terça-feira, 28 de julho de 2020

Merval Pereira - “Muita gente com o rabo preso”

- O Globo

Para ex-presidente do Banco do Brasil, ‘criar dificuldades para vender facilidades é a regra’ em Brasília

O economista Rubem Novaes, que pediu demissão da presidência do Banco do Brasil dias atrás, resume com a seguinte frase o ambiente político de Brasília, uma das razões que o fez pedir para sair: “Muita gente com rabo preso trocando proteção”. Para Novaes, a cultura política em Brasília piorou muito ao longo do tempo, mas ele não aceita citar casos concretos. Afirma apenas que tudo começou na reeleição do Fernando Henrique Cardoso “e piorou muito nos anos do PT com mensalões e petrolões”.

Para ele, "criar dificuldades para vender facilidades é a regra” e, além disso, “temos os privilégios e compadrios”. Ele cita o presidente do PTB Roberto Jefferson como sendo hoje “o melhor cronista dos bastidores planaltinos”.

Novaes insiste em que nenhum fato específico levou à sua renúncia, “pois desde junho converso com o Paulo sobre a minha saída”. E nega que tenha sofrido alguma pressão de políticos: “No BB, não. Todos sabiam qual seria a minha reação”. Mas cita a decisão do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), de impedir a propaganda digital do Banco do Brasil como “um dos maiores absurdos já ocorridos na administração pública federal. Quem pagará pelos prejuízos?”.

Novaes se refere à decisão do TCU de maio, quando proibiu o Banco do Brasil de fazer anúncios em sites na internet que veiculem fake news. A decisão do ministro Bruno Dantas, aprovada por maioria no plenário, deveu-se a pedido do Ministério Público de Contas, contra interferência do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, na área de comunicação social do banco.

Eliane Cantanhêde - O candidato Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

O governo vai mal, mas a campanha de Bolsonaro à reeleição vai muito bem, obrigada

O governo vai mal, mas a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição vai de vento em popa, repetindo os acertos de 2018, mas adaptando o candidato, os aliados, o discurso e as armas às circunstâncias de 2022. O pragmatismo, para evitar o impeachment e garantir maioria parlamentar, mira não só o presente e a governabilidade, mas também o futuro e a sucessão.

Depois de usar o “Jairzinho Paz e Amor” e o retiro da covid-19 para pontes com Judiciário e Legislativo e desanuviar o ambiente político, Bolsonaro volta à rotina diferente. Menos ataques, mais diálogo. Em vez de dividir, somar. No varejo e no atacado: além de apoiadores no Alvorada, viagens pelo País. Segundo o Estadão, Bolsonaro até liberou o funcionamento de 440 rádios comunitárias em março e abril, recorde na década. Para tocar música é que não é...

O “Paz e Amor” passou no primeiro teste: apesar de tudo, de todos e dele mesmo, Bolsonaro segurou seu patamar nas pesquisas, em torno de 30%, e até recuperou uns pontinhos. Mas, na estratégia para 2022, é preciso, a cada desastre, um culpado: governadores, prefeitos e Supremo pelos agora quase 90 mil mortos, o vice Hamilton Mourão pelo desmatamento da Amazônia, Ricardo Salles pelo desmanche do ambiente...

Na mesma toada, transformar derrotas em vitórias. O governo foi contra o Fundeb, apresentou um monstrengo de uma última hora e só se rendeu porque perderia feio. Confirmado o fiasco, cria-se a narrativa: o governo venceu! Um governo da ajuda emergencial de R$ 600 não ficaria contra um fundo para o ensino de milhões de crianças pobres, não é? Os 30% bolsonaristas acreditam piamente. E os beneficiários agregam pontos a esses 30%.

Carlos Andreazza - No gogó da ema

- O Globo

Hidroxicloroquina é a salvação para bolsonaristas

Temos um remédio santificado entre nós. Não importarão quantos estudos lhe indicarem a ineficiência, temos — teremos, ecoando no zap profundo — um medicamento santificado, glorificado, comungado no altar do Alvorada. A cloroquina salva. A cloroquina salva. A cloroquina salva. O próprio retrato de um Brasil — mui influente — que é teórico da conspiração e negacionista.

Não interessa a ciência — essa senhora formal — que testa, pondera e contraindica. A ciência que prudentemente informa, com base na experiência, assim: são muitos os indicativos de que não sirva — podendo até fazer mal se aplicado — para combater a Covid-19. Não importam os estudos. A fotografia do estado espiritual de nossa sociedade vai toda nesta inabalável afirmação de fé: a hidroxicloroquina é a salvação negada pelos que torcem pela doença e contra Bolsonaro.

Então, de repente, tínhamos — temos — um remédio patriota que seria agente político da direita na luta contra o vírus chinês, o agente político inimigo conspirador comunista. A hidroxicloroquina como a própria infantaria conservadora no campo de batalha da guerra cultural, de cuja fantasia depende a existência do bolsonarismo.

Esse esquema propagandístico prosperou e prospera ainda. A cloroquina salva. A cloroquina salva. A cloroquina salva. Jair salva. E que não subestimemos a percepção popular a partir da campanha de desinformação bolsonarista: um medicamento — a solução contra a peste — que se queria ministrar para a população, que se poderia ministrar para a população, mas que foi desqualificado por uma concertação do establishment, disposto mesmo a matar brasileiros em troca de não deixar que o remédio de Bolsonaro mostrasse seu efeito curador. Tudo para que ele, Jair, não triunfasse.

O culto à desconfiança venceu.

José Casado - Um lobby de alto risco

- O Globo

Bolsonaro interferiu em disputa da Universal em Angola

Jair Bolsonaro deu impulso a um lobby assumindo o risco de criar uma crise nas relações com Angola.

Ele pediu a interferência do presidente João Lourenço na disputa local da Igreja Universal do Reino de Deus, uma sociedade angolana de direito privado. Lourenço respondeu-lhe na semana passada: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.

A Universal enfrenta um cisma em Angola. Mês passado 85 templos foram assumidos por pastores angolanos em rebelião contra a liderança brasileira. Há sete meses 320 deles justificaram a separação com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. As investigações seguem.

Rupturas fazem parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia. Ela emergiu no Rio no vigor do movimento evangélico, que cresceu 540% em três décadas, para 42,2 milhões (Censo de 2010). Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja, partido, banco e rede de rádio e televisão.

Luiz Carlos Azedo - A desagregação do Centrão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Os líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do DEM, Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas é muito cedo para se lançarem à disputa“

O MDB e o DEM anunciaram, ontem, que deixarão o Centrão, bloco de 221 parlamentares formado pelos seguintes partidos: PTB, PP, Solidariedade, PRB, PSD, MDB, PR, Podemos, Pros e Avante. Com a saída das duas legendas, a bancada comandada pelo líder do Progressistas, Arthur Lira (AL), nome de preferência do presidente Jair Bolsonaro para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara, passará a contar com 158 deputados. Ocorre que o PSD, com 35 deputados, e o PTB, com 11, também estão se preparando para desembarcar do Centrão. A candidatura de Lira ao comando da Casa virou suco.

Um dos artífices da aproximação do bloco com o Palácio do Planalto, Lira se lançou à sucessão de Maia antes da hora e acabou no sereno. Seu principal concorrente era o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP- PB), líder da maioria e relator da reforma tributária, que agora está cotado para ser o líder do governo na Câmara, no lugar do Major Vitor Hugo (PSL-GO). A operação é comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, como uma forma de acomodar a situação dentro do Progressista, mas a necessidade da troca de líder ainda não convenceu Bolsonaro.

Ricardo Noblat - O mistério que cerca a fuga de Weintraub para os Estados Unidos

- Blog do Noblat | Veja

Trama com as impressões digitais do Itamaraty
O que fez Abraham Weintraub sair do Brasil às carreiras quando sua demissão do cargo de ministro da Educação sequer tinha sido consumada? Foi o medo de ser preso de uma hora para outra por decisão do Supremo Tribunal Federal?

No dia 22 de abril último, durante a reunião ministerial que selaria o seu destino, Weintraub chamou os ministros do Supremo de “bando de vagabundos” que mereciam estar presos. Começou então a ser processado e até depôs à Polícia Federal.

No dia 18 de maio, em vídeo gravado ao lado do presidente Jair Bolsonaro, anunciou que acabara de pedir demissão, mas que participaria “nos próximos dias” do ato de transmissão do cargo para o novo ministro que ainda não fora escolhido.

Aqui começa a trama da qual participou o Itamaraty, que não chama de trama o que trama foi. O Itamaraty informa que naquele mesmo dia Weintraub ligou para o embaixador Ernesto Araújo dizendo que gostaria de viajar “rapidamente” a Washington.

No telefonema, contou a Araújo que assumiria o cargo de diretor do Banco Mundial destinado ao Brasil. De imediato, Araújo pediu à embaixada americana um visto de entrada para que Weintraub realizasse o seu desejo. Não se sabe se o visto foi concedido.

Andrea Jubé - No meio do caminho, tinha um Bolsonaro

- Valor Econômico

Ainda não surgiu quem representará o “antibolsonaro”

O recente cerco a dois próceres tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin - dois finalistas da corrida presidencial - leva o PSDB de novo às cordas, num momento em que o partido tenta se reerguer no plano nacional, mesmo com outro presidenciável, Aécio Neves, ainda no chão.

O novo disparo da Lava-Jato que atingiu o PSDB reforça o processo de esgarçamento do sistema partidário. Um movimento que eclodiu em 2013, com as incendiárias jornadas de junho, e teve o seu apogeu na eleição de Jair Bolsonaro, que embora sete vezes eleito deputado federal, convenceu o eleitor de que encarnava o “antipolítico”.

O advento da Lava-Jato em 2014, e o desdobramento das investigações nos anos seguintes, acentuaram a deterioração do sistema partidário. As eleições de 2016 foram marcadas pelo antipetismo: foi simbólica a derrota do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pelo candidato do PSDB, João Doria, ainda no primeiro turno.

Finalmente, em 2018, impulsionados pela descrença no sistema, pelo cansaço de “tudo isso que está aí”, 57 milhões de eleitores elegeram um candidato filiado a um partido inexpressivo, sem fundo partidário e tempo de propaganda no horário eleitoral.

Hélio Schwartsman - O futuro das universidades

- Folha de S. Paulo

Será que chegou a vez da educação superior?

A primeira vítima foi a indústria fonográfica. Depois vieram setores como o hoteleiro, o de mídia, transporte de passageiros, entretenimento etc. A conjunção de novas tecnologias com um espírito mais faça-você-mesmo por parte dos consumidores causou um terremoto nessas áreas. Será que chegou a vez da educação superior?

A pandemia paralisou as atividades presenciais na maioria dos cursos e causa um empobrecimento geral da sociedade. Isso está levando muitos alunos, especialmente os das caras universidades de elite dos EUA, a repensar o valor de seu investimento. Muitas instituições se preparam para o pior, e algumas já até começaram a demitir professores.

É claro que a educação é importante. Você não forma um médico sem ensinar-lhe uma série de conteúdos específicos. Ainda assim, o que as universidades vendem são pacotes que não oferecem apenas o acesso a um corpo de conhecimentos. Fazem parte do conjunto a experiência universitária, que inclui a oportunidade de travar relacionamentos com os futuros líderes do país, e, mais importante, o prestígio (e a empregabilidade) que um diploma de Harvard, por exemplo, confere a seu portador.

Pablo Ortellado* - Inação mantem o status quo

- Folha de S. Paulo

Celeridade da lei das fake news não permite pactuar as regras, mas regulação da moderação de conteúdo segue necessária

As regras que orientam o funcionamento das mídias sociais estão outra vez no coração do debate político. A regulamentação do seu funcionamento é um dos maiores desafios das políticas públicas e é efetivamente cheia de riscos —mas a inação, com a manutenção do status quo, é pior.

Há duas questões que são o cerne do problema. A primeira é que a liberdade de expressão, basilar para o funcionamento de uma democracia, às vezes entra em choque com outros direitos, como o direito das minorias, o direito à honra ou o direito à saúde. E esses direitos precisam ser equilibrados.

A segunda questão é que, na ausência de uma regulação pública, prevalece o autorregramento do setor privado, o que o jurista americano Lawrence Lessig imortalizou no slogan "code is law", ou seja, quem escreve o código do serviço regula o seu funcionamento.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O cancelamento é a negação da filosofia

- Folha de S. Paulo

Ser um pouco menos moralistas nas discussões nos ajudaria a construir uma sociedade melhor

"Cancelar" uma pessoa ou autor é, nos termos da discussão atual, destituí-lo de seu lugar no debate público ou na carreira profissional por conta de alguma discordância ideológica pontual.

Existe um certo exagero ao considerar que todo mundo que recebe algum tipo de crítica na internet foi, por isso, "cancelado". Mas é inegável que, seja nas redes sociais, em alguns veículos de imprensa ou mesmo em certos departamentos universitários, um credo moral e político progressista é imposto de maneira autoritária e agressiva, promovendo uma perigosa uniformidade de pensamento.

Foi em resposta a isso que uma carta aberta em defesa de "justiça e debate aberto" foi publicada na revista Harper's no dia 7 de julho.

"A livre troca de informações e ideias (...) está a cada dia se tornando mais restrita." Assinam a carta intelectuais e artistas tão diversos quanto Noam Chomsky, Steven Pinker, Margaret Atwood, Wynton Marsalis e J. K. Rowling.

Haverá limites à sanha canceladora do moralismo progressista? E ele também não terá alguma razão em sua indignação?

Bernardo Mello Franco - Saída à francesa

- O Globo

Rubem Novaes abriu a torneira do Banco do Brasil para financiar blogs bolsonaristas. A três semanas de deixar o cargo, vendeu uma carteira bilionária ao BTG

Rubem Novaes falou muito durante o ano e meio em que ocupou a presidência do Banco do Brasil. Na sexta-feira, escreveu apenas dez linhas para anunciar sua renúncia ao cargo.

Em nota, o BB informou que ele vai sair por entender que “a companhia precisa de renovação para enfrentar os momentos futuros de muitas inovações no sistema bancário”. Para dizer isso, era melhor não dizer nada. O banco economizaria duas linhas e deixaria de ofender a inteligência alheia.

Novaes é amigo de Paulo Guedes, com quem estudou em Chicago. A exemplo do ministro, tem a cabeça ultraliberal e a língua maior do que a boca. Na famosa reunião de 22 de abril, os dois fizeram um dueto de grosserias para defender a privatização do banco.

Míriam Leitão - Do liberalismo ao antiliberalismo

- O Globo

Não há méritos na gestão Rubem Novaes no Banco do Brasil, mas sua saída revela que há planos no governo de aumentar a influência estatal sobre a instituição

O problema da equipe econômica do governo Bolsonaro não é se está ou não havendo debandada ou que a pauta liberal está sendo arquivada. É pior. Agora segue-se uma pauta antiliberal. A Caixa Econômica virou um braço do bolsonarismo e parte da propaganda oficial. O Banco do Brasil já fez concessões que deveriam corar qualquer liberal, porque a instituição de economia mista passou a ter ingerência direta do governo até nas decisões de marketing. E tem ainda os ensaios de pedaladas. O governo consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) se pode fazer investimento em infraestrutura contornando o teto de gastos, e na semana passada o Congresso evitou que o teto fosse burlado.

A saída de Rubem Novaes tem que ser vista de duas formas. Ele permitiu a interferência do governo na instituição, mas quando ele sai revela-se que há mais tentativa de intervenção. Não há mérito em sua gestão, mas a saída mostra que há planos de entrar mais fundo nesse modelo que impõe ao banco a presença governamental.

A Caixa foi beneficiada com o monopólio da distribuição do auxílio emergencial, fez um trabalho cheio de falhas e aproveita cada espaço para afirmações de exaltação bolsonarista como “nunca na história da humanidade”. É a figurinha mais repetida do álbum das lives presidenciais. Uma coisa é o presidente Bolsonaro fazer o seu marketing, outra é usar os bancos públicos como parte dessa estratégia ou como tentáculos do governo. É uma estratégia claramente antiliberal.

Alessandro Vieira* - Depois que o auxílio emergencial acabar

- O Globo

Pandemia exige soluções estruturais

A pandemia de Covid-19 jogou luz e agravou antigos, mas persistentes, problemas brasileiros: a pobreza e a desigualdade. Tardiamente, boa parte do país — incluindo aí autoridades da República — descobriu que há milhões de cidadãos invisíveis às estatísticas oficiais, como mostraram os inconsistentes cadastros sociais para o pagamento do auxílio emergencial. Esses esquecidos são, agora, as maiores vítimas da doença e os mais vulneráveis a suas dramáticas consequências, como o desemprego e a crise econômica.

O drama tem cor e endereço. A imensa maioria das 14 milhões de pessoas que estão hoje na linha da extrema pobreza é preta ou parda, e quase metade delas vive no Nordeste, onde mais de 80% dos mortos pela Covid-19 correspondem ao mesmo perfil.

O desastre econômico provocado pela pandemia já deixou mais de 12 milhões de pessoas desempregadas no país, segundo dados de junho. Há 17,8 milhões que sequer procuram trabalho. Os sinais de reação da economia são extremamente tímidos e não podem servir para criar falsas esperanças de uma retomada surpreendente. A recuperação será, sim, muito longa. O auxílio emergencial — uma ideia do Congresso acolhida pelo Executivo — aliviou a situação em 38,7% dos domicílios brasileiros, com valor médio de R$ 847. Não apenas desempregados fizeram filas para receber o pagamento, mas também diaristas, feirantes, motoristas de aplicativo, entregadores de encomendas. Trabalhadores informais de baixa renda, ou até mesmo com carteira assinada, mas cujo salário é insuficiente para uma vida digna para si ou seus familiares.

MDB e DEM afastam-se do Centrão e enfraquecem candidatura de Lira

Atuação de líder do PP na votação sobre o Fundeb atnecipou decisão

Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA - Adeptos de uma postura independente em relação ao Palácio do Planalto, as bancadas do MDB e do DEM na Câmara decidiram ontem desembarcar do bloco comandado pelo líder do PP na Casa, deputado Arthur Lira (AL), que vem atuando como representante informal do governo.

Além da proximidade de Lira e de outros partidos do Centrão com o presidente Jair Bolsonaro, a corrida pela presidência da Câmara, que terá eleição em fevereiro de 2021, também contribuiu para que as legendas batessem o martelo sobre o desembarque. A expectativa é que DEM e MDB costurem uma aliança com partidos da oposição para a disputa pela principal cadeira da Câmara. Nos bastidores, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem sinalizado que não apoiará um nome que desagrade as siglas da esquerda.

Cada vez mais próximo do Planalto, Lira, que pretende concorrer ao comando da Câmara, já é visto com resistência por parlamentares da oposição. Com o esvaziamento do bloco, o líder do PP pode ter novos obstáculos para fortalecer sua candidatura.

O líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), afirmou que pretende formalizar a saída hoje. De acordo com ele, o partido seguirá votando a favor de pautas que sejam necessárias para a retomada da atividade econômica, mas seguirá com a postura independente e não irá “a reboque de ninguém”.

Com o desembarque do MDB e do DEM, o grupo liderado por Lira diminuirá de 221 para 158 deputados. Ao deixarem o grupo, as siglas terão autonomia para apresentar requerimentos de urgência, de retirada de pauta e para que emendas em projetos de lei sejam apreciadas.

Proximidade com Planalto provoca baixa no Centrão

O divórcio mostra os rumos antagônicos que as bancadas vão tomar em votações futuras, como na reforma tributária e na sucessão de Maia, em 2021

Daniel Weterman e Vera Rosa | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O DEM e o MDB vão oficializar, nos próximos dias, o desembarque do Centrão, bloco liderado na Câmara pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), como antecipou Estadão/Broadcast. Os dois partidos já atuam de forma independente em torno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas acabam ficando a reboque de Lira no encaminhamento de votações. O divórcio mostra os rumos antagônicos que as bancadas vão tomar em votações futuras, como na reforma tributária e na sucessão de Maia, em 2021.

Conhecido como “blocão”, o grupo conta, atualmente, com Progressistas, PL, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, PROS e Avante e tem 221 deputados federais, o maior da Casa. Foi formalizado em 2019 para a formação da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e permitiu ao Centrão ter 18 assentos no colegiado mais cobiçado do Congresso. Não sem motivo: a comissão é responsável por preparar o orçamento federal e definir a destinação das emendas parlamentares. A aliança abrigava, ainda, PSL, PSDB e Republicanos, que formalizaram a saída anteriormente.

Os últimos embates no plenário, porém, revelaram o racha no bloco. A tentativa de Lira de retirar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Fundeb da pauta, na semana passada, a pedido do Palácio do Planalto, irritou o DEM e o MDB. “Isso foi bem simbólico e a gente entendeu que era hora, realmente, de partir em linha própria", afirmou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), ao Estadão/Broadcast.

Maia tenta unir base com agenda social

Presidente de Câmara vai criar grupo de trabalho para estudar mudanças no SUS

Mateus Vargas | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai criar, nos próximos dias, um grupo de trabalho para propor mudanças na forma de financiamento, compras e fiscalização do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a deputada Margarete Coelho (PP-PI), escalada para comandar o colegiado, o acesso universal e gratuito, pilar do modelo do qual dependem 150 milhões de brasileiros, não deve ser afetado. Maia tem dado prioridade à agenda social, o que o fortalece perante sua base de apoio na Câmara no momento em que tenta influenciar na escolha do seu sucessor ao comando da Casa.

A eleição será em fevereiro, mas as negociações políticas já começaram, e o presidente Jair Bolsonaro entrou em campo para emplacar um nome do seu grupo e escantear Maia. Não à toa, o deputado colocou em votação na semana passada a prorrogação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundeb), o que agradou a partidos de oposição, que serão fiéis na balança na escolha do novo presidente da Casa. O governo tentou adiar a votação e não conseguiu capitalizar a medida que aumentou o dinheiro federal repassado à educação pública. Aliada de primeira hora, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) perdeu o cargo de vice-líder por votar contra.

AGU não está a serviço do presidente – Editorial | O Globo

Bolsonaro não pode acionar a Advocacia da União para defender militantes alcançados pela Justiça

Bolsonaro guarda bem-vindo silêncio desde a prisão de Fabrício Queiroz em imóvel de seu advogado Frederick Wassef. Por cautela ou o que seja, mas em claro recuo na escalada em que se encontrava no enfrentamento do Supremo, o presidente fechou o “gabinete do cercadinho”, não mais feriu todos os decoros em críticas e agressões encenadas ao pequeno grupo de militantes que o esperava na portaria do Alvorada. Com isso, melhorou o ambiente político, para o bem do próprio governo.

Na sexta-feira, Twitter e Facebook suspenderam perfis de blogueiros, militantes e empresários que apoiam o presidente, em decorrência de mais um ato do Supremo — uma decisão, no âmbito do inquérito aberto na Corte sobre as fake news, do ministro Alexandre de Moraes contra a máquina de difamações e mentiras que funciona no bolsonarismo.

É o segundo choque que o bolsonarismo digital recebe nas últimas semanas, depois que o próprio Facebook, a partir de auditoria mundial contratada para esquadrinhar organizações que usam a rede em ações criminosas, desconectou contas no Brasil de bolsonaristas. Um deles, assessor direto do presidente, Tercio Arnaud Tomaz, considerado peça-chave do “gabinete do ódio” que, segundo denúncias, opera no Planalto para atingir adversários pela internet.

Censório e ineficaz – Editorial | Folha de S. Paulo

Bloquear bolsonaristas na rede não ajudará o STF a desmontar engrenagem que sabota democracia

Não há dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro conta com uma ampla rede de seguidores que usam a internet para espalhar desinformação, incitar o ódio contra seus adversários e fomentar o descrédito nas instituições democráticas.

Se a existência dessa rede e sua relevância para a sustentação do governo são incontroversas, resta muito a esclarecer acerca de sua articulação com grupos empresariais, da origem dos recursos que a financiam e dos mecanismos que amplificam seu alcance.

O Supremo Tribunal Federal tomou a iniciativa de examinar essas questões há mais de um ano, quando abriu inquérito para investigar a disseminação de notícias falsas, ofensas e ameaças contra os integrantes da corte nas redes sociais.

Conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, a investigação tem caráter sigiloso, mas fez barulho nos últimos meses, com buscas nas casas de aliados de Bolsonaro, apreensão de computadores e o início de uma devassa financeira.

Na última sexta-feira (24), cumprindo determinação do magistrado, o Facebook e o Twitter bloquearam as contas de dezenas de investigados, impedindo que continuem a se manifestar nas plataformas e barrando até o acesso a mensagens inofensivas do passado.

Saneamento agora aguarda votação de vetos de Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

Projeto dava possibilidade de prorrogar por mais 30 anos os contratos em vigor

O novo marco regulatório do saneamento tem a ambição de chegar à universalização da oferta de serviços de água e esgoto dentro de 13 anos. Mas a tarefa não será fácil, como mostram os números mais recentes do IBGE. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), divulgada na semana passada, mostra que, em quase 30 anos, a expansão desses serviços ficou bem aquém do ritmo necessário para se atingir a meta do marco regulatório no tempo fixado, mesmo que se concretize o fluxo de investimento privado. Além disso, a entrada em vigor do novo marco agora esbarra na discussão dos vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao projeto aprovado pelo Congresso, há um mês.

A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico mostrou que, em 2017, 99,6% dos municípios tinham abastecimento de água por rede, o equivalente a 5.548 municípios. Eram atendidos pela rede de água 59,8 milhões de domicílios, servindo quase 180 milhões de pessoas. No entanto 9,6 milhões de domicílios ainda não tinham por rede água, prejudicando cerca de 30 milhões de pessoas.

Em relação à coleta de esgoto, o quadro é bastante negativo. Dos 5.570 municípios existentes, não possuíam coleta de esgoto 2,2 mil em 2017, ou 39% do total. E dos 3,2 mil municípios com esgotamento sanitário por rede coletora, 49,5%, ou 1.588, descartavam os dejetos sem tratamento. O número de domicílios com rede de esgoto, 35,3 milhões, metade do total existente no país, é apenas ligeiramente superior ao de 34,1 milhões sem ligação com a rede.

Debandada na Economia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Equipe econômica sofre três baixas importantes e Paulo Guedes tem de reorganizar suas forças num momento especialmente difícil

Com três baixas importantes em sua equipe, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem de reorganizar suas forças num momento especialmente difícil, quando o País apenas volta a se mover, depois do primeiro grande impacto da pandemia. Há pouco mais de um mês o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, anunciou sua saída, confirmando uma disposição já indicada algum tempo antes. Na semana passada, mais dois ocupantes de postos estratégicos informaram a disposição de sair: o presidente do Banco do Brasil (BB), Rubem Novaes, e o diretor de programas da Secretaria Especial da Fazenda, Caio Megale. Não há debandada, disse o ministro ontem de manhã. “Na média, o nível da equipe está subindo”, acrescentou, citando a incorporação de nomes como Bruno Funchal e Roberto Fendt. Não ficou claro se ele manifestou, com essas palavras, uma avaliação negativa de quem deixou o governo.

O problema de Guedes, no entanto, é muito mais complicado que a recomposição de uma equipe. Além de cuidar dos desafios imediatos, decorrentes da crise da saúde, ele tem de apresentar e executar uma política econômica. Passado um ano e meio de governo, ele continua devendo um programa claro de trabalho e medidas práticas para cumprir as promessas.

O novo secretário do Tesouro, Bruno Funchal, tem competência, segundo se avalia, para continuar o trabalho de Mansueto Almeida. Depois das ações emergenciais deste ano, será muito complicado continuar o ajuste das contas públicas a partir de 2021. Isso dependerá de apoio político e, portanto, dos objetivos pessoais e das alianças do presidente Jair Bolsonaro. Mas isso é apenas parte das dificuldades.

Os obstáculos mais próximos para toda a equipe – ou para seus melhores componentes – estarão no próprio Ministério. Há poucos dias o ministro Paulo Guedes entregou ao Congresso a primeira parte, modestíssima, de uma proposta de reforma tributária. Será, segundo ele, uma reforma fatiada. A julgar pela primeira fatia, o ministro dificilmente fará sucesso como master chef. Dois projetos amplos, ambiciosos articulados e negociáveis com os governos estaduais já tramitam, um na Câmara, outro no Senado.

César Mortari Barreira* - Degeneração da democracia? Reflexões a partir de Norberto Bobbio**

1. Introdução

A presença de Bobbio como base teórica para auxiliar a compreensão do universo político brasileiro não é uma novidade. Uma rápida busca na internet permite a qualquer um encontrar alguns daqueles temas que caracterizaram a reflexão política do filósofo e jurista italiano: democracia dos modernos e dos antigos, direitos e deveres, transparência e poder oculto somam-se às discussões sobre direita e esquerda, esta sem dúvida a mais “popular” delas, notadamente em virtude da disputa de narrativas que caracterizou a última corrida presidencial.

Nesse contexto, é digno de nota o artigo publicado em junho de 2017 – “Um eloquente silêncio sobre Norberto Bobbio” –, em que Ricardo Zamora se refere ao livro Contra os novos despotismos como uma oportunidade para “devolver aos debates políticos no Brasil a presença sempre iluminadora de seu pensamento” (ZAMORA, 2017). Tendo como base o governo Temer, o autor salientava que “o despotismo que se insinua no Brasil decorre não de uma unificação de poderes em uma só pessoa, mas da articulação – como talvez nunca antes na história desse país, entre o monopólio das comunicações, as organizações patronais e o Poder Executivo” (ZAMORA, 2017), razão pela qual o livro de Bobbio, “embora trate de um problema específico, o berlusconismo, e de um momento político também específico da Itália, pode trazer luzes valiosas para iluminar o caótico processo brasileiro” (ZAMORA, 2017).

Mais recentemente, um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo deu continuidade a essa “presença de Bobbio” em território nacional com o título “Bolsonaro e o pessimismo da razão”, trazendo como destaque a sugestiva afirmação: “o que dizia Norberto Bobbio para a Itália dos anos 70 vale para o Brasil de hoje”. Em virtude da repercussão e alcance desse artigo, partirei dele para desenvolver alguns questionamentos: se for de todo razoável operar o arcabouço teórico bobbiano para pensar a realidade política brasileira, o que a atualidade de Bobbio tem a nos dizer sobre a atual forma de governo? Estaríamos diante de uma degeneração da democracia? Seria possível associar essa ideia com o discurso sobre o despotismo?

Dou início a essas reflexões, portanto, destacando como se deu o emprego de Bobbio no texto publicado pelo referido jornal em 10 de maio. Após salientar algumas manifestações do presidente Jair Bolsonaro – discursos em que diz, de um lado, que respeita a Constituição e, do outro, que ele mesmo é a Constituição e que “tudo tem um limite” –, o artigo não deixa de notar: “afirmações como essas, que exaltam a importância da Constituição ao mesmo tempo que justificam o desrespeito a ela, não são novas na vida política contemporânea”. E é exatamente neste ponto que aparece a conexão com o pensamento de Bobbio, oriundo de citações de dois textos – “A Constituição não tem culpa”, de 09 de janeiro de 1978, o primeiro a ser citado, e “O dever de sermos pessimistas”, de 15 de maio 1977, ambos publicados em As ideologias e o poder em crise, de 1981.

Uma vez destacada a caótica situação vivida pela Itália na década de 1970 em virtude do assassinato do ex-primeiro-ministro Aldo Moro, o texto do jornal O Estado de S. Paulo realça que Bobbio foi uma das vozes que se levantou contra a confusão – por vezes deliberada – em torno do sentido democrático da Constituição italiana em um país recém-saído do fascismo. Nesse sentido, o artigo cita uma passagem do texto de 1978 que caracteriza o texto constitucional como “um compromisso, necessário e a longo prazo benéfico, entre forças políticas apoiadas em ideias morais e sociais diferentes, algumas vezes até opostas” (BOBBIO, 1994, p. 187). Daí a assertiva do jornal: “O que se espera da Constituição é que ela defina as regras do jogo”.

Trata-se, no entanto, de uma definição que não aponta – e não pode apontar – para qual “lado” deve-se jogar. Se o governo se movimentará para a esquerda ou para a direita, é algo impossível de se estabelecer constitucionalmente, como o próprio Bobbio diz. E é exatamente neste ponto que o artigo “Bolsonaro e o pessimismo da razão” atinge seu ápice. Após afirmar que o modo de jogar dentro das regras do jogo faz com que as partes atuem apenas como adversários, pode-se encontrar a seguinte reflexão:

qualquer afronta a essas regras rompe o pacto constitucional, levando-os, então, a se converterem em inimigos. E essa é a lógica da guerra e da barbárie, segundo a qual quem não é amigo tem de ser destruído, lembrava Bobbio (“Bolsonaro e o pessimismo da razão”, 10 de maio de 2020).

Ainda assim, existiria algo ainda mais perigoso: a presença de certos atores na cena política, “pessoas perigosas, porque falam como adversários, mas agem como inimigos, pondo em risco assim as instituições democráticas”, momento em que a articulação com o autor italiano volta a aparecer. Se Bobbio dizia que esses sujeitos devem ser “denunciados” e “combatidos” enquanto houver tempo – e uma vez mais é o artigo do jornal O Estado de S. Paulo quem nos lembra desse posicionamento – o recado está dado: o presidente Jair Bolsonaro materializaria um prenúncio que teria sido descrito por Bobbio em outro texto do mesmo período, o também já mencionado “O dever de sermos pessimistas”, de 1977.

Música | Paulinho da Viola - Quem é do mar não enjoa

Poesia | Fernando Pessoa – Análise

Tão abstrata é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.