domingo, 20 de setembro de 2020

Luiz Sérgio Henriques* - Duas nações, uma crise

- O Estado de S. Paulo 

 Sinais de alarme soam diante da devastação que Trump e Bolsonaro têm promovido 

Poucas vezes um evento terá tanta relevância além das fronteiras de um país quanto as iminentes eleições norte-americanas, a indicar como, acima das reivindicações exclusivistas de soberania nacional da parte de atores deliberadamente cegos ou orgulhosamente obtusos, os processos de interdependência terminam por impor sua lógica e tornar menos dessemelhantes realidades originalmente distintas. É como se – considerando Estados Unidos e Brasil – o sistema político de cada qual se destacasse das respectivas matrizes históricas, individualistas num caso, organicistas no outro, e apresentasse o mesmo problema, de tal modo que, sinalizando futuras e cada vez mais frequentes influências recíprocas, os resultados americanos de novembro viessem a condicionar vigorosamente as coisas por aqui. 

Em tese, a matriz anglo-saxã asseguraria, com razoável grau de previsibilidade, a boa saúde da democracia na América, enraizando-a em indivíduos livres e acostumados à participação na vida pública. Em contrapartida, ibéricos como somos, tenderíamos à arquitetura social “barroca”, perdido o indivíduo numa totalidade que não domina e frequentemente o esmaga, pelo menos na versão pessimista tantas vezes predominante. Estruturalmente liberal-democratas, os americanos; intimamente autoritários e às voltas com autoritarismos, condenados a regar monotonamente a mirrada planta da democracia, nós, brasileiros. 

O fato é que o sistema político das duas grandes nações, por artes de um mundo que parece ignorar particularismos, encontra-se desafiado por uma questão análoga. Como efeito do abrasileiramento dos EUA ou da americanização do Brasil, ambos se tornaram casos de manual dos procedimentos em curso de “morte das democracias”, com a corrosão das suas normas escritas e não escritas, das suas regras e dos seus valores. Os sinais de alarme soam diante da devastação que, quase em paralelo, Donald Trump e Jair Bolsonaro têm promovido em circunstâncias já de si muito difíceis. E como advertem os estudiosos, a obtenção de um segundo mandato por líderes desse tipo configuraria uma situação ainda mais perigosa, sem exclusão da possibilidade de crises institucionais. 

Celso Lafer* - Democracia, veracidade e 'fake news'

- O Estado de S. Paulo 

 Na era digital, é preciso conter a miserabilidade que vitima a verdade factual e a democracia 

 Uma das dualidades do significado da palavra política é a da interconexão de política-realidade com política-conhecimento. O desafio resulta de que a percepção da realidade integra a realidade política. A percepção das realidades políticas leva a avaliações, mais elaboradas ou mais toscas, que vão guiar a ação e a sensibilidade das pessoas. 

A democracia parte do pressuposto do exercício em público do poder comum, pois o que é do interesse de todos deve ser do conhecimento de todos. Daí o tema da transparência do poder, que enseja a avaliação pela cidadania da atuação dos governantes. Por isso informações exatas e honestas são fundamentais na democracia, para a apropriada percepção da realidade. 

Nessa linha, afirma Rui Barbosa: “O poder não é um antro, é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol”. Por isso, “o maior, o mais inviolável dos deveres do homem público é o dever da verdade: verdade nos conselhos, verdade nos debates, verdade no governo”. Daí sua crítica à mentira nas instituições e às falsificações públicas e o papel da imprensa como a “vista da Nação”. Por ela, esclarece, é que “a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que se lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam”. 

Luiz Carlos Azedo - Senhor da guerra

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense 
 Mike Pompeo, o secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro 

 A inusitada visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a um campo de acolhimento de venezuelanos refugiados em Boa Vista (RR) foi uma evidente provocação política, cujo objetivo é escalar as tensões entre a Venezuela e seus vizinhos. E, com isso, dar uma mãozinha para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump, que está perdendo a reeleição para o candidato do Partido Democrata, Joe Biden. O Brasil armou o circo porque interessa ao presidente Jair Bolsonaro a vitória de seu amigo republicano. A eleição de um democrata provocaria o colapso da política externa desenvolvida pelo chanceler Ernesto Araújo, considerada um desastre por seus colegas mais experientes do Itamaraty. 

O que o Brasil ganhará em troca? Em princípio, 30 moedas, ou seja, US$ 30 milhões para auxiliar a assistência social aos imigrantes. Não chega nem perto do que estamos perdendo em investimentos em razão da política ambiental de Bolsonaro, embora o presidente da República diga que é a melhor do mundo. Só no Fundo da Amazônia, Noruega e Alemanha, que suspenderam seus investimentos, foram responsáveis por 99% dos R$ 3,3 bilhões destinados à proteção da Amazônia. Voltemos à visita de Pompeo. O secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente Nicolas Maduro. Todo presidente dos Estados Unidos que está perdendo as eleições gosta de exibir seus músculos na política externa. 

 Do Brasil, Pompeo viajou para a Colômbia, cuja fronteira com a Venezuela é o ponto mais quente das tensões na América do Sul. O presidente Ivan Duque é outro aliado incondicional de Trump, que mantém assessores e aviões norte-americanos em território colombiano. Antes, Pompeu havia estado no Suriname e na Guiana, que também vive um estresse com a Venezuela, com o agravante de que sua fronteira nunca foi reconhecida pelos venezuelanos. Na Guiana, Pompeo voltou a criticar Maduro: “Sabemos que o regime de Maduro dizimou o povo da Venezuela e que o próprio Maduro é um traficante de drogas acusado. Isso significa que ele tem que partir”, afirmou. Para a situação política no país vizinho, a provocação só teria consequência prática se houvesse uma intervenção. Afora isso, fortalece a unidade das Forças Armadas venezuelanas e endossa a narrativa de Maduro para reprimir a oposição. 

Merval Pereira - A crise da reeleição

- O Globo

O reconhecimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que a aprovação da reeleição do mandato presidencial “foi um erro” reabriu a discussão sobre o fim desse instrumento, incluído na Constituição em 1997. Projeto de emenda constitucional do deputado Alessandro Molon, do PSB, propõe o fim da reeleição para os Executivos em todos os níveis já a partir de 2022. 

Seria uma mudança consensual se o presidente Bolsonaro não tivesse mudado de idéia ao chegar ao Palácio do Planalto. O fim da reeleição foi uma das suas promessas de campanha mais reluzentes, pois indicava que não estava se candidatando por interesse de se perpetuar no poder. 

Assim como desistiu do combate à corrupção, ou revela-se menos liberal do que a escolha de Paulo Guedes aparentava, também Bolsonaro mudou de idéia em relação à reeleição e só pensa nisso, antes mesmo de ter terminado seu segundo ano de mandato. 

No artigo em que fez o “mea culpa”, Fernando Henrique disse que chegou à conclusão de que o mandato de cinco anos, sem reeleição, seria o ideal, justamente o prazo que a Assembléia Nacional Constituinte estabeleceu. O então presidente General Ernesto Geisel aumentou de cinco para seis anos o mandato de seu sucessor, o General João Figueiredo, e foi para esse mandato que foi eleita a chapa Tancredo Neves/ José Sarney em votação indireta no Colégio Eleitoral em 1985. 

Míriam Leitão - O autocrata e os colaboracionistas

- O Globo 

 Quando um país toma o caminho do autoritarismo, não é pela vontade de uma só pessoa. É resultado da falha coletiva. É preciso ter um governante que despreza a democracia, e isso o Brasil tem no momento, mas todo autocrata precisa de colaboracionistas na sua conspiração contra as instituições. O Brasil neste um ano e nove meses demonstra ter uma multidão de ajudantes de Jair Bolsonaro em seu projeto antidemocrático. 

Toda semana uma coleção de fatos é adicionada a outros, anteriores, mostrando a marcha que o país perigosamente empreende rumo ao abismo institucional. Muitos colaboram por má-fé ou ambição pessoal, alguns, porque olham para um ato específico e julgam erroneamente que ele não se soma a todos os demais que enfraquecem as instituições. Há os que ajudam porque andam distraídos quando a Pátria exige cuidados. 

Pode-se começar a lista de qualquer ponto. Em cada um deles há sinais de que colaboradores, conscientes ou involuntários, ajudam o projeto autoritário. Na economia, quem entregou a bandeira liberal para esconder o voluntarismo autoritário do presidente colaborou muito. Mesmo quem não se considera liberal pode ver que os clichês eram úteis, mas falsos. O “tirar o Estado do cangote do empresário” ou o “mais Brasil e menos Brasília” eram estelionatos, como tudo o mais. Diariamente vemos o aumento de Brasília subjugando o país. Em nome do que trabalham os economistas do governo? Já não há projeto, não há consistência, não há autonomia mínima. Estão todos engajados na campanha de 2022. Nada entregaram, a não ser a si mesmos. E para um governante de maus propósitos.

Eliane Cantanhêde - Boca fechada

- O Estado de S.Paulo  

STF deve decidir pelo depoimento por escrito, mas se for presencial nada muda 

 O presidente Jair Bolsonaro deveria depor à Polícia Federal amanhã, na terça ou na quarta no inquérito em que é investigado de interferência política na PF, uma acusação feita pelo seu ex-ministro Sérgio Moro. Mas Bolsonaro não vai depor ainda, porque ganhou dois presentões do ministro do STF Marco Aurélio Mello: a prorrogação e a possibilidade de depor por escrito. Se é que vai precisar depor.

A questão é complexa, até porque envolve um presidente da República, e dá dicas preciosas sobre o equilíbrio do Supremo com Luiz Fux na presidência e Marco Aurélio assumindo em novembro a condição de decano, hoje ocupada por Celso de Mello. Vai se desenhando uma nova polarização, agora entre Fux, pró-Lava Jato e independente em relação a Bolsonaro, e Marco Aurélio, contra a Lava Jato e cada vez mais próximo de Bolsonaro. 

Foi Joaquim Barbosa contra Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes contra Luís Roberto Barroso no petrolão, a divisão meio a meio na Lava Jato e a quase unanimidade (fora Dias Toffoli) diante do bolsonarismo. Mas Marco Aurélio sempre foi um caso à parte, um encrenqueiro ilustrado. E a nova polarização já tem um marco. Fux declarou à Veja que a decisão contra a prisão após condenação em segunda instância, por um voto, teve "baixa densidade jurídica". Pelo Estadão, Marco Aurélio classificou a manifestação de "desrespeitosa". Subiram no ringue. 

Vera Magalhães - O início, o fim e o meio

- O Estado de S.Paulo  

Retomada desordenada tornou decisão sobre volta às aulas mais complexa 

Passados seis meses de pandemia do novo coronavírus no Brasil, duas são as principais questões a mobilizar a sociedade, os governantes e os especialistas. A primeira é quando e de onde virá a vacina, e com que eficácia. A segunda, anterior, é: quando voltarão as aulas presenciais? 

O Brasil é um dos países do mundo a ter ficado mais tempo com as escolas fechadas, mais uma consequência da quarentena meia boca, da falta de coordenação política para o enfrentamento da covid-19 e da retomada atendendo a pressões políticas, e não prioridades sociais ou recomendações da ciência. 

As escolas fecharam já em março e houve uma imensa heterogeneidade na adoção do ensino à distância. Escolas particulares, sobretudo nos grandes centros, rapidamente passaram a utilizar ferramentas da tecnologia para chegar aos alunos confinados. 

A velocidade, sabemos, não foi a mesma, nem os recursos tão abundantes, nas redes públicas e nos rincões. Os resultados serão sentidos nos anos vindouros, na forma de mais desigualdade na qualidade do ensino. 

Meio ano depois, a constatação de que a perda em termos educacionais e o prejuízo emocional e social para crianças, adolescentes e universitários é imensurável e a necessidade econômica e familiar de que a rotina seja retomada afligem gestores públicos, pais, professores e profissionais da área médica e sanitária. 

Elio Gaspari - Bolsonaro criou uma crise do nada

-Folha de S. Paulo / O Globo 

Houve presidentes que amansavam a onça da crise; Jair Bolsonaro e Paulo Guedes inovaram: eles criam a crise do nada 

 Houve presidentes que amansavam a onça da crise. Ela entrava rosnando no Planalto e saía miando. Foi assim com Michel Temer (salvo quando ele conversava com Joesley Batista no Jaburu) e com Fernando Henrique. Com Dilma Rousseff, ela entrava miando e saia rosnando. Jair Bolsonaro e Paulo Guedes inovaram: eles criam a crise do nada. 

 No domingo passado, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, deu uma entrevista ao repórter Alexandro Martello propondo uma girafa: congelar por dois anos os benefícios da Previdência Social. 

Ela foi para a rede no fim da tarde. Sabe-se lá o que estavam fazendo os doutores, mas ninguém se lembrou de jogar água fria no assunto. Era uma ideia ruim, nada mais que isso. Era também mais um balão de ensaio da ekipekonômika. Tratando-se de matéria que exigiria emenda constitucional, suas chances eram nulas. 

Passou a segunda-feira, e nada. Alguém, inclusive o doutor Waldery, poderia ter colocado os pingos nos is. Na terça de manhã, com a fúria de Zeus, Bolsonaro foi para as redes sociais com um vídeo e matou a proposta, mandou ao arquivo qualquer conversa sobre o programa Renda Brasil e ameaçou botar na rua quem lhe trouxer o assunto. Sendo presidente da República, poderia ter usado o aparelho do governo para cuidar do assunto. 

Sendo um animador de vídeos, poderia ter argumentado com mais simplicidade e elegância. Preferiu se apresentar como defensor dos pobres e dos paupérrimos, impondo mais uma humilhação ao çuperministro Paulo Guedes e colocando a prêmio a cabeça do doutor Waldery. Logo ele, cujo governo tentou, e continua tentando, tungar o Benefício de Prestação Continuada dos miseráveis e quis taxar o seguro dos desempregados. 

Bastariam dois telefonemas e uma frase para que o governo derrubasse a girafa do doutor Waldery, que além de ser apenas um plano, era inexequível. Sobrou para o burocrata a quem Guedes deu poderes excepcionais, pois sua secretaria é aquilo que outrora foi o Ministério da Fazenda. (Isso foi parte do projeto de concentração teórica de poderes do çuperministro. Na prática, está dando no que se vê.)

Bernardo Mello Franco - Cabeça de papel

- O Globo 

 A Fundação Nacional de Artes já foi presidida por grandes figuras da cultura brasileira, como o cartunista Ziraldo, o poeta Ferreira Gullar e o ator Sérgio Mamberti. Agora será chefiada pelo coronel Lamartine Barbosa Holanda, paraquedista, bolsonarista e fã de filmes militares. 

O currículo do oficial da reserva traz informações curiosas. Ele se apresenta como especialista em logística, segurança e telecomunicações. Também diz ser ex-presidente da Câmara de Comércio Brasil-Albânia e oferece serviços de “consultor militar”. 

 A nomeação gerou espanto, mas o coronel informou que fez curso de roteirista e foi escolhido “por capacitação”. Ao repórter Vinicius Sassine, ele acrescentou que convive com o cinema “desde pequeno”, quando visitava uma fábrica de películas no Rio Grande do Sul. “Meu pai me levava lá para enrolar e desenrolar filme”, explicou. 

Lamartine caiu nas graças do bolsonarismo em 2019, ao acompanhar uma agenda do capitão e deputado estadual Castello Branco, do PSL. Os dois foram à sede da Cinemateca Brasileira e anunciaram uma mostra de filmes militares. Ao fim do vídeo, repetiram o slogan de campanha do presidente (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”) e prestaram continência a uma câmera de celular. 

Hélio Schwartsman - De Posto Ipiranga a Manjubinha

- Folha de S. Paulo 

 Economistas nem sempre estudam filosofia como deveriam 

 Paulo Guedes passou da condição de ministro que resolveria tudo na economia para a de petisco frito por imersão ("deep fried"). Até aí, não é tão surpreendente. Esse é um destino relativamente comum para ministros, sob governos de todas as ideologias. 

 Mais difícil de entender é como alguém que se proclama liberal tenha se envolvido com um dirigente autoritário como Jair Bolsonaro. Guedes se gaba de ter lido Keynes "três vezes e no original", mas me pergunto se leu Hayek, autor que, para ele, na condição de egresso da Escola de Chicago, deveria ter maior precedência. 

E Hayek, melhor do que qualquer outro liberal moderno, compreendeu que não é possível desmembrar a economia das outras dimensões da vida. "Fins puramente econômicos não podem ser separados dos outros fins da vida", escreveu em "O Caminho da Servidão". Isso ocorre porque a economia é, no fundo, uma forma de ordenar nossas prioridades, algo que depende do valor que atribuímos individual e coletivamente às diferentes atividades e às coisas. 

Bruno Boghossian – Sozinho no século passado

- Folha de S. Paulo 

 Empresários preferiram se aliar a ONGs ambientalistas, alvos do presidente 

 Quando os presidenciáveis desfilavam em campanha, há dois anos, a turma do agronegócio acreditou ter feito uma escolha óbvia. Empresários se aproximaram do candidato que prometia afrouxar fiscalizações, e a bancada ruralista declarou apoio àquele que prometia atropelar as leis ambientais. 

O namoro durou pouco. Antes de tomar posse, Jair Bolsonaro abriu a primeira crise com o setor. O presidente eleito causou pânico entre produtores ao dizer que mudaria a embaixada de Israel para Jerusalém. Exportadores de carne criticaram a ideia, com medo de perder bilhões em negócios com países árabes. 

O governo não conseguiu levar a provocação adiante, mas manteve a sabotagem. Em março, Eduardo Bolsonaro acusou o governo chinês de ser responsável pela propagação do coronavírus. O líder da bancada ruralista precisou lembrar que a China responde por até 40% das exportações do agronegócio brasileiro. 

Além das trapalhadas nas relações exteriores, o lobby do agronegócio ficou incomodado com a omissão destrutiva do governo na Amazônia. Ninguém virou ambientalista da noite para o dia, mas os empresários perceberam que ter um Bolsonaro no poder era um mau negócio. 

Janio de Freitas - A política de devastação

- Folha de S. Paulo 

 Da decisão do presidente vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados 

 O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural. Esta é, notoriamente, uma rara política de governo em um governo sem políticas. 

É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro. Da sua decisão vieram os cortes de verbas, a redução dos quadros técnicos e científicos, e as nomeações de dirigentes inabilitados em setores como Ibama, Funai, ICMBio, INPE, e os outros de importância vital para a Amazônia, o Pantanal e os povos indígenas. 

José Roberto Mendonça de Barros* - Agronegócio, Amazônia e desenvolvimento

- O Estado de S.Paulo 

 Conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade e o meio ambiente. 

A pandemia está sendo uma experiência única por ter detonado a maior crise global em décadas. Não sabemos ainda como ela vai terminar e nem todas suas implicações. Entretanto, parece seguro imaginar que as pessoas tenderão a valorizar uma vida mais simples e prezar mais a sociabilidade (família e amigos) e a natureza. O desejo que já existe de consumir produtos mais naturais vai se ampliar, o que vai valorizar certos atributos (orgânicos etc.) e, especialmente, exigir o conhecimento de onde e como foi produzido. A percepção da ameaça do aquecimento global é cada vez mais visível no mundo inteiro, o que favorece a transição energética e a descarbonização. 

Também as empresas estão sendo fortemente pressionadas a mudar. É muito intensa a percepção de que seu desenvolvimento recente foi quase exclusivamente voltado para o curto prazo e ao retorno do acionista, com resultados para lá de questionáveis: expressiva concentração de renda e poder, redução da competição, limitado avanço da produtividade e agravamento das questões ambientais. 

O conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade (solidariedade) e o meio ambiente. A covid-19 acelerou drasticamente essas tendências já existentes. Passamos o ano vendo companhias de todos os portes, setores e regiões, incluindo instituições financeiras e fundos de investimento, punindo países e regiões que não se posicionam na luta contra o aquecimento global. 

Vinicius Torres Freire - A inflação do tijolo, do arroz e o auxílio

- Folha de S. Paulo 

Carestia será atenuada pela redução da renda dos mais pobres, com corte no auxílio 

 Tijolo, tintas, tubos e conexões ficaram bem mais caros na epidemia, além do arroz, do feijão, do ovo, do frango e do óleo de soja. São carestias diferentes, mas são o assunto da vida dura e real. 

Varejo e grandes construtoras reclamam dos preços e da falta de produtos no prazo desejado. Vai passar, em parte boa notícia, em parte, não. 

A alta do consumo de comida e de materiais de construção revela, como se ainda fosse preciso, a barbaridade da distribuição de renda no Brasil. Um tico mais de dinheiro na mão do povo causa bafafá. Quando acabar o auxílio emergencial, como vai ser? 

Falta produto porque houve parada na produção na pandemia e porque o mercado de construção "formiga" esquentou, tudo óbvio. Houve forte redução de estoques na economia inteira, o que ficou evidente nos dados do PIB do segundo trimestre. O consumo de certos itens de resto explodiu a partir de maio, com o auxílio emergencial. A produção volta lentamente, no caso de materiais típicos da construção civil. 

Apenas neste ano, até agosto, o preço médio do tijolo aumentou 17%. O das tintas, 6%. O do cimento, 11%. A inflação média, medida pelo IPCA, está em 0,7% neste 2020. Nem todo material para obras ficou mais caro, porém. O Custo Unitário Básico (CUB), o preço médio de fazer uma casa, por assim dizer, aumentou 2,9% em um ano, na média brasileira (ante 2,1% do IPCA em 12 meses), dados até junho. O preço da mão de obra para reformas ficou estagnado neste ano. 

Criar trabalho, a melhor agenda – Opinião | O Estado de S. Paulo

O quadro recém-revelado pelo IBGE contém uma pauta para o governo. Falta o governo perceber esse fato 

Mover a economia deve ser o objetivo número um do governo, passada a pior fase da pandemia. O Brasil completa em 2020 sete anos de crise, iniciados com a pífia expansão de 0,5% em 2014. É preciso continuar socorrendo os mais vulneráveis, mas nenhum combate à pobreza irá longe com a produção emperrada e o desemprego elevado. A insegurança alimentar assolava 36,7% dos domicílios em 2017-2018, segundo acaba de revelar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O empobrecimento começou, portanto, bem antes do surto de covid-19, e é preciso reverter esse longo processo. 

A redução da pobreza tem acompanhado, nas últimas décadas, a expansão da economia. Programas de apoio aos mais pobres, como o Bolsa Escola e, depois, o Bolsa Família, foram obviamente importantes, mas seria um erro subestimar o papel da expansão econômica e da criação de oportunidades Em 2004 eram 34,9% os domicílios com insegurança alimentar. Essa parcela diminuiu para 30,2% em 2009 e 22,6% em 2013, segundo o IBGE. Em seguida, voltou a aumentar e chegou a 36,7% em 2017-2018, embora o governo tenha mantido as ações de transferência de renda. Qual a explicação? 

A economia emperrou a partir de 2014. Cresceu nesse ano apenas 0,5%, entrou em recessão nos dois anos seguintes e depois começou a recuperar-se lentamente. Entre 2017 e 2019 o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou expansão de 3,7%. Na crise de 2015-2016 havia diminuído 6,6%. Completam-se agora sete anos de empobrecimento – pela redução do PIB por habitante, pelo aumento do desemprego, pela expansão da informalidade e, de modo mais amplo, pela diminuição das oportunidades. 

O crescimento da ocupação por conta própria mal disfarçou a piora das condições de sobrevivência. Com os novos desafios, alguns podem ter descoberto, talvez até com surpresa, uma vocação empreendedora. Na maior parte dos casos, iniciar um negócio deve ter sido simplesmente uma forma de evitar ou adiar um desastre. 

Brasil em chamas – Opinião | Folha de S. Paulo

O negacionismo de Bolsonaro, Mourão e Salles diante da devastação ambiental custa caro ao país 

 O presidente Jair Bolsonaro causará novos danos à imagem do Brasil com seu discurso para a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas na terça (22). Dá-se como certo que, na frente ambiental, insistirá na narrativa falaciosa e insustentável de que o país merece parabéns por uma política que os fatos comprovam ter fracassado. 

O Pantanal está em chamas —paradoxalmente, sendo a maior planície alagável do planeta. Mais de um quinto desse mosaico de vegetação riquíssimo em biodiversidade pode perecer na estiagem que favoreceu um salto de 200% nos focos de queimadas, neste ano. 

A intervenção humana explica a maioria dos incêndios. Às vezes ela é intencional, quando pecuaristas e agricultores queimam biomassa de áreas já desmatadas. Em outras, sua contribuição é acidental, quando usam fogo para limpar pastagens e fagulhas alcançam a mata. O mesmo ocorre na Amazônia, onde os focos aumentaram 12%. 

A destruição também está em alta na região amazônica, como o avanço das queimadas sugere. Grileiros e invasores promovem o corte raso em áreas públicas, terras indígenas e unidades de conservação, para depois queimar o resíduo seco sobre o solo. Fazendeiros fazem o mesmo nas propriedades, com ou sem autorização legal. 

Dados não mentem. Imagens de satélite comprovam que mais da metade dos focos de incêndio na Amazônia ocorrem em terrenos de desmate recente, não em áreas que já eram usadas pela agropecuária.  
Alertas de desmatamento lançados pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam derrubadas de áreas maiores em quase todos os meses de 2020 na comparação com 2019 —com as exceções de julho e agosto, quando ainda assim parecem ter ficado acima de 2018 e anos anteriores. 

Essas são as informações mais recentes colhidas por satélites para orientar a fiscalização. Não oferecem a mesma precisão do sistema do Inpe responsável pela estatística anual de desmatamento, o Prodes, que considera o intervalo de agosto a julho e é divulgado em novembro. 

Hora de rever a estabilidade do funcionalismo – Opinião | O Globo

A proposta de reforma administrativa toca no nervo exposto do Estado, mas não oferece uma saída consistente 

 Ao encaminhar sua proposta de reforma administrativa ao Congresso, o Executivo enfrentou o tabu: a estabilidade do funcionalismo, garantida a todo servidor concursado. É verdade que, por precaução ou omissão, preferiu não mexer nos funcionários da ativa, naqueles considerados “membros de Poder” (como juízes ou procuradores) e criou uma situação semelhante à atual para as carreiras consideradas de Estado (como diplomatas ou auditores). Para esses, continuaria valendo a regra atual, que garante estabilidade aos que completam três anos no serviço público. Mesmo assim, o simples fato de querer mudar as regras para os demais tocou num nervo exposto. Não é outro o motivo para haver tanto ceticismo no Congresso em relação à proposta do governo. 

Não faltam argumentos razoáveis para defender a estabilidade em carreiras essenciais ao funcionamento do Estado, em particular as técnicas. Se estivessem sob ameaça constante de demissão, representantes do interesse público estariam sujeitos a pressões políticas ou financeiras inaceitáveis. Não dá para imaginar que os critérios para demitir juízes, diplomatas ou acadêmicos possam ser os mesmos que para funções administrativas, burocráticas e de manutenção equivalentes às que existem na iniciativa privada. Toda a discórdia reside em como e onde traçar os limites. 

A estabilidade funcional foi instituída no Brasil para proteger o interesse público das pressões políticas e para garantir continuidade da máquina administrativa. É óbvio que algumas áreas dependem desse tipo de escudo, mas não há lógica na sua extensão às mais de duas centenas de carreiras funcionais. A inflexibilidade manietou a administração e inflou seu custo, sem correspondência na qualidade dos serviços prestados pela União, pelos estados e pelos municípios.