segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Obama: a alegria das pessoas

Nadia Urbinati
Tradução: A. Veiga Fialho
Fonte: GRAMSCI E O BRASIL


A alegria das pessoas, brancas e negras, hispânicas e asiáticas, por causa da bela vitória de Barack Hussein Obama como quadragésimo quarto presidente dos Estados Unidos da América é a prova mais eloqüente da força da igualdade democrática. A história de Obama é como um microcosmo no qual se concentra a história da democracia ocidental — da qual a democracia americana é ao mesmo tempo um paradigma e uma exceção. Uma história que começou no momento em que a servidão e a escravidão foram denunciadas como injustas e depois abolidas; e que caminhou com muitíssimas dificuldades e sem descanso nas asas de revoluções, novas constituições e reformas. Caminhou em dois trilhos que se cruzam: o das regras e o dos costumes morais e civis. A política das oportunidades iguais teve e tem inimigos encarniçados — aqueles que vivem em condições sociais de privilégio e vêem na igualdade um atentado ao seu status. Quem pensa que a igualdade é um valor neutro não pode nem sabe explicar esta obstinada e permanente resistência contra ela. E todos aqueles que interpretam a vitória de Obama como um sinal de pós-ideologia ou mesmo de cultura política pós-liberal não compreenderam nada nem da América nem da história atribulada da democracia.

A igualdade não é um dado natural. Todo indivíduo é diferente, assim como diferente para cada um é o modo de sentir e chorar, amar, nascer e morrer. A igualdade é um projeto e um ideal que caminha com as pernas de pessoas e povos, os quais reivindicam dignidade e direitos para poder viver a diversidade própria de cada qual. Inverter os arranjos hierárquicos, fazer a lei encarnar não o interesse dos poderosos que a impõem com a força, decretando como justo o que é só o seu interesse, mas a expressão e a norma de uma sociedade de pessoas que querem estar juntas segundo um pacto de igualdade civil (civil, precisamente, porque não natural). A vitória de Obama é um sinal desta luta, mas não a sua conclusão ou o seu fim.

As sociedades democráticas estão dilaceradas pela luta (que, certamente, não é nova) entre os poucos que querem desigualdade e privilégio, em detrimento de muitos, e os muitos que — quando têm consciência do que está em jogo — querem desfrutar de iguais oportunidades para poderem se pôr à prova e viver responsavelmente. Una a constituição, mas diversas as interpretações. E por trás destas diversas interpretações se oculta a aspiração política ou (insisto em usar esta palavra) ideológica: pró ou contra a igualdade, pró ou contra o privilégio. Obama obteve uma ampla maioria, mas não a unanimidade. É o presidente de todos os americanos, mas nem todos compartilham sua mensagem de igualdade. A igualdade de oportunidades, que em todo comício pôs na base da sua extraordinária e argumentada retórica, é o sinal de que precisamente nesta fronteira, hoje, combate-se a batalha política da cidadania democrática. Talvez em razão da consciência de que os recursos são mesmo escassos, talvez porque gozar de privilégios de todo modo é aprazível, o fato é que o otimismo com o qual a democracia se consolidou nos anos da reconstrução do segundo pós-guerra cedeu lugar a um sábio pessimismo sobre as grandes dificuldades que ela tem para se manter fiel às próprias promessas.

Obama representa este pessimismo da razão, porque sabe muito bem, e o disse até no discurso de Chicago na noite da vitória, que são necessários muitos anos (talvez mais de um mandato, como que querendo se recandidatar) para retificar uma condição de mal-estar e desigualdade que se tornou preocupante porque se amplia rapidamente. A força da vontade lhe vem da história e do seu país. Porque é verdade que a América nasceu com este fundamentado objetivo, desde quando os primeiros europeus andrajosos se estabeleceram nas costas da Nova Inglaterra: o objetivo de não ser submetidos, de viver com dignidade humana e não sofrer o domínio e o ultraje de ninguém. Obama é o sinal desta ética, desta idéia de igualdade e respeito do indivíduo: venceu justamente naquela parte da sociedade americana que mais sofreu violência, injustiça e ultraje. A escravidão é o oposto extremo da igualdade democrática. Obama conquistou a Virgínia, onde começou a guerra civil (desejada pelos estados do Sul para conservar a escravidão) e onde se abrigou a contradição mais gritante da nossa modernidade: porque a Virgínia é o estado de Thomas Jefferson, o pai espiritual da igualdade e da razão iluminista e também, no entanto, o proprietário de escravos que sinceramente não considerava os negros como iguais. A democracia se desenvolveu nos interstícios desta contradição, e agora Obama, primeiro democrata em muitíssimo tempo, conquistou a Virgínia, ele que vem de Illinois, o estado de Abraham Lincoln. Como se pode ler tudo isso como pós-política, pós-cultura liberal ou pós-ideologia?

O sonho americano que se materializou em Obama (e está presente como um mito na biografia e no imaginário de milhões) é uma grande idéia de modo algum neutra — a idéia de que todos nós podemos, se o quisermos, viver como iguais, mesmo não o sendo e precisamente porque não o somos. O ethos da cultura “liberal” está todo aqui. Os seus inimigos são facilmente identificáveis e não estão de modo algum em retirada, tanto aqui nos Estados Unidos (onde a vitória de Obama é o início, não o fim de um percurso difícil) quanto nos nossos países tão pouco respeitadores da igualdade democrática, tão manipulados pelos vendedores de ilusão que devem às fáceis e nada iguais oportunidades muito da sua fortuna (e do nosso infortúnio).

Nadia Urbinati é professora de Ciência Política da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Lecionou também na Unicamp. É autora, entre outros, de Mill on Democracy: from the Athenian Polis to Representative Government (University of Chicago Press, 2002) e Representative Democracy: Principles and Genealogy (University of Chicago Press 2006).

Olhares cruzados


Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Com o sotaque gaúcho dos revolucionários de 1930, mais adiante Osvaldo Aranha denunciou o vazio de homens e idéias daquele Brasil assediado pelo atraso, com discussões intermináveis mas sem consistência de debate público. Com o passar do atropelado século 20, o brasileiro mudou – e para melhor – mas o país se complicou. Já foi moda ser publicamente oposição e governista em particular, principalmente em negócios. Agoniza a era das reformas que se perderam no debate estéril e radical, no curso sinuoso do caminho percorrido desde então. Quando não havia mais diferença a negociar, as reformas foram sendo preteridas politicamente. O tradicional jogo de empurra entre oposicionismo sistemático e governismo abusado resultou na única dialética que ajuda a explicar o Brasil aos brasileiros: os estrangeiros nos vêem com olhos europeus, de cima para baixo, e nós retribuímos, olhando-os de baixo para cima.

Do ponto de vista político, o que separa o Brasil atual e o anterior, do qual sobrou uma difusa lembrança, foi a reeleição. Não pelos presidentes (que não passam de dois) beneficiados pela acumulada vontade de votar do brasileiro. A vida nacional ficou órfã dos grandes temas que enchiam de qualidade representativa o espaço parlamentar. A definição, digamos platônica, das reformas de base ocupou meio século. A moda passou e, na falta de melhor assunto, a temporada se encerrou discretamente como convém aos interessados no atraso. Sem saldo, exceto os temas deixados à disposição da cidadania, coitada, que pouco tem a fazer na democracia deixada em mãos dos políticos. Os cidadãos já se sentem culpados por não saberem onde exatamente erraram.

O último tema que dá a medida estreita do atual pensamento político brasileiro é a aberração conhecida como terceiro mandato, que ia sendo administrado pelos áulicos, até que o presidente Lula, num assomo democrático, reagiu à maneira mais tempestuosa do seu estilo pessoal. Ainda que não fosse um deserto, o Brasil era no mínimo um árido cerrado onde atualmente a soja garante internacionalmente, pelo menos, liderança estatística.

Foi no vazio de que se alimentava a retórica política que, aos poucos, depois que a II Guerra Mundial se encerrou (e por aqui se replantou a democracia) que começou o período histórico das reformas. Antes de levá-las à pratica, tratou-se de discuti-las e, para cobrir todo o espaço nacional, a Câmara e o Senado foram os alto-falantes que deram aos brasileiros a consciência da necessidade de urgência para as reformas. A reforma agrária, com precedência histórica, se limitou à produção de retórica mas, como o tipo revolucionário não vive da atividade agrária, os invasores de terras esperam por um ministério exclusivo, com dotação orçamentária para garantir-lhes salários dignos e benefícios vários. A reforma agrária, como qualquer outra reforma, no século 21 deixou de ter parentesco com a idéia revolucionária e cuida mais de carteira de trabalho, assistência social, férias e aposentadoria.

A hora da verdade chegou para as reformas de que viveram os políticos para não deixar que saíssem do papel. Prevaleceu o princípio (não escrito) segundo o qual é melhor e mais produtivo sem revolução e sem reformas. Foi-se a alternativa à idéia de revolução. Não foi por convicção que as esquerdas tiveram acesso ao poder, nem precisaram se flexibilizar pela direita. Foi pela perda de cerimônia. A solução prática veio a ser a eqüidistância entre os princípios revolucionários e os paliativos clássicos. As invasões de latifúndios estão mais para desafio político ao princípio da autoridade do que para a redistribuição de terra a quem não tenha nenhuma. A única reforma digna do conceito histórico continua a ser a de títulos bancários.

A reeleição foi uma intrusa que só veio ao Brasil para viabilizar hipocritamente o mandato de quatro anos, que na prática se reduzia a dois anos aproveitáveis. O primeiro reservado à montagem do ministério, mediante negociação escabrosa, e o último, à arrumação de gavetas. O quadriênio foi enterrado com a República Velha e exumado para facilitar o contrabando da reeleição, que veio em caráter experimental e foi ficando. Falta um imitador de Cícero se levantar e perguntar, em nome dos eleitores, até quando – mesmo limitada a uma vez – a reeleição abusará da nossa paciência.

Temor da crise alimenta a sucessão

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

SÃO PAULO - Ainda longe de definirem quem serão seus candidatos à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, petistas e tucanos já escolheram o principal tema da pré-campanha eleitoral: a crise do sistema financeiro. Em eventos realizados no final de semana em São Paulo, líderes como os petistas Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, e o tucano Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República, orientaram prefeitos e vereadores eleitos de seus partidos sobre como atuar em um cenário de crise.

Os tucanos deixaram claro que enxergam nas prováveis dificuldades a serem enfrentadas pelo governo federal petista uma janela de oportunidades para seu candidato em 2010, seja ele o governador José Serra (São Paulo) ou seu colega Aécio Neves (Minas Gerais). Serra e FHC avaliaram que a crise atingiu o coração do sistema capitalista e deverá ter seus efeitos sentidos com mais intensidade no Brasil no ano que vem, o que obrigará Lula a descer do palanque para governar. Para eles, o PSDB não deve apostar no “quanto pior, melhor”, mas será agressivo na fiscalização.

Sábado, falando para cerca de 400 militantes tucanos, FHC foi irônico: “O PSDB tem que dar apoio às medidas necessárias, mas não um cheque em branco. Nosso presidente, que é um grande economista, foi o primeiro a difundir esta teoria. Aqui é uma ilha, se vier a crise, vem marola. Nós sentimos já o efeito da crise sob duas formas: a questão financeira, porque os bancos tiveram problemas, e a diminuição da exportação”, disse.

A ministra da Casa Civil, nome mais cotado no PT para disputar a sucessão de Lula, procurou tranqüilizar os prefeitos eleitos de seu partido no Estado. Foram 64, e é onde ela precisa aumentar seu apoio interno. “Nós não quebramos e não vamos quebrar. Somos parte da solução. Vamos manter o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e os investimentos no pré-sal (petróleo)”, afirmou.

FH tem pressa em definir candidato

DEU NO ZERO HORA (RS)

Para ex-presidente tucanos devem enfatizar críticas a governo Lula

Presidente de honra do PSDB, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso deu a largada nos preparativos do partido para a eleição de 2010.

Num discurso forte, no qual se referiu ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como traidor do povo brasileiro, FH defendeu, no sábado, que o PSDB apresente à sociedade já no ano que vem – até o início do segundo semestre – um único candidato à sucessão do petista no Palácio do Planalto. Ele não descarta a convenção como mecanismo de escolha.

– É cedo para definir (esse nome) agora, mas não é cedo para iniciar as conversas entre nós. Se houver divisão, fazemos a convenção. Mas (o partido) tem de ter um candidato. Caso contrário, as forças da sociedade não têm por onde ecoar. Nós temos de apresentar o outro lado – enfatizou.

O ex-presidente, no entanto, não quis citar nomes:

– Nós temos vários líderes com essa capacidade de despertar entusiasmo nos nossos militantes. Essa é a única coisa que eu quero fazer, ajudar a formar essa visão que incorpore alguém – afirmou ele em São Paulo, em evento para uma platéia de 400 pessoas, entre prefeitos e vereadores eleitos do PSDB no Estado.

Antes de iniciar seu discurso, FH fez questão de informar que havia jantado com o governador de São Paulo, José Serra, na madrugada anterior. O paulista trava disputa interna com o mineiro Aécio Neves pelo direito de concorrer à Presidência pela chapa tucana. O ex-presidente também deve se reunir com Aécio nos próximos dias.

Ao argumentar que o candidato será “a voz” do que o PSDB planeja para o futuro, FH incitou os tucanos a acirrar o tom crítico em relação ao governo. Apesar de dizer que o foco não deve ser a crítica pessoal ao presidente Lula, ele próprio foi incisivo:

– Não precisamos ser agressivos com ninguém. Mas nem por isso vamos dizer que tudo o que seu mestre fala está certo. Temos de dizer: o rei está nu, aqui, ali, acolá. Põe a roupa, presidente.


Que não nos matem


Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


No último dia 19, matéria de Amaro Grassi na "Folha de S.Paulo" informava sobre relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento relativo a pesquisa executada entre novembro de 2005 e dezembro de 2007 junto a amplas amostras da população dos países da América Latina e do Caribe. O foco da pesquisa são as atitudes com respeito ao desenvolvimento, e seu coordenador, Eduardo Lora, aponta como conclusões mais importantes o que descreve como dois paradoxos: o "paradoxo do crescimento econômico infeliz", segundo o qual o crescimento acelerado aumenta as expectativas por melhores condições de vida e acaba por produzir frustração e insatisfação, e o "paradoxo da aspiração", que aponta para o fato de que os mais pobres e menos escolarizados avaliam de maneira mais positiva os serviços públicos de saúde e educação do que os ricos e de maior escolaridade.

O mecanismo de psicologia coletiva desvendado pela pesquisa do BID é velho conhecido da sociologia. Sem falar de textos clássicos em que a mesma intuição aparecia havia muito, famosas constatações feitas por Samuel Stouffer e colaboradores em extenso estudo conduzido entre os soldados americanos durante a Segunda Guerra Mundial incluíam, por exemplo, a de que a satisfação com as chances de promoção era menor entre as unidades em que, de fato, a taxa de promoções era mais elevada, levando os autores a cunhar a noção, mais tarde freqüentemente retomada e elaborada, de sentimento de "privação relativa": o que determina a satisfação com as condições de que se dispõe não é o caráter que apresentam em termos "objetivos" ou "absolutos", mas sim o que resulta da comparação com os outros - e com os "outros" percebidos como relevantes, os do meu regimento, batalhão ou companhia, os da minha vizinhança, os meus "iguais" em algum sentido. Há, por um lado, as simples "comparações invejosas", em que a proximidade é crucial; mas há também o sentimento de ser vítima de injustiça, cuja ocorrência requer que eu possa avaliar o fato de ser tratado desigualmente (pelos outros, pela sociedade) num quadro em que me perceba antes de tudo como igual aos demais.

O desdobramento de importância sociológica - e política - consiste em que o processo de desenvolvimento econômico e de mobilização social que o acompanha (urbanização, exposição aos meios de comunicação, maior acesso a informações) tende a romper a segmentação da sociedade tradicional e a levar a percepção de igualdade básica a operar de maneira mais extensa, e assim ao conseqüente aumento das aspirações e expectativas. Naturalmente, num caso como o do Brasil, com o legado da longa experiência escravista, a segmentação tradicional é grandemente intensificada, além de contar com o complicador de que os segmentos estratificados se associem com traços físicos de alta visibilidade. A conseqüência é que a psicologia da sociedade de castas, em que o lugar que compete a cada um é reconhecido por todos, incluídos os "menos iguais", tenda a mostrar-se viscosa e resiliente. Não admira, assim, que o "paradoxo da aspiração" do estudo do BID seja constatado há tempos no país: minhas próprias análises de dados de sete capitais brasileiras de anos atrás (1982), por exemplo, mostram claramente a tendência a que a satisfação com as políticas econômico-sociais do governo (combate à alta do custo de vida, solução do problema do desemprego ou do "salário") fosse maior nos níveis mais baixos de renda familiar - com a exceção reveladora de Porto Alegre, capital socialmente menos heterogênea, onde surge mesmo, ao contrário, alguma tendência a que a descida nos níveis de renda faça aumentar a insatisfação. É certamente consistente com a feição negativa do quadro geral o fato, apontado em pesquisa recente da Fundação Seade e do Dieese e divulgado pela "Folha de S.Paulo" do mesmo dia 19, de que a renda do trabalhador negro na Grande São Paulo seja ainda hoje a metade da do trabalhador não-negro.

Por certo, há um outro lado. Afinal, há coisas como o Dia da Consciência Negra, há boas iniciativas na área de políticas sociais, há incipiente redistribuição econômica. O problema está em que, à parte a grande crise mundial e suas ameaças, a difusão do sentido de igualdade acarretada pelas transformações do último século tenham preservado uma estrutura social de desigualdade e precárias vias de ascensão social para muitos, com as aspirações novas desaguando não na mera insatisfação do "crescimento infeliz", mas no sentimento de injustiça e na violência crescente.

Tempos atrás, em simpósio no México, o cientista político Adam Przeworski bradava, a propósito da implantação e consolidação da democracia, que "o importante é que não nos matem!" Sua intenção era propor a adesão a uma concepção de democracia cuja ênfase se dirigisse à garantia dos direitos civis, em contraste com a truculência de governos autoritários e violentos, em vez de uma concepção demasiado ambiciosa de democracia "substantiva" marcada por um radicalismo analiticamente confuso e praticamente talvez paralisante. Que dizer, porém, quando o Estado não é senão um ator inepto (ainda que a inépcia o torne às vezes também parceiro ou cúmplice) num quadro de violência em que as privações e frustrações levam a que os próprios cidadãos se matem uns aos outros - especialmente os cidadãos de segunda categoria, sem vias de acesso à primeira?

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

A crise acabou em samba

O carioca tranforma tudo em gozação: até a crise vira samba. Vejam a marchina de carnaval que vai animar o desfile da Banda da Barra, 2009.


A bolha do Bush estourou

A crise no mundo eclodiu

A baguete na França faltou

Caviar lá na França sumiu

Na China o arroz azedou

Na Itália faltou macarrão

A batata-inglesa assou

Brochou o salsichão do alemão

No Brasil tá tudo bem

Faz da crise carnaval

Tem mulata e cerveja

Tira-gosto é pré-sal.

A economia mundial em 2009


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Chegamos ao último mês de 2008 com uma crescente sensação de incerteza e de medo dominando os mercados. Nas últimas semanas, mesmo as pequenas vitórias alcançadas recentemente pelos bancos centrais das maiores economias do mundo, parecem em perigo. Voltamos no tempo, com a especulação com as ações dos maiores bancos dos Estados Unidos de novo na ordem do dia. Da mesma forma, os prêmios de risco nos mercados de crédito privado, depois de um período de calma, estão em forte elevação novamente.

A crise financeira espalha-se como uma metástase, levando pânico aos mercados e arrastando em sua marcha as maiores economias do mundo. As revisões para baixo do crescimento em 2009 ocorrem com uma freqüência e intensidade assustadora. Na Europa, as pesquisas sobre a atividade industrial em novembro - os chamados PMI - apresentaram resultados decepcionantes. O PIB do espaço europeu deve cair mais de 2% (taxa anualizada) no último trimestre do ano. Nos Estados Unidos as informações mais recentes sobre o mercado de trabalho e a atividade industrial são catastróficas e o PIB pode cair até 5% no quarto trimestre. As projeções para a taxa de desemprego em 2009 já atingem a incrível cifra de 8,5%.

No mercado financeiro já há análises que contemplam o cenário de depressão econômica como uma possibilidade concreta. Especula-se sobre qual seria o papel das autoridades monetárias em uma situação como esta e a necessidade de uma articulação dos governos, muito mais forte do que a que foi desenhada no último encontro do G-20, fica mais nítida. A queda vigorosa dos juros dos papéis públicos no G-7 é a evidência que o mercado considera seriamente os riscos de economia em depressão. Os juros de intervenção do Banco Central devem ir a zero nos Estados Unidos e em outras economias desenvolvidas se este cenário vingar.

Outro sinal claro de que uma depressão passa a ser vista como possível é a queda das cotações do petróleo e de seus derivados. O mesmo ocorre com outras commodities importantes. No mesmo sentido, os últimos dados nos Estados Unidos parecem indicar que as empresas estão adotando uma política mais agressiva de redução de seus efetivos. Os números de inflação para os próximos meses devem caminhar certamente para o território negativo.

Estes são indicadores fortes na direção de uma mudança importante no grau da desaceleração econômica que se espalha pelo mundo. Sabemos que existe grande diferença entre uma recessão e uma depressão econômica. Em particular, a deflação de crédito leva a economia a sofrer descontinuidades, com oscilações grandes na produção e no emprego. O manual de sobrevivência a uma recessão normal é conhecido por muitos e já provado em vários momentos; no caso de uma espiral de deflação de crédito os ensinamentos e procedimentos conhecidos e testados são poucos e os resultados concretos - como no caso do Japão - decepcionantes.

Na hipótese de uma depressão o grau de articulação das políticas econômicas das maiores economias do mundo deve ser muito maior do que a atual. O receituário definido na última reunião do G-20 em Washington pode ser o ponto inicial para uma ação no caso de recessão econômica de proporções intermediárias. Mas certamente é muito pouco para enfrentar um cenário de depressão. Como sempre ocorre quando se tem necessidade de ações políticas dos governos, o risco hoje é disto ocorrer apenas quando for muito tarde.

As lições de 2008 são muito fortes. Não estaríamos vivendo o risco de uma depressão se o comportamento dos governos - principalmente a Casa Branca - tivesse sido diferente. Mesmo os bancos centrais sempre estiveram correndo atrás dos fatos. Não existem mais dúvidas de que a falência do banco de investimento Lehman Brothers foi o momento em que a crise bancária mudou de qualidade e intensidade.

Mas outros momentos de indecisão e leitura errada da crise ocorreram também. Cito a que mais me incomoda hoje: em março passado um grupo de membros da Câmara de Representantes dos Estados Unidos produziu uma proposta para diminuir o número de foreclosures (retomadas de casas com hipotecas inadimplentes) e estabilizar o mercado de hipotecas. O presidente Bush por razões ideológicas, com sua ameaça de veto, paralisou o processo de aprovação. Somente na próxima legislatura e com um novo presidente na Casa Branca é que se deve chegar a um bom termo nesta questão. Cabe aqui a expressão inglesa: Too Little Too Late.

Com o governo Bush paralisado e, com o presidente eleito Barack Obama ainda montando sua equipe de governo, viveremos nas próximas semanas um vazio de poder muito perigoso. A economia tem um tempo seu e deve passar por um período de desaceleração ainda maior até que a Casa Branca volte a liderar um processo de estabilização difícil e incerto. Fora dos Estados Unidos, passado o encontro do G-20, os governantes voltaram a lidar com seus problemas domésticos. Isto é muito assustador.

Tenho algumas referências para acompanhar esta possível transição de uma grave recessão econômica para uma verdadeira depressão. Um deles, de mais curto prazo, é o chamado CRB, índice que representa uma cesta das mais importantes commodities negociadas. Até o limite de 250 estaremos vivendo o cenário de recessão econômica cíclica. Se o CRB vier abaixo de 200 estaremos certamente cruzando a fronteira tão temida.

O que representam para o Brasil estes dois números de referência? Se o CRB se mantiver perto de 250 podemos esperar uma desaceleração de nosso crescimento para algo próximo a 2,5% em 2009, com o PIB voltando a crescer cerca de 4% em 2010. Mas se o CRB cair abaixo do número mágico de 200, o cenário para nossa economia será muito mais agressivo. O Brasil depende hoje de exportações de commodities para financiar um fluxo importante de importações, sem criar um déficit muito grande em suas contas externas. Com um colapso ainda maior de commodities seria necessária uma redução bastante significativa de nossas importações para que isto fosse conseguido. A solução deste quebra cabeça só seria possível com um crescimento inferior a 2%.

Quando escrevo esta coluna o CRB está a 232...

Luiz Carlos Mendonça de Barros , engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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