Para Eduardo Giannetti, polarização faz
crescer o risco de um bolsonarismo extremado em 2022
Por Célia de Gouvêa Franco / Valor
Econômico
SÃO PAULO - Os partidos do campo
democrático progressista precisam se organizar para construir uma candidatura
competitiva a presidente da República para a campanha do próximo ano ou o
Brasil corre o risco de ter que conviver com o bolsonarismo revigorado. A
decisão do PSDB e do PT de se aliarem a forças - “sinistras” - enquanto estavam
no poder em vez de trabalharem em conjunto em favor de princípios que lhes são
comuns, como a defesa da democracia e de políticas de redução da desigualdade e
de valorização do meio ambiente e da cultura, já causou estragos, tendo sido
fator importante na eleição de Jair Bolsonaro.
As afirmações são de Eduardo Giannetti,
economista com doutorado em Cambridge e autor de uma série de livros, o mais
recente “O Anel de Giges”. Nesta entrevista, ele traça um cenário perturbador
para o país com a possibilidade de polarização na campanha de 2022 entre
Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Giannetti imagina que a
maioria dos brasileiros, inclusive ele, rejeita a possibilidade hoje mais
provável para o segundo turno - Bolsonaro versus Luiz Inácio Lula da Silva. Ele
teme que a polarização entre os dois volte a dividir o país ao meio. “Acho que
corremos um risco institucional se esticarmos essa corda até o limite com dois
candidatos que despertam sentimentos muito violentos a favor e contra.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como o senhor analisa a atual situação do
Brasil, especialmente o cenário político?
Eduardo Giannetti: O Brasil está
diante de uma encruzilhada em 2022. Olhando em retrospecto a experiência da
redemocratização, é possível constatar que houve um caminho bastante coerente
de experimentação das forças democráticas que foram gestadas durante o regime
militar. Primeiro, tivemos a grande força oposicionista ao regime militar que
foi o MDB de Ulysses Guimarães e [José] Sarney; depois o PSDB, liderado pelo
Fernando Henrique Cardoso, viabilizado pelo sucesso do Plano Real, e, por fim,
a última grande força democrática de oposição ao regime militar, o PT, com a
eleição do Lula, que teve sequência com o governo da Dilma [Rousseff]. A única
peça que não se encaixa nesse enredo foi o [Fernando] Collor, rapidamente
expelido da cena pelo impeachment. É curioso que as grandes forças democráticas
surgidas durante o governo militar tiveram sua chance de exercer o poder e
mostrar a que vieram. O impeachment da Dilma e a eleição do Bolsonaro demarcam
o fim desse ciclo, com a interrupção violenta de um mandato, no caso da Dilma,
e a eleição de um “outsider”, Bolsonaro, que mergulhou o país numa aventura
muito perigosa. E agora estamos diante de uma encruzilhada porque a eleição do
Bolsonaro fratura o Brasil. Acredito que se as forças de oposição do campo
democrático progressiva não conseguirem construir uma candidatura real,
competitiva, corremos o risco de ter um bolsonarismo revigorado em 2022.
Valor: Como o senhor explica a eleição do Bolsonaro?
Giannetti: É lógico que
há um grande número de variáveis que influenciaram a eleição, inclusive fatores
aleatórios, como a facada. Mas acredito que um fator que todos nós do campo
democrático deveríamos considerar é que o fato de não se ter conseguido
trabalhar cooperativamente durante a redemocratização abriu o caminho para a
ascensão de um candidato populista de direita radical. Tanto o PSDB como o PT,
quando estiveram no poder, preferiram se aliar ao que há de mais sinistro na
política do que trabalhar de forma conjunta e cooperativa. O que é muito
estranho porque na essência programática - é claro que há muitas divergências
entre eles - há forte sobreposição de valores e propostas. Mas acabou
prevalecendo um certo sectarismo que impediu as forças democráticas, quando
foram situação, de unir forças para avançar num projeto comum de redução da
desigualdade, de preservação do meio ambiente, de aperfeiçoamento da
democracia.