quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Alguns pontos preliminares de referência)

“É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta “filosofia espontânea”, peculiar a “todo o mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por “folclore”.

Após demonstrar que todos são filósofos, ainda que a seu modo, inconscientemente — já que, até mesmo na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada concepção do mundo — , passa-se ao segundo momento, ao momento da crítica e da consciência, ou seja, ao seguinte problema: é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação), ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?”

*Antonio Gramsci(1891-1937), “Cadernos do Cárcere, v.1, p.93-4, 4ª Edição. Civilização Brasileira, 2006.  

Merval Pereira - Politização indevida

O Globo

Foi grave a insinuação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que soltou a suspeita de ter havido sabotagem e pediu investigação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal.

A novidade de mais um apagão de alcance nacional é a politização do caso. Politização em sentido estrito, aproveitamento do fato para falar contra a privatização da Eletrobras ou em hipótese de sabotagem. Nos eventos anteriores, os governos do momento sofreram críticas e certamente ficaram fragilizados politicamente.

Mesmo quando, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, para não haver apagão, montou-se uma força-tarefa para organizar um racionamento do uso da energia, com estímulos à redução de consumo, o governo sofreu muito desgaste. Fala-se até hoje no “apagão” que não aconteceu, por falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.

Malu Gaspar – Um blecaute e uma cortina de fumaça

O Globo

Na manhã da terça-feira, 29 milhões de brasileiros de todos os estados, com exceção de Roraima, sentiram os efeitos do desligamento repentino no fornecimento de energia. De uma hora para outra, celulares pararam de funcionar, metrôs desaceleraram, milhares de geradores foram acionados, e muita gente não pôde ir trabalhar.

Da última vez que houve um abalo parecido, em 2009, o presidente também era Lula. O então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, primeiro atribuiu o blecaute a raios e ventos que haviam derrubado três circuitos ligados à Usina de Itaipu na região de Itaberá, em São Paulo, e a investigação do Operador Nacional do Sistema (ONS) demonstrou ainda que houve um curto-circuito numa subestação de Furnas.

Míriam Leitão - O trabalho já feito pela CPMI

O Globo

A relatora Eliziane Gama defende que a venda das joias seja apurada na comissão, assim como a movimentação financeira do ex-presidente

A CPMI do 8 de janeiro foi pedida pela oposição para constranger o governo Lula, mas hoje quem se constrange é Jair Bolsonaro e todo o seu entorno. A comissão quebrou sigilos e solicitou relatórios do Coaf que estão esclarecendo a rede de crimes de assessores do ex-presidente. A senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI, declarou que, ao final, seu relatório dirá quem preparou os atos golpistas e quem os financiou. Ela quer que a investigação inclua o escândalo das joias, mas não sabe ainda se é o caso de convocar Jair Bolsonaro. “Nem sempre a oitiva é o melhor caminho, e eu não preciso do depoimento para pedir o indiciamento”.

Entrevistei a senadora para o meu programa de ontem na GloboNews. Perguntei se ela não tem medo de a CPMI se perder na investigação desses muitos crimes que têm sido revelados pelas diferentes frentes. Ela acha que não, pois a Comissão precisa responder duas perguntas: quem planejou e quem financiou os atos. Ela promete, ao fim dos trabalhos, “um relatório absolutamente justo, um relatório conclusivo, um relatório que vai dar resposta ao povo brasileiro”.

Maria Cristina Fernandes - Entrevero entre Lira e Haddad afunila futuro

Valor Econômico

Na teoria, busca-se cobrar mais imposto para se pagar menos juro. Na prática, é de correlação de forças que se trata

Se o governo, como diz a Quaest, chegou ao pico de sua popularidade, a evolução deste patamar depende, em grande parte, do entrevero entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Da dobradinha que formaram desde a PEC da transição, saiu a aprovação, pela Câmara, da reforma tributária, do acordo do Carf e do arcabouço fiscal. O andamento desses projetos projetou uma trajetória fiscal para o país que deu lastro à primeira redução de juro em mais de dois anos.

O impasse em torno das “offshores” estava contratado. Se a abertura dessas empresas no exterior é motivada por vantagens fiscais, seria previsível que sua taxação seria rejeitada.

Esta taxação e a de fundos exclusivos - ainda não formatada pelo governo - é a “reforma tributária” dos investidores. A outra, mais ampla, venceu resistências federativas e, apesar das exceções excessivas, chegou ao Senado. Esta empacou.

Pedro Cavalcanti Ferreira / Renato Fragelli Cardoso* - Novamente o pessimismo moderado

Valor Econômico

Os cenários mais desastrosos estão afastados, mas nada de muito bom virá de um governo prisioneiro de concepções ideológicas do passado

Desde o início de agosto os mercados vêm mostrando desânimo com o Brasil. Foram 13 pequenas quedas seguidas do Ibovespa. Refletem a percepção de que o Brasil de Lula 3 não será o de Dilma, mas tampouco repetirá o de Lula 1. De animador somente a constatação de que as boas reformas institucionais implantadas no passado não serão revertidas.

Em sua desesperada tentativa de reeleger-se, Bolsonaro promoveu um gigantesco aumento de gastos no ano eleitoral de 2022. O Auxílio Brasil a R$ 600 foi prolongado até dezembro e transferências a caminhoneiros e taxistas de R$ 1 mil foram pagos mensalmente no mesmo período. A redução do ICMS sobre os combustíveis, que gerou uma deflação acumulada de 1,3% (IPCA) nos três meses que antecederam a eleição, levou governadores a acionarem o STF em busca de ressarcimento do Tesouro. Dessa vez, a herança foi maldita mesmo.

Anne Krueger - Da guerra comercial à guerra de subsídios

Valor Econômico

Ninguém poderá vencer um conflito destruidor de orçamentos

Para desgosto de muitos economistas, o governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, manteve a maior parte das tarifas e barreiras comerciais de seu antecessor. Na verdade, ao contrário das expectativas da maioria dos analistas, os Estados Unidos impuseram medidas protetivas adicionais, como as políticas “buy American” de Biden, resultando em custos mais altos para os consumidores e contribuintes americanos.

Durante a presidência de Donald Trump, os EUA impuseram uma tarifa de 25% sobre as importações de aço e uma tarifa de 10% sobre o alumínio importado. O governo Trump iniciou uma guerra comercial com a China, retirou-se da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) que os presidentes anteriores, George W. Bush e Barack Obama, negociaram com 12 países da orla do Pacífico, e “renegociou” o Acordo de Livre Comercio da América do Norte, renomeando-o de Acordo EUA-México-Canadá.

Luiz Carlos Azedo - O lema dos gladiadores e a banalização das ações de Mauro Cid

Correio Braziliense

Novo advogado não chega a responsabilizar o ex-presidente Jair Bolsonaro diretamente, mas insinua, ao destacar a necessidade de identificar o responsável pelas ordens recebidas pelo militar

A expressão latina Ave Imperator, morituri te salutant ou Ave Caesar, morituri te salutant (“Ave, César, aqueles que estão prestes a morrer o saúdam”) foi usada a primeira vez em 52 d.C, como saudação ao imperador romano Cláudio, durante um evento no Lago Fucino, na Itália, no qual escravos e criminosos condenados à morte foram obrigados a simular uma batalha naval denominada Naumaquia. Segundo o historiador romano Caio Suetônio Tranqïlo, Cláudio teria respondido “Aut non”(ou não). Em 89 a.C, o lago fora palco da morte de Lúcio Catão, cônsul da República Romana, durante batalha contra rebeldes das cidades italianas.

No clássico De Cita Caesarian, Suetônio escreveu sobre 12 imperadores romanos, entre os quais Julio Cesar e Nero. A obra mistura verdade e ficção, mas retrata de tal forma a vida no Império Romano que influenciou toda a historiografia sobre esse período e, de certa forma, a compreensão da formação da civilização ocidental. O lema dos gladiadores vem ao caso em razão da estratégia do novo responsável pela defesa do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, o advogado Cezar Roberto Bitencourt.

Bruno Boghossian - O coronel, o Anjo e capitão

Folha de S. Paulo

Defesa de Cid e mudança de versão de Wassef mostram que turma do ex-presidente age no modo desespero

Jair Bolsonaro tinha um dedo de ouro para escolher auxiliares. Seu principal assessor no Planalto era um militar que, segundo sua defesa, era tão disciplinado que cumpria até ordens ilegais. Já o advogado particular do ex-presidente era capaz de atravessar o continente para ocultar suspeitas sobre o chefe e ainda jurar que agia sem ninguém pedir.

As explicações oferecidas por aliados de Bolsonaro sobre o escândalo das joias mostram que a tropa da muamba opera num modo desesperado. Uns fazem de tudo para proteger a si mesmos, e outros ensaiam piruetas para blindar o chefe. Todos acabam deixando o ex-presidente um pouco mais enrolado.

Maria Hermínia Tavares - O devido peso das ilusões

Folha de S. Paulo

Uma de suas análises sobre o golpe de 64 ajuda a entender o 8 de Janeiro

No meio de tudo o que publicou de bom e robusto, José Murilo de Carvalho, que se foi no fim de semana, deixou muitos artigos curtos, despretensiosos. Entre eles, uma joia de 11 páginas, "Fortuna e Virtù no Golpe de 1964", incluído no livro "Forças Armadas e Política no Brasil" (2005).

Ali, o cientista político e historiador fala das duas surpresas dos que viveram a deposição de João Goulart e a chegada dos militares ao poder. A primeira foi a facilidade com que os conspiradores da direita levaram a melhor. A segunda, a permanência dos fardados no comando político, quando o retrospecto, desde o fim do Estado Novo, em 1945, fazia crer que a quartelada seria "cirúrgica": removido o presidente, o poder logo seria devolvido aos civis.

Ruy Castro - José Murilo

Folha de S. Paulo

O Brasil fará melhor se levar em conta o alerta deste grande historiador sobre o nosso futuro

Quando a Academia Brasileira de Letras perde um de seus membros, a sessão seguinte ao falecimento se dedica a lembrá-lo com relatos a seu respeito como intelectual e como pessoa. Daí ser chamada Sessão da Saudade. Desde que passei a pertencer à instituição, em março último, o historiador José Murilo de Carvalho, que nos deixou neste domingo (13), é o primeiro confrade que se vai. Mas nossos poucos meses de convívio foram suficientes para que eu compreendesse a razão de chamá-la Sessão da Saudade.

William Waack - Um governo apegado a fórmulas antigas

O Estado de S. Paulo

O governo continua apegado a antigas fórmulas

Lula continua dedicado a buscar no passado perdido uma visão de futuro. A postura vale especialmente para a economia (mas também para política externa), e seu exemplo mais recente foi o relançamento do PAC.

Há consenso sobre o fato de o PAC original não ter sido uma história de sucesso. Ao fim do período petista a economia contraiu, o desemprego aumentou e fracassaram alguns dos principais projetos de industrialização.

Qual a razão de se insistir agora mais uma vez em indústria naval, diante do fracasso das anteriores? Ou de se utilizar estatais e bancos públicos no mesmo tipo de empreitadas que trouxeram maus resultados?

Adriana Fernandes - Retaliação da crise Haddad-Lira

O Estado de S. Paulo

Projeto prorroga a desoneração da folha até 2027 e tem custo estimado em torno de R$ 9 bilhões

A votação do projeto que prorroga a desoneração da folha de pagamento para os 17 setores que mais empregam no País deve marcar um divisor de águas no apoio do comando da Câmara à pauta econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

No dia seguinte ao “sincericídio” de Haddad criticando as líderes da Casa, o presidente da Câmara, Arthur Lira, antecipou que o projeto, que já passou pelo Senado, pode ser votado na próxima semana.

Caso ocorra como sinalizado por Lira, o timing dessa votação é certeiro. Se a prorrogação for aprovada antes do envio do projeto do Orçamento de 2024 ao Congresso, no próximo dia 31 de agosto, o governo não pode simplesmente “esquecer” de colocar esse custo nas contas do ano que vem.

Não é pouca coisa. Se aprovado do jeito que saiu do Senado, o custo pode chegar a R$ 20 bilhões. O projeto prorroga a desoneração até 31 de dezembro de 2027 com total estimado em torno de R$ 9 bilhões.

Celso Ming - Os reajustes do diesel e da gasolina

O Estado de S. Paulo

Os reajustes do tipo “meia pancada” nos preços do óleo diesel (25,8%) e da gasolina (16,2%) lançam mais dúvidas sobre os novos critérios de preços da Petrobras que substituíram a regra anterior, a da paridade internacional.

Em seu depoimento em uma das comissões do Senado nesta quarta-feira, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, justificou a decisão como necessidade de se antecipar à nova alta do petróleo esperada pela provável recuperação da atividade econômica dos Estados Unidos e da China.

Em nenhum momento mencionou a provável razão mais importante: a de que o atraso nas remarcações já vinha produzindo certo desabastecimento, na medida em que levou os importadores de combustíveis a se retirarem do mercado porque já não podiam competir com os preços achatados da Petrobras. Prates chegou a afirmar que não há risco de desabastecimento de diesel. Mas isso parece ter-se seguido apenas depois dos reajustes agora definidos.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo e PT erram ao tentar politizar apagão

O Globo

Só apuração técnica consistente das causas pode apontar o que fazer para evitar episódios semelhantes

Ao longo da terça-feira, quando o país viveu o maior apagão desde 2009, as narrativas prevaleceram sobre os fatos. Uma questão de fundo técnico foi imediatamente politizada. A primeira-dama Janja da Silva publicou, antes de qualquer análise ou diagnóstico das causas, mensagem numa rede social pondo a culpa na privatização da Eletrobras. Líderes petistas seguiram o mesmo caminho. Até o ministro de Minas e EnergiaAlexandre Silveira, pôs a empresa na berlinda, embora tenha dito ser “leviano” apontar relação de causa e efeito entre o apagão e a privatização.

A politização abriu caminho ainda a críticas às fontes alternativas de eletricidade. Mesmo que o apagão possa ter tido origem na sobrecarga de uma usina eólica e que a energia tenha demorado mais a voltar nos estados que dependem da geração por vento ou solar, a falha técnica, rara, não é pretexto para a adoção de fontes de energia mais poluentes. O problema não está ligado às usinas em si, mas à gestão do sistema. Apenas uma apuração consistente das causas será capaz de apontar o que precisa ser corrigido para evitar episódios semelhantes.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Sociedade

 

Música | Casuarina - Dia de Graça (com Teresa Cristina)