Verão de apagões
• Falha de transmissão e pico de consumo deixam 11 estados e DF sem luz. Previsão é de mais cortes
- O Globo
Sem energia
RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA - Um apagão no início da tarde de ontem atingiu 11 estados e o Distrito Federal (DF), prejudicando mais de 4,2 milhões de consumidores. O total de pessoas atingidas deve ser ainda maior, pois as distribuidoras de Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo e parte do interior de São Paulo não informaram o número de afetados. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a interrupção de energia - que, segundo relatos, durou de 30 minutos a duas horas, conforme a localidade - afetou as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O estado de Rondônia também foi atingido. De acordo com o ONS, a falta de energia ocorreu em razão do recorde de consumo no horário de pico, por volta das 14h, e problemas na transferência de energia das regiões Norte e Nordeste ao Sudeste. Analistas disseram, porém, que o "corte seletivo" de luz, que já era esperado devido ao forte calor nos principais mercados consumidores e à falta de chuvas, voltará a ocorrer durante todo o verão.
Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff havia afirmado que o país não teria mais apagões por causa dos investimentos em geração e transmissão de energia. Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, porém, afirmara que os brasileiros deveriam reduzir o consumo de energia. Ontem, atribuiu a falta de luz a uma falha na linha de transmissão:
- O pico de consumo houve. No entanto, se não tivesse havido esse problema técnico, não teríamos tido (apagão). Esse pico de consumo aconteceu na semana passada todos os dias e não tivemos nenhum problema, porque a linha Norte-Sul não tinha apresentado nenhuma (restrição).
Para o ministro, somente após a reunião marcada para hoje pelo ONS será possível explicar o que causou a variação de frequência de energia.
O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, disse, em nota, que faltou responsabilidade à Dilma na campanha e que a população pagará pelos erros do PT. O partido Democratas pedirá no Congresso a convocação de Braga para dar explicações em fevereiro.
Angra 1 e mais dez usinas foram desligadas
Em nota, o ONS destacou que, em razão do aumento do consumo e da oferta restrita de energia, onze usinas no país foram desligadas automaticamente por segurança, o que significa um corte de 2.200 megawatts (MW) - 5% da carga do sistema nacional. Mas, segundo fontes do governo, a interrupção teria chegado, no total, a cerca de 4 mil MW. Na lista, está a usina nuclear Angra 1, no Rio de Janeiro. O ONS afirma que o corte ocorreu entre as 14h55 e as 15h45, apesar dos relatos de um prazo mais longo de falta de energia. O último recorde de consumo de energia, no horário de pico, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste ocorreu no dia 13, de 51.295 MW médios. No dia seguinte, foi a vez do Nordeste, também no horário de pico, de 11.999 MW médios.
O problema ocorre em meio à falta de chuvas no país e ao nível crítico dos reservatórios das usinas hidrelétricas. No dia 18, último dado disponível pelo ONS, as usinas das regiões Sudeste/Centro-Oeste estavam em 18,27% de sua capacidade. No Nordeste, o índice é de 17,57%, e de 35% na Região Norte. Segundo analistas, trata-se do menor nível da História, exceto na Região Sul (68,96%).
- Se o calor continuar nessa magnitude, os cortes seletivos vão durar o verão inteiro. As chuvas em janeiro estão em 45% da média histórica - disse Mikio Kawai, diretor executivo da Safira Energia.
No Estado do Rio, 580 mil ficaram sem luz
Analistas mencionam o atraso nas obras de expansão da rede de geração e transmissão de energia como um dos fatores que diminuem a confiabilidade do sistema interligado nacional, especialmente num momento de escassez de água nos reservatórios de hidrelétricas. Algumas das principais usinas em construção, como Jirau, no Rio Madeira, e Belo Monte, no Rio Xingu, estão com os cronogramas atrasados. A demora na construção de linhas de transmissão também manterá fora do sistema, em parte deste ano, usinas de geração eólica e a hidrelétrica de Teles Pires, entre o Mato Grosso e o Pará.
Relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indica atraso em 59% dos 388 projetos de linhas de transmissão.
Para a consultora de energia Elena Landau, advogada do escritório Sérgio Bermudes, além de não trazer estímulos à economia, o corte seletivo de energia não promove o consumo consciente:
- O corte seletivo de energia é a pior política que existe. O corte já era esperado, com a queda no nível dos reservatórios e o consumo crescendo mais que a oferta. É mais uma demonstração da falta de transparência do governo. Tinha de ser feita uma política de racionalização de energia, com campanha de eficiência energética e de esclarecimento.
Os cortes afetaram, além de DF, Rio, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. No Estado do Rio, 580 mil clientes, cerca de 6,4% dos consumidores, ficaram sem luz. Desse total, 400 mil são da área de atendimento da Light e 180 mil, da Ampla.
No estado de São Paulo, ao menos 2,45 milhões de consumidores ficaram sem luz. Na capital paulista, os passageiros do metrô foram surpreendidos por um corte de energia e pela paralisação parcial da Linha 4, que circula entre a Luz (Centro) e o Butantã (Zona Oeste). Os usuários tiveram de acionar botões de emergência para abrir as portas dos vagões e caminharam pelos trilhos e passarelas para retornar às plataformas. As estações Luz e República, duas das mais movimentadas, chegaram a ficar fechadas ao público. Rafhaela Martins, de 18 anos, era uma das que estavam no metrô durante a queda da energia:
- Ficamos entre 20 e 30 minutos dentro do vagão lotado, sem ar-condicionado. Saímos guiados pelos guardas do metrô, andando pelos trilhos, e demoramos cinco minutos para chegar à estação.
A concessionária Via Quatro informou que a saída pelos trilhos ocorreu de forma segura. Mesmo assim, algumas pessoas passaram mal com a situação, agravada pelo calor excessivo. A falha no sistema de alimentação elétrica foi detectada às 14h35 e corrigida às 16h29. A AES Eletropaulo, que atende 20,1 milhões na capital e Grande São Paulo, atribuiu o problema à determinação do ONS de reduzir a distribuição em 700 megawatts. O montante representa 10% do que a empresa distribui.
João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, diz que é necessário planejar no longo prazo para atender à alta do consumo e à redução das chuvas:
- Só vejo duas soluções: ou ocorre um milagre e temos um dilúvio bíblico ou o governo terá que fazer campanha para reduzir o consumo.