sexta-feira, 25 de março de 2016

Opinião do dia – Armênio Guedes

O livro de memória de Marco Antônio Coelho é a história mais concisa e bem escrita que conheço sobre a militância comunista no Brasil. Pode-se agora avaliar com maior clareza o papel desempenhado por ela na educação e formação de uma boa parte dos quadros que estão hoje ocupando postos de direção na vida política do país. Poe isso, e por sua qualidade literária, é uma leitura fascinante.
---------------
Armênio Guedes (30/05/1918-12/03/2015), ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro, na contra capa do livro ‘Herança de um sonho’ de Marco Antônio Tavares Coelho. Editora Record, Rio de Janeiro, 2000

PMDB do Rio decide romper com governo Dilma

• À mídia estrangeira, presidente diz que impeachment é ruptura democrática

Na véspera, ministros do Supremo defenderam legitimidade de processo

O mais influente diretório e símbolo da fidelidade à presidente Dilma, o PMDB do Rio decidiu romper com o governo. A decisão, comunicada ao vice Michel Temer, sinaliza a tendência da maior parte da legenda. Ontem, um dia após ministros do STF afirmarem que impeachment não é golpe e está previsto na Constituição, Dilma disse a jornais estrangeiros que seu impedimento seria a “ruptura da ordem democrática”. Dilma alegou que tirá- la do cargo deixaria cicatrizes duradouras para a democracia e que apelará, “com todos os modos legais disponíveis”, para não sair da Presidência.

‘ Processo é ruptura da ordem democrática’

• Em entrevista à imprensa estrangeira, Dilma diz que Lula irá para o governo de qualquer jeito

Catarina Alencastro e Leticia Fernandes - O Globo

BRASÍLIA - Diante da repercussão internacional da crise política em que está envolvida, a presidente Dilma Rousseff reforçou ontem, a jornalistas estrangeiros, o discurso de que o processo de impeachment carece de bases legais, e que tirá- la do poder sem justificativa é golpe. Segundo ela, o movimento que estaria sendo engendrado agora não se compara ao golpe militar executado em 1964, mas o sucesso do impeachment seria a ruptura da ordem democrática. Dilma afirma que querem a renúncia dela para evitar retirarem um mandato legítimo de forma “indevida, ilegal e criminosa”.

— Nós tivemos golpes de Estado militares em nossa História. Em um sistema democrático, esses golpes mudam de forma. Cada regime tem seu tipo de golpe. A Constituição garante direitos, e em um golpe você subverte esses direitos e perverte a ordem democrática. E isso é perigoso. Sem base legal, esse processo é um golpe contra a democracia. E as consequências disso não sabemos, porque não temos capacidade de prever o futuro — afirmou, segundo o diário espanhol “El País”.

Na véspera, os ministros do STF Dias Toffoli e Cármen Lúcia afirmaram que, se for respeitada a Constituição, impeachment não é golpe. A entrevista foi concedida a jornalistas dos jornais “El País” (Espanha), “The Guardian” (Inglaterra), “The New York Times” ( Estados Unidos), “Le Monde” ( França) e “Página 12” ( Argentina).

O “Guardian” ressaltou que Dilma distinguiu o que seria o golpe atual do golpe militar que jogou o Brasil numa longa ditadura.

— Eu não estou comparando o golpe de agora com os golpes militares do passado, mas seria a ruptura da ordem democrática no Brasil — disse a presidente.

A decisão de convocar jornalistas de veículos internacionais vem sendo executada desde o início da semana. Depois que importantes publicações passaram a defender, em seus editoriais, a renúncia da presidente, José Eduardo Cardozo ( advogado- geral da União) falou com correspondentes estrangeiros em São Paulo, e Jaques Wagner ( chefe de gabinete de Dilma) fez o mesmo no Rio.

Previsão constitucional
Personalidade da edição 2016 do Prêmio Faz Diferença, do GLOBO em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Cármen se posicionou na noite de quarta- feira sobre a legalidade do processo:

— Tenho certeza de que a presidente deve ter dito que se não se cumprir a Constituição é que poderia haver algum desbordamento. Não acredito que ela tenha falado que impeachment é golpe. O impeachment é um instituto previsto constitucionalmente.

Já Dias Toffoli disse que o impeachment é um instrumento democrático:

— Não se trata de um golpe. Todas as democracias têm instrumentos de controle, e o impeachment é um tipo de controle.

Sobre a participação do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu Ministério, o que ainda depende de decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), Dilma disse que não há como impedir que ele ajude o governo, seja como ministro da Casa Civil, seja como assessor. De acordo com o jornal “El País”, a presidente afirmou que seu antecessor é “seu companheiro” e o defendeu das acusações de que ele só decidiu entrar no governo para escapar das investigações da Lava- Jato. A argumentação da oposição é que, com foro privilegiado, Lula passa a ser investigado pelo STF.

— O que acontece é que Lula iria fortalecer meu governo, e os partidários do quanto pior, melhor não querem isso. Agora, digo uma coisa: ou ele vem como ministro ou vem como assessor, de uma maneira ou de outra. Não tem como impedir.

Dilma investe sobre a imprensa estrangeira para registrar a sua visão sobre a crise política que enfrenta. Em um evento com centenas de juristas pela legalidade e em defesa da democracia esta semana, no Planalto, a presidente radicalizou o discurso, denunciando um “golpe em curso”. Ontem, com os repórteres estrangeiros, voltou a dizer que não renunciará.

— A oposição me pede que eu renuncie. Por quê? Por que sou uma mulher fraca? Não, não sou uma mulher fraca. Minha vida não foi isso. Pedem que eu renuncie para evitar tirarem uma presidente eleita, de forma ilegal, indevida e criminosa. Pensam que devo estar muito afetada, que devo estar completamente desestruturada, muito pressionada. Mas não estou assim, não sou assim — disse, lembrando que lutou duramente contra a ditadura militar.

Segundo reportagem do “Guardian”, Dilma argumentou que qualquer tentativa de tirá- la do poder ilegalmente deixaria cicatrizes profundas na democracia brasileira. Aos jornalistas, Dilma apontou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB- RJ), que deu início ao processo de impeachment, é réu por corrupção. Afirmou que a oposição não aceitou a derrota apertada que sofreu nas últimas eleições e vem sabotando a agenda legislativa, o que está afundando o país.

De acordo com o jornal “El País”, Dilma disse que Cunha quis barganhar com o governo o apoio da base aliada contra a abertura de um processo de cassação do mandato dele no Conselho de Ética da Câmara em troca de não aceitar o pedido de impeachment.

Dilma se disse favorável aos protestos de rua, porque veio de “uma geração em que se você abrisse a boca poderia ir para a prisão”, mas ressaltou que os que se manifestaram pelo impeachment representam menos de 2% da população brasileira. A presidente também criticou “métodos fascistas” usados por alguns opositores. O “New York Times” descreveu como Dilma diz reagir aos protestos pelo impeachment.

— Não vou dizer que é agradável ser vaiada, mas eu não sou uma pessoa depressiva. Eu durmo bem à noite — garantiu.

Com relação às acusações que pesam sobre o marqueteiro de suas campanhas eleitorais, João Santana, Dilma negou que tenha recebido financiamento ilegal. Perguntada se aceitará a decisão do Congresso de tirá-la da Presidência, caso o impeachment seja aprovado, Dilma respondeu:

— Nós iremos apelar com todos os métodos legais disponíveis.

Segundo os repórteres do “Guardian”, Dilma estava animada e calma ao longo de toda a entrevista e só demonstrou irritação quando perguntada sobre a decisão do juiz Sérgio Moro de divulgar as conversas que teve com Lula, o que ateou mais fogo na crise política. Ao defender que houve violação da privacidade, dizem os jornalistas, Dilma bateu na mesa.

Oposição critica entrevista
A oposição criticou a fala da presidente, classificando- a como um discurso que tenta confundir a população.

— O momento é de desespero do governo. A legalidade se rompe quando ela quer nomear um ministro para criar uma fuga da Justiça — afirmou o vice- líder do PSDB na Câmara, Nilson Leitão, referindo-se à escolha de Lula para a Casa Civil.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), criticou o teor da entrevista:

— Dilma acha que dar entrevistas alardeando mentiras a correspondentes vai convencer. Os jornalistas estrangeiros acompanham de perto a crise criada pelo PT e sabem que foi o próprio partido que cavou o buraco em que está. O impeachment é legal, constitucional e tem respaldo do STF.

Já o presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirmou que o discurso da presidente pode causar danos à imagem do país:

— Dizer que há um golpe de Estado, nós não podemos aceitar. Essa mentira vai custar caro à imagem do nosso país. O ministro Dias Toffoli foi claro e até pedagógico para demonstrar que no Brasil não está havendo golpe contra quem quer que seja.

PMDB do Rio muda de posição e decide romper com governo

• Diretório fluminense era principal centro de apoio a Dilma no partido

Fernanda Krakovics e Marco Grillo - O Globo

Bastião governista até o início do mês, o PMDB do Rio resolveu retirar seu apoio à gestão Dilma Rousseff e pretende votar majoritariamente a favor do desembarque do governo, em reunião do Diretório Nacional do partido, marcada para terça- feira. A saída complicará a situação de Dilma no plenário da Câmara, caso o processo de impeachment seja admitido pela comissão especial: a bancada do PMDB do Rio é a maior do partido, com 12 deputados.

A decisão foi comunicada ao vice-presidente da República e presidente do partido, Michel Temer, pelo presidente do PMDB do Rio, deputado Jorge Picciani. Os dois se encontraram anteontem em um hospital do Rio durante visita ao governador Luiz Fernando Pezão. Segundo uma fonte, o PMDB do Rio, agora, “está fechado com Temer”. Pezão, bastante próximo a Dilma, com quem conversou ontem por telefone, não irá à reunião por estar doente.

Pedido de outros diretórios
A convocação do diretório nacional foi feita por Temer a pedido de 14 direções estaduais do PMDB. A gota d'água para o desembarque foi a nomeação de Mauro Lopes como ministro da Secretaria de Aviação Civil, contrariando decisão da convenção nacional do partido. Desde então, mais quatro diretórios aderiram à tese do rompimento. Hoje, a favor do governo estão apenas Amazonas, Alagoas, Amapá, Sergipe, Maranhão, Paraná, Mato Grosso, Pará e Minas Gerais. E os defensores do rompimento dizem que o diretório de Minas será o próximo a abandonar o barco de Dilma.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, que depende da parceria com o governo federal para as Olimpíadas, também não deve comparecer à reunião do diretório. Já o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), deverá ter posição oposta à do pai, Jorge Picciani, e votar contra a saída. Ele foi reeleito para a liderança do partido com o apoio do Palácio do Planalto. Na ocasião, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, foi exonerado para voltar à Câmara e apoiar a recondução de Picciani.

Nas últimas eleições, no entanto, a família Picciani fez campanha para o candidato do PSDB à Presidência da República, Aécio Neves. Jorge Picciani coordenou a campanha do tucano no Rio e criou o movimento “Aezão”, que pregava o voto em Aécio e em Pezão.

Até o vazamento da delação do senador Delcídio Amaral ( sem partido- MS) e a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal, no início do mês, Jorge Picciani se mostrava contra o impeachment. Em fevereiro, disse ao GLOBO que não achava ter havido crime de responsabilidade.

Após a delação de Delcídio e o depoimento de Lula, Jorge Picciani passou a dizer a aliados que o governo cairia em três meses. Ele passou a duvidar da capacidade de reação do Planalto e a afirmar que o PMDB do Senado, que tem sido o esteio do governo, não terá condições de segurar o impeachment, em caso de aprovação pela Câmara.

— Água morro abaixo e fogo morro acima, ninguém segura — disse Picciani a pessoa próxima.

Rio tem 14 votos
Os 12 integrantes do PMDB do Rio no Diretório Nacional têm direito a 14 votos, pois Jorge Picciani vota duas vezes, por ser presidente estadual do partido, enquanto Leonardo Picciani também vota como líder na Câmara. Os outros membros são Paes, Pezão, o ex-governador Sérgio Cabral, os secretários Rafael Picciani, Pedro Paulo, Marco Antônio Cabral, Paulo Melo, o ex-secretário Régis Fichtner, o ex-ministro Moreira Franco e o deputado Washington Reis. O ministro Celso Pansera, os prefeitos Dr. Aluízio (Macaé) e Nelson Bornier (Nova Iguaçu) e o deputado Fernando Jordão são suplentes.

Críticas de Lula à Lava- Jato provocam reação

• Juízes e procuradores afirmam que crise na economia nada tem a ver com a operação

Leticia Fernandes - O Globo

- BRASÍLIA- Magistrados, associações de juristas e políticos da oposição rebateram o ex-presidente Lula, que anteontem disse, em discurso a sindicalistas em São Paulo, que a Operação Lava- Jato pode trazer consequências negativas para o país, como aumento do desemprego.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil ( Ajufe), Antonio César Bochenek, ressaltou que a Lava- Jato já recuperou mais de R$ 3 bilhões, além de bens móveis e imóveis:

— Eu acredito que a operação não deu nenhum prejuízo.

O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, também considerou a declaração inapropriada:

— Lula se apequena com declarações como essa, porque ele foi presidente da República por duas vezes, teve a responsabilidade de dirigir o país e sabe muito bem que a situação econômica deriva muito mais de decisões de política econômica do que de qualquer investigação, por mais extensa que seja.

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), disse que a força- tarefa da Lava- Jato não tem relação “com a desorganização” dos governos petistas, que, segundo ele, levaram ao agravamento da crise econômica:

— A força-tarefa não tem nada a ver com os desmandos na economia do ex- presidente Lula. Toda essa desorganização da economia levou à gravidade dessa situação. A Lava- Jato, ao contrário, está colocando as coisas no seu devido lugar.

No discurso, Lula disse aos sindicalistas que “procurassem a força- tarefa, procurassem o juiz ( Sérgio) Moro, para saber o seguinte: se eles estão discutindo quanto essa operação já deu de prejuízo à economia brasileira”.

Já Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM no Senado, disse que Lula usa de uma “velha tática” ao dizer que a crise pode quebrar o país, mas que o escândalo na Petrobras começou quando o petista era presidente:

— Enquanto Lula esteve na Presidência, foi formado o maior escândalo de corrupção na Petrobras. Ele agora vem dizer que essa crise vai quebrar o Brasil? (Com G1)

Temer, o articulador

• Vice-presidente desiste de viajar a Portugal, para tentar unidade no PMDB

Catarina Alencastro e Eduardo Bresciani - O Globo

O vice- presidente da República, Michel Temer, cancelou a viagem que faria a Portugal no domingo para participar de um evento que reuniria líderes da oposição, como os tucanos Aécio Neves e José Serra, e os ministros do Supremo Tribunal Federal ( STF) Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Temer atendeu a um apelo de correligionários do PMDB para ficar no país porque o partido discutirá na próxima terça- feira, dia 29, se desembarca do governo Dilma Rousseff. Uma ala do partido que resiste ao rompimento, liderada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), tenta adiar a data da reunião do diretório da legenda para discutir o desembarque. Um dos argumentos era justamente a ausência de Temer no dia da reunião.

Os peemedebistas favoráveis ao impeachment não concordaram com o adiamento. Temer, então, decidiu permanecer para manter contato com os dois grupos e buscar uma solução para evitar uma divisão do partido após um eventual desembarque. Ainda assim, Temer não deve participar da reunião do diretório.

A viagem vinha sendo criticada porque o seminário em Lisboa, intitulado “Constituição e crise — A Constituição no contexto das crises política e econômica”, passou a ser visto como uma reunião para tratar do Brasil “pós- Dilma”.

Diante do caráter oposicionista do encontro, políticos portugueses convidados a participar do seminário deixaram claro o desconforto com o que passou a ser visto como palco de um “governo no exílio”. Há um movimento de esvaziamento do evento entre figuras ilustres inicialmente confirmadas. O mais importante convidado, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, já avisou que será muito difícil comparecer. Nos cartazes do seminário Rebelo de Sousa constava como orador que iria encerrar o evento. O colóquio tinha ainda mais um motivo para ter o presidente, já que será sediado na Universidade de Lisboa, onde, até o mês passado, Rebelo de Sousa lecionava.

— É muito difícil que ele vá, ele tem uma série de compromissos, e será muito difícil conciliar todas as solicitações que ele tem para esse dia — informou ao GLOBO, por telefone, o assessor de imprensa do presidente português.

Além dele, o outro membro do governo português, Jaime Gama, que é ministro de Negócios Estrangeiros, também cancelou sua participação. Embora aleguem problemas de agenda, o motivo, segundo políticos portugueses, é que o evento poderá ter “tom conspiratório” e tratar de justificativas para o impeachment da presidente Dilma.

Da parte brasileira, o seminário é promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), coordenado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Entre os principais oradores brasileiros estarão os senadores tucanos José Serra e Aécio Neves. Segundo o jornal “Público”, um dos principais de Portugal, fontes oficiais tratavam o evento como palco de um “governo no exílio”. Até mesmo o ex- primeiro-ministro Pedro Passos Coelho estaria cancelando sua ida.

— Parece-me um seminário muito enviesado, só por um lado da questão, tendo na lista de oradores brasileiros somente possíveis beneficiários de um eventual impeachment. As mesas de debate quase têm como preocupação procurar uma justificativa teórica ou acadêmica para o impeachment — avaliou ao GLOBO Rui Tavares, ex- deputado do Parlamento Europeu e historiador.

A presença de Temer, cancelada ontem pelo próprio, vinha sendo criticada no Palácio do Planalto. Um assessor dizia ontem que ele não teria coragem de aparecer em Lisboa numa foto com Aécio e Serra: — Seria a foto do golpe. A decisão de desistir da viagem foi anunciada após o Diário Oficial da União publicar ontem a exoneração de Henrique Pires, presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Ele foi indicado para a função justamente por Temer, que não foi consultado antes da exoneração. Não há registro de que Pires tenha pedido para deixar a função. (Colaborou Eduardo Barretto)

Temer cancela viagem para articular rompimento do PMDB da gestão Dilma

• Vice-presidente quer rompimento do PMDB com o governo, com larga vantagem, na próxima terça-feira; maioria dos peemedebistas do diretório do Rio vai votar pelo desembarque

Adriano Ceolin e Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A oferta de cargos no governo para dividir a base aliada no Congresso obrigou nesta quinta-feira, 24, o vice-presidente Michel Temer a cancelar sua viagem a Portugal. Ele quer garantir uma vitória expressiva na reunião do diretório nacional do PMDB, marcada para terça-feira, em que deve ser oficializado o rompimento do partido com a presidente Dilma Rousseff, passo considerado fundamental para o impeachment da petista.

Com Temer, envolvido diretamente nos bastidores da articulação, o PMDB do Rio de Janeiro já anunciou nesta quinta que irá votar pelo desembarque do governo. Os peemedebistas fluminenses sempre foram considerados estratégicos para o jogo do impeachment no Congresso. O Planalto deu mostras, contudo, que usará o poder que ainda tem para atrapalhar os planos de Temer. A edição do Diário Oficial de ontem trouxe a demissão do presidente da Fundação Nacional de Saúde, Antonio Henrique Pires, que é ligada ao grupo do vice-presidente.

A troca deixa claro que o Planalto resolveu abrir mão de negociar com os partidos para atender diretamente às demandas dos deputados, provocando uma série de divisões em todas as bancadas. O foco do governo é o universo de 172 votos, número mínimo necessário para impedir o impeachment.

Conforme o Estado publicou nesta quinta-feira, o Planalto decidiu apostar na oferta de cargos em primeiro e segundo escalão com dois objetivos iniciais: diminuir o impacto do provável rompimento do PMDB e evitar que esse episódio contamine o restante dos partidos da base de sustentação no Congresso. “Qualquer voto que eles conseguirem no PMDB é lucro”, disse o deputado Lúcio Vieira Lima (BA), integrante da ala a favor do impeachment. “Para nós, é importante aprovar o desembarque do partido para mostrar nossa força”, completou.

O Planalto conta com a ajuda dos atuais sete ministros do PMDB, que ocupam as pastas de Minas e Energia, Saúde, Agricultura, Ciência e Tecnologia, Turismo, Aviação Civil e Portos. Por ora, nenhum deles deseja sair do cargo.

Em reunião com a presidente nesta quarta-feira à noite, eles apresentaram o quadro atual da disputa dentro do partido e comprometeram-se a não facilitar o rompimento liderado pelo vice-presidente. Mesmo durante o feriado, o grupo de ministros deverá realizar ligações para integrantes dos respectivos diretórios estaduais, no intuito de assegurar votos contra a debandada.

Reunião. Diante das investidas da cúpula do governo, Michel Temer decidiu na manhã de nesta quinta-feira não viajar para Portugal. Em Lisboa, o vice-presidente participaria de um evento promovido pelo instituto de ensino jurídicos ligado ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de ter cancelado a viagem, Temer não confirmou sua presença na reunião do diretório na terça-feira. Ele prefere não presidir o encontro que deve beneficiá-lo. A direção dos trabalhos caberia ao primeiro vice-presidente do partido, senador Romero Jucá (PMDB-RR), favorável ao impeachment.

No Brasil, Temer irá atuar nos bastidores para garantir uma vitória expressiva na reunião do diretório. O grupo do vice acredita que pode conseguir 75% de apoio a favor do rompimento. O diretório é integrado por 119 membros, das 27 unidades da federação. No evento em Portugal, está prevista a participação de lideranças de oposição como o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e o senador José Serra (SP).

Maioria do PMDB-RJ votará pelo rompimento com o governo

• O líder do partido na Câmara, Leonardo Picciani, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, devem ser os únicos do diretório nacional do Rio a votar pela manutenção da aliança com o governo Dilma

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo

RIO - Até agora maior aliado da presidente Dilma Rousseff no PMDB, o diretório do Estado do Rio de Janeiro vai votar pelo rompimento com o governo na reunião nacional do partido marcada para terça-feira, 29. Peemedebistas ouvidos pelo Estado acreditam que a decisão não será unânime, porque poderá ter o voto contrário ao rompimento do líder da PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, e do ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera. Os outros dez representantes do Rio no diretório nacional deverão votar pela saída do governo.

Embora integrem o diretório nacional, o governador Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral não irão ao encontro. Serão substituídos por suplentes. Entre os que votarão pelo rompimento estão o presidente do PMDB-RJ, Jorge Picciani, pai de Leonardo, o ex-ministro e ex-governador Wellington Moreira Franco e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

O argumento para a saída do governo será de que a presidente Dilma Rousseff não é capaz de liderar um movimento para tirar o País da crise. Também sustentarão que o mais importante é garantir a unidade do PMDB, que tem mostrado clara tendência pelo rompimento. Os peemedebistas fluminenses evitarão associar o rompimento a uma tendência a favor do impeachment da presidente, embora entendam que o avanço das investigações da Operação Lava Jato tenham tornado muito difícil a defesa de Dilma no processo em curso na Câmara.

“Não queremos misturar rompimento e impeachment neste momento. Vamos dizer que continuamos a respeitar a presidente, mas que deixamos o governo para manter a unidade partidária. Vamos sair, mas não vamos fazer alarde”, disse um peemedebista fluminense com voto no diretório nacional.

Negociações já têm como foco o pós-Dilma

Articulação de ala do PMDB ligada a Temer com partidos do 'centrão' sobre montagem de equipe faz Planalto agilizar estratégia contrária

Vera Rosa e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA -O Palácio do Planalto foi informado de que a ala do PMDB ligada ao vice Michel Temer não só aposta no impeachment da presidente Dilma Rousseff, ao lado da oposição, como já traça cenários sobre eventual pós-Dilma com integrantes de outros partidos aliados. As conversas desse grupo ocorrem nos bastidores com setores do PSD, PP, PR e PTB – o chamado “centrão” – e passam até mesmo por tratativas sobre cargos em ministérios, estatais e bancos públicos.

O movimento preocupa o Planalto, às vésperas da reunião do Diretório Nacional do PMDB, que na terça-feira vai decidir se o partido romperá com Dilma e entregará os cargos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve a nomeação suspensa como ministro da Casa Civil, avalia que, sem o PMDB, Dilma não resistirá e tenta segurar a debandada.

Articuladores políticos do governo montaram planilhas por Estados, para atender parlamentares insatisfeitos e punir traidores. “Só é governo quem vota com o governo”, resumiu um assessor da presidente.

Com o agravamento da crise política, porém, uma parte do PMDB e a oposição liderada pelo PSDB têm conseguido atrair aliados de Dilma em torno de negociações que vão da promessa de cargos, caso a presidente seja afastada, a acertos para disputas municipais.

Escolhido para presidir a Comissão Especial do impeachment, instalada na Câmara, o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), por exemplo, é um nome citado como candidato ao comando da Casa, em acordo com a ala do PMDB ligada a Eduardo Cunha (RJ). O mandato de Cunha à frente da Câmara termina no fim do ano, mas pode ser encurtado, caso as denúncias contra ele, envolvendo desvio de recursos na Petrobrás, sejam acatadas.

Na semana passada, Rosso telefonou para o deputado Índio da Costa (PSD) e pediu que ele não lançasse agora a candidatura à prefeitura do Rio para possível composição com o PMDB, mais à frente. No Congresso, a leitura desse diálogo foi a de que o presidente da Comissão está “fechado” com o PMDB.

Rosso negou tratar de governo pós-Dilma e atribuiu o pedido feito a Índio a “questões locais”. Embora publicamente a maioria dos aliados de Temer minimize as discussões relativas a uma nova equipe, alguns admitem “conversas informais” sobre o assunto.

O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) disse já ter aconselhado Temer a escolher os titulares da Fazenda, Casa Civil, Banco Central, Justiça e Defesa. “Como acredito na possibilidade de a presidente Dilma ter a grandeza de renunciar, creio que, por precaução, ele já deve escolher alguns ministros que independem de qualquer negociação política. Seria um governo de salvação nacional, com o maior número de partidos”, argumentou Marun.

Dilma já declarou que não renunciará “sob nenhuma hipótese” e disse ter “energia de sobra” para enfrentar o que define como “golpe”.

Em entrevista ao Estado, publicada na segunda-feira, o senador José Serra (PSDB-SP) afirmou que Temer deve assumir compromissos com a oposição, caso Dilma sofra impeachment, e um deles seria o de não concorrer à reeleição, em 2018. O vice alegou, porém, que não tem porta-voz nem discute cenários políticos para futuro governo. “A hipótese de o PMDB tratar sobre isso agora é zero”, insistiu um integrante da cúpula do PMDB, amigo de Temer.

Prévia. O mapeamento do governo indica que, dos 65 deputados da Comissão do impeachment, 32 são hoje favoráveis à deposição de Dilma, 28 contra e cinco estão indecisos. Na tentativa de reverter esse quadro, a própria presidente pediu apoio, nesta semana, aos sete ministros do PMDB e a deputados e dirigentes do PR, PP e PDT.

PMDB-RJ sinaliza com desembarque do governo após ofensiva de Dilma

Valdo Cruz, Natália Cancian, Débora Álvares – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff decidiu que vai demitir todos os assessores nomeados por peemedebistas que optarem pelo rompimento com o governo, proposta que ganhou nesta quinta-feira (24) a indicação de apoio do diretório do Rio, o maior e mais influente do partido.

Dilma já fez o primeiro gesto de punição infiéis na quinta (24), ao demitir um assessor indicado pelo vice-presidente Michel Temer.

Às vésperas da decisão do PMDB de romper ou não com o Palácio do Planalto, o "Diário Oficial" publicou a exoneração do presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), Antônio Henrique de Carvalho Pires.

No mesmo dia da demissão, o diretório regional do Rio tomou decisão favorável ao rompimento. A seção é considerada a maior aliada de Dilma no partido.

Ao todo, os fluminenses têm 12 dos 119 membros do diretório nacional. Se todos votarem contra o governo no encontro marcado para o dia 29, como chegou a ser divulgado pela ala oposicionista, o desembarque do governo é dado como certo.

Há, porém, a possibilidade de alguns membros votarem com o governo por causa de compromissos assumidos com a presidente, como o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o líder no PMDB na Câmara, Leonardo Picciani.

Diante do risco de rompimento do PMDB, o governo passou a apostar em aprofundar a divisão do partido e destinar todos os cargos que forem retirados de peemedebistas para outros aliados, do PMDB e de outros partidos, que estejam dispostos a votar contra a abertura de um processo de impeachment.

Nas palavras de um assessor da petista, o que o PMDB oposicionista "pensa que vai nos matar pode nos salvar".

Segundo ele, o governo, depois de uma eventual debandada dos peemedebistas, terá cerca de duas semanas para usar estes cargos na busca de garantir os 171 votos na votação contra o impeachment na Câmara, prevista para abril ou maio. O PMDB tem 69 deputados.

Dentro do grupo do vice, a exoneração foi considerada uma retaliação da presidente por causa da decisão de manter a reunião que definirá o desembarque no dia 29.

A Funasa era o último cargo com indicação direta de Temer no governo. Também fazia parte de sua cota a Secretaria de Aviação Civil, quando o ex-ministro Eliseu Padilha comandava a pasta.

Outras indicações podem passar por seu nome, mas não são consideradas cotas pessoais.

Em Teresina, o piauiense Pires afirmou que sua demissão foi uma "retaliação" ao PMDB.

Conflitos internos
No Palácio do Planalto, o discurso é outro. Reservadamente, um auxiliar desabafou dizendo que o vice-presidente "roda o país de avião da FAB para articular o golpe" contra Dilma.

A expectativa do governo é garantir o apoio de pelo menos 28 dos 69 deputados peemedebistas e entregar a este grupo parte dos cargos que serão retirados dos "infiéis".

Oficialmente, o Ministério da Saúde atribuiu a saída do presidente da Funasa a "conflitos internos de gestão".

Colaborou Yala Sena, de Teresina

Indicado de Temer é demitido do comando da Funasa

Valdo Cruz, Natália Cancian – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Às vésperas da decisão do PMDB se rompe ou não com o governo, o Palácio do Planalto exonerou nesta quinta-feira (24) um indicado do vice-presidente Michel Temer (PMDB). A exoneração do presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), Antônio Henrique de Carvalho Pires, foi publicada no "Diário Oficial" da União.

Dentro do grupo do vice-presidente, a exoneração foi considerada uma "retaliação" da presidente Dilma por causa da decisão de manter a reunião do diretório nacional no dia 29 de março, próxima terça-feira, quando está agendada a discussão e votação sobre o rompimento do PMDB com o governo.

Assessores de Temer disseram à Folha que na quarta-feira (23) Antônio Henrique Pires ainda não tinha conhecimento de sua saída, que seria publicada no dia seguinte. Hoje, ele teria dito a interlocutores que ele pediu para sair, o que não é corroborado por auxiliares do vice.

No "Diário Oficial", inclusive, a exoneração não foi classificada como "a pedido", expressão que sempre é usada como o auxiliar decide sair do seu cargo.

O presidente da Funasa, uma indicação com o aval de Michel Temer, estava no cargo desde 22 de abril de 2014, quando foi nomeado pelo então ministro Arthur Chioro. Antes ele era diretor de Saúde Ambiental do órgão.

No seu lugar, interinamente, ficará Márcio Endles Lima Vale, que é o diretor Administrativo da Funasa.

Cresce demissão de informais

• País perde 614 mil vagas sem carteira assinada em um ano. Renda de conta- própria cai

Fechou o tempo. Não há mais porta compensatória para a perda do emprego assalariado, porque nem o mercado informal funciona mais como válvula de escape” - Claudio Dedecca, economista e professor da Unicamp

Em movimento inédito, foram demitidos em um ano 614 mil trabalhadores sem carteira assinada, segundo o IBGE. Até agora, a informalidade absorvia os dispensados com carteira. A taxa de desemprego passou a 9,5% em janeiro e o total de desempregados, a 9,6 milhões, dois recordes.

Desemprego recorde: Sem alternativa à demissão

Daiane Costa - O Globo

A piora das condições do mercado de trabalho está sendo tão rápida que nem mesmo o emprego informal, destino de muitos demitidos, está sendo poupado. Em janeiro deste ano, havia no país 614 mil trabalhadores sem carteira a menos do que em igual mês de 2015. E, ao contrário do que acontecia em anos anteriores, esse número não caiu por causa de uma migração para o trabalho formal, já que o total de empregados com carteira encolheu ainda mais no período, em 1,3 milhão de pessoas. No total, o contingente dos sem trabalho ganhou mais 2,9 milhões de pessoas em um ano e chegou a 9,6 milhões de brasileiros. E a taxa de desemprego do país chegou a 9,5%, recorde da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Mensal, iniciada pelo IBGE no começo de 2012. A outra alternativa ao desemprego, que já é válvula de escape de 23 milhões de pessoas, o trabalho por conta própria, também dá sinais de estrangulamento.

— Há uma redução generalizada do emprego, porque estamos vendo uma queda do emprego formal e do informal também. Isso quer dizer que até mesmo os pequenos negócios e empresas sem registro, que não pagam impostos, estão com dificuldades e se desfazendo dos trabalhadores. Consequentemente, há um aumento recorde do número de trabalhadores por conta própria, já que a pessoa precisa achar uma saída para seu sustento — analisa Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

A análise do economista da Unicamp Claudio Dedecca é ainda mais pessimista. Segundo ele, o desempregado está sem uma válvula de escape, pois o inchaço do número de trabalhadores por conta própria, que, em um ano, ganhou mais 1,3 milhão de pessoas, aumentou a concorrência dentro do próprio grupo. E, além de serem, em sua grande maioria, informais, os conta-própria enfrentam dificuldades de vender seus produtos e serviços para um consumidor que perdeu poder de compra. Prova disso é a queda da renda média real (descontada a inflação) dos conta-própria: ela encolheu 4,1% em um ano, para R$ 1.495, bem mais que os 2,4% de recuo médio. A perda só não foi maior do que a sofrida pelos empregadores, que chegou a - 5,7%.

— Fechou o tempo. Não há mais porta compensatória para a perda do emprego assalariado, porque nem o mercado informal funciona mais como válvula de escape. A renda do conta- própria depende da soma de rendimentos da população, que está sem poder de compra. Além disso, como a concorrência aumentou muito, os ganhos entre eles são pulverizados — diz Dedecca.

Redução de salário via inflação
Para quem se mantém empregado, a queda da renda está se dando por uma combinação de inflação alta e ausência de concessão de reajustes pelas empresas, explica Bruno Campos, economista da LCA Consultores:

— Como as empresas não podem reduzir o salário dos trabalhadores, elas fazem o ajuste deixando de conceder aumento, e, assim, a inflação corrói os salários. Ou então demitem quem tem os salários mais altos e contratam um substituto por um valor menor.

Nas contas de Dedecca, como não há sinal algum de melhora no cenário, no próximo mês a taxa de desemprego já deve atingir os 10% e o número de desocupados passar de 10 milhões, dois patamares inéditos na Pnad. A projeção da LCA é que o pico da deterioração do mercado ocorra no início do ano que vem, quando o desemprego pode atingir 13% dos trabalhadores. Para a média de 2016, a estimativa da LCA é uma taxa de 11,6%.

Diemerson Araújo, de 29 anos, é um dos trabalhadores que acabaram de entrar na fila dos desempregados. Depois de sete anos coordenando o setor de laticínios de um supermercado no Rio, foi demitido no mês passado. Agora, procura uma vaga no setor de construção civil:

— Eu poderia buscar outro emprego em loja, mas vou tentar procurar em construção, para manter meu salário e padrão de vida, já que o pagamento nesse ramo é melhor — afirma ele.

Para Miguel Foguel, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, a dispensa expressiva de trabalhadores sem carteira reflete as dificuldades das empresas para se manterem, mesmo pagando baixos salários livres de encargos:

— Nem esse mecanismo de defesa da crise está funcionando. É uma sequência: elas têm problemas com faturamento porque não conseguem vender, tentam segurar o negócio atrasando pagamentos a funcionários e fornecedores, até a hora em que, mesmo demitindo funcionários, não há melhora, e acabam fechando.

Claudio Dedecca alerta que o aprofundamento da crise no mercado de trabalho também traz riscos de aumento de problemas sociais, como a violência:

— Há uma probabilidade de vermos os indicadores de segurança piorarem, com o aumento de latrocínios, por exemplo. Já há sinais visíveis de problemas sociais. Muitas áreas que durante os anos de crescimento econômico não contavam com ambulantes e “craqueiros” (usuários de crack) voltaram a exibir esse cenário. E ambulantes trabalham em situação de risco, sempre com medo de ações de fiscalização que os tirem do lugar onde estão.

Colaborou Augusto Decker, estagiário

Não vai ter golpe. Vai ter impeachment! - Roberto Freire

- Diário do Poder

Encurralados pela velocidade dos acontecimentos e pela força implacável dos fatos, o governo de Dilma Rousseff e os áulicos do lulopetismo parecem ter abandonado o pouco que lhes restava de dignidade ao qualificar o processo de impeachment deflagrado no Congresso Nacional como um “golpe”. Ferramenta prevista na Constituição Federal, regulamentada por lei e utilizada em todas as democracias do mundo, o impedimento nada tem de golpista e serve como instrumento de defesa das instituições contra uma presidente da República que não se cansa de atacá-las.

Golpismo não é afastar a chefe de um governo corrupto e incompetente que cometeu diversos crimes de responsabilidade, como determina a lei e ocorreu em 1992, com Fernando Collor, na época com o apoio entusiasmado do PT. Golpe é, na verdade, tentar sucessivamente obstruir as investigações da Operação Lava Jato que abriram a porta do Palácio do Planalto e chegaram ao gabinete presidencial. Sem condições mínimas para governar, é a isso que Dilma se dedica diuturnamente, como revelaram ao país as gravações autorizadas pela Justiça das conversas pouco republicanas entre a petista e o ex-presidente Lula, em um desavergonhado e indecoroso conluio para prejudicar o trabalho dos investigadores.

Se antes havia o crime de responsabilidade configurado pela prática das chamadas “pedaladas fiscais”, que por si só configuram um evidente descumprimento da Lei Orçamentária, agora é preciso ter em conta o fato maior e mais grave: a tentativa de Dilma e seu governo de impedirem o livre funcionamento das instituições da República, no caso a própria Justiça, com uma evidente obstrução. Mesmo que, eventualmente, não conste do pedido de impeachment brilhantemente formulado por Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr., mais esta ilegalidade cometida pela presidente da República deve ser debatida no momento em que o Congresso votar o impedimento de Dilma, seja na comissão que analisa o processo na Câmara, seja em plenário.

A nomeação de Lula para o ministério da Casa Civil, questionada na Justiça e que, provavelmente, será rejeitada em análise do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima semana, teve dois únicos objetivos: garantir o foro privilegiado ao ex-presidente, livrando-o das investigações da Lava Jato na Vara Federal de Curitiba, sob os auspícios do juiz Sérgio Moro, e reorganizar a articulação política do governo, como se o petista ainda tivesse capacidade de resolver todos esses problemas. Ao contrário: desde que foi nomeado ministro – para logo depois ter a indicação suspensa pelo STF –, Lula só fez agravar a crise na qual sua sucessora está mergulhada e que deve levá-la ao impeachment.

Como se não bastassem todas essas tentativas de golpe contra as instituições, o Palácio do Planalto se transformou em um “bunker” de onde partem ordens aos seus aliados espalhados pelos Poderes da República e ações que têm como objetivos atropelar e empastelar a Lava Jato, desmoralizando o juiz Moro. Uma das consequências mais nefastas desse processo são as contradições e incoerências flagrantes que atingem até mesmo a mais alta Corte do país, por meio de decisões inexplicáveis tomadas ao arrepio da lei, o que dá a medida exata do grau de degradação a que chegamos nesses tristes tempos de lulopetismo. Trata-se de algo sobre o qual precisamos estar atentos, sempre lembrando o que houve na Itália, com a Operação Mãos Limpas, que não foi concluída devido a pressões de forças políticas e grupos econômicos. Não podemos permitir que esse empastelamento aconteça também no Brasil.

Diante de um quadro de absoluto desmantelo, em meio à mais grave crise econômica de nossa história e com 68% dos brasileiros favoráveis ao impeachment, de acordo com a última pesquisa do Datafolha, a situação da presidente é insustentável sob qualquer perspectiva. Os milhões que foram às ruas no último dia 13 de março em todo o país disseram claramente, em alto e bom som, que o ciclo do PT no governo federal chegou ao fim. Não há outra alternativa além da saída democrática e constitucional do impeachment, que nada tem de golpista – e, ao contrário, livrará o Brasil de um governo que tenta golpear as instituições.

O país está pronto para virar esta página e começar a escrever um novo capítulo de sua história. As forças políticas instaladas no Palácio do Planalto que saquearam o Estado em nome de um projeto de poder, como vem sendo demonstrado pelas investigações da Lava Jato, serão desmanteladas pela força da lei. É preciso colocar um ponto final neste desgoverno, e é isso que o Parlamento brasileiro fará nas próximas semanas.

---------------------
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Não vai ter golpe – Alberto Goldman

O governo petista de Dilma e Lula já acabou, mas eles ainda mantêm os cargos federais ocupados. Como prevíamos, iriam cair atirando e assim estão fazendo. Mobilizam o que lhes resta de apoio entre os movimentos organizados que por anos foram alimentados com dinheiro público.

Foi assim que foram, pouco a pouco, destruindo a democracia no Brasil, golpeando as instituições construídas ou reconstruídas após a ditadura. Nem esta foi tão eficiente em seus objetivos de manter o poder.

O PT acabou com os partidos. Para manter maiorias que lhes dessem tranquilidade de mando estabeleceu pagamentos em dinheiro, fora o acesso aos postos governamentais, para os partidos aliados e seus representantes no Congresso Nacional. O dinheiro vinha do saque às instituições públicas, em especial, das empresas estatais de maior porte. Daí nasceram o “mensalão” e o “petrolão”.

O PT acabou com sindicatos operários, através da cooptação de líderes sindicais, seja pelos cargos públicos que ofereceu às lideranças maiores – conselhos de administração das estatais, Sebrae e sistema “S”, fundos de pensão – seja pelo dinheiro que jorrou do imposto sindical que, ao contrário do que pregavam, teve sua atuação ampliada. Sindicatos, Federações, Centrais Sindicais, deixaram de realizar seu papel central nas reivindicações específicas dos trabalhadores para se transformarem em aparelhos mobilizados pelo PT.

O PT, e seu maior aliado, o PCdoB, acabaram com o movimento estudantil, que transformou suas entidades em organizações de pelegos organizados para sustentar direções partidárias e seus parlamentares. O mesmo aconteceu com diversas organizações populares como os movimentos pela terra, pela habitação e nas demais demandas do povo.

O PT destruiu os organismos públicos criados para regular e fiscalizar o setor privado no seu papel de operador em várias áreas da economia, como na área do petróleo, da energia elétrica, das comunicações, dos transportes, inclusive em áreas tão sensíveis como a saúde, atingindo em cheio a vigilância sanitária. As agências criadas para isso, que deveriam ser tratadas como instrumentos de Estado, autônomas, não de governo, foram assaltadas pelo partido dominante que as transformou em aparelho de seus interesses políticos e econômicos.

O PT destruiu as empresas estatais mais importantes do país ao transformá-las em instrumento para obtenção de dinheiro, seja para suas necessidades eleitorais, seja para o enriquecimento de alguns líderes. Ao ignorar objetivo natural de investir com vistas ao desenvolvimento do país, passaram a ter o olhar apenas voltado para a produção de propinas. Um desastre monumental.

O PT produziu políticas econômicas para, de um lado, manter o controle eleitoral de amplas parcelas humildes do eleitorado e, do outro lado, manter as maiores corporações privadas do país amarradas aos seus interesses de poder. Políticas de curto prazo foram implementadas sem o devido rigor e sem a visão estratégica dos seus efeitos a longo prazo, produzindo o desastre econômico que hoje nos atinge.

O PT utilizou o orçamento público para a obtenção de resultados políticos eleitorais, sem o devido cumprimento das regras constitucionais. Atendeu de maneira irresponsável às demandas de corporações funcionais, o que o obrigou a limitar os investimentos necessários a alimentar o desenvolvimento do país e destruiu a capacidade de usar o Estado como instrumento para impulsionar, com o setor privado, o crescimento da produção do país.

Em suma, o PT nesses seus 13 anos de governo destruiu a democracia no país, golpeando-a diuturnamente, e nos levou à crise econômica e política em que estamos metidos.

Dilma, Lula e seus asseclas procuram taxar os seus opositores como golpistas. Deixou de lado totalmente o governo pelo qual ainda é, em tese, responsável, para agredir quem através dos mecanismos constitucionais tenta encerrar seu ciclo de golpes.

Não vai ter golpe, é fato. Os golpes já se deram, durante todo o ciclo petista. Queremos um contra-golpe para retomar a consolidação da democracia e o desenvolvimento do país.

Eles vão fazer ainda bastante barulho. Ameaçar pôr fogo no país usando do domínio que mantêm sobre os movimentos dependentes dos recursos públicos. São alguns milhares que irão para as ruas para atemorizar a gente comum. Não terão sucesso se nós, maioria que somos, nos mantivermos firmes e serenos. Sem aceitar as provocações e sem dar passos para trás.

São seus estertores. A cobra vai bater seu rabo para cá e para lá. Pode machucar alguns, mas vai morrer.

Cada dia uma agonia - Fernando Gabeira*

- O Estado de S. Paulo

Pensei que esta seria uma semana de trégua. E é, de certa forma, no plano nacional. Na verdade, o atentado em Bruxelas mostrou a face covarde da guerra. Ao considerá-la assim, uma semana de trégua, lembrei-me de uma grávida que entrevistei num bairro infestado de mosquitos em Aracaju: “Graças a Deus, o que tive foi chikungunya”.

Os fatos da semana passada não me permitiram tratar de escutas telefônicas. Tenho experiência disso. Nas eleições de 98, um repórter ouviu ligação minha e divulgou uma frase em que dizia que uma deputada estadual era suburbana. Isso num contexto sobre implantação de aterros sanitários, que, para mim, deveriam ter um enfoque metropolitano. Reclamei de forma, mas não me detive nisso porque havia algo mais importante a tratar: o conteúdo.

O adversário na época, Eduardo Paes, fez uma grande campanha em torno disso. Vestiram camisetas com a inscrição Sou suburbano com muito amor. Ainda hoje as fotos me fazem rir.

A reação de Dilma e seus defensores foi dissociar a forma do conteúdo e discutir só aquela. A tentativa de explicar o diálogo gravado foi ridícula, segundo o New York Times. Patética para outros, que observam o fluxo dos últimos acontecimentos. No caso, não se trata de um grampo, mas de levantar o sigilo de um processo. Moro investigava Lula e o conjunto das gravações indicava a busca de um ministério para escapar do processo. O último áudio apenas foi uma espécie de CQD.

A Lava Jato é, para mim, a maior e mais bem-sucedida operação realizada pela polícia brasileira. Sua atuação é espetacular, mas, se comparamos com o futebol, é possível jogar uma partida magnífica e ainda assim cometer algumas faltas.

No meu entender, elas estão no levantamento do sigilo de áudios que tratam de assuntos pessoais, sem importância real no processo. Eu deparo com esse problema no trabalho cotidiano. Outro dia entrevistei uma cozinheira e ela disse que se casou com o primo por falta de alternativa. Minutos depois me procurou para que apagasse esse trecho da entrevista. Atendi imediatamente. Que interesse teria isso para a história que estava para contar? Nenhum.

O que é irrelevante para o público pode ter enorme repercussão na vida da pessoa. Uma frase mal colocada, absolutamente inócua para o espectador, pode desatar inúmeros dramas familiares, suspeitas, rancores.

Com escritores, juristas, tanta gente de talento defendendo Dilma, ninguém trata do conteúdo do processo levado por Moro, o que, na verdade, interessa mais ao povo. Falam em defesa da democracia, mas ignoram o mensalão, o escândalo na Petrobrás, dois ataques violentos à própria democracia.

Fui deputado alguns anos e me sinto enganado por ter de discutir com parlamentares que foram comprados pelo governo. Não há debate real. As posições foram pagas no guichê do palácio. Para mim, isso é a real negação do processo democrático. E os dados estão aí: a Petrobrás foi arrasada, apenas em 2015 teve um prejuízo de R$ 43,8 bilhões; só a Operação Lava Jato conseguiu bloquear R$ 800 milhões no exterior.

Que tipo de democracia é esta em que você compete com campanhas milionárias sustentadas com grana roubada de empresas estatais, via propinas das empreiteiras?

As delações premiadas da Andrade Gutierrez e de Marcelo Odebrecht vão demonstrar tudo isso. No caso de Odebrecht, é preciso ver ainda o que tem a falar, porque sua resistência acabou provocando um avanço da Lava Jato sobre os segredos mais guardados da empresa.

Outra discussão que reservei para a semana de trégua: a condução de Lula. Tenho amigos que a criticam, na verdade, tenho amigos que até são contra o impeachment. A Lava Jato, a esta altura, fez 130 conduções coercitivas. Mas Lula estava disposto a depor, dizem. E os outros, se chamados, também não estariam dispostos? O que determina a medida é análise dos fatos, a lógica da investigação.

Outros lembram: Lula é um símbolo. Respondo que a lei vale para todos. Está escrito na Constituição. Teríamos de redigir a emenda: a lei vale para todos, menos para os símbolos.

Aliás, o termo símbolo é muito vago. Eventualmente um homem desconhecido pode se tornar símbolo de algo. O pedreiro Amarildo transformou-se num símbolo.

Um jovem negro assassinado os EUA vira símbolo do conflito racial.

É surpreendente ver como Lula se transformou, na realidade, num líder conservador: a esperança dos corruptos de melar a Operação Lava Jato. Deixando de lado o machismo, que não é novidade, suas falas gravadas mostram um personagem típico: sabe com quem está falando? Seu ataque à autonomia da Polícia Federal é simplesmente reacionário. Ainda mais, articulado com frases em que condena a busca de autonomia em outros setores. “Só Dilma não consegue governar, não tem autonomia”, diz ele.

Uma visão realmente política não culpa a oposição pela imobilidade do governo.

Seria o mesmo que Lenin, derrotado num bar do Quartier Latin, afirmar que a revolução fracassou por causa dos mencheviques.

Dilma não consegue governar, concordo com Lula. Mas o problema não está na oposição, está nela. Lula reconhece isso nos seus discursos, pedindo que Dilma sorria pelo menos algumas vezes. Acho um apelo inútil, como os que encontramos em algumas lojas: sorria, você está sendo fotografado.

Se Lula reconhece que Dilma não é capaz de presidir, terá de reconhecer também que errou ao lançá-la. E toda essa imensa máquina petista teria de compreender que não se inventa um quadro político, ele se faz na história cotidiana, ao longo de mandatos, no fascinante jogo político, um jogo tedioso para quem não gosta dele.

Isso são reflexões de uma semana de trégua. Não há futuro para o governo. Toda a sua energia se consome na defesa do impeachment, no medo da Lava Jato. Cada dia que um projeto fracassado consegue sobreviver é mais um dia em que o Brasil afunda. Isso parece não ter nenhuma importância para eles. Lamento.
-----------------
*É jornalista

Tentativa de sabotagem - Merval Pereira

- O Globo

A divulgação, sem autorização judicial, de uma lista com centenas de nomes de políticos de diversos partidos que teriam recebido doações da Odebrecht é sinal de que algum grupo dentro da Polícia Federal está querendo misturar alhos com bugalhos, sabotando as investigações. A lista foi apreendida há um mês e estava sendo analisada.

O vazamento só ajuda a quem quer melar a LavaJato. A PF divulgou a “lista da Odebrecht” sem o juiz Sérgio Moro saber. Ele a pôs em sigilo, pois não havia ainda a definição do que era caixa 2 e do que era contribuição legal. E agora ainda há dificuldade de distinguir as contribuições legais das que, com ares de legalidade, na verdade provêm de propinas.

A tese dos petistas e seus aliados é que “todo mundo é ladrão”, e este Congresso não tem legitimidade para aprovar o impeachment da presidente Dilma, pois está “todo mundo na lista da Odebrecht”. Se todo mundo é culpado, ninguém é culpado. A tentativa é chegar a um grande acordo: está todo mundo envolvido, então vamos limpar a pedra e começar tudo de novo.

É uma situação tão surreal quanto a de Lula dizer que a Lava- Jato é responsável pelo desemprego no país. O maior desemprego já registrado no país nos últimos quatro anos foi anunciado por esses dias, e Lula o atribui à Lava- Jato, e tem a coragem de afirmar que Moro está desempregando as pessoas.

Recentemente, Lula fez outro discurso inacreditável defendendo justamente as empreiteiras, no centro desses escândalos. Segundo ele, as empreiteiras têm de ser preservadas porque geram empregos. Mas geram também favores à cúpula petista, aos políticos corruptos de modo geral, e ao próprio Lula, enrolado em várias denúncias de “presentes” de empreiteiras, como o sítio de Atibaia e o tríplex de Guarujá, e otras cositas más.

Numa distorção completa da realidade, quem está tentando limpar a política, quem está tentando coibir a corrupção empresarial no país é acusado de ter causado o desemprego e a queda da economia. E quem está no governo há 14 anos, que comprovadamente roubou, que quebrou a Petrobras, que acabou com a economia do país utilizando- se de decisões econômicas completamente equivocadas, além de ter permeado a estrutura estatal de métodos corruptos na nomeação de dirigentes e no direcionamento de financiamentos para empresas amigas, levando o país à pior recessão já registrada em sua História republicana, esses são os coitadinhos, os perseguidos, os defensores dos pobres e oprimidos.

Uma versão tão fantasiosa quanto a que vende a falácia do golpe, quando estamos há dois anos nesse processo de investigação de vasto sistema de corrupção organizado pelo governo. Todos os ritos constitucionais estão sendo cumpridos, conforme atesta o Supremo, que supervisiona a atuação da força-tarefa da Lava-Jato e também aprovou o rito do impeachment, corrigindo o que considerou estar errado na decisão do Congresso.

Por outro lado, é muito estranho a Odebrecht ter anunciado um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal que nem sequer está sendo negociado. O PT e seus blogs amestrados acusam a Lava- Jato de não aceitar acordo com a Odebrecht pois a tal lista inclui políticos da oposição, que estariam sendo blindados por Moro.

É evidente que há em gestação um conluio do PT com o governo para tentar melar a Lava- Jato, transformando Moro, eleito uma das 50 personalidades mais importantes do mundo pela revista “Fortune”, em vilão.

A estranha divulgação da “lista da Odebrecht” pode estar relacionada com inscrição achada no celular de Marcelo Odebrecht, conforme recorda o site O Antagonista. A inscrição era “Armadilha Bisol/ contra- infos”, e se refere a episódio ocorrido em 1993, quando o Congresso realizava uma CPI sobre empreiteiras.

A PF apreendeu 18 caixas de documentos na casa de um diretor da Odebrecht que indicariam “existência de um cartel das grandes empreiteiras para fraudar as licitações de obras públicas”, inclusive com relação de políticos que receberiam propinas.

José Paulo Bisol, relator da CPI das Empreiteiras e candidato a vice na chapa de Lula em 89, denunciou o fato com estardalhaço, mas na realidade a lista não indicava só propinas, mas brindes, como calendários e agendas, e até doações legais. Ao pôr no mesmo balaio, como agora pode estar ocorrendo, inocentes e culpados, a CPI das Empreiteiras, desmoralizada, foi arquivada. E, como vemos hoje, o cartel continuou a atuar.

Roncos da reação - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Não era de se esperar silêncio e conformismo por parte daqueles que apoiam o governo, a presidente Dilma Rousseff e o PT. Tampouco é de se menosprezar suas manifestações, apenas porque são obviamente minoritárias em relação aos protestos dos que não apoiam o governo, Dilma e o PT. Seria adotar o mesmo critério equivocado, por autoritário, de desdém à oposição da época em que os inquilinos do Planalto eram muito populares.

A situação se inverteu, mas nem por isso deixou de existir o contraditório que ora se manifesta com mais contundência devido à possibilidade concreta de que a Câmara dos Deputados aprove a abertura de processo de impeachment presidencial no Senado. Isso é uma coisa. Normal. Outra coisa bem diferente é a tentativa de se inverterem também os valores e os fatos em jogo, para transformar os agentes da lei em mensageiros da ilegalidade.

O ataque é um movimento clássico de defesa. Notadamente nos casos em que o atacante luta no campo do indefensável. Como ocorre agora, com a ofensiva governista contra o Judiciário em geral, quando as decisões não agradam, ao juiz Sérgio Moro em particular, e aos integrantes da força tarefa da Lava Jato - os eleitos como os inimigos a serem combatidos. Posição já ocupada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Com uma diferença abissal: Cunha é réu no Supremo Tribunal Federal, alvo de inquéritos e de acusações graves, o que não tira a razão do governo em agravá-lo. Já os investigadores no máximo têm questionada uma ou outra ação relativa aos procedimentos formais. É flagrante, pois, a impropriedade (para dizer o mínimo) de pretender enquadrá-los na condição de criminosos e imprimir àqueles que passeiam pelo código penal a condição de injustiçados, perseguidos e vilipendiados.

Aqui, a ordem dos fatores altera de modo absoluto o resultado: não é a democracia que corre risco, mas a “cleptocracia” que está tendo seus passos seguidos e seus esquemas desvendados.

O embate de argumentos ganharia mais consistência e equilíbrio se do lado dos governistas as aludidas injustiças fossem relativas ao mérito das questões e não apenas (embora possam ser também) nos aspectos formais. Naquele, o do fundamento das acusações, os debatedores deixam a desejar apresentando arrazoados estapafúrdios.

Como o último feito por Luiz Inácio da Silva a uma plateia de sindicalistas na quarta-feira, em que atribui a derrocada da economia brasileira a juízes, promotores e agentes da Polícia Federal. 

Propondo, inclusive, que os companheiros deixem de reclamar das (in) decisões da presidente Dilma e passem a cobrar da força-tarefa de Curitiba o fim das investigações em nome de um Brasil mais próspero e socialmente justo.

Não sendo piada, recende a deboche.

País conflagrado - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Fui ao Oriente Médio e, na volta, encontro o Brasil conflagrado. Quando saí, o governo Dilma respirava por aparelhos; agora, estertora. O fato que mais contribuiu para lançar combustível às chamas foi a divulgação, por Sergio Moro, da gravação de um diálogo comprometedor entre Dilma e Lula.

Para os simpatizantes do Planalto, o juiz federal violou todas as regras atinentes a escutas telefônicas, ao privilégio de foro e desrespeitou a instituição da Presidência da República, a soberania nacional etc. Deveria estar atrás das grades. Para a turma pró-impeachment, Moro agiu como herói ao lançar luzes sobre as entranhas pouco iluminadas do poder.

Como tudo na vida, a questão é mais nuançada. Pelas análises de juristas que li, acho que dá para sustentar que a produção das provas, que incluem o diálogo comprometedor, foi legal; há dúvidas sobre sua validade num eventual julgamento da presidente; e é mais ou menos certo que Moro avançou o sinal ao revelar "urbi et orbi" seu conteúdo.

Isso, é claro, só vale no âmbito jurídico. Na esfera política, é preciso ser apaixonadamente petista para não perceber que o juiz recorreu a um expediente de que o PT não só se utilizou no passado como frequentemente elogiou, que é tornar público aquilo que aos poderosos interessa manter secreto –mesmo que para isso certas leis tenham de ser violadas.

Para ficar num caso recente, o governo não se mostrou tão zeloso com procedimentos quando o ex-agente americano Edward Snowden, em violação às leis dos EUA, divulgou em 2013 dados que mostravam Washington bisbilhotava a presidente brasileira. Um ministro de Dilma disse na ocasião que o ex-espião prestara um "serviço à humanidade".

No que a atitude de Moro difere da de Snowden? Mesmo que o diálogo não valha como prova num tribunal, foi bom para o país ter tomado conhecimento dessa conversa? O velho PT teria dito "sim" sem pestanejar.

Na crise política, o governo comete erro atrás de erro - João Domingos*

- O Estado de S. Paulo

Só a forte tensão da crise política que pode desembocar no impeachment da presidente Dilma Rousseff é capaz de explicar o clima de barata tonta que tomou conta do governo. Pelo jeito, nem a presença do ex-presidente Lula está servindo para que alguma coisa entre nos eixos por parte dos estrategistas do Planalto e do PT, no momento em que o governo mais precisa dos partidos, principalmente do PMDB.

Só uma articulação política sem rumo, mesmo que conte com Lula, pode explicar a retaliação ao vice-presidente Michel Temer, explícita na demissão do presidente da Funasa, Antônio Henrique de Carvalho Pires ontem. Tudo bem que a presidente Dilma, Lula e ministros tenham ficado tiriricas com Temer, que se recusou a adiar a reunião do diretório nacional do PMDB convocada para a próxima terça-feira. Mas dar o troco nessa hora é a pior de todas as iniciativas. Quanto mais o tempo passa, mais os integrantes do governo parecem perdidos e mais se mostram dispostos a recorrer a uma estratégia de defesa estranha, baseada na busca de ajuda de instâncias sabe-se lá quais e em que partes do Universo.

No momento, todos eles estão empenhados em pedir socorro ao mundo, ao qual denunciam o que consideram um golpe em marcha contra a democracia e o Estado de Direito, a exemplo do que foi feito por um funcionário do Itamaraty. Nada do que está sendo feito contraria a Constituição, diz a vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, desde que as regras sejam respeitadas. Isso vale para o processo de impeachment, para as investigações da Operação Lava Jato, para os processos no Supremo. O próprio ministro Dias Toffoli, que foi empregado do PT antes de ir para a suprema Corte, afirma que o processo de impeachment está dentro dos conformes constitucionais.

É claro que a Câmara é presidida por um deputado que está todo enrolado na Justiça. É certo que a hora dele chegará. Mas o fato de Eduardo Cunha ser presidente da Câmara não pode fazer com que o processo de impeachment seja comparado a um golpe, e isso fica claro nos esclarecimentos dos ministros do Supremo. O processo de impeachment foi pedido por três advogados respeitados em todo o País, nenhum deles golpista. A multidão de pessoas que tem ido às ruas pedir a saída da presidente não é constituída de golpistas. Lá estão os desempregados, empresários que perderam tudo ou que estão vivendo os efeitos da crise, e a classe média que sempre votou no PT. E que agora perdeu a paciência.

Culpa real - Míriam Leitão

- O Globo

O desemprego atinge 9,6 milhões de brasileiros e quase 3 milhões entraram neste grupo em um ano. O problema é sério e doloroso demais para servir como parte da manipulação política do governo para tentar se salvar. O ex- presidente Lula falando aos sindicalistas de sua base quis responsabilizar a Operação Lava- Jato pela queda do PIB e pelo desemprego.

O governo fez uma política econômica desastrosa que levou à aceleração da inflação, queda da confiança, desestabilização das finanças públicas e recessão. Os erros começaram no governo Lula e foram mantidos no governo Dilma. Apesar de Lula ter deixado o país crescendo a 7,5%, foi ele que plantou os desequilíbrios que elevaram a inflação e aumentaram o déficit. Dilma persistiu nos erros e os aprofundou com coisas como as pedaladas e a manipulação de preços de energia. A política econômica dos governos petistas mudou em 2008 e foi essa guinada que provocou a crise atual.

É parte das técnicas de manipulação de Lula, também usadas por Dilma, fazer confusões propositais entre causa e efeito dos problemas ou dos bons indicadores. Esta frase de Lula, dita para a sua base de sindicalistas, deve ser vista dentro dessa estratégia de confusão deliberada:

— Quando tudo isso terminar, você pode ter muita gente presa, mas pode também ter muita gente desempregada neste país. Vocês têm que procurar a força-tarefa e perguntar se eles têm consciência do que está acontecendo neste país.

Com isso, Lula estava tentando confundir o debate brasileiro, uma vez mais, e culpar alguém pelos seus próprios erros. O truque de jogar a crise econômica sobre a Lava- Jato é perfeito porque resolve dois problemas. Ele se afasta do ambiente minado que aumenta a rejeição ao governo e demoniza a Lava- Jato como destruidora de PIB e de empregos.

Lula é extremamente inteligente e especialista em armadilhas mentais nas quais aprisiona os que o seguem por amor ou interesse. Mas é preciso ter clareza do que está em curso no país. Há dois responsáveis pelo desemprego crescente: a política econômica dos governos Lula- Dilma e a corrupção que desestruturou as empresas.

O combate à corrupção tem revelado fatos que não poderíamos ignorar. Ficando só no que soubemos nos últimos dias: havia na maior empreiteira do país um aparelho clandestino, uma contabilidade paralela, uma estrutura secreta de comunicação entre executivos e funcionários que geriam distribuição de propinas a políticos com codinomes. É uma aberração. É incrível que se possa pensar que o combate a isso é que seja desorganizador da economia. A corrupção é o problema.

Lula chegou a ter uma medida. Disse que 2,5 pontos percentuais da queda do PIB são decorrentes do “pânico criado na sociedade brasileira” pela Lava- Jato. Um tumor tão grande não pode ser enfrentado sem que isso abale o organismo, mas o tumor é o problema e não o tratamento.

O ex-presidente é inimigo da Lava- Jato. Se tivesse poderes, ele terminaria hoje com as investigações, pressionaria ministros do Supremo, usaria os órgãos governamentais como aparelhos partidários, cobraria gratidão do procurador-geral da República em moeda de subserviência. Como atingido pelas investigações, entende- se seu sentimento, mas não seus métodos de interferência, ou tentativa, flagrados nas conversas que teve.

Culpar a operação por tirar pedaços do PIB, num momento em que a economia desmorona, e por destruir empregos, com o problema invadindo a casa dos brasileiros, é usar mais uma vez uma arma espúria na sua guerra particular. Mas Lula é assim mesmo: os méritos são todos dele; os problemas são todos alheios.

A inflação deu um salto porque a presidente Dilma manipulou preços públicos, principalmente os de energia, e os soltou após as eleições. O governo ampliou gastos na crise de 2008 e não reverteu o processo no momento seguinte. Para esconder os rombos fiscais, maquiou estatísticas. A dívida bruta deu um salto. Por isso o Brasil foi rebaixado. A má gestão e corrupção fizeram a maior empresa do país ter perdas contábeis de R$ 100 bilhões. A Lava- Jato não tem responsabilidade em nada disso. O governo é o culpado.

Sob a bandeira da irresponsabilidade fiscal - Rogério Furquim Werneck

- O Globo

• Presidente já não oferece expectativas de poder que possam servir de argamassa para construção de uma base

Impotente para conter o agravamento da colossal crise econômica que engendrou no seu primeiro mandato, e cada vez mais fragilizada pelas revelações devastadoras da operação Lava- Jato, a presidente Dilma agora se exaspera com o esfacelamento da minguada base parlamentar com que contava para deter o avanço do impeachment no Congresso.

Em poucas semanas, o impeachment passou a ser o desfecho mais provável da crise política. A nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil provou ser desastrosa. Tornou o governo ainda mais frágil do que já estava, ao deixar as agruras da presidente Dilma entrelaçadas com as dificuldades de Lula com a Operação LavaJato. E a esperança de que Lula pudesse bloquear uma coalizão decisiva a favor do impeachment mostrou- se infundada. Exatamente quando a articulação política do governo se faz mais necessária, o Planalto se vê entravado, à espera do pronunciamento do STF sobre a nomeação de Lula para a Casa Civil. E, enquanto isso, o processo de impeachment avança em marcha acelerada no Congresso.

A esta altura, a presidente já não oferece expectativas de poder que possam servir de argamassa para construção de uma base governista confiável, capaz de barrar a aprovação do pedido de impeachment no Congresso. O que, afinal, se pede ao parlamentar conclamado a incorrer no enorme desgaste político de se opor ao afastamento da presidente? Que acredite que, bloqueado o impeachment, Dilma sobreviverá às demais investigações que ainda podem lhe encurtar o mandato e, mesmo sem apoio no Congresso e incapaz de dar combate efetivo à crise econômica que vem devastando o país, fará bom uso dos 32 meses de mandato que lhe restam. É fácil ver que o governo não pode alegar surpresa com as más notícias que lhe chegam, a cada dia, sobre a evolução das prévias da votação do impeachment no Congresso.

Mesmo sem estar investido no cargo de ministro- chefe da Casa Civil, o ex- presidente Lula vem tentando desesperadamente evitar que o PMDB decida abandonar o governo na reunião do diretório nacional do partido, que, por enquanto, continua agendada para o próximo dia 29.

Uma ruptura bombástica, com o abandono simultâneo de todos os ministérios detidos por integrantes do partido, é considerada pouco plausível. Inclusive porque a cúpula do PMDB não quer vir a ser acusada de ter acionado o detonador do impeachment. Mais provável seria um movimento mais suave, na linha do “desembarque organizado” que vem sendo aventado no partido. Mas o governo tem plena consciência de que uma perspectiva clara de desembarque eminente, organizado ou não, pode ser o que falta para selar de vez o destino da presidente Dilma.

É nesse quadro conturbado, de dramática fragilidade do Poder Executivo, que o governo decidiu submeter ao Congresso, para votação a toque de caixa, um projeto de lei complementar em que a União concede novas e generosas benesses fiscais aos estados.

Com as contas públicas do governo federal na situação lastimável em que estão, o Planalto entendeu ser oportuno contemplar os estados com ampliação de 20 anos no prazo para quitação de suas dívidas com a União, concessão, por 24 meses, de uma redução de 40% no valor das prestações mensais devidas pelos estados ao Tesouro Nacional e, não bastasse tudo isso, prorrogação por dez anos no prazo para pagamento dos empréstimos que contraíram no BNDES.

Em fevereiro, Nelson Barbosa queria que o Congresso concedesse ao governo um “espaço fiscal” de R$ 84 bilhões para, “se necessário”, incorrer em déficit de R$ 60 bilhões, em vez de cumprir a “meta” de R$ 24 bilhões para o superávit primário de 2016. Passado um mês, o ministro da Fazenda já fala em redução da “meta” a menos de R$ 3 bilhões e em solicitar ao Congresso um “espaço fiscal” bem mais amplo, de até R$ 106 bilhões, que permita ao governo incorrer em déficit primário da ordem de R$ 103 bilhões, em 2016. Nada menos que 1,6% do PIB.

É sob sua velha bandeira da irresponsabilidade fiscal que o governo pretende travar a batalha do impeachment.
----------------------
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC- Rio