeda americana para comprar, mas se o governo não mantiver a liberalização do câmbio estará descumprindo uma promessa da campanha. As medidas de liberalização do câmbio já provocaram uma alta forte do dólar.

A decisão de suspender o imposto sobre exportações de produtos agrícolas ajuda a médio prazo a recompor as reservas, ainda que num primeiro momento reduza a arrecadação. Esse imposto, as “retenciones”, provocou uma sucessão de efeitos colaterais.

Um governo quando começa a corrigir um problema criando outro, entra em um círculo vicioso que leva a mais distorção. A ex-presidente Cristina Kirchner tentou reter a produção no país para, com isso, diminuir a pressão interna nos preços. A inflação não caiu e, em compensação, com menos dólar entrando ficou maior o desequilíbrio cambial. Isso levou o governo a adotar as medidas de restrição à compra de moeda estrangeira pelos importadores. Houve, então, ruídos com os parceiros comerciais e prejuízo à produção local que dependia de produtos importados. Tudo acabou elevando a inflação que se queria controlar num primeiro momento. Essa foi a dinâmica dos ajustes que desajustam, método que a Argentina de Cristina Kirchner adotou.

Agora, toda a correção levará a mais inflação. Hoje, ela está acima de 25%. Tende a subir muito pela alta do dólar, reajuste das tarifas, e suspensão das medidas que limitavam a liberdade de pesquisa do instituto estatístico do país. O governo, que prometeu corrigir os problemas, começará por agravar tudo em um primeiro momento.

Macri terá que deixar claro o quanto o desconforto dos argentinos é produzido pelo governo peronista que deixou a Casa Rosada. Isso sempre fica claro para o eleitor no começo, mas depois começam as cobranças. O problema é que pôr a casa em ordem depois de tanta desordem é muito difícil. As notícias ruins vão se suceder.

Um problema crônico da Argentina — e também do Brasil —é a perda da competitividade da indústria, principalmente do setor têxtil e de brinquedos. É justamente a indústria que está resistindo às medidas anunciadas por Macri de suspensão de barreiras comerciais. A desvalorização pode ser uma barreira natural, mas será muito mais difícil aumentar estruturalmente a competitividade da indústria.

As contas públicas estão desorganizadas e o governo terá que, no meio de um ambiente recessivo, e de retirada dos impostos sobre exportação de commodities agrícolas, aumentar a arrecadação. Macri terá um ano difícil pela frente no trabalho de começar a corrigir as distorções acumuladas pelo governo que derrotou. Ao longo do esforço pode se dar conta que foi mais fácil vencer uma presidente desgastada, do que superar as armadilhas que ela deixou. Quanto ao peronismo, já se organiza para ser oposição e passar a acusar o governo pela crise na qual o próprio partido jogou o país.

A inflação de Barbosa e Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

O grande vilão da inflação continua sendo o governo, com suas contas desarrumadas e sem perspectiva clara de recuperação, segundo o diagnóstico repetido com ênfase crescente pelos técnicos do Banco Central (BC). A incerteza quanto à velocidade e à forma do ajuste é uma das causas principais do crescente desarranjo no sistema de preços, de acordo com o novo Relatório Trimestral de Inflação. Esse documento é uma ampla análise do quadro econômico nacional e do cenário externo.

As dúvidas sobre as contas oficiais são também um importante fator de risco para os próximos meses, juntamente com a insegurança gerada pela crise política. Esta crise, rotulada eufemisticamente como “eventos não econômicos”, aparece 3 vezes nas 7 páginas de apresentação e reaparece ao longo do texto de 109 páginas. Lendo esse documento, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, poderá ter uma visão realista de seus desafios mais urgentes.

Como seus colegas do mercado, os economistas do BC foram piorando ao longo do ano suas projeções para a economia brasileira. Ainda no Planejamento, o recém-nomeado ministro da Fazenda contribuiu para a deterioração das expectativas e também da imagem do Brasil no mercado internacional. Contra seu colega Joaquim Levy, ele se juntou à presidente Dilma Rousseff em duas manobras desastradas para baixar a meta fiscal de 2016.

Sem apontar culpados, o relatório do BC menciona o rebaixamento do crédito do Brasil ao nível especulativo, em dezembro, “por uma segunda agência de avaliação de risco”, a Fitch. A primeira, a Standard & Poor’s, havia retirado o grau de investimento em setembro, depois da apresentação de uma proposta orçamentária com previsão de déficit primário (resultado sem os juros).

As novas projeções do BC, preparadas com informações conhecidas até o dia 18, ficaram muito parecidas com as do mercado. A contração prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 foi revista de 2,7% para 3,6%. A recessão deve continuar em 2016 e a produção será 1,9% menor que a deste ano. As estimativas do mercado, coletadas na pesquisa Focus, indicavam até aquela data um recuo do PIB de 3,7% no ano e de 2,8% em 2016.

Também nas estimativas de inflação o pessoal do BC ficou próximo dos colegas do setor financeiro e das consultorias. A inflação indicada no cálculo oficial chegou a 10,8% para 2015, 6,2% para 2016 e 4,8% para 2017. Os números da pesquisa Focus, na mesma data, foram 10,8%, 6,3% e 4,9%.

As projeções do BC e do mercado apontam inflação ainda acima da meta, 4,5%, no fim de 2017. A autoridade monetária já abandonou há alguns meses a perspectiva de levar a inflação à meta em 2016. A promessa, agora, é alcançar esse resultado um ano mais tarde.

Se as projeções estiverem corretas, um pouco mais de esforço permitirá atingir o ponto desejado, mas o panorama de curto prazo continua muito feio. Mantém-se a perspectiva de um novo aumento dos juros básicos em janeiro, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC. No mercado já se estimam juros de 14,75% no fim do ano, 0,5 ponto acima da taxa atual.

Com juros mais altos, o governo terá maior dificuldade para conter a expansão da dívida pública. A dívida bruta do governo geral, isto é, da União, dos Estados e dos municípios, chegou em outubro a 66,1% do PIB, muito acima dos níveis observados na maior parte dos países emergentes, e avança rapidamente para 70%. Mas o Copom reafirma a promessa de agir para levar a inflação à meta, nos próximos dois anos, “independentemente do contorno das demais políticas”.

A presidente pode ser tentada a intervir na política de juros, como em 2011, com risco de provocar um desastre, como naquela ocasião. Mas, se iniciar um ajuste fiscal confiável, ajudará a conter a inflação e dará ao BC a chance de moderar sua política. Para isso, a presidente deverá, pelo menos uma vez, ter aprendido a lição.

Paulo Fábio Dantas Neto : STF e democracia: um julgamento e seus futuros

Imediatamente, a decisão da sessão do STF do último dia 17 de dezembro virou a conjuntura política do Pais de ponta cabeça. O governo Dilma Rousseff, que sangrava na defensiva e parecia quase batido, assume, com esse oxigênio judicial, atitude ofensiva e agressiva na arena política, onde opera uma tentativa de dividir e pulverizar o PMDB, enquanto na economia retoma, ao menos parcialmente, o caminho da política econômica do primeiro mandato da Presidente. No rastro dessa dupla operação, permitida pela decisão política da Corte Suprema, afasta-se, por ora, possibilidades de um pacto político amplo, terreno em que poderia prosperar, ou não, o nome do Vice-Presidente da República como alternativa constitucional ao status quo governamental. Pintado para a guerra, o governo Rousseff, seguindo o roteiro do partido que o controla, vai ao tudo ou nada, assim como faz também a oposição fundamentalista que esse governo pediu a Deus. Se vingarão esses planos provavelmente só começaremos a saber lá por fevereiro ou março e nunca com certeza certa, ao menos enquanto estejam em curso a Lava Jato e o protagonismo político do Judiciário. Noves fora essa incerteza robusta, o embate faccioso durará três anos, até o próximo pleito presidencial. Ou poderá ir além dele. No momento próprio os sobreviventes, no estado, na economia e na sociedade, farão o balanço das sequelas dessa refrega (ou da sua suspensão judicial), saldo hoje impossível de adivinhar, face as altas nebulosidade e periculosidade do ambiente político.

Parece que um script “argentino” já foi posto em marcha pelo governo, ou ao menos pelo PT. Semelhanças com táticas do kichnerismo são eloquentes, o que não significa que haverá aqui o desfecho eleitoral que acaba de ocorrer no país vizinho. No caso brasileiro, o maior ou menor sucesso da empreitada governista dependerá, a meu ver de: 1. Recuperação relativa da economia, por medidas que, sem confrontar a ideia de ajuste, driblem o problema orçamentário e fiscal como numa “fuga para a frente”; 2. Manterem-se niveladas por baixo as expectativas da sociedade em relação à liderança parlamentar e as dos partidos, cuja baixa reputação provem delas mesmas e, também, em boa medida, da ação consciente da “articulação” política do Governo; 3. As oposições seguirem sem concertar um projeto comum para tirar o País da crise; 4. Ainda haver chance de o Governo, Congresso, partidos (a elite política, enfim), moderarem, mais adiante, o crescente ativismo político da toga, que, por ora, o Executivo usa a seu favor na sua guerra contra a Câmara dos Deputados e o PMDB. Suponho que, dessas quatro condições, a primeira e a última são as mais difíceis de atender.
Para dialogar analiticamente com tais evidências e suposições adotarei, nesse texto, o seguinte procedimento: primeiro tentarei oferecer uma interpretação sobre o transcurso do julgamento do STF, em si; em seguida discutirei seus efeitos imediatos e possíveis desdobramentos sobre a crise política, em especial sobre a discussão da possibilidade de impedimento da Presidente; por fim, esboçarei uma preocupação sobre as possíveis implicações de tudo isso, para além da atual conjuntura, na dinâmica das relações entre os Poderes da República, por conseguinte, na democracia.

Narrativa e interpretação de uma operação política
Todo protagonismo político tem preço. O que o STF já paga é o de passar a ser analisado como uma instituição também política e seus membros como atores que executam scripts também políticos. Um segundo preço é ser objeto de análise por lentes juridicamente leigas. É precisamente o caso da análise que se tenta aqui. Claro, não se trata de equiparar o STF ao Congresso, nem seus ministros a deputados, ou senadores, por mais que em algumas falas individuais e em alguns procedimentos coletivos analogias possam ser sugeridas. A legitimidade do Poder que aquele tribunal encima tem fundamento diverso do eleitoral e isso - a princípio e por princípio - faz a diferença maior, mesmo um leigo sabe disso. Mas ainda assim o STF é uma casa também política, logo de saída no sentido (peço vênia a visões em contrário não juridicamente leigas) de que não é possível lidar com questões constitucionais a partir de uma perspectiva estritamente “técnica”.

A ingenuidade analítica não é superada apenas pela admissão dessa quase óbvia realidade. É que, ao adentrar num dado ambiente, a política leva consigo não só suas dimensões normativa e argumentativa, mas também sua lógica operativa, pragmática por excelência. Em condições de normalidade essa lógica operativa mantém-se latente. Isso permite a um tribunal como o STF ater-se, do ponto de vista político, a considerações sobre doutrinas e à empiria constitucional e assim beneficiar-se de um tratamento, pelo senso comum, como instância “acima” da política. Mas num contexto de crise grave como a que vivenciamos no Brasil, a política é requisitada e mobilizada em todas as suas capacidades de operação pragmática para a solução de problemas. Nesses contextos, explicita-se todo o implícito, a empiria política é chã, está aquém da letra da Carta mas pode sugerir soluções para além dela e de qualquer doutrina. E se nas instâncias mais próprias ao processamento dessas urgências (os poderes Legislativo e Executivo) essa requisição e mobilização são feitas com insuficiência, ineficácia e/ou imperícia, os tribunais logo surgem como locus alternativo da política. Nesse sentido, penso que a sessão do STF do dia 17 foi emblemática.

O politicamente derrotado parecer do ministro Edson Fachin parece ter primado pelo rigor técnico. Sustento-me aqui nas unânimes considerações dos seus pares, mesmo dos que se dedicaram (ministro Barroso à frente) a torná-lo politicamente inócuo, pela amputação de suas razões preliminares. Qual teria sido a consequência política desse parecer tecnicamente rigoroso do relator se o seu voto houvesse prevalecido? Teria sido mínima, do ponto de vista do protagonismo político do Judiciário. Com isso ficariam mantidas as decisões já tomadas na Câmara dos Deputados relativamente à fase preliminar à deflagração de um processo de impedimento da Presidente, ao tempo em que seria cumprida a missão judiciária de, agindo legitimamente na lacuna daquilo em que o Congresso se omitiu, definir o rito posterior de um eventual processo de impedimento. Teria sido o caos?

O ministro Barroso apresentou discordâncias “pontuais”, mas cirurgicamente dirigidas aos pontos circunstancialmente mais relevantes, do ponto de vista político. Refiro-me aos pontos que poderiam reconhecer ou anular as decisões tomadas pela Câmara dos Deputados (a procedência do voto secreto e de candidaturas avulsas na eleição da Comissão Especial, receptora do pedido de impedimento da Presidente) e ao que demarca os respectivos papéis de cada casa do Congresso em processos de impedimento, vale dizer, demarcação do raio de ação da Câmara no desdobramento concreto da ação em curso, num contexto em que ela se encontra (ou se encontrava) rebelada contra a Presidente. As consequências políticas diretas desse voto, que foi acompanhado pela maioria dos ministros, foi a anulação da eleição já processada da comissão da Câmara e a futura submissão, ao Senado Federal, da decisão, por maioria simples, de efetivamente processar, ou não, a Presidente de República.

Além da precisão cirúrgica na apresentação de seu voto em moldes análogos ao de um substitutivo de parecer em casa legislativa, sobressaiu a ação coordenadora do ministro Barroso em plenário. Atuou tal qual um líder de bancada, chegando a interferir para manter nos limites do script as manifestações de colegas apoiadores do seu voto toda vez que o curso do discurso ameaçava exibir, não propriamente discrepâncias, mas a existência de pontas, em vez de superfícies arredondadas.

É possível a um leigo destinar ao voto do relator substituto o mesmo juízo que o mesmo leigo pode destinar ao parecer e ao voto do relator original? Pode-se supor, nesse caso também, que convergiram, virtuosamente, o rigor técnico da decisão e suas consequências políticas? A esse respeito foi muito elucidativo o voto singular do ministro Celso de Melo, o decano do tribunal. 

Acompanhou e apoiou, aduzindo argumentos, o relator substituto na crítica ao parecer do relator original quanto ao ponto em que este reconhecia, numa eventual decisão da Câmara favorável ao processamento da Presidente, poder vinculatório que obrigaria o Senado a instaurar o processo. 

Divergentemente, Celso de Melo reconhecia o poder do Senado de decidir sobre a instauração, limitando-se a Câmara a autorizar essa possibilidade. No caso, a sua interpretação e a da maioria dos ministros do STF agrada conjunturalmente ao governo, mas se trata aí apenas de uma afinidade acidental, juridicamente motivada e não de uma afinidade eletiva. Interpretações controversas à parte, estava em jogo, nesse ponto, uma regra constitucional cuja aplicação requeria posição do STF.

Difícil dizer o mesmo de outros dois cortes efetuados pelo bisturi político do ministro Barroso no parecer do ministro Fachin. Ambos os pontos não tiveram o apoio de Celso de Melo e um deles, o de Teori Zavascki. A pergunta que não cala em tantos quantos assistiram à sessão com alguma isenção e com juízo leigo, mas minimamente informado, é sobre qual foi a regra fundamental de caráter constitucional que a Câmara infringiu ao estipular o voto secreto para eleger a Comissão Especial do impeachment e ao aceitar candidaturas avulsas, isto é, não indicadas pelos líderes de bancada, naquela eleição. A resposta a essa pergunta não sobressai nos argumentos verbais do ministro Barroso e dos outros cinco ministros que o seguiram integralmente em seus votos. Nesse território de sombra reluziu o protagonismo político que o STF chamou a si ao preferir o voto ativista do ministro Barroso ao minimalista do ministro Fachin. Ao fazê-lo, o tribunal fez mais que preencher uma lacuna por não decisão legislativa, algo que tem sido habitual e compreensível. Anulou decisões de outro Poder sem deixar suficientemente claro em que a Constituição o obrigava a tão extrema decisão.

É claro que a sessão da Câmara que elegeu a comissão fora um espetáculo de pouco decoro e muita manipulação, de todas as partes. A origem dos desentendimentos já estava, de um modo mais geral, na própria crise política nas relações do Poder Executivo com o Legislativo e os partidos políticos. E de um modo especifico localizou-se na decisão de líderes de partidos governistas (entre eles, com realce, o do PMDB) de seguir a orientação do governo de não respeitar, nas indicações partidárias para a comissão, a diversidade existente nas bancadas. A rebelião oposicionista através de um chapa de candidaturas avulsas, combinada à opção do Presidente da Câmara pelo voto secreto (que deixou à vontade para votarem contra a Presidente Dilma deputados com interesses em jogo no Executivo), foram decisões reativas. Estiveram dentro da “cultura” da Casa, embora não da sua “melhor cultura”, isto é, a de decisões sobre regras se darem por consenso e de ser partidária a designação para os cargos. Mas se os governistas têm razão nesse mérito, quem poderá atirar a primeira pedra no quesito ofensa à “melhor cultura”? Os que vandalizaram urnas e cabines de votação? Seja como for o que parece claro é que se tratara de um problema político, sobre o qual, bem ou mal, a Câmara decidira, dentro dos atuais limites de qualidade política que ali imperam. Mas não de problema de desrespeito à Constituição, a justificar a intervenção da instância judiciária encarregada de guardá-la.

Tudo isso quer dizer que a maioria do STF está alinhada ao Governo e manipulada por ele? Óbvio que longe disso. Vejo que no interior do tribunal despontou, nesse processo, o ministro Barroso como ator politicamente orientado, em parte um contraponto ao ministro Gilmar Mendes, habitual visitante de territórios ambíguos entre o judicial e o político. Mais do que isso: no caso o ministro Barroso foi, além de politicamente orientado, politicamente orientador. Seu êxito sugere haver, realmente, ministros, digamos assim, mais suscetíveis a argumentos ativistas. Mas nada disso quer dizer que há grupos ou coalizões internas permanentes, politicamente articuladas e estáveis naquele colegiado. O bom senso fala mais no sentido de estar crescendo ali um ativismo decorrente de uma crescente permeabilidade de ministros à política, como decorrência de sua também crescente exposição pública. Nisso reside, a meu ver, um risco de a democracia brasileira paulatinamente hipotecar os cuidados com sua saúde política a uma visão judiciária do mundo, que leva a práxis de sentido, por vezes cirúrgico, de uma corporação propensa, por definição, ao exercício de guardianias. No momento o governo Dilma Rousseff é seu beneficiário político imediato, mas isso é detalhe de processo mais amplo e não justifica o espocar de garrafas de champanhe em ambientes palacianos.
Implicações da decisão do STF e de outros fatores sobre a futura discussão do impeachment

Numa tentativa de resumir numa frase a percepção sobre o “estado da arte” do tema do impeachment de Dilma Rousseff após a recente decisão do STF, pode-se dizer que ele saiu da ordem do dia, mas não da agenda, na qual ainda figura, mas agora de modo apenas latente.

Passou da iminência à latência, em primeiro lugar, porque o STF devolveu ao governo a chance de matar o pedido de impedimento antes da sua conversão em processo. Se não puder fazê-lo na própria Câmara, por meio de votação aberta para constranger deputados mais pragmáticos e do uso da repercussão da decisão judicial e da reversão de expectativas que ela gerou para cooptar mais deputados, em número suficiente, o governo terá maior chance no Senado, se lá a denúncia chegar.

Em segundo lugar, passou da iminência à latência porque a decisão do STF cortou talvez definitivamente as asas de Eduardo Cunha. Isso deixa o grupo parlamentar que ele comanda cada vez mais à deriva e, portanto, como clientela disponível para novas estratégias de cooptação.

Em terceiro lugar, simultaneamente à decisão do STF sobre o rito do impeachment deflagrou-se a fase Catilinárias da Lava Jato. Ela insinua atingir fortemente o PMDB, expectativa das torcidas petista e tucana para afastar do protagonismo um partido vocacionado à conciliação. O campo está aberto, em via dupla, à destruição radical do centro político. Entrevistas de Aécio Neves e a vitória do Deputado Imbassahy na eleição para líder da bancada tucana na Câmara dificultam uma aliança com o PMDB, enquanto uma operação governista tenta desviar o espólio de Cunha da incorporação à base conciliadora de Temer e levá-lo à antiga posição de tropa parlamentar de um governo petista.

Uma pulverização mais forte do PMDB pela Lava Jato é hoje mais provável do que a de que o partido seja atingido apenas seletivamente, nas facções políticas de Cunha e Renan Calheiros e no esquema governista de Piciani. Essa hipótese facilitaria, inclusive, o trabalho de Temer de unificar institucionalmente o partido, sob sua liderança. Mas a guerra aberta que contra ele movem o Governo e Renan (com ajuda decerto involuntária de parte da imprensa focada na subsunção da política à lógica judiciária), mostra que as facções podem suplantar o partido, por um tempo. Além disso, a menção a Temer em vazamentos da Lava Jato é feita num contexto em que explicações suas, mesmo se convincentes, terão que disputar espaço, na política real, com as forças que trabalham para, de um só golpe, tirar o PMDB do centro político e o seu nome das cogitações para liderar uma transição. 

Esse último ponto seria, em si mesmo, uma dissuasão do impeachment, enquanto solução.
Por outro lado, a decisão do STF finca uma nova realidade que, a médio e longo prazo, retira do governo e do PT o argumento de que um impeachment, no caso de Dilma Rousseff, seria um golpe de Estado. Sendo eliminadas do processo, agora ritualizado, as digitais de Eduardo Cunha e fixando-se, como centro decisório de eventual impedimento, um Senado transitoriamente presidido pelo Presidente do STF, a versão de golpe não será persuasiva, a não ser em conversas autorreferentes, nos arredores do petismo e do governismo. Do mesmo modo, sepulta-se argumentos do lulismo e do petismo de que, na Lava Jato, eles seriam vítimas de uma “armação” policial e judiciária patrocinada pelas “elites” e pelo assim chamado partido da imprensa golpista. Ainda que sigam dizendo que o tal do PIG existe, não poderão mais dizer, ou mesmo insinuar, que o Judiciário está a seu serviço.

Então, se em qualquer ponto dessa crise - que prossegue, agora aparentemente amainada em sua dimensão política - o tema do impedimento passar de novo da agenda à ordem do dia, Dilma Rousseff estará despojada de vestes de vítima. Nesse ponto cabe lembrar que a ideia de afastamento da Presidente não sai da agenda política mediata, por outros motivos, alheios à decisão do STF. O principal deles é o item 1 das condições enumeradas na introdução desse texto. Falo, portanto, daquilo que está fora do alcance do circuito STF/MPF/PF. Sim, pois nem tudo está sob o controle desse circuito com o qual, momentaneamente, o governismo flerta, apesar de temores quanto a Lula.

O controle e a recuperação da economia são assuntos que comportam sinalizações negativas para o governo. Por um lado, convém admitir que a substituição de Levy por Nelson Barbosa pode dar à política econômica mais sintonia com a Presidente e com a escassa base social que resta ao governo. Mais ainda: ao usar o fôlego financeiro relativo que obteve, via recentes votações do ajuste fiscal pelo Congresso, para soltar a mão que segura o crédito e outras bondades, o governo pode reforçar a sua base parlamentar e social e até recuperar apoio de setores empresariais específicos. Mas por outro lado, inflação e desemprego são problemas resistentes a esse improviso pragmático e pontual. Se ficar só nele, a nova gestão da economia tropeçará nas contradições da base aliada. Portanto, sem precisar falar dos habituais argumentos liberais ortodoxos quanto à baixa confiança de investidores capitalistas nesse tipo de política e quanto ao que ela implica em retomada de irresponsabilidade fiscal, os fantasmas que espreitam o retorno parcial e limitado, desenhado no momento, a algo próximo à dita “nova matriz econômica”, são, por razões econômicas e/ou políticas, uma crise social e a contaminação de um espectro social mais amplo de cidadãos por uma polarização política ativa, que hoje se concentra em atores estatais e em suas correias de transmissão na sociedade civil. 

Fantasmas podem, em tese, ser exorcizados, ainda que a trajetória pregressa da gestão da economia denuncie um pendor governamental por atiçá-los. Por isso a hipótese do script argentino se firma.
Outro ponto é o efeito bumerangue que pode ter para o governo o isolamento relativo de Michel Temer no PMDB. Se for bem-sucedido nessa tática, o governo sentirá as consequências de ficar mais intensamente nas mãos de Piciani & Cia na Câmara e definitivamente nas de Renan no Senado. Isso ainda não foi vivido plenamente no Planalto e parece ser subestimado por conselheiros incautos que avaliam como idênticos, ou similares, os papéis jogados por Temer e por aqueles personagens. 

Uma eventual vitória incontrastável das facções contra o comando institucional de um partido do porte do PMDB, ao lado da balcanização do partido, poderá fazer com que a incomensurabilidade de demandas aliadas e a finitude de um orçamento crítico criem, para o Governo, uma equação insolúvel. Na ausência do argumento do golpe, a quais recorrerá o Governo para reagir aos efeitos políticos da deserção, por descontentamento ou por cálculo, de aliados preferenciais que escolheu? Recorrerá ao STF dessa vez contra Renan? Ou avalia que a Lava Jato cuidará dele antes?
Implicações de tudo isso sobre um futuro mais largo

O marco principal do futuro próximo é 2018. Essa data se refere a uma convocação eleitoral e está institucionalizada no nosso calendário político. Esperamos que assim prossiga. Mas ao se pensar nesse marco percebe-se que, da atual crise até lá, será preciso fazer uma travessia muito espinhosa. O PMDB fez documento voltado a ela e parte desse partido passou a articulá-la em torno do nome de Michel Temer. Ainda não perdeu, mas está, no momento, em posição de conjugar ao menos o gerúndio desse verbo. O PSDB, como partido, não assume, até aqui, a pregação dos seus quadros mais afoitos que entendem não haver outra travessia possível senão a antecipação da eleição para 2016. Mas caminha no curto prazo para essa posição, por falta de outra. Talvez atole na esquina seguinte, por falta também de uma clara política de alianças para a travessia. O mesmo é possível dizer de Marina Silva e sua Rede, a opção mais ou menos outsider que por enquanto se vê no cardápio político. Já o PT optou por repicar a aposta da oposição, pagando para ver se ela é capaz de levantar o País contra a reincidência de uma política que atolou a economia num pântano e quebrou o orçamento do Estado. Se for para abandonar essa política, cara do partido, na percepção petista é melhor abandonar o governo e a Presidente e ir para a oposição durante a dura travessia. O governo Rousseff adotou a solução petista, da qual parece não poder mais recuar. Nesse gueto a alternativa não é outra senão pântano ou morte. Por isso, diferentemente do partido, precisaria considerar (mesmo que dissimuladamente, para não irritar a base que lhe restou) a ideia de arrumar suas contas.

No limite a que chegamos cabe pensar em algo que há poucos meses pareceria delírio. Na hipótese de a sociedade não aguentar o pântano por mais três anos e, se frustrada uma solução da crise pela via político-institucional, no deserto político medrará a miragem de uma transição judicializada, com protagonismo aberto e não mais dissimulado; contínuo e não mais episódico, do STF. Impossível antecipar com precisão aonde nos conduziria o ativismo judiciário, se investido temporariamente no Poder Executivo, por força da linha sucessória presidencial e, em seguida, na tutela de um presidente politicamente fraco, eleito de modo indireto para um mandato tampão, por um Congresso rendido. As pistas estão nos ecos da atuação diligente do ministro Barroso e da do Presidente Lewandowski na sessão do STF do dia 17 de dezembro. Embora haja no colegiado um decano com audiência entre seus pares e até um ministro calouro mais ponderado, a lógica daquela sessão tenderia a prevalecer.
Políticos mais realistas já tentam resolver quem substituirá Eduardo Cunha, depois Renan Calheiros, nas presidências das Casas Legislativas. Alguém posicionado na linha sucessória e que possa escapar da Lava Jato pode ser a última chance de evitar o deserto político, se Rousseff não resistir. Mas do jeito que vai o andor, o consenso social mais fácil de obter será o de que esse deserto é o caminho para sair do pântano. É a oração quimérica do senso comum a uma guardiania judiciária cirúrgica.

É curioso e irônico que a mais recente e, talvez, mais relevante brecha aberta a essa hipótese tenha sido provocada por partidos e parlamentares focados na defesa aguerrida do mandato de uma presidente eleita por voto popular. Suprema prioridade que não admite meios termos, mas pode ser anulada pelo protagonismo político sem voto da Suprema Corte. Importa menos ao argumento saber se isso ocorrerá. Importa mais constatar o desaviso que grassa na elite política, a ponto de flertar-se com essa hipótese preferindo-a à alternância partidária no poder. Elite política dessa qualidade talvez mereça ter como endereço o cemitério de oligarquias a que se referia o conservador Vilfredo Pareto. 

Mas nem isso sugere desistência a quem olha a democracia com olho crítico de quem também a ama. Um pacto amplo para tirar o Brasil da crise segue sendo a esperança que deve morrer por último.
Chego a uma interrogação final, que mencionarei sem desenvolver. Que futuro se pode ver para a relação entre os Poderes da República no Brasil, após passado o tempo da crise que, afinal, não será eterna? Essa não é uma questão da conjuntura, não está na ordem do dia do governo ou da oposição. 

Mas é nela que devemos pensar ao notar o modo como a política vem rodopiando. A democracia brasileira, ainda trintona e já autora de obra socialmente virtuosa, mostra uma vitalidade institucional animadora. Mas um déficit continuado de interação política pode vir a ameaçar essa vitalidade.

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[1]Cientista político e professor da UFBA.

[2]Escrito em 20.12.2015 para publicação pela “Gazeta dos Búzios” (www.gazetadosbuzios.com.br);