Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
Marco Aurélio Nogueira* - O sucesso editorial de Gramsci, uma surpresa
Fernando Gabeira - O dilema das redes sociais
- O Globo
Em sua
bolha, o indivíduo tem a sensação de tudo entender pelas teorias conspiratórias
Acabo de assistir ao
documentário sobre as redes “The Social Dilemma”. É assustador mesmo para mim,
que tenho tratado do tema, sobretudo pelo ângulo das fake news e teorias
conspiratórias que impulsionam o tecnopopulismo de direita.
Uma das razões para
ampliar minha abordagem do tema é contar com depoimentos de insiders, pessoas
de dentro do universo tecnológico que trabalharam e ajudaram a construir
plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e YouTube.
A maior parte da crítica
disponível até então era de observadores de fora desse universo. Outra
limitação de meu enfoque era observar apenas as consequências negativas das
redes sociais no universo político, gerando uma atmosfera de ódio e mentiras.
Ao ver o documentário,
fica claro para mim que as consequências políticas foram apenas um subproduto
diante da tarefa central: usar a insegurança e a ansiedade das pessoas para
torná-las dependentes do uso das redes e, com o acúmulo dos seus dados,
impulsionar vendas.
Isso não chega a ser uma
descoberta. O interessante é ouvir de alguém que encontrou o Facebook nos seus
primórdios e teve como tarefa descobrir uma forma de fazer dinheiro com aquilo.
Quase todos os talentos
contratados no início viam nas redes sociais algumas de suas inegáveis
qualidades: unir famílias, ampliar o conhecimento coletivo, facilitar a
solidariedade.
O caminho para financiar
era a publicidade. Ela seria mais eficaz quanto maior o tempo de permanência do
usuário, e muito mais eficaz também, na medida em que, conhecendo sua
personalidade, às vezes mais profundamente do que ele próprio, fosse possível
ampliar seu consumo.
Marcus André Melo* - A opinião pública existe?
- Folha de S. Paulo
Machado de Assis, o cacete e o teorema infalível
A
opinião pública é um objeto elusivo. Entre nós, Machado de Assis chamou atenção
para as questões centrais em torno do tema: a opinião pública existe? O que
significa exatamente? É corrompível? Como muda? Como afeta os governantes?
Machado, ao contrário de Pierre Bourdieu, respondeu
afirmativamente à primeira questão: sim, ela existe.
Machado escreveu sobre o tema em 1867, e não se falava
ainda em democracia constitucional, mas governo representativo, regime de
opinião. Assim, Machado interpela a opinião pública como uma soberana,
"rainha do mundo":
"Dizem alguns que V. Excia. não existe; outros afirmam o contrário. Mas
estes são em maior número, e a força do número, que é a suprema razão moderna,
resolve as dúvidas que eu porventura possa ter. Se não existisse, como se
falaria tanto em seu nome, na tribuna, na imprensa, nos meetings, na praça do comércio,
na rua do Ouvidor?"
Mas a força do número pode ser imprevisível e violenta: "A verdade é que V. Excia. tem às vezes caprichos singulares; gosta da cor vermelha, e a pretexto de eleição, inspira não sei que maus ímpetos ao leão popular, que a tudo investe e tudo desfaz." Quando a maioria irrompe devido a estes ímpetos: "V. Excia. não tem cetro, como rainha que é, tem um cacete, que é um teorema infalível". Tudo se cala frente ao cacete.
Celso Rocha de Barros* - Queimar onça custa votos?
- Folha de S. Paulo
Visão do crescimento do presidente é extensiva: para ele, o Brasil vai
ser mais rico se tiver mais minas e mais pastos
Da mesma forma, ninguém quer falar de moral, de meio ambiente, de padrões elementares de decência, de preservar o mundo para nossos descendentes, certo? Se nos importássemos com isso, eu estaria escrevendo sobre outro presidente.
Carlos Pereira* - Inclusão social responsável
Demétrio Magnolio - Uma questão de fé
Só a imunidade coletiva — e, eventualmente, a tão aguardada vacinação em massa — é capaz de derrotar o vírus
A estratégia do lockdown foi exibida como arma infalível contra o coronavírus. Seus arautos rimam lockdown com ciência, escrevendo esta última em maiúsculas, o que remete, paradoxalmente, ao pensamento religioso. As experiências de três países sugerem que, na corrida de fundo da pandemia, os contágios só encontram limites na imunidade coletiva.
A Argentina praticou o lockdown em toda a sua extensão. Foram cinco meses de “quarenterna”, termo jocoso usado no país para se referir à “quarentena eterna” aplicada rigidamente pelo governo de Alberto Fernández. O país vizinho realizou o sonho de não poucos epidemiologistas (e jornalistas) brasileiros, ganhando cataratas de elogios emocionados. No fim, em agosto, flexibilizou —pois nada na vida é eterno, exceto a morte. Daí, o vírus fez a festa.
Na primeira quinzena de setembro, a média diária de óbitos por coronavírus superou a barreira de 200. Como a Argentina tem um quinto da população brasileira, a taxa de letalidade equiparou-se à do nosso longo patamar máximo. O que fazer, se um novo lockdown tornou-se social e economicamente impossível?
A África do Sul também recorreu ao lockdown, mas por tempo menor, e deflagrou a flexibilização no pico dos contágios. Há uma semana, finalmente começou a registrar queda significativa de infecções. Na hora da desaceleração da epidemia, cerca de um quinto da população já havia tido contato com o vírus. Aparentemente, o país chegou ao umbral da imunidade coletiva, uma faixa ainda um tanto misteriosa que gira em torno de 20% a 40% da população total.
A fim de minimizar os impactos indiretos da epidemia na vida social, a Suécia nunca utilizou quarentenas. Foi, por isso, errônea e perversamente acusada de permitir a difusão de contágios para alcançar a imunidade coletiva. De fato, o governo sueco adotou diversas medidas voluntárias de distanciamento social, destinadas a proteger seu sistema de saúde. Formulada para o horizonte de longo prazo, a estratégia funcionou: hoje o país exibe taxas de novos casos inferiores às da Espanha, da França e do Reino Unido, que implementaram lockdowns.
As taxas acumuladas de mortalidade na Suécia situam-se em patamar semelhante ao dos outros países europeus fortemente atingidos no estágio inicial da pandemia, quando o vírus circulava oculto. A diferença é que a população sueca foi mais extensamente exposta à doença e, agora, percorre um estágio mais avançado de imunidade coletiva. Graças a isso, o espectro de novos lockdowns, que atormenta espanhóis, franceses e britânicos, não assombra os suecos.