DEU EM O GLOBOA agressividade com que a candidata oficial, Dilma Rousseff, estreou na sua campanha solo, longe dos cuidados do padrinho Lula, demonstra uma ansiedade própria dos que, sem experiência pessoal anterior, querem fazer tudo ao mesmo tempo, colocando a perder o que já têm.
O caso do estímulo a um suposto voto Dilmasia é típico. Essas traições eleitorais consentidas acontecem quando elas têm a força de um fato consumado, nascem da base para o alto, nunca o contrário.
Na eleição presidencial de 1960, Jango, candidato a vice na chapa do Marechal Henrique Lott, acabou sendo eleito numa dobradinha com Jânio Quadros.
O fenômeno "jangar" tomou conta das ruas, e Jânio, mesmo na oposição a JK, estimulou a chapa popularmente conhecida por Jan-Jan, abandonando seu vice Milton Campos.
Naquela época votava-se no vice separadamente do presidente, ao contrário de hoje - como bem lembrou Aécio Neves -, quando o nome do vice nem aparece na tela da máquina de votar.
Jango já fora eleito vice na eleição anterior, tendo mais votos que Juscelino para presidente. Lula e Aécio são fenômenos eleitorais. O governador mineiro por enquanto circunscrito a Minas; daí o voto Lulécio nas eleições de 2002 e 2006.
Não é o mesmo que acontece com Dilma, que a cada dia marca mais sua presença no cenário político como um apêndice do presidente Lula, sem luz própria.
A semente da discórdia já foi lançada em solo mineiro pela desastrada declaração de Dilma, incentivando a traição no voto Dilmasia que foi rejeitado com polidez mas firmeza pelo governador mineiro, Antonio Anastasia, candidato à reeleição.
E o candidato do PMDB, Hélio Costa, que lidera as pesquisas e enfrenta uma disputa com o PT mineiro, já sugeriu a chapa Serrélio, insinuando uma aproximação com o candidato tucano, que pode vir a se tornar realidade se o PT insistir em ter candidato próprio.
Anastasia, que por sinal é também um neófito em campanhas eleitorais mas parece ser mais cauteloso que Dilma, chamou a atenção para um fato que a candidata oficial parece desconhecer: cada eleição tem suas circunstâncias, e as de hoje não são as da eleição anterior.
Mesmo porque desta vez Aécio Neves está disputando o controle político do estado com o grupo governista, e não lhe basta se eleger para o Senado.
Tem que fazer seu sucessor e preferencialmente ajudar seu partido a eleger o presidente da República, para que possa chegar a Brasília como o grande eleitor de Serra e se impor na aliança governista como o líder inconteste.
Além disso, mesmo que insista no argumento de que ajudará mais o PSDB como candidato ao Senado, até junho pode se convencer de que sua presença na chapa do partido, como vice de Serra, define uma eleição apertada e lhe dará a visibilidade nacional que falta neste momento.
Até junho, apenas três fatos políticos podem mexer com a campanha presidencial antes da propaganda oficial de rádio e televisão: duas, que dependem do PSDB, como o lançamento da candidatura de Serra, que acontecerá amanhã em Brasília, e a escolha de seu vice.
A terceira é a oficialização da retirada da candidatura de Ciro Gomes, do PSB, à Presidência, o que sempre tem aumentado a diferença de Serra para Dilma.
Ao contrário, nada de novo está para acontecer até as convenções de junho a favor de Dilma, que continuará dependente da popularidade de Lula, ou "lulodependente".
Mesmo a escolha de seu vice não mudará nada se for confirmada a adesão oficial do PMDB, com a indicação do presidente da Câmara, Michel Temer. Mas se a unidade do PMDB se desfizer devido a alianças políticas frágeis, esta será uma notícia negativa para a candidata oficial.
É por essa razão que a situação na corrida presidencial tende a se manter estável, com uma dianteira média do candidato tucano de cinco pontos percentuais, variando de acordo com o instituto de pesquisa e seus métodos.
Uns institutos apertam essa diferença para 3 a 4 pontos, outros a alargam para até 9 ou 10 pontos.
O que parece certo é que até o momento o eleitorado tem se mantido dentro das previsões, com a candidata oficial recebendo cerca de 30% dos votos; o candidato oposicionista, na faixa dos 35%; e outro terço do eleitorado se mantendo indefinido, à espera da campanha propriamente dita, depois da Copa do Mundo.
Isso demonstra também que, mesmo tendo até 80% de avaliação positiva nas pesquisas, o presidente Lula dificilmente transformará sua popularidade em votos para Dilma.
Há uma parte da eleição que só pode ser feita pelo próprio candidato, que tem que convencer o eleitor de que ele é melhor alternativa que seu adversário. Mesmo porque a mesma pessoa que acha bom o governo Lula pode considerar que Dilma não é a pessoa certa para dar continuidade a ele.
É nesse aparente paradoxo que está apostando o candidato tucano, José Serra, que pretende receber o voto de eleitores que, gostando do governo Lula, não são fanáticos a ponto de seguirem cegamente as ordens do líder.
Também Dilma teme essa tática, e tenta evitar que dê certo chamando de "lobo em pelo de cordeiro" o oposicionista que diz que vai continuar o governo Lula.
Assim como Lula prometeu mudar tudo e manteve o essencial, que é a política econômica, agora Serra acena a esse eleitorado ainda não definido com um governo de continuidade mas que mudará o essencial, isto é, não terá o PT.
Dilma tem mostrado, por enquanto, sua faceta mais dura e uma submissão a Lula que pode dar segurança aos seguidores de Lula mais fanáticos, mas também colocar em dúvida eleitores mais independentes.
Serra se apresentará amanhã como um moderado com experiência política e administrativa.
Esse parece ser o ponto decisivo dessa eleição: o eleitor quer experimentar um governo do PT sem Lula como mediador?