terça-feira, 30 de junho de 2020

Cristovam Buarque* - Esquecemos o povo

- Correio Braziliense 

Em recente reunião do Conselho da Editora do Senado, presidido pelo senador Randolfe Rodrigues, a conselheira Ana Luísa Escorel perguntou: “O que esquecemos de fazer para deixarmos o Brasil nesta situação, no lugar de termos construído uma nação condizente com o tamanho de nosso território e de nossa população, nossa riqueza natural e cultural?” Há muitas respostas complexas, mas uma simples: “Nós esquecemos o povo”.

Em 19 de novembro de 1889, o Brasil tinha 65% da população analfabeta, mas a nova bandeira da República foi desenhada com um lema escrito, deixando na ocasião 6 milhões de brasileiros esquecidos, incapazes de reconhecer a própria bandeira. Em 2020, a percentagem diminuiu, mas o número de analfabetos dobrou, são 12 milhões, apesar de dezenas de presidentes, centenas de ministros, milhares de deputados, senadores, governadores, milhões de universitários e intelectuais, muitos governos, de direita ou esquerda, ditatoriais ou democratas.

Ao longo desse período, pode-se estimar que de 25 a 30 milhões de brasileiros morreram adultos sem reconhecer a bandeira; mais de 100 milhões morreram sem capacidade e gosto para ler uma página inteira de um livro da história de seu país ou de qualquer outro livro. Ao longo da República, esquecemos de alfabetizar nosso povo. Além de não alfabetizar, deixamos a educação de base entre as piores e, provavelmente, a mais desigual no mundo, e quase toda a população sem a educação necessária para construir uma grande nação no século 21.

Merval Pereira - Pouco tempo

- O Globo

A tentativa de escapar da primeira instancia é tão evidente que sua defesa já tentava mudar o foro para o Supremo, alegando que Flávio Bolsonaro fora eleito senador. O STF recusou

As chances de o senador Flavio Bolsonaro conseguir que seu processo sobre a “rachadinha” continue na segunda instância no Rio de Janeiro são próximas de zero. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, defensor intransigente do fim do foro privilegiado, foi sorteado para relatar uma ação do partido Rede contra a decisão do TJ do Rio, - ele deve ficar também com a ação do Ministério Público do Rio -, mas qualquer dos ministros atuais tem a mesma posição, alguns até mais drásticas.

O ministro Marco Aurélio Mello, na reunião de maio de 2018 que decidiu, por unanimidade, restringir o foro privilegiado para deputados federais e senadores, parecia estar adivinhando a polêmica decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que devolveu o processo do senador Flavio Bolsonaro para a segunda instância do Poder Judiciário, contrariando a jurisprudência definida naquela sessão.

Ao apoiar o voto de relator Luis Roberto Barroso, divergiu quanto ao que chamou “perpetuação do foro”. Queria que ficasse explícito que, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.

Na semana passada, quando da decisão do TJ do Rio, Marco Aurelio reagiu indignado: “É o Brasil do faz de conta. Faz de conta que o Supremo decidiu isso, mas eu entendo de outra forma e aí se toca. Cada cabeça, uma sentença”. Na mesma linha, depois de ajustar seu voto à maioria, o hoje presidente do Supremo Dias Toffoli propôs naquela ocasião estender a todas as autoridades que tenham prerrogativa de julgamento em instâncias superiores, inclusive ministros do Supremo e do Ministerio Público, a restrição ao foro privilegiado.

Carlos Andreazza - O silêncio de Jair

- O Globo

Bolsonaro teria, momentaneamente, perdido o condão de dar as cartas e pautar o debate

Fato novo de verdade será se o recato atual de Jair Bolsonaro, ainda breve, tiver vindo para ficar. À luz da história de ascensão do bolsonarismo como fenômeno reacionário com ímpeto para a ruptura e ante a forma beligerante como esse projeto autocrático se expressou uma vez no poder: duvido. Porque a permanência do “Jairzinho Paz & Amor” equivaleria à inanição da base social — a sectária — que o sustentou até aqui, e que depende de conflitos constantes e da forja de inimigos artificiais para existir. A rigor: falo de um modo de existência por meio do qual a persona pública Bolsonaro existe.

Tomaria ele o risco de prescindir da parcela da sociedade — cerca de 15% — que lhe garante um piso de partida competitivo e que o tem apoiado de maneira irrestrita? E tomaria pelo quê?

Mais prudente seria supor que se trate de silêncio circunstancial condicionado por ocorrências recentes — um presidente de súbito, e brevemente, convertido à República sob a pressão das apurações policiais.

Refiro-me, antes de qualquer outro, ao caso Queiroz; que caso Queiroz não é — ao menos não prioritariamente. O caso Flávio Bolsonaro, pois; em cujo gabinete, sempre extensão do escritório do pai, operava-se o esquema de rachadinha em função do qual o ex-assessor foi preso — e que tem investigado se o dinheiro levantado pelo caixa paralelo haveria financiado empreendimentos imobiliários da milícia.

Luiz Carlos Azedo - A pandemia e a vida banal

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Como será a via da igualdade de oportunidades e do acesso público à saúde, à educação, à cultura, ao saneamento e à mobilidade no pós-pandemia?”

Números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, divulgados ontem pelo Ministério da Economia, revelam que 331.901 vagas de trabalho com carteira assinada foram fechadas em maio. No trimestre, foi 1,478 milhão de empregos formais, desde março. Reflexo da pandemia no Brasil, que registrou a primeira morte em 17 daquele mês. O agravante é o fato de que o coronavírus também destruiu atividades produtivas no mercado informal, que funcionavam como válvula de escape para 36 milhões de trabalhadores sem carteira assinada.

Apenas uma parcela desses atingidos será capaz de se reinventar, porque economizou recursos para travessia, dispõe de conhecimentos ou condições de adquiri-los ou tem uma vocação inata para empreender e se adaptar às circunstâncias. Outra, a grande maioria, permanecerá dependendo da ajuda do governo para sobreviver, até que a economia volte a crescer numa escala capaz de absorvê-los, novamente, no mercado de trabalho, o que pode não acontecer. Infelizmente, nosso país tem uma tradição de descartar mão de obra e substituí-la nos ciclos de modernização, desde a abolição da escravatura.

Andrea Jubé - Os “influencers” de Bolsonaro

- Valor Econômico

Preocupação de presidente é maior do que qualquer coisa que se possa imaginar

Jair Bolsonaro é o terceiro chefe de governo mais popular do mundo nas redes sociais, atrás do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e do presidente Donald Trump, segundo levantamento da consultoria Quaest. Se Bolsonaro se impôs como “influencer”, com dezenas de milhões de seguidores - embora adversários questionem uso de robôs - a pergunta é: quem influencia Bolsonaro?

Em 2019, na primeira semana do governo, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ministro Augusto Heleno, disse em uma coletiva de imprensa que o instinto de Bolsonaro havia falhado no trágico dia do atentado à faca na campanha eleitoral.

“Ele tem um sentimento muito grande de quando pode e quando não pode, mas um dia esse sentimento falhou”, comentou Heleno. “Com o tempo passando, talvez podemos ter algum trabalho para contê-lo, porque é da personalidade dele”, completou o ministro, até então considerado o “guru” presidencial.

Apesar do sentimento de “quando pode e quando não pode” que Heleno atribuiu a Bolsonaro, esse instinto de sobrevivência vinha dando sinais de nova pane nos últimos meses, guiando o presidente rumo ao cadafalso. Se a primeira falha quase lhe custou a vida, o novo defeito poderia lhe custar o mandato.

Ricardo Noblat - A vitória de Flávio Bolsonaro na Justiça do Rio terá vida curta

- Blog do Noblat | Veja

Na contramão do Supremo Tribunal Federal
Está traçado o destino do senador Flávio Bolsonaro. O inquérito que o investiga, e a Fabrício Queiroz, por terem embolsado dinheiro público destinado a pagar o salário de servidores da Assembleia Legislativa do Rio, será devolvido à primeira instância da Justiça. Tal decisão seja tomada pelos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal na volta das férias de julho.

É verdade que o ministro Marco Aurélio Mello tem por hábito votar na contramão da esmagadora maioria dos seus pares. Ele detesta decisões unânimes. Mas desta vez não será assim. Pelo contrário. Mello foi o primeiro ministro a se manifestar contrário à decisão do Tribunal de Justiça do Rio de transferir o inquérito para a segunda instância, como Flávio queria e comemorou.

Celso de Mello, o ministro mais antigo do Supremo, que se aposenta em novembro próximo, foi sorteado para relator do caso. Ele poderá conceder liminar contra o que o Tribunal de Justiça do Rio decidiu por 2 votos contra um. Ou, se preferir, submeter a matéria ao exame do plenário. Se conceder liminar, ela produzirá efeito de imediato. O resultado, de todo modo, será o mesmo.

É pacífico o entendimento no Supremo que a prerrogativa de foro especial para julgamento só se aplica quando o suposto crime foi cometido no exercício do mandato. Flávio está sendo processado pelo que fez ao tempo em que era deputado estadual. Deixou de ser quando se elegeu senador. Voltará aos cuidados do juiz Flávio Itabaiana, famoso por suas sentenças severas.

À espera do 4º ministro da Educação em um ano e meio de governo

Mais uma escolha errada de Bolsonaro
Carlos Decotelli está ministro, não é ministro da Educação. Sua investidura no cargo inspira cuidados depois que seu currículo como professor desmanchou-se no ar igual a uma bolha de sabão. Dormiu ministro de ontem para hoje. Acordou ministro. Mas não faz a mínima ideia de até quando será assim.

A nota que o presidente Jair Bolsonaro soltou em sua defesa soou a ouvidos afinados da República como um sinal de despedida. Bolsonaro disse que só recebeu mensagens favoráveis depois de ter escolhido Decotelli para ministro e chamou de “inadequações curriculares” o que na verdade não passou de uma fraude.

Eliane Cantanhêde - A crise continua

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro mantém Decotelli em nome de seus 42 anos de vida pública, mas até quando?

A erosão do “robusto currículo” do professor Carlos Alberto Decotelli dá raiva, pena e, principalmente, medo da disputa reaberta no Planalto para fazer o novo ministro da Educação depois do inusitado Vélez Rodríguez, do inqualificável Abraham Weintraub e do constrangedor Decotelli. A ala militar, que indicou o doutor que não é doutor, está envergonhada. A ala ideológica, dos filhos do presidente, está esfregando as mãos, gulosa. E o Centrão, vai desperdiçar essa chance?

As chances de Decotelli permanecer ministro pareciam ter ruído junto com o seu currículo, já que a tese de mestrado na FGV é acusada de fraude, o título de doutor na Argentina não existe e o pós-doutorado na Alemanha foi uma um devaneio – não há pós-doutorado sem doutorado. O presidente Jair Bolsonaro, porém, decidiu prestigiar “o lastro acadêmico e sua experiência de gestor”, em detrimento de “problemas formais de currículo”. Por enquanto, Decotelli fica. Até quando?

O único item do currículo que fica em pé é o curso de Administração na Universidade Estadual do Rio (Uerj), o que poderia ser suficiente para a posse no MEC. O problema é inventar títulos e ser acusado de plágio, um vexame inominável para ele próprio e um constrangimento desnecessário para Bolsonaro, que, induzido ao erro, publicou nas redes sociais o currículo cheio de buracos. Assim como ele, a mídia também.

Bernardo Mello Franco - Quase doutor, quase ministro

- O Globo

Depois de se revelar um quase doutor, Carlos Alberto Decotelli arrisca virar um quase ministro. O novo titular da Educação deveria tomar posse hoje. A cerimônia foi cancelada após a descoberta de que ele turbinou o próprio currículo.

O ministro foi anunciado na quinta-feira como uma escolha técnica. Em quatro dias, suas credenciais desabaram como peças de dominó. Ao contrário do que dizia, o professor não concluiu doutorado em Rosário, na Argentina. Tampouco fez pós-doutorado em Wuppertal, na Alemanha.

Para completar, surgiram indícios de que Decotelli cometeu plágio em sua dissertação de mestrado. A Fundação Getulio Vargas informou que vai investigar o caso, e o mestre prometeu “revisar” as passagens que copiou e colou no trabalho.

José Casado - Prioridade aos ruminantes

- O Globo

Bolsonaro e o ministro do Turismo perceberam no vírus uma oportunidade para ajudar aliados nas eleições municipais

O pandemônio na pandemia avançou: o governo Jair Bolsonaro decidiu dar prioridade aos ruminantes.

Na última quinta-feira, enquanto o país contava 55 mil humanos mortos pela da doença e por deficiências na rede hospitalar, o ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), do Turismo, resolveu investir na “revitalização” do Bodódromo de Petrolina (PE), onde ruminantes de chifres ocos podem ser degustados a céu aberto, em geral assados.

Pernambuco é dos estados mais afetados pelo vírus, com mais de 4,5 mil mortos. O governo, porém, achou mais urgente investir R$ 32 milhões em obras turísticas no reduto eleitoral dos herdeiros de Clementino de Souza Coelho (1885-1952), o “coronel” Quelê, construtor de um império político regional no início do século passado.

O prefeito beneficiário, Miguel de Souza Leão Coelho, é candidato à reeleição pelo MDB. Seu pai, Fernando Bezerra Coelho, é o atual chefe do clã. Foi prefeito três vezes, ministro de Dilma (Integração) e está sob investigação no Supremo por suspeita de corrupção (R$ 41 milhões) em contratos da Refinaria Abreu e Lima. Bolsonaro o escolheu como líder da sua “nova política” no Senado.

Hélio Schwartsman - Imunidade duradoura?

- Folha de S. Paulo

Talvez não viremos a ter a imunidade de rebanho nem no futuro

Causou preocupação o estudo chinês publicado na Nature Medicine que mostrou que pacientes contaminados pelo vírus Sars-CoV-2 experimentaram uma significativa redução nos níveis de IgG e de anticorpos neutralizantes entre dois e três meses após a infecção. Em alguns casos (40% dos assintomáticos e 13% dos sintomáticos), a doença se tornou indetectável pelos testes sorológicos.

O estudo, que precisaria ser replicado, tem uma série de implicações, todas inquietantes. A mais óbvia é que precisamos desconfiar dos resultados de testes para anticorpos, seja nos inquéritos sorológicos, seja para a emissão dos chamados passaportes de imunidade. Aqui, a própria ideia de liberar a circulação de pessoas que apresentem testes positivos se torna duvidosa, já que não há segurança nem de que os exames retratem adequadamente quem já teve contato com o vírus nem de que a imunidade propiciada por uma infecção prévia seja duradoura.

Míriam Leitão - A razão de voltar ao velho debate

- O Globo

A resistência tem diversos caminhos, e o país vem dizendo que entendeu o risco e as ameaças do governo atual à democracia

Os shows de Gilberto Gil e Milton Nascimento no fim de semana emprestaram uma trilha sonora sutil e linda ao clima de resistência ao autoritarismo. A pesquisa da “Folha de S.Paulo” trouxe o alento de que aumentou para 75% o apoio à democracia entre brasileiros. Novas manifestações da coalizão de políticos e de atores da sociedade civil surgiram. O Brasil parece ter recuado várias quadras no seu processo histórico, tendo que retomar o esforço de convencimento das virtudes da democracia e lembrar o que foi a ditadura. É necessário?

O vice-presidente Hamilton Mourão, em artigo publicado no “Estadão” há um mês, disse que lendo “colunas de opinião e os despachos de egrégias autoridades” fica a impressão de que “sessentões e setentões nas redações e em gabinetes da República resolveram voltar aos seus anos dourados de agitação estudantil”. Aqueles anos não foram dourados — chumbo é o elemento químico que melhor descreve o período — e a demografia derruba a tese.

Pablo Ortellado* - Democracia em disputa

- Folha de S. Paulo

Recorde no apoio à democracia esconde disputas sobre o seu significado

A última pesquisa Datafolha mostrou que o apoio à democracia disparou e atingiu o maior índice desde que começou a ser medido, em 1989. Setenta e cinco por cento apoiam hoje a democracia, ante 62% que a apoiavam em dezembro de 2019 e índices ainda menores no passado.

Uma interpretação possível, como a que constava na manchete da Folha de domingo ("Apoio à democracia bate recorde diante do risco Bolsonaro"), é a de que, reagindo às ameaças de ruptura institucional, os brasileiros reforçaram seu apoio à democracia. Mas será que essa é a interpretação mais plausível?

Antes da pesquisa de junho de 2020, o recorde de apoio à democracia havia sido registrado em outubro de 2018, às vésperas da eleição presidencial, quando a dúvida era se Bolsonaro venceria apenas com larga vantagem ou se elegeria logo no primeiro turno.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Nossa democracia está em risco?

- Folha de S. Paulo

Quando vemos a alternativa, fica claro que o modelo imperfeito é a melhor escolha

Tive uma surpresa feliz ao ver que a defesa da democracia está em alta na opinião pública, segundo pesquisa Datafolha (fiquei surpreso porque sou naturalmente pessimista quanto à sabedoria das massas).

E eis que, de fato, em um ano e meio de bolsonarismo, movimento que flerta abertamente com a ideia de golpe, o povo dobrou a aposta na democracia e no respeito às instituições.

Setenta e cinco por cento defendem a democracia como melhor forma de governo, 86% são contra a tortura, 80% contra a censura à imprensa e 78% negam que o presidente tenha o direito de fechar o Congresso. Em todos os casos, os números são mais altos do que eram em 2014 e em 2018.

É fácil desmerecer a democracia em abstrato, comparando-a a alguma autocracia idealizada, comandada por homens bons e alinhados com "a vontade do povo" (seja lá o que isso for).

Quando vemos concretamente qual a alternativa a ela —as loucuras do olavismo, as fábricas de fake news, o fim da transparência, a incompetência generalizada, a bajulação do presidente, o corporativismo militar, a arbitrariedade da polícia— fica claro que nossa democracia imperfeita ainda é a melhor escolha.

Ana Carla Abrão* - (Des) construção

- O Estado de S.Paulo

Zelar pela Constituição também significa zelar pela justiça social e pela equidade

Instituições fiscais são de difícil construção. Mas, mostra a nossa história, de fácil desconstrução. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que neste ano completou exatos 20 anos, foi um dos grandes avanços institucionais que o Brasil viveu. Era um momento de grandes reformas e grandes conquistas, a maior delas a estabilidade monetária. O pilar fiscal era parte da consolidação dessa conquista. A LRF foi a sua tradução.

A elaboração do projeto de lei complementar veio na esteira da renegociação de dívidas de Estados e municípios pela União. Quebrados após anos de irresponsabilidade fiscal, com crescimento descontrolado do endividamento subnacional, o seu maior objetivo era o de aperfeiçoar a gestão fiscal do País nos três níveis da Federação. Além disso, o projeto de lei resgatava conceitos básicos da gestão orçamentária, como planejamento, transparência e equilíbrio das contas públicas, definindo diretrizes de execução fiscal e delimitando competências e responsabilidades dos agentes públicos.

Há nela o lado da receita, forçando a previsibilidade e o monitoramento da arrecadação própria e de transferências e a compatibilização com o arcabouço orçamentário público já constituído, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei do Orçamento Anual (LOA).

Moisés Naím - Quatro ideias desbancadas pela pandemia

- O Estado de S.Paulo

A covid-19 não faz vítimas apenas entre as pessoas, mas também entre as ideias. E, quando não as mata, desacredita-as e enfraquece-as. As ideias tradicionais a respeito de escritórios, hospitais e universidades, por exemplo, não sobreviverão ilesas às conseqüências econômicas da pandemia. Nem algumas das ideias mais globais na economia e na política. Essas quatro são exemplo:

1) Os Estados Unidos como fonte de estabilidade para o mundo
Falso. Washington é um grande epicentro da instabilidade geopolítica. As reações do governo de George W. Bush aos ataques terroristas de 11 de setembro, por exemplo, provocaram longas guerras: em 2008, os EUA exportaram uma grave crise financeira para o mundo. Desde sua eleição em 2017, Donald Trump mostra, quase diariamente, que em vez de acalmar o mundo e seu país, prefere fomentar conflitos e atiçar discórdia. Suas reações à pandemia reconfirmaram que a Casa Branca é um aliado volátil, desajeitado e pouco confiável.

A grande ironia do fato de os EUA irradiarem instabilidade é que um dos maiores beneficiários da ordem internacional que Trump está desmontando é o próprio país que ele preside.

Entrevista | Edmar Bacha: Vamos ter uma alteração estrutural da economia no pós-covid

Integrante da equipe que criou o Plano Real disse que recuperação do Brasil será lenta, mas abrirá espaço para a questão da distribuição de renda do País e o aumento dos gastos públicos

- Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo

RIO - O economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG) e integrante da equipe que criou o Plano Real, vê pouco espaço para uma recuperação rápida, em “V”, da economia brasileira, que entrou em recessão no primeiro trimestre deste ano, conforme o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Membro do órgão colegiado, Bacha acha que o mais provável é que o ritmo de recuperação da atividade estacione num platô, à medida que o impulso das medidas do governo for passando.

Embora seja favorável à discussão sobre a manutenção dos auxílios emergenciais via unificação dos programas de transferência de renda, Bacha ressalta o aperto dos gastos públicos no País, que exige reformas para liberar espaço para ampliar o investimento em políticas focadas na redistribuição da renda.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Estamos em meio à recessão, mas há espaço para recuperação em “V”?

Nos Estados Unidos, como reportou a Marcelle (Chauvet, professora da Universidade da Califórnia, integrante do Codace, na reunião da última sexta-feira, 26), foi feita uma pesquisa muito interessante com economistas sobre a forma da retomada. Já houve duas rodadas da pesquisa. Na primeira, a maior parte dos economistas colocou o “V”, e, agora, todo mundo mudou do “V”, para algo que começa com um “V” inclinado, mas logo depois atinge um platô. E essa questão do platô é fundamentalmente por causa do esgotamento dos impulsos fiscal e creditício que o governo está dando. Quando isso acabar, como vai ficar? Depois, do lado do vírus, tem a questão de que isso vai exigir uma realocação muito pronunciada da atividade econômica. O mundo pós-covid não vai ser o mesmo. Vai ser bastante diferente. A natureza da atividade econômica vai ser muito distinta, com setores que vão ser beneficiados e os setores que vão ser prejudicados. Vamos ter uma alteração estrutural, se não permanente, pelo menos prolongada na estrutura das atividades econômicas.

• No caso do Brasil, o quadro é diferente, já que o espaço fiscal para manter medidas é menor?

Obviamente, o Brasil tem bastante menos espaço fiscal do que os países que têm moeda-reserva. (...) Com esse agravamento do quadro fiscal, estamos indo para uma relação dívida pública sobre PIB de 100%. Agora, se temos menos espaço fiscal, temos um pouquinho mais de espaço monetário. Os juros lá (nos países desenvolvidos) já estão em zero. Isso é uma questão complexa, que vai depender muito da capacidade que temos de reestabelecer o ânimo empresarial e a disposição dos consumidores a gastar.

• Os impulsos ficais ajudam no consumo das famílias, não?

Nos Estados Unidos, por causa das transferências, houve uma retomada muito forte, praticamente no nível anterior, do consumo das classes mais pobres. O consumo que está retraído é o consumo dos 25% mais ricos, do pessoal que fugiu de Manhattan. Esse consumo vai voltar quando o medo passar. O curso do vírus é que vai determinar um pouco esse processo de retomada do consumo da parte mais substantiva do total. Embora seja menos gente (os 25% mais ricos), o poder de compra é muito maior.

O conservador Boris Johnson diz que economia pós-pandemia precisa de política intervencionista

Premier afirma que vai se inspirar em Franklin Roosevelt para recuperar o país, cujo PIB deve cair 14% neste ano

O Globo e agências internacionais 

LONDRES — O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse nesta segunda-feira que quer se inspirar no ex-presidente americano Franklin Roosevelt, que nos anos 1930 lançou o New Deal, para recuperar a economia britânica, abalada pela pandemia do novo coronavírus. O premier afirmou que o retorno à austeridade seria um erro.

Boris prometeu dobrar o planos para aumentar o investimento no país e disse que seu governo — que já anunciou gastos emergenciais e medidas tributárias no valor estimado de 133 bilhões de libras — continuará ajudando pessoas e empresas. A estimativa é que, influenciada pela pandemia, a economia britânica tenha uma queda de 14% neste ano

— Este é o momento para um política rooseveltiana no Reino Unido — disse o premier à Times Radio nesta segunda-feira.

O New Deal de Roosevelt foi marcado por uma forte intervenção estatal para regular a economia e incluía uma série de projetos de criação de empregos, ajudando o país a se recuperar da Grande Depressão de 1929. Já o Partido Conservador de Boris, que governa o Reino Unido desde 2010, implantou uma política de cortes de gastos públicos em reação à crise financeira de 2008.

O primeiro-ministro britânico vai anunciar nesta terça um plano de investimentos em infraestrutura de 5 bilhões de libras (R$ 33,25 bilhões).

Em trégua – Editorial | Folha de S. Paulo

Desde prisão de Queiroz, Bolsonaro age com moderação —por essa e outras razões

À luz do retrospecto de Jair Bolsonaro, em especial durante a pandemia, é digna de nota a marca de dez dias sem prestigiar atos golpistas, incitar o descumprimento de quarentenas ou atacar instituições, imprensa e desafetos políticos.

A última manifestação de animosidade, mesmo assim morna, se deu em 18 de junho, quando o presidente criticou a prisão do amigo Fabrício Queiroz. Houve ainda, no dia seguinte, uma discreta queixa em rede social contra a “maior parte da mídia”, que não estaria noticiando a contento ações de seu governo no combate à Covid-19.

Já àquela altura tornava-se visível a opção de Bolsonaro por uma conduta mais comedida, que incluiu até certos gestos conciliatórios.

Demitiu-se do MEC o desastroso Abraham Weintraub, que dirigira ofensas e ameaças ao Supremo Tribunal Federal; em seguida, ministros da área jurídica do Executivo foram destacados para uma conversa com o magistrado Alexandre de Moraes, do STF, que está à frente de inquéritos espinhosos para o bolsonarismo.

Na quinta-feira (25), o presidente nomeou para a Educação um economista de perfil moderado, discursou sobre entendimento e harmonia entre Poderes e homenageou as vítimas do coronavírus.

Ação no STF põe em questão a segurança jurídica – Editorial | O Globo

Reclamação de empresa contra exorbitância de poder do TCU pode barrar atuação abusiva do Estado

Um dos polos da crise política, por ser alvo do bolsonarismo, o Supremo Tribunal Federal (STF) continua a cumprir sua agenda de trabalho, e amanhã deve retomar o julgamento de um processo que de forma indireta tem relação com o perigo que representa a falta de respeito à Constituição e aos preceitos legais como um todo. O risco representado pela ideologia de extrema direita do presidente e seguidores, que tende a desrespeitar a convivência harmoniosa entre os poderes, mesmo sendo eles independentes, tem o mesmo sentido de quando o Estado, por meio de qualquer de seus entes, invade espaço privado e comete algum tipo de violência — financeira, ética, política, tributária etc.

Pode não chamar atenção o enunciado do processo que a empresa PPI – Projeto de Plantas Industriais Ltda. move contra o Tribunal de Contas da União (TCU), mas o que se encontra em questão é o respeito aos espaços institucionais, o mesmo que acontece no choque do Executivo federal contra o Judiciário, em uma outra escala. O motivo do desentendimento é que o TCU, ao averiguar um contrato de prestação de serviço à Petrobras por um consórcio formado pela Odebrecht e a UTC Engenharia, com a participação da PPI, determinou o bloqueio cautelar de bens pessoais de acionistas desta empresa. Exorbitou de suas funções.

O falso ministro da Educação – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se finalmente acertou na estratégia, procurando pacificar a área de ensino ao demitir Abraham Weintraub da chefia do Ministério da Educação (MEC) e propor a retomada de diálogo com os secretários municipais e estaduais de Educação para evitar o colapso de um setor estratégico da administração pública em tempos de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro errou na escolha de seu sucessor, Carlos Alberto Decotelli.

No mesmo dia em que foi anunciado por Bolsonaro como mestre, doutor e pós-doutor e de contar com experiência no setor por ter presidido o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), surgiram as primeiras suspeitas de que Decotelli teria maquiado seu currículo Lattes. O currículo Lattes é a plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico sobre a titulação acadêmica dos professores do País. As informações são autodeclaratórias e dispensam a apresentação de documentos.

A primeira suspeita foi de que Decotelli não teria o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, o que foi confirmado no dia seguinte pelo reitor da instituição, Franco Bartollacci. Reagindo à nota, Decotelli apressou-se em revisar o currículo Lattes. Tentando remediar a situação, ele afirmou que, apesar de ter obtido os créditos para apresentar a tese de doutorado, não o fez por não ter recursos para continuar residindo na Argentina. Segundo o reitor, porém, Decotelli não fez a defesa oral da tese porque ela seria reprovada pelos examinadores. Agravando ainda mais as suspeitas com relação ao seu currículo, a segunda acusação foi de que a dissertação que Decotelli apresentou no término de seu curso de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) seria um plágio. Submetida a um programa de informática elaborado para detectar plágio, verificou-se que trechos inteiros da dissertação são cópias - sem os devidos créditos - de relatórios de órgãos governamentais e de trabalhos acadêmicos, o que é tipificado como crime contra a propriedade intelectual pela legislação penal.

Pandemia agrava problemas econômicos da Argentina – Editorial | Valor Econômico

FMI prevê queda de 9,9% do PIB argentino

A nuvem de gafanhotos que atacou a produção agrícola da região nordeste da Argentina completa em tom bíblico as pragas que assolam o país: estagnação econômica, inflação elevada e incapacidade de pagar a dívida externa há décadas. A um conjunto explosivo de desafios, quase impossível de administrar em tempos normais, se somou a pandemia do novo coronavírus.

A pandemia agudizou todos os já graves problemas argentinos. Embora em números absolutos o impacto da covid-19 seja relativamente reduzido na Argentina, com 52,5 mil casos e 1,5 mil mortes até agora, o governo argentino resolveu voltar a endurecer as regras de quarentena desde ontem. Buenos Aires retornará à fase 1 do programa de combate à covid-19, e as restrições ficarão em vigor por 15 dias para tentar frear a elevação do número de casos.

O efeito na economia está sendo profundo. O PIB teve queda de 5,4% no primeiro trimestre frente ao mesmo período de 2019. O índice que mede atividades econômicas caiu 26,4% em abril, a maior queda de toda a série histórica. No primeiro quadrimestre, há redução de 11% sobre o mesmo período de 2019. A construção civil foi um dos segmentos mais atingidos e registrou contração de 86,4% ante o mesmo mês do ano passado. As exportações despencaram 13,4% e os investimentos 9,7% (dados do trimestre). Na comparação com o último trimestre de 2019, a queda do PIB foi de 4,8% e o desemprego subiu de 8,9% para 10,4%.

Ainda assim, os números não captam todo o impacto da quarentena, que começou no fim de março. Por isso, as previsões para o ano são bastante negativas. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) projeta perdas de 750 mil a 852,5 mil postos de trabalho, se a queda do PIB ficar entre 8,25% e 10% como prevê a OCDE. Os números são semelhantes às estimativas locais.

Música | Nana Caymmi - Eu sei que vou te amar

Poesia | Antonio Machado - Tenho andado muitos caminhos

Tenho andado muitos caminhos
tenho aberto muitas veredas;
tenho navegado em cem mares
e atracado em cem ribeiras

Em todas partes tenho visto
caravanas de tristeza
orgulhosos e melancólicos
borrachos de sombra negra.

E pedantes ao pano
que olham, calam e pensam
que sabem, porque não bebem
o vinho das tabernas

Má gente que caminha
e vai empestando a terra...

E em todas partes tenho visto
pessoas que dançam ou jogam,
quando podem, e lavoram
seus quatro palmos de terra.

Nunca, se chegam a um lugar
perguntam a onde chegam.
Quando caminham, cavalgam
lombos de mula velha.

E não conhecem a pressa
nem mesmo nos dias de festa.
Onde há vinho, bebem vinho,
onde não há vinho, água fresca.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Fernando Gabeira - A morte e a morte da democracia

- O Globo

Ela é comida pelas beiradas, como vírus que invade, gradativamente, seu pulmão até que pare de respirar

É preciso retomar o tema da democracia ameaçada. A prisão de Fabrício Queiroz conteve o avanço da extrema direita. Muitos interpretam o perigo de golpe apenas como um blefe de Bolsonaro, um delírio que agora se dissolve.

São pessoas sensatas que me perguntaram quando soei o alarme se eu não estava exagerando.

De uma certa forma, abordei este tema num artigo de fim de semana. Lembrei a tensão nas democracias europeias dos anos 30 e as pequenas pausas que surgiam entre elas. Muitos as interpretavam como o fim dos problemas, um novo período de paz.

Não tenho nenhuma intenção de comparar a extrema direita brasileira com a Alemanha nazista. Isto serviria apenas para reforçar a ideia de que exagero. Minha preocupação é apenas analisar a pausa. Ela pode ser aproveitada para se avançar na defesa da democracia ou pode ser considerada como o fim de um período de hostilidades.

Muitos imaginam o golpe de estado clássico: tanques saindo dos quartéis e ocupando pontos estratégicos, Congresso e STF fechados. É uma espécie de tiro no coração da democracia. Acontece que, nos últimos anos, cresce o consenso de que a democracia é comida pelas beiradas, como um vírus que invade, gradativamente, seu pulmão até que pare de respirar.
Essa lenta e sistemática derrubada da democracia brasileira está em curso. Não há tanques na rua, nem censores dentro dos jornais.

Carlos Pereira - Tea Party à brasileira

- O Estado de S.Paulo

Perfil similar a movimento dos EUA garante sobrevivência política de Bolsonaro

Diante da avalanche de notícias e eventos ruins que o governo Bolsonaro tem acumulado nas últimas semanas, era de se esperar uma queda mais acentuada da popularidade do presidente e um crescimento mais vigoroso da avaliação negativa do desempenho de seu governo.

Afinal de contas, já são mais de 1,3 milhão de pessoas contaminadas pela covid-19 e mais de 57 mil mortes. Houve redução de aproximadamente 10% da atividade econômica e estima-se que a taxa de desemprego já esteja em torno de 16%.

Para completar a “maré de azar”, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e também amigo de longa data do presidente, Fabrício Queiroz, foi preso enquanto escondido na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, sob acusação de ser o operador de um esquema de lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e formação de quadrilha liderado pelo próprio filho do presidente.

Entretanto, os institutos de pesquisa têm mostrado que a popularidade de Bolsonaro se estabilizou em 30%, o que sugere grande resiliência política do presidente.

Quem seriam os eleitores que continuam apoiando o presidente, mesmo diante de eventos tão negativos?

Em pesquisa de opinião desenvolvida com o apoio do Estadão, identificamos que os eleitores que se autodenominam de direita e de centro direita (27% da amostra de 7.020 respondentes) são majoritariamente homens (71%), brancos (73%), acima de 40 anos de idade (67%), possuem renda superior de 5 salários mínimos (70%), são profissionais liberais ou trabalham na iniciativa privada (51%) e dizem possuir alguma religião, notadamente judaica (39%), evangélica (38%) ou católica (33%). Apresentam perfil predominantemente conservador, baseado nos valores morais e da família, e preferem políticas econômicas liberais.

Cacá Diegues - Direita volver

- O Globo

A sorte dos democratas é que certos métodos servem para eleger um candidato, mas não garantem um bom governo

Em política, quando não se tem um projeto claro e preciso para o futuro, o ativista rodopia em torno de um vazio que ele mesmo não consegue admitir. Nada mais angustiante para o ativista do que não poder dizer pelo que luta, para o que serve seu empenho. Aos olhos dele, o conformista é um aliado da desgraça, o esperto finge que não a vê, o homem de ação tenta vencê-la a qualquer preço. E o combatente deve contornar o infortúnio sem descanso, até encontrar o buraco por onde abordar o verdadeiro sentido das coisas, no momento oportuno, avançando mais um passo, mesmo que mínimo, em direção ao paraíso.

Os Bolsonaro têm um projeto. Eles são responsáveis pelo primeiro projeto clara e inapelavelmente de direita neste país. O presidente está à frente de alguma coisa que, mesmo que nem sempre o confesse, corresponde a uma transformação radical de nossas estruturas públicas e até psíquicas. Não se trata de uma mudança, trata-se de uma transformação.

Nunca vi, no Brasil, defesa tão clara da direita como essa dos Bolsonaro e seus aliados. E, para glória deles, nunca vi tanta gente, importante ou não, botando a cabeça de fora para anunciar-se, desde sempre ou convencida por eles, de direita. É como se a chegada de pastores inesperados encontrasse um bando de ovelhas malocadas, adeptos mudos de ideias secretas, novos convertidos ou libertos de longo silêncio culpado. Todos doidos para anunciar o que, até aqui, não tinham coragem de confessar, por falta de convicção e apoio público. Os mais radicais se diziam em luta contra a esquerda corrupta e, claro, contra os comunistas de sempre. Foi essa a desculpa, às vezes sincera, daqueles que fizeram o golpe de estado de 1964.

Demétrio Magnoli - A esquerda no espelho da epidemia

- O Globo

O vírus tem lado ideológico

A crise ensina. A emergência sanitária do coronavírus evidenciou o negacionismo criminoso de Jair Bolsonaro, desmoralizando seu governo aos olhos de todos que não sucumbiram ao fanatismo ideológico da extrema direita. Contudo, de um modo menos óbvio, ela também lançou um penetrante jato de luz sobre a esquerda, expondo suas vísceras. A imagem resultante não é bonita.

Capítulo um: hipocrisia.

A esquerda ocupou a linha de frente do exército que clamava pela imposição de lockdown. Na Itália, na Espanha e na França, rígidas medidas de lockdown travaram o avanço dos contágios, circunscrevendo regionalmente as epidemias. Lockdown não é, porém, um ato de pura vontade. O congelamento geral da vida econômica e social exige uma ditadura totalitária (China) ou a conjunção de dois fatores inexistentes na paisagem brasileira: consenso político e coesão social.

Não se faz lockdown sob um governo central em campanha permanente contra o distanciamento social. Não se faz lockdown com vastas parcelas das populações metropolitanas carentes de renda e redes de proteção social, que se concentram em cinturões periféricos e favelas desassistidas. A esquerda que ignora essas realidades escolheu dialogar exclusivamente com as classes médias.

Ricardo Noblat - Como o vírus, Bolsonaro também passará

- Blog do Noblat | Veja

Sob o freio dos militares e da conjuntura

Até quando os generais que cercam Jair Bolsonaro conseguirão impedir que ele detone novas crises como vinha fazendo com regularidade ao longo dos últimos meses? E até quando o ex-capitão, expulso do Exército por planejar atentados a bomba em quarteis, manterá sob controle seus instintos mais primitivos?

Não deve estar sendo fácil para ninguém – nem para os militares que transformaram o Palácio do Planalto num puxadinho do Quartel-General do Exército a pouca distância, nem para um presidente que já proclamou muitas vezes que é ele quem manda. Um dia desses, chegou a dizer que a Constituição era ele.

Sem saber, uma vez que é reconhecidamente ignorante e não gosta de livros porque eles contém “muitas letrinhas”, Bolsonaro lembrou Luiz XIV, Rei da França e de Navarra entre 1638-1715, a quem se atribui a frase famosa: “O Estado sou eu”. Luiz XIV governou 72 anos. Luiz XVI foi deposto e guilhotinado em Paris.

Os porta-vozes informais de Bolsonaro sugerem que ele amadureceu e está disposto a cumprir a Constituição tal como disse que o faria ao se eleger e ao tomar posse. Só não explicam porque ele a afrontou toda vez que pode. Negam que a mudança de comportamento se deva apenas à conjuntura difícil que enfrenta.

Leandro Colon - Paz e amor por conveniência

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro age para blindar os filhos e porque foi aconselhado por aliados

Surgiu um Jair Bolsonaro "paz e amor" nos últimos dias. Fez acenos de pacificação aos Poderes, prestou homenagem às vitimas do Covid-19, e escolheu um ministro da Educação fora do nocivo "olavismo", que afundou o MEC até agora.

O presidente tem ainda buscado um distanciamento dos extremistas que pedem intervenção militar e estimulam a crise com o STF.

Teria caído a sua ficha sobre o desastroso governo que conduz até aqui? Provavelmente, não.

Bolsonaro age para blindar os filhos e também porque foi aconselhado por aliados a baixar a temperatura diante dos recentes embates.

O entorno do presidente sabe do seu isolamento, hoje pendurado na estabilidade da aprovação por 32% da população.

Mas os sinais de enfraquecimento são evidentes, como diz a própria pesquisa: o apoio cai para 15% entre os que avaliam que ele sabia do esconderijo de Fabricio Queiroz.

Bolsonaro flerta com um armistício, faz gestos neste sentido, mas nada que leve a crer que suas convicções tenham mudado.

Marcus André Melo* - A pandemia afetou a democracia?

- Folha de S. Paulo

Abusos ocorreram apenas nos países com 'comorbidades institucionais'

Difundiu-se o argumento que a atual pandemia teria exacerbado o processo global de erosão da democracia na última década. As evidências disponíveis até agora sugerem algo inteiramente diverso. Na maioria dos países, os freios e contrapesos têm atuado de forma robusta.

A deterioração ocorre só nos suspeitos usuais como a Hungria de Orbán ou as Filipinas de Duterte, e na franja de países que foram os últimos a serem atingidos por surtos esporádicos do vírus democrático, como Nicarágua e El Salvador, onde o retrocesso autoritário não significa outra coisa que uma “regressão à média”; a volta à normalidade autoritária.

Em outras palavras, a erosão da democracia em virtude de abusos do Executivo devido à situação de emergência só ocorreu onde havia “comorbidades institucionais”, tais como escassa experiência com regimes constitucionais, além de outras “patologias pré-existentes”. A Hungria, por exemplo, foi governada por ditadura comunista durante 50 anos ( 1949-1989) e por regimes autoritários ou ditaduras por várias décadas antes disso.

Celso Rocha de Barros* - Uma semana sem Jair

- Folha de S. Paulo

Instituições aproveitaram que presidente estava fugindo da polícia e deram uma funcionada

Na semana passada, as instituições aproveitaram que o presidente estava fugindo da polícia e deram uma funcionada.

O Congresso aprovou o marco do saneamento básico, que talvez seja o começo de uma solução para um problema difícil. Os militares conseguiram desalojar os olavistas da direção do MEC, e, sim, o novo ministro mentiu que tinha doutorado, mas o outro cara era o Weintraub, o novo já seria melhor se só soubesse ver hora.

Ao longo da semana, ninguém falou em golpe de Estado, ninguém agrediu jornalista, ninguém fingiu que Olavo de Carvalho era uma opinião a ser levada em conta no debate.

Tudo isso parece ridículo diante da total imobilidade do Estado frente a dezenas de milhares de brasileiros mortos, mas as expectativas no Brasil de 2020 são muito baixas.

Nas semanas anteriores, Bolsonaro ameaçou um golpe de Estado para tentar parar as investigações contra ele e sua família. Os militares não se empolgaram com a ideia de um golpe para abafar um esquema com rachadinhas, milicianos e seja lá o que for que Wassef seja.

Mathias Alencastro* - Ecologia é o grande ausente do debate progressista no Brasil

- Folha de S. Paulo

Discussões para fazer emergir Frente Ampla deixaram de lado a urgência climática

A ecologia está em todo lado. Os partidos verdes triunfaram nas eleições municipais deste domingo (28) na França, ganhando força em cidades disputadas pelo partido de Emmanuel Macron.

Prestes a anunciar uma nova leva de ministros, o presidente francês deve inaugurar a última fase do seu mandato com uma virada ecológica.

Seguindo o caminho de Áustria e Irlanda, que formaram as primeiras coalizões europeias entre verdes, centristas e conservadores, a Alemanha olha para o ambientalista Robert Habeck como ator-chave no processo de sucessão de Angela Merkel.

Os ecologistas são vistos em todo o lado como o antídoto à ascensão do populismo.

Nos Estados Unidos, Joseph Biden abraçou a bandeira da luta contra a mudança climática para mobilizar o eleitorado mais jovem e progressista.

Bruno Carazza* - Os números estarão certos desta vez?

- Valor Econômico

Temporada de pesquisas nos EUA favorece Biden

George Gallup chegou a Madison Avenue muito antes de Donald Drapper, o fictício publicitário da aclamada série Mad Men. Aos 31 anos ele foi contratado para ser diretor da agência Young and Rubicam, levando para o centro criativo da publicidade em Nova York o seu revolucionário método de aferir a opinião pública por meio de levantamentos por amostragem.

Gallup aplicava suas técnicas para medir a efetividade de anúncios e comerciais de produtos em jornais, revistas e rádio, mas naquele ano (1932) resolveu fazer um experimento familiar. Sua sogra, Ola Babcock Miller, iria se candidatar a um cargo em Iowa, e o estatístico começou a realizar algumas pesquisas de opinião para aferir suas chances. Ela acabou vencendo, pegando carona na onda democrata de Franklin Roosevelt, com suas propostas para tirar o país da Grande Depressão - e Gallup percebeu que estava diante de uma grande oportunidade de negócios.

Nas eleições presidenciais seguintes veio a sua consagração. Uma revista popular na época, a The Literary Digest, enviou 10 milhões de formulários para seus assinantes pedindo que eles respondessem em quem votariam: no presidente Roosevelt ou no republicano Alf Landon. 2,27 milhões responderam à enquete e, quatro dias antes da eleição, a revista anunciava que o desafiante Landon venceria com 57,1% dos votos.

Sergio Lamucci - O derretimento da demanda privada

- Valor Econômico

Garantir uma trajetória fiscal sustentável será essencial para manter os juros em níveis baixos, um trunfo decisivo para a retomada

O primeiro semestre chega ao fim com a certeza de que 2020 vai registrar o maior tombo do Produto Interno Bruto (PIB) da história brasileira, e com muitas dúvidas sobre as perspectivas de recuperação da atividade. Há grande incerteza sobre a reação de famílias e empresas, muitas das quais vão sair machucadas da crise, num cenário marcado pela resposta desastrosa do governo federal à pandemia da covid-19 e pelo relaxamento prematuro do isolamento social por vários Estados e municípios. Além disso, o cenário político segue outra fonte de incerteza.

As medidas para combater os efeitos da doença levarão a uma forte piora das contas públicas, necessária num quadro de forte retração da economia, mas que terá de ser enfrentada a partir do ano que vem. O déficit primário deve superar 10% do PIB, e a dívida bruta tende a encostar em 100% do PIB. Será preciso retomar o ajuste fiscal a partir de 2021, obviamente não de modo abrupto, mas de maneira a indicar a sustentabilidade das contas públicas. Com isso, os juros poderão continuar baixos, o que será essencial para estimular a demanda e facilitar a dinâmica do endividamento do setor público e do setor privado, como ressalta o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero.

Em suas análises, Montero tem afirmado que o baque na economia não decorre tanto da perda de rendas na pandemia que, “ao contrário, são mais que substituídas por despesas e transferências públicas financiadas com endividamento público”. Segundo ele, “foi a propensão ao gasto privado - o consumo e o investimento - que derreteu, antes que sua renda”. É claro que há muitos casos de perda de renda durante a crise, mas Montero avalia que o tamanho total da expansão de despesas e transferências é superior a essa queda. “Haverá aumento no endividamento líquido de parte da sociedade, que gastará mais que sua renda. Mas haverá outra parte que gastará menos.”

Dissimulada, ditadura militar criou miragem de separação de Poderes

Regime manteve Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal abertos e tolerou oposição, mas cassou deputados e magistrados

Fábio Zanini | Folha de S. Paulo (28/6/2020)

SÃO PAULO - A máquina política que sustentou a ditadura brasileira não foi apenas autoritária e repressora. Foi também dissimulada.

Durante seus 21 anos, o regime militar cultivou uma miragem democrática.

Ao contrário do Chile, não concentrou poder em um único general, mas o dividiu entre cinco presidentes (além de uma breve junta militar).

Diferentemente da Argentina, manteve o Congresso aberto por praticamente todo o período e tolerou a existência de uma oposição formal.

“Foi uma ditadura em condomínio. Mas era ditadura do mesmo jeito”, diz o historiador Boris Fausto, estudioso do período militar.

“Nunca houve eleição. O Alto Comando do Exército discutia, brigava e votava. Fazia as vezes de povo”, prossegue.

Na teoria, havia respeito a um dos princípios basilares da democracia, o da separação de Poderes. Mas era apenas um verniz, diz o professor, porque o Executivo era um Poder armado, e portanto, superior aos demais.

“Havia separação de Poderes com subordinação ao Executivo. Forte subordinação.”

Não foram poucas as vezes em que a condição de primus inter pares do Executivo se manifestou, entre 1964 e 1985.

Seu instrumento principal foram os Atos Institucionais (AIs), dando formatação jurídica ao regime. Houve 17.

A interferência sobre o Legislativo não tardou, começando já no décimo dia do golpe, 9 de abril de 1964, com o AI-1, que cassou 41 deputados.

Passou pelo AI-5, de 1968, que consolidou a castração do Congresso, e chegou ao Pacote de Abril, de 1977, com a nomeação de senadores “biônicos”, escolhidos em colégio eleitoral controlado pelo Executivo.

Um dos atos institucionais que tiveram consequências mais duradouras para o arcabouço político foi o nº 2, de outubro de 1965, que instituiu o bipartidarismo, fixando a Arena (Aliança Renovadora Nacional) como representante do governo e confinando a oposição ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Ditadura Militar: Regime agigantou as empreiteiras e foi rico em escândalos financeiros

Imagem de que período militar foi mais honesto se deveu a falta de transparência e fragilidade de órgãos de controle

Felipe Bächtold | Folha de S. Paulo (28/6/2020)

SÃO PAULO - “O negócio é lucrativo sob qualquer aspecto: a Odebrecht pode cobrir todos os seus gastos e exigir também adicionais. Quanto mais cara a construção, maiores os rendimentos para os acionistas.”

A afirmação pode soar familiar ao noticiário recente do país, mas estampava as páginas da Folha no longínquo ano de 1978, ainda no penúltimo dos governos do regime militar.

À época, o jornal repercutia reportagem da revista alemã Der Spiegel sobre supostas irregularidades em um acordo firmado entre Brasil e Alemanha que viabilizou a construção das usinas nucleares de Angra.

A publicação europeia questionava ligações de ministros com as empresas contratadas, atrasos das obras e o encarecimento do projeto.

Aliados do então presidente Ernesto Geisel repudiavam o teor das acusações da revista. E, assim como aconteceria 36 anos mais tarde no âmbito da Operação Lava Jato, o principal nome da empreiteira foi convocado para depor em uma CPI: Norberto Odebrecht, fundador da construtora, falou aos parlamentares em abril de 1979.

A comissão parlamentar, criada por causa da reportagem, ouviu outras dezenas de testemunhas, mas teve escassas consequências.

Engrenagem de abusos perseguiu, matou, torturou e saiu impune

Comissão da Verdade apontou 434 mortos e desaparecidos, além de milhares de denúncias de abusos; Anistia descartou responsabilizar culpados

Bruno Boghossian | Folha de S. Paulo (28/6/2020)

BRASÍLIA - Dois dias após o golpe de 1964, o ex-sargento Gregório Bezerra foi preso no Recife. Dirigente do PCB, ele foi amarrado pelo pescoço e puxado pelas ruas da cidade, enquanto um oficial incentivava a população a linchá-lo.

Exibidas na TV local, as cenas simbolizaram a inauguração de um regime que adotou a repressão violenta como método. Pesquisadores retratam Bezerra como a primeira vítima de tortura do período.

Os casos registrados nos meses iniciais da ditadura foram tratados por integrantes do governo militar como um reflexo do "calor da hora". A prática, porém, foi adotada como ferramenta para interrogar e combater opositores, em especial personagens considerados subversivos.

A partir de 1968, a repressão violenta formatou uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento —até o início da abertura, na segunda metade dos anos 1970.

Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.016 denúncias de tortura.

Estimativas feitas no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, aprovado no governo Dilma Rousseff (PT), apontam para 20 mil casos.

Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Em alguns casos, a sessão de tortura levava à morte.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.

Ditaduras que dominaram países vizinhos superaram os dados brasileiros. No Chile (1973-1989), o governo registrou mais de 3.000 mortos. Já na Argentina (1976-1983) foram acima de 30 mil vítimas."

Isso é tido, às vezes, como indicação de que a ditadura brasileira teria sido menos feroz ou absoluta. Não é verdade. A razão desse número é o absoluto controle que o governo tinha do processo repressivo", diz o advogado Pedro Dallari, que coordenou a CNV em 2013 e 2014.

A geopolítica do pós-pandemia – Editorial | O Estado de S. Paulo

No auge da guerra fria entre os Estados Unidos e a então União Soviética, dizia-se que apenas uma grande e inesperada ameaça comum, como uma invasão alienígena, seria capaz de unir as duas superpotências em torno de um projeto de cooperação global. Hoje o planeta se vê às voltas com um problema bem mais concreto e letal do que um ataque de marcianos hostis, a pandemia de covid-19, mas nem Donald Trump nem Xi Jinping parecem dispostos a conduzir um entendimento entre os Estados Unidos e a China, os superpoderosos do século 21, na direção de um plano global para enfrentamento dos efeitos da doença.

E quão profundos serão esses efeitos no atual equilíbrio geopolítico? O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em parceria com o Instituto Fernando Henrique Cardoso, realizou um webinar para tratar do tema com Joseph Nye, professor emérito e ex-reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard, o embaixador Sérgio Amaral e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Política ambiental multiplica os riscos para o agronegócio – Editorial | O Globo

Grupo que representa US$ 4 trilhões em ativos advertiu governo sobre incertezas para investir no país

Governo e Congresso dão sinais de que pretendem se concentrar, a partir de agosto, no necessário equilíbrio fiscal, com reforma tributária, renda mínima e privatizações. É inquestionável a relevância dessa agenda. Porém, será incompleta e à margem do redesenho do capitalismo no mundo pós-pandemia, se no topo não estiver a mudança de rumo na política ambiental.

Deixou de ser opção de governança, porque se acumulam ameaças ao país, cujas fragilidades econômicas já estão expostas. Tem razão o presidente do grupo Itaú Unibanco, Candido Bracher, que alertou: “As consequências do perigo ambiental até podem vir de uma maneira mais lenta do que o da Covid-19, mas são mais duradouras e difíceis de reverter. Precisamos nos mover contra isso.”

Um grupo de 29 instituições (US$ 4 trilhões em ativos) de Estados Unidos, Japão, França, Reino Unido, Noruega, Suécia, Dinamarca e Holanda advertiu o governo, por escrito, a respeito da “incerteza generalizada sobre as condições de se investir ou fornecer serviços” no país. Repetiu o aviso já dado por 230 fundos globais.

MEC sem partido – Editorial | Folha de S. Paulo

Novo ministro, com currículo em xeque, acertará se de fato adotar gestão técnica

Dado o ambiente de conflagração instituído pelo governo Jair Bolsonaro na gestão do ensino no país, as palavras iniciais do novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, representaram um alento.

Ainda que o escolhido já esteja às voltas com questionamentos a suas credenciais acadêmicas, importa mais, a esta altura, a sinalização de um MEC mais propenso ao diálogo com o setor —e menos a escaramuças ideológicas pueris ao gosto da militância bolsonarista.

Em outro contexto, soariam como meras platitudes as declarações de Decotelli em favor de trabalho, projetos e respeito ao marco regulatório da educação. Depois da trágica passagem de Abraham Weintraub pela pasta, porém, mostras de temperança e disposição produtiva são boas-novas.

É prematuro, decerto, apostar numa guinada rumo à racionalidade. Parece mais prudente interpretar a nomeação à luz de uma espécie de recuo tático ainda incipiente de Bolsonaro, que tem feito movimentos no sentido de distensionar a cena política e institucional.

Decotelli, informa-se em Brasília, contou com o aval da ala militar do governo, tem perfil conciliador e não desagradaria aos políticos do centrão nem aos discípulos do ideólogo Olavo de Carvalho que atravancam o ministério.

BC recria o direcionamento de crédito para empresas – Editorial | Valor Econômico

O direcionamento de crédito é uma solução tolerável, mas deve ser transitória

O Banco Central se afastou dos dogmas liberais no mais recente pacote de crédito, anunciado na semana passada, ao estabelecer uma punição para as instituições financeiras que não sacarem recursos dos depósitos compulsórios para emprestarem para as micro, pequenas e médias empresas. É o tipo de ação pragmática compreensível numa crise sem precedentes como a atual. Mas será importante não perder a direção de longo prazo de reduzir gradualmente o sistema de crédito direcionado no país.

Depois de forte aumento em março, o crédito começou a perder fôlego a partir de abril. Segundo dados dessazonalizados do Banco Central, as concessões de empréstimos e financiamentos a pessoas jurídicas tiveram uma expansão de 29% em março, seguida de quedas de 22% em abril e de 6% em maio.

O crédito foi distribuído de forma desigual. As grandes empresas, que antes vinham se financiando no mercado de capitais e tinham linhas de crédito abertas com os bancos, saíram na frente e absorveram boa parte dos recursos disponíveis. As operações com empresas de menor porte também aumentaram, mas muito abaixo da demanda, gerando a sensação generalizada de falta de crédito para o segmento.