Com o mercado de trabalho aquecido e gargalos na infraestrutura, a capacidade de crescimento da economia brasileira a longo prazo, sem gerar pressão na inflação, agora é de apenas 2,8%, segundo economistas. Eles recomendam mais investimentos
Sem fôlego para crescer
Com gargalos em emprego e infraestrutura, capacidade de o PIB avançar pode ser de só 2,8%
Lucianne Carneiro,Gabriela Valente
RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO - Ao mesmo tempo em que o mercado prevê, pela primeira vez, uma expansão abaixo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) este ano, economistas são unânimes em afirmar que o crescimento potencial da economia brasileira - patamar no qual o PIB pode avançar sem pressões inflacionárias - se reduziu nos últimos anos. Gargalos de infraestrutura, falta de investimentos, mercado de trabalho aquecido e oferta menor de mão de obra são alguns dos fatores que contribuem para esse movimento.
Já há quem estime hoje que o potencial de expansão a longo prazo no país esteja abaixo de 3%, como é o caso de José Marcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos, e do economista do Itaú Unibanco Aurélio Bicalho. Mesmo quem faz projeção maior, de 3,8%, como é o caso do economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, admite que a capacidade de o Brasil crescer sem inflação é menor hoje do que já foi um dia. Pesquisa do Banco Central (BC) em outubro de 2010 com participantes de mercado apontava uma estimativa média de PIB potencial de 4,4%.
- O mercado de trabalho está muito aquecido, o que pressiona salários e reduz produtividade, temos baixa ociosidade dos bens de capital (máquinas e equipamentos) e ganhos de produtividade pequenos. No ano passado, houve inclusive queda. Além disso, a inflação está seriamente deteriorada. Com esse cenário, é difícil ter um crescimento forte. Hoje, nossa estimativa para o PIB potencial é de 2,8%, quando estava em torno de 3,5% na década passada - afirma Camargo.
Potencial para crescer caiu de 4% para 3%
Para o professor da PUC-Rio, o país não está gerando os incentivos corretos para os investimentos, seja por falta de estabilidade de regras ou por elas serem ruins. Ele reconhece que a MP dos Portos, aprovada na semana passada, é um ganho, embora, na sua opinião, tenha dado um sinal ruim para os investidores dos portos públicos.
- Há uma percepção de que o PIB potencial não é tão elevado quanto no passado. Os últimos indicadores foram muito ruins. A economia está batendo em alguns estrangulamentos, como infraestrutura e desemprego baixo. Continuamos com crescimento baixo mesmo com inflação alta, o que indica que estamos perto do crescimento potencial ou até acima dele. Não dá para colocar um Fusca para correr a 200 quilômetros por hora - diz o economista-chefe do Deutsche Bank, José Carlos de Faria.
Sua estimativa é de que hoje o chamado PIB potencial do Brasil está em torno de 3%, quando há algum tempo era mais próximo de 4%. Entre os fatores que influenciaram neste recuo, segundo Faria, são os problemas estruturais de infraestrutura e o sistema tributário, mas também o aumento de incerteza sobre a regulação e sobre o cumprimento das metas de inflação.
Uma das preocupações é com os investimentos, que chegaram a uma taxa de 19,5% do PIB em 2010, mas recuaram para 19,3% em 2011 e 18,1%, em 2012. Já o mercado de trabalho continua aquecido, com taxas baixas de desemprego. No ano passado, a média foi de 5,5%, a mais baixa desde o início da atual série história do IBGE, em 2002. E a oferta de trabalho é menor do que era no passado. A população economicamente ativa (PEA) - que inclui quem está trabalhando ou em busca de trabalho - cresceu 1,8% em média ao ano entre 2000 e 2010. Em 2012, a expansão foi de só 1,2%. E a projeção do Itaú Unibanco é que essa taxa caia para 0,9% em 2020.
- Só essa mudança no crescimento da PEA representa 0,5 ponto percentual no PIB potencial. Na década passada, o nível (do PIB potencial) era perto de 3,5%, mas agora já chega a algo como 2,9% e 3% - diz Aurélio Bicalho.
Mais cauteloso com as projeções para o potencial de expansão da economia, Bráulio Borges diz que alguns analistas estão confundindo questões conjunturais com estruturais:
- É notório que o PIB potencial não é o mesmo de cinco anos atrás, principalmente por causa da oferta de mão de obra. Já se incorporou muita gente e o crescimento é mais demográfico. No entanto, o ritmo potencial de crescimento caiu, mas não desabou - afirma Borges, que estimava o PIB potencial 4,2% em 2010 e agora vê 3,8%.
Se as previsões a longo prazo estão menores, o mesmo ocorre a curto prazo. Segundo a pesquisa semanal Focus, que o BC faz com os analistas das principais instituições financeiras do país, a projeção para o PIB deste ano passou de 3% para 2,98%. Foi a primeira vez que a taxa ficou abaixo de 3%. Na virada do ano, os analistas esperavam um crescimento de 3,3%.
Segundo o economista-chefe da Sulamérica Investimentos, Newton Rosa, muitos no mercado esperam que o país só crescerá 2,8%. Essa é exatamente a sua aposta. Ele lembra que os dados do primeiro trimestre estão inflados com o setor agrícola, desempenho que não deve se manter ao longo do ano:
- Independentemente de ser ano pré-eleitoral, ou ano de Copa das Confederações, é muito pouco. O Brasil deveria estar com um crescimento de 4,5%.
Outro indicador preocupante é a retomada do aumento do estoques da indústria em abril, depois de se manterem dentro do planejamento das empresas por sete meses, segundo a Sondagem Industrial, divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O índice foi de 51,2 pontos no mês passado. Dados acima de 50 pontos indicam estoque acima do planejado.
Diante deste cenário, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industria (Iedi) apresentará até o fim da semana documento ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmando que os últimos dois anos põem em evidência a necessidade de "uma nova política econômica".
Fonte: O Globo