Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
A China pode ter chegado ao crescimento zero.
Tudo é uma forma de apresentar os dados. Se a China usasse a mesma fórmula que os Estados Unidos usaram para chegar aos 6% de queda do PIB no crescimento, o dado da China seria zero.
Quem alerta para isso, num relatório, é o economista Nouriel Roubini, que acaba de voltar de uma viagem à China.
A China, como o Brasil, faz a comparação do trimestre contra o trimestre anterior. No Brasil, isso deu uma queda de 3,6% do PIB no quarto trimestre de 2008.
A forma convencional, usada pelos Estados Unidos e inúmeros outros países, é anualizar o resultado dessa comparação trimestre contra trimestre. Mais ou menos assim: se o resultado se repetisse nos trimestres seguintes, qual seria o crescimento do país? A forma convencional de fazer a conta nos Estados Unidos e países desenvolvidos exibe uma devastação: -6% nos EUA, -6% na Zona do Euro, -8% na Alemanha, -12% no Japão, -16% em Cingapura e -20% na Coreia. Na China seria zero. No Brasil seria em torno de -13,6%, como registra a revista “Economist” na sua base de dados.
Claro que as economias vão se recuperar e a queda do último trimestre não vai se repetir na mesma intensidade nos trimestres seguintes.
Por isso, Roubini está prevendo um crescimento de 5% para a China.
Longe dos 8% que são a meta do governo, e mais baixo do que os 6,5% previstos pelo FMI. Roubini não é o mais pessimista do mercado.
Ele mesmo fala em economistas que estariam prevendo 4%.
Roubini esteve na China, junto com vários outros economistas, como Marty Feldstein e Joseph Stiglitz, participando do China Development Forum. Segundo seu relatório de abril houve uma falta de conexão completa entre o mantra dos chineses, de crescer 8%, os dados e até os cálculos dos economistas convidados para o fórum. Isso sem falar na diferente avaliação dos riscos da economia global.
Apesar do esforço fiscal expansionista da China, os dados do PIB, da produção industrial, de importação-exportação, de consumo e do desemprego mostram que o país entrou em forte contração com o colapso americano, e não sem motivo, já que os EUA são seu principal mercado. Alguns dos seus mercados asiáticos, como Coreia e Japão, reduziram em até 40% as compras de produtos chineses.
Um dado só mostra a diferença abissal no mercado americano antes e depois da crise: segundo a revista “Economist”, os ricos americanos perderam US$ 10 trilhões, um quarto dos seus ativos. A capacidade de consumo do país — o consumidor de última instância, como o define Roubini — está definitivamente abalada.
Outro sinal das dificuldades chinesas é o desemprego.
O economista conta que até a imprensa oficial trata como verdadeira a cifra de 20 milhões de desempregados.
Ele acha que isso indica que o problema deve ter, no mínimo, o dobro do tamanho, ou seja, 40 milhões de desempregados.
Muitos outros perderão o emprego este ano, tanto na área urbana quanto na rural.
Um milhão dos seis milhões de estudantes que terminaram a universidade em 2008 estão desempregados, e no fim deste ano outros seis milhões de graduados estarão entrando no mercado.
O pacote fiscal chinês parece grande, mas não é para as dimensões das dificuldades que eles enfrentam no país de 1,3 bilhão de habitantes.
A inflação, que havia chegado a 10% ao ano em meados de 2008, caiu drasticamente, o que pode ser visto como mais um sinal de enfraquecimento da economia, que poderia estar indo para uma deflação, uma espiral negativa. Mas antes a queda da inflação que a situação da Rússia, que teve, em março, uma inflação de 14%, após cinco meses de alta. Apesar de a economia russa estar em recessão, a forte desvalorização do rublo está elevando os preços.
A economia chinesa tem mostrado, nos últimos dias, um ou outro sinal de melhora, como o número divulgado quinta-feira, de aumento da produção de aço motivada pelo investimento em infraestrutura do pacote fiscal do governo. Mesmo assim, os números são fracos e insuficientes. A economia que mais tem chance de terminar 2009 com uma elevação do PIB é a chinesa, mas a queda do nível de crescimento do PIB, de 13% em 2007 para 9% em 2008 e para os 5% ou 6% de 2009, é impactante. Roubini fala em hard landing pegando os dados do crescimento na margem próximo de zero.
Com a queda do consumo americano, e a redução drástica das importações de produtos chineses por outros mercados, o país está apostando num crescimento puxado pelo mercado interno. O problema é que a falta de um sistema de aposentadoria que dê segurança aos chineses, a estrutura demográfica de famílias de um filho e população em rápido envelhecimento, a inexistência de sistemas de rede de proteção social eficiente, e até valores culturais confucianos, levam o país a ter mais propensão à poupança que ao consumo.
Roubini disse que nessa viagem notou pela primeira vez as autoridades preocupadas com os limites ambientais ao desenvolvimento e com a poluição do ar e da água, e mostrando que estão dispostos a fazer algo a respeito. Essa crise, por pior que seja, vai passar, mas os constrangimentos ambientais continuarão. A China, quando voltar a crescer, terá de crescer da forma diferente do vale-tudo que foi a sua escolha nos últimos anos. A poluição está provocando desde uma onda de doenças pulmonares a doenças da água poluída e até a contaminação dos peixes e frutos do mar de exportação. Além disso, Nouriel Roubini diz: “A crescente classe média quer qualidade e não só quantidade de crescimento.”
Com Leonardo Zanelli