sábado, 25 de fevereiro de 2023

Marco Aurélio Nogueira* - Uma montanha a escalar

O Estado de S. Paulo

O novo governo está forçado a escalá-la. Nasceu minoritário nas instituições, com estreita maioria eleitoral e pouca folga para compor uma forte base de apoio

Já era para estar soprando um vento de otimismo e esperança, depois do inferno que foram os anos Bolsonaro. A vitória de Lula nas eleições do ano passado mostrou que parte importante da sociedade deseja experimentar outros caminhos. A expectativa de que se abriria uma nova era governamental impulsionou os votos recebidos por Lula, obtidos tanto por seu carisma quanto pela força do PT e pelo apoio de inúmeros democratas, cientes de que o País se arrastava numa inaceitável aventura reacionária.

Porém, em vez da bonança que se segue aos tempos ruins, uma onda de preocupação e decepção ameaça crescer, misturada com as calamidades deste início de 2023. O 8 de janeiro, a tragédia Yanomami e as chuvas catastróficas no litoral norte de São Paulo consumiram muitos esforços governamentais. O governo Lula mal se distanciou do tiro de largada, caminha em busca de um eixo que o estruture e lhe permita produzir resultados. Necessita de tempo, foco e determinação. O problema é que os cidadãos e o País estão com pressa, querem ingressar em outra etapa.

Oscar Vilhena Vieira* - Resiliência tem limites

Folha de S. Paulo

Sofrimento e perdas com chuvas recaíram desproporcionalmente sobre mais pobres

Temos abusado de nossa resiliência. A palavra, que originalmente era empregada para designar a propriedade de certos materiais de recobrar sua forma original após serem submetidos a deformação, ganhou terreno, sendo hoje amplamente empregada pela psicologia, economia, estudos de clima e mesmo no direito (eu mesmo participei de um livro intitulado "Resiliência Constitucional").

A primeira vez que ouvi a expressão fora de uma aula de física foi na Praça da Sé, há mais de 30 anos. Após constatarmos a condição degradante a que estavam submetidos inúmeros jovens em situação de rua, no centro de São Paulo, muitos deles dependentes, minha colega de Comissão Teotônio Vilela, Cenise Monte Vicente, disse: "Esses jovens são incrivelmente resilientes; se tiverem apoio e oportunidades, conseguirão retomar suas vidas".

Pablo Ortellado - Verdade bem achada

O Globo

As mentiras, as distorções e os exageros apenas servem para reforçar as crenças que o público-alvo já tem

Muita gente acredita, à esquerda e à direita, que nosso problema político fundamental é que estamos dominados por máquinas de difundir mentiras. Esse diagnóstico parte do pressuposto de que nossos juízos políticos, equivocados e inflamados, são forjados pelas mentiras difundidas nas mídias sociais e nos aplicativos de mensagens. Mas será que estamos consumindo mentiras e, a partir delas, formando juízos deturpados? Ou tudo aconteceria no sentido contrário: só estamos aceitando as mentiras porque temos um juízo inflamado prévio? Soluções muito diferentes são exigidas num e noutro caso.

O leitor simpático a Bolsonaro pode fazer o exercício. Ele deve ter visto nos aplicativos de mensagem que um dos participantes da invasão do Congresso carregava uma bandeira do PT, outra tinha as chaves e entrou sem dificuldades no Palácio do Planalto. Para ele, os dois fatos mostram que o vandalismo na sede dos Três Poderes foi obra de esquerdistas infiltrados, tudo facilitado pelas autoridades petistas para justificar a repressão ao movimento popular. Agências de verificação demonstraram que a porta do Palácio do Planalto foi arrombada e que a bandeira do PT não era de um infiltrado, mas foi roubada por um bolsonarista do gabinete de um deputado de esquerda. Será que, confrontado com essa retificação, o bolsonarista médio muda o seu juízo? Provavelmente, não.

Carlos Alberto Sardenberg - Sabotagem tributária

O Globo

Se as empresas e as pessoas devem fazer provisões contra o risco de cair uma decisão definitiva, então todas as decisões não valem nada

Se sabotadores internacionais viessem ao Brasil para criar o caos em nosso sistema tributário — por mais competentes que fossem —, não conseguiriam fazer estrago maior que o feito por aqui mesmo. Comecem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pois o STF aprovou regra que cria a seguinte situação: uma empresa foi ao Supremo e lá obteve sentença dizendo que não precisava pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); era coisa julgada, isso desde 2007; passam-se os anos, e o próprio STF decide que se enganara, aquela CSLL é devida; ok, mas está óbvio que, durante todos os anos passados, a empresa não cometeu irregularidade alguma ao deixar de pagar um imposto com base em decisão da Corte; logo, não deve nada e passa a pagar de agora em diante, certo?

Carlos Góes - Juro e crescimento

O Globo

É importante debater a política de juros. Mas demonizar a política econômica não contribui para o crescimento do Brasil

Durante as últimas semanas, o país testemunhou um confronto de visões sobre o papel da taxa de juros no controle da inflação e no crescimento do país. Os termos do debate não foram os usuais.

Além de acadêmicos e colunistas preencherem páginas de jornais, como de costume, a CUT preencheu a entrada dos prédios do Banco Central pelo país em protestos contra a política de juros.

A tese da ala mais à esquerda do governismo parece se resumir na seguinte frase de Gleisi Hoffman, presidenta do PT: “O Banco Central não pode aplicar um remédio errado e comprometer o crescimento do Brasil.” O argumento é que o Brasil não cresce por causa da política de metas de inflação.

Mas não há evidências de que esse argumento seja verdadeiro.

Hélio Schwartsman - Repressão e regulação

Folha de S. Paulo

Necessidade de reprimir golpistas não deveria contaminar regulação das redes sociais

Uma coisa é definir estratégias para combater o golpismo e a radicalização política e outra é criar regras racionais e coerentes para o funcionamento de algoritmos e redes sociais. No Brasil, precisamos fazer as duas coisas, mas não deveríamos permitir que uma contamine a outra.

Uma das formulações de Immanuel Kant para o imperativo categórico é "Age de acordo com uma máxima tal que possas querer, ao mesmo tempo, que ela se torne lei universal". Simplificando um pouco, teríamos o "Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem". E o imperativo categórico é algo que precisamos levar em conta em propostas de regulação, já que, idealmente, elas devem fazer sentido nos mais diversos lugares, épocas e contextos políticos.

Cristina Serra - Escárnio contra os yanomamis

Folha de S. Paulo

Maioria de senadores de comissão defende garimpo e é inimiga dos povos indígenas

comissão externa criada pelo Senado para acompanhar a tragédia humanitária que se abateu sobre os yanomamis é um faz de conta abominável. Dos cinco integrantes, três são senadores por Roraima, notórios defensores do garimpo, inimigos da população indígena e predadores de seu direito à terra e a viver em paz.

O presidente da comissão é Chico Rodrigues (PSB), famoso pelo flagrante de R$ 33 mil escondidos nas partes pudendas, em ação da PF que investigava desvio de dinheiro para o combate à Covid. Reportagem do site Repórter Brasil mostrou que o senador foi dono de um avião visto diversas vezes sobre o território yanomami e até mesmo em uma pista de pouso clandestina. Rodrigues chegou a dizer em vídeo que o garimpo em TI é um "trabalho fabuloso".

Demétrio Magnoli - Biden em Kiev

Folha de S. Paulo

Hipotética vitória russa assinalaria declínio radical do papel global dos EUA

Joe Biden emergiu de surpresa em Kiev para libertar os EUA da sombra de Cabul. Sua mensagem, destinada ao público doméstico, aos aliados europeus e à Rússia: não abandonaremos a Ucrânia. Sem a humilhante retirada americana do Afeganistão, em 2021, dificilmente Putin teria deflagrado sua guerra imperial de conquista. Hoje, do Donbass à Crimeia, está em jogo o equilíbrio geopolítico mundial.

O proclamado "momento unipolar" da implosão da URSS e da primeira Guerra do Golfo (1990-91) ficou no passado –e, talvez, na esfera das ilusões. Na hora da retirada do Vietnã, meio século atrás, a economia dos EUA representava 36% do PIB global; hoje, representa cerca de 24%. O poder bruto chinês, a dimensão da economia da União Europeia e o arsenal nuclear russo configuraram uma geometria multipolar. Os EUA já não são o hegemon, mas o "primus inter pares". A Ucrânia situa-se numa encruzilhada histórica: um teste decisivo da superpotência que arquitetou a ordem mundial.

Fernando Schüler* - O país sem convicção

Revista Veja

No Brasil, ‘até o passado é incerto’, na conhecida frase de Pedro Malan

Primeiro, foi com a regra do teto. Em 2016, o Brasil vivia a sua crise, o PIB cairia mais de 7% em dois anos, e alguns milhões de brasileiros cruzavam, para baixo, a linha da extrema pobreza. Foi aí que o país definiu uma regra fiscal para valer no longo prazo: o Orçamento só pode crescer no limite da inflação do ano anterior. Por vinte anos, com direito a uma revisão no meio do caminho. O problema é que rodamos no marshmallow test. Para quem não conhece, é aquele teste famoso em que se põe uma criança diante de uma guloseima, sabendo ela que se esperar alguns minutos ganhará, logo ali adiante, duas guloseimas. Uma parte das crianças, em geral as mais novas, não consegue esperar. É semelhante ao nosso caso. Pouco mais de seis anos depois de definir a regra, o país-criança decide mudar. Já havíamos furado a regra algumas vezes, mas agora vamos mudar de vez, sem fazer ideia do que colocar no lugar.

João Gabriel de Lima - Uma nova revolução no campo é necessária

O Estado de S. Paulo

No século 21, não é mais possível pensar a produção agrícola dissociada do meio ambiente

A primeira fake news produzida no Brasil foi, provavelmente, o trecho da carta de Pero Vaz de Caminha do qual se extraiu a máxima “em se plantando tudo dá”. Na verdade, um estudo do economista Eliseu Alves mostrou, no fim da década de 1960, que o principal problema da agricultura brasileira era a ausência de técnicas adaptadas às nossas condições: na maior parte do território brasileiro a terra é ruim, e o clima tropical não ajuda.

A solução encontrada foi enviar nossos agrônomos às principais universidades do mundo para “inventar” um jeito de plantar em solo ruim e clima tropical. “Formar técnicos é como dar tiros de cartucheira, um grão de chumbo vai atingir a caça”, costumava dizer Alves, citado num artigo do economista Marcos Lisboa. Alves participou da criação da Embrapa e de todas as etapas que transformaram o Brasil – graças a pesquisa e conhecimento – em potência agrícola.

Bolívar Lamounier* - Queremos mesmo ser um país civilizado?

O Estado de S. Paulo

Aqui o verbo cabível é querer, pois a democracia é uma construção, um esforço coletivo, um ‘crafting’ político. Querendo já é difícil, não querendo é impossível

Em 2012, o filósofo búlgaro naturalizado francês Tzvetan Todorov publicou um magnífico ensaio intitulado Os inimigos íntimos da democracia (Paris, Editora Lafont), que, infelizmente, não chegou a ser discutido no Brasil.

Seu argumento principal é de que não existe um modelo político capaz de competir em legitimidade mundial com a democracia representativa. Esta sofre ameaças graves, mas internas. De fora para dentro não tem adversários à altura no plano das ideias nem no das armas.

No Brasil, essa linha de argumentação costuma ser recebida com ironia. Primeiro, o próprio regime democrático é contestado como uma cínica forma de dominação, ou como uma engrenagem cuja única finalidade é transferir um naco do erário para ladrões, banqueiros e políticos.

Marcus Pestana - Liberalismo: mercado e individualismo

O liberalismo surge como o conjunto de ideias e teorias que animou a transformação política e econômica que deu lugar ao sistema capitalista e à democracia moderna, a partir da ruptura com o Antigo Regime, a monarquia absoluta de origem divina, os traços feudais remanescentes e o mercantilismo.

A tradição do pensamento liberal está presente nas obras de Locke, Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Adam Smith, Tocqueville, John Stuart Mill, Von Misses, Hayek, Karl Popper e Milton Friedman, entre outros.

Esta trajetória nasceu entrelaçada com as quatro grandes revoluções: Revolução Gloriosa, Revolução Americana, Revolução Industrial e Revolução Francesa. O pensamento conservador, discutido no sábado passado, foi mais uma reação ao que julgavam os excessos do liberalismo na ruptura com o passado, os costumes, as tradições e as instituições. Os conservadores, grosso modo, se identificavam mais com os processos de transformação na Inglaterra e nos EUA, que asseguraram, segundo eles, traços de continuidade, do que com os traços disruptivos da Revolução Francesa. Na Inglaterra, onde nasceu o capitalismo, a monarquia foi mantida até hoje em sua versão parlamentarista constitucional.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Mercado de crédito exige do governo atenção constante

O Globo

Não parece haver risco sistêmico, mas caso Americanas e rolagem de dívidas corporativas despertam preocupação

A conjunção do tombo das Lojas Americanas com o cenário de juros altos e crescimento econômico baixo fez os bancos ficarem mais cautelosos. Não há uma crise de crédito, mas está claro que a situação exige acompanhamento diário, e o Ministério da Fazenda tem dedicado atenção às movimentações no mercado. O secretário executivo da pasta, Gabriel Galípolo, afirmou estar dialogando com interlocutores dos setores produtivo e financeiro, além do Banco Central. A preocupação é o aumento das exigências para a concessão ou renovação de empréstimos, sobretudo para empresas médias e grandes.

Desde o começo do ano, aumentou a demanda por renegociação de dívidas nas empresas especializadas em reestruturação. Até o início de 2024, companhias dos mais diversos setores deverão renegociar pelo menos R$ 260 bilhões em dívidas, segundo levantamento da assessoria financeira Virtus BR. A título de comparação, na crise do governo Dilma Rousseff o montante rolado chegou a quase R$ 500 bilhões. Numa projeção extrema para 2023 feita pela gestora de ativos em crise Starboard, o valor poderia chegar a R$ 700 bilhões. Não é pouco.

Música | Mônica Salmaso - Partido alto (Chico Buarque)