domingo, 7 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Antônio Pedro de Figeuiredo

“Nem se deve deduzir do que fica exposto que os insurgentes de junho, e nós também, pretendamos revolver totalmente a sociedade para reorganizá-la; bem sabemos que estas revoluções radicais são obra do tempo, e apenas meia dúzia de exaltados podem conceber a esperança de realiza-las imediatamente; mas o que pretendiam os revolucionários de junho; o que nós também pretendemos é o governo, como representante da sociedade inteira, intervenha nos fenômenos da produção, distribuição e consumo, pra regula-los e substituir pouco a pouco uma ordem fraternal ao desgraçado estado de guerra que ora reina nestas importantes manifestações da atividade humana. Os nossos votos hão de ser realizados”.


(Antônio Pedro Figueiredo, intelectual da Revolução Praieira, em artigo na revista O Progresso, Recife, 28 de agosto de 1848)

Sem medo do passado:: Fernando Henrique Cardoso

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas estão o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse: "O Estado sou eu." Lula dirá: "O Brasil sou eu!" Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês...). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo o que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote - o governo do PSDB foi "neoliberal" - e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora, os dados... O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobrás, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal. Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões, e junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado. Esqueceu-se dos investimentos do Programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao País.

Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no País.

Esqueceu-se de que o País pagou um custo alto por anos de "bravata" do PT e dele próprio.

Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI - com aval de Lula, diga-se - para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo o que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto "neoliberalismo" peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobrás, citado por Adriano Pires no Brasil Econômico de 13/1: "Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobrás produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez anos depois produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela."

O outro alvo da distorção petista se refere à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo. De 1995 a 2002 houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram num município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outros 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando numa só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB "não olhou para o social". Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel para a realidade; o programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa Toda Criança na Escola trouxe para o ensino fundamental quase 100% das crianças de 7 a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996 eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

Merval Pereira:: Força e fraqueza da classe média

DEU EM O GLOBO

Entre 2003 e 2008, segundo dados do Centro de Pesquisas Sociais do Ibre, da Fundação Getulio Vargas do Rio, 31,9 milhões de pessoas ascenderam às classes ABC. Nesse período, a renda do trabalho teve um incremento médio de 5,13% ao ano o que, segundo o economista Marcelo Neri, confere uma base de sustentabilidade das condições de vida para além das transferências de renda oficiais Essa “nova classe média”, suas aspirações e, sobretudo, sua capacidade de ser um “agente fundamental” em uma revisão de valores da sociedade brasileira é analisada pelos cientistas politicos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, no recém-lançado livro “A classe média brasileira: Ambições, valores e projetos de sociedade”, da editora Campus com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A sustentabilidade desse modelo é questionada pelos autores, que indicam três pontos de dúvida: a distribuição de renda brasileira, que permanece como uma das piores do mundo; a protelação de reformas estruturais, como a trabalhista e a tributária, “sem as quais o Brasil dificilmente se livrará das barreiras que separam os setores formal e informal da economia”.

Por último, o fato de a mobilidade recente ter dependido amplamente do consumo, e não de novos padrões de organização ou desempenho na produção.

Uma constatação imediata é que é alta a valorização da educação. Tudo leva a crer, segundo os autores, que ela ocorre em razão tanto de antigas considerações de status — a herança bacharelista — como de fatores realistas: a alta taxa de retorno e a necessidade cada vez maior da educação para o acesso a posições mais qualificadas no mercado de trabalho.

As aspirações educacionais para os filhos tendem a ser altas, embora as expectativas de que eles realisticamente possam realizá-las não o sejam necessariamente.

As pesquisas que baseiam as análises do livro, tanto quantitativas quanto qualitativas, mostram que quanto menor a escolaridade dos pais, maior o hiato entre aspirações educacionais para os filhos e as expectativas de que eles venham a alcançá-las.

Os estudos captaram “um sentimento surpreendentemente generalizado” de insatisfação com o nível, ou com a qualidade, da educação, que atinge 40% das pessoas com curso superior; 59% com ensino médio; 63% com ensino fundamental e 69% dos semi-escolarizados.

Com base na pesquisa, os autores destacam duas das saídas que começam a ser buscadas como compensação pela má qualidade. Uma, realista, mas incipiente, é a busca de ensino compensatório, notadamente a educação profissional.

A outra os autores colocam na área propriamente política; no momento, “por razões provavelmente muito conjunturais”, é o que para eles parece estar ocorrendo no debate relativo a cotas sociais ou raciais para acesso ao ensino superior.

À primeira vista, dizem os autores, a nova classe média teria condições de ser agente de uma transformação na sociedade, “uma vez que é alvo e vítima da escalada da transgressão”.

Fica claro nas pesquisas que consciência da gravidade do problema não lhe falta, e ela chega a avaliar os desafios ligados à violência, à corrupção e às drogas como mais graves que as carências referentes à saúde, ao desemprego, à habitação e à qualidade da educação.

Mas, mesmo tendo um capital social “obviamente superior ao das classes C, D e E”, a nova classe média não mostra capacidade de aproveitar em seu próprio benefício certas sinergias há muito conhecidas nos países desenvolvidos, avaliam os autores.

No Brasil, o capital social reside em larga medida nas famílias e no restrito círculo de amigos pessoais. “Um círculo possivelmente virtuoso de relações em círculos mais amplos não se realiza, em larga medida, devido à falta de confiança nos outros, traço cultural disseminado e sem dúvida reforçado pela escalada da criminalidade”, analisam os autores.

As pesquisas mostram que a desconfiança em relação a pessoas estende-se a grupos e organizações da sociedade civil (com exceção da Igreja). Televisão, empresários e partidos políticos recebem percentuais ínfimos de confiança.

Os autores explicam que “participar de organizações é uma forma de consolidar capitais sociais e enriquecer o repertório relevante para o debate e a ação na esfera pública”.

Quanto maior o número de organizações de que alguém participa, maior o seu “capital social”, que se traduz em redes sociais mais extensas e mais densas — um recurso de poder da classe média.

Entre nós, porém, a “arte de associar-se” permanece em nível pouco significativo, constatam Amaury de Souza e Bolívar Lamounier. A maioria dos entrevistados não participa de qualquer organização, e entre os que o fazem, a maioria limita-se a participar de uma única organização.

As instituições religiosas são exceções. Os autores mostram que a participação nessas organizações aumenta no sentido inverso ao do nível de renda. No entanto, a religião, como forma de sociabilidade, “não parece equipar os diferentes estratos sociais na função de remodelar o sistema de valores e inibir comportamentos transgressores”.

Os cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier constatam no livro que a classe média inclinase pela democracia como a melhor forma de governo, “mas partilha com os demais segmentos da sociedade um sentimento de aversão à política”.

Em grande parte, esse sentimento deriva da percepção de que a corrupção campeia no mundo da política, mas as pesquisas mostram que é também amplamente disseminada a percepção de que “os políticos e os partidos não se importam com a opinião dos eleitores”.

A classe média tem maior interesse pela política e manifesta um grau significativamente maior de compreensão dos eventos políticos

Sérgio Malbergier: Lula "lame duck"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Por mais forte que esteja, e ele está no pico, o presidente Lula inapelavelmente perde força à medida que nos aproximamos do final de seu mandato. É uma lei da política, conhecida nos EUA como "lame duck", o "pato manco" que logo vai parar de voar.

Por isso, já não importa tanto saber o que ele fará ou não fará. Na democracia, a fila anda, e o foco deve ser transferido para os planos de sua sucessora ou seu sucessor.Há um sentimento de que o Brasil achou seu rumo desde que Lula guiou a esquerda ao centro, ao consenso seminal em torno do capitalismo de mercado, nos dando valiosíssimos 15 anos de estabilidade.

Lula, claro, é o maior presidente do Brasil, odeie-se ou ame-se o mito. Primeiro presidente pobre num país de pobres, focou as ações do governo nessa massa de brasileiros cuja ascensão econômica, já em curso, é o único caminho para a prosperidade nacional.

Pai dos pobres, mãe dos ricos, sob Lula os extremos sociais enriqueceram como nunca. E juntos. É isso que precisa ser preservado depois que o presidente for pescar.

Enquanto na caverna tucana reina silêncio e indefinição, o lado petista dá sinais de uma guinada para a esquerda. Tão esperada, devido ao ocaso de Lula, quanto indesejada.

O desastrado projeto de direitos humanos, as tentativas reincidentes de controle da mídia, os esboços de um programa de governo estatizante num país onde a corrupção impera em todas as instâncias são sinais claros de que o esquerdismo derrotado pela história ainda vive em corações e mentes de petistas.

Do jeito que vão as pesquisas, as alianças partidárias e a economia, amplamente favoráveis ao governo, a recaída esquerdista do PT será uma das poucas ameaças à campanha de Dilma Rousseff num país que, se aprendeu a gostar de Lula, segue conservador.Lula soube confinar muito bem essas ameaças internas. Dilma, neófita no partido, precisa aprender também isso com seu mestre.

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Jardim Pantanal

O nome do bairro já diz tudo. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e o prefeito da capital, Gilberto Kassab (DEM), debaixo de chuvas torrenciais, travam um combate inglório com o PT e seus aliados no Jardim Pantanal. O bairro da periferia da capital é um péssimo campo de batalha, virou símbolo das enchentes e a trincheira da oposição aos tucanos e democratas em São Paulo. Enquanto não viabiliza o assentamento dos seus moradores em outro local, Serra oferece R$ 500 para que aluguem moradias provisórias; Kassab oferece mais R$ 300. A oposição vai lá e diz que ninguém deve sair, que a solução é o governo realizar obras de drenagem e saneamento para evitar que o bairro fique debaixo d’água.
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A maioria dos moradores prefere garantir o pedaço de chão, mesmo no sufoco dos alagamentos, sonhando com soluções à holandesa. É assim há mais de duas décadas. Lutam por direito à moradia no local e melhores condições desde 1986, quando invadiram a área. Em 1998, o governo decretou que a região era área de proteção ambiental, mas eles fincaram o pé. A maioria está desempregada ou trabalha precariamente como catadores, camelôs e empregadas domésticas.

Remoções

As enchentes na várzea do Rio Tietê na Zona Leste de São Paulo vão completar dois meses amanhã. O prefeito Gilberto Kassab quer erradicar os bairros que surgiram irregularmente na região. Além do Jardim Pantanal, submergiram o Jardim Romano e a Chácara Três Meninas, que também ficam em São Miguel Paulista, a 30km do centro de São Paulo.

Zona Leste

A Zona Leste de São Paulo é legendária pela volatilidade de seus eleitores. Em 1985, derrotou Fernando Henrique Cardoso , à epoca no PMDB, quando a eleição parecia ganha. Votou em Jânio Quadros (PTB). Elegeu Luiza Erundina(PT) em 1989, mas preferiu Paulo Maluf (PSD) em vez de Eduardo Suplicy (PT) em 1992. Em 1996, votou em Celso Pitta (PP); depois, em 2000, elegeu Marta Suplicy (PT), cuja reeleição rejeitou. Optou por José Serra (PSDB) em 2004; em 2008, consagrou o prefeito Gilberto Kassab, que agora caiu em desgraça.

Mobilização

Desde 2002, os moradores do Jardim Pantanal estão organizados no Movimento por Urbanização e Legalização do Pantanal (Mulp). Quem comanda a entidade é o Movimento Terra Livre, do Coletivo Liberdade Socialista, ligado ao PSol. Formado por representantes de comissões de ruas, as bandeiras do Mulp são: respeito à vida, ao bem estar, a relação democrática, a liberdade, a solidariedade, a união e a responsabilidade ética em relação à comunidade.

Candidatíssima

Nem Ciro Gomes (PSB) nem Aloizio Mercadante (PT), quem quer concorrer ao Palácio dos Bandeirantes é a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy. Por causa das enchentes, está animada com o desgaste de Serra e Kassab na capital, seus algozes nas duas últimas eleições municipais. Se o partido quiser, será candidata.

Miséria

Tudo começou quando o então governador de São Paulo, Orestes Quércia, hoje candidato ao Senado pelo PMDB, reintegrou uma área ocupada no Itaim Paulista. Levou duzentas famílias que ocupam o local para as proximidades do Pantanal, na várzea esquerda do Rio Tietê.

Os movimentos de moradia (sem-teto) levaram 3 mil pessoas para a região. Hoje, em oito quilômetros quadrados, há 25 mil famílias, ou seja, cerca de 100 mil pessoas

Rendição

Novo líder do DEM na Câmara, o deputado Paulo Bornhausen (SC) liberou a bancada para a votação do regime de partilha do pré-sal. Seu antecessor, Ronaldo Caiado (GO), fez feroz obstrução ao projeto, com um discurso ideológico contra a Petrobras.

Mérito/Luiz Paulo Barreto, o 222º ministro da Justiça, é o primeiro funcionário de carreira a assumir a pasta, desde o ministro Caetano Pinto, nomeado por D. Pedro I em 3 de junho de 1923. Com 46 anos, ingressou na carreira em 1986 como agente administrativo. Chegou a secretário-executivo na gestão do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, que o escolheu por mérito.

Bomba-relógio/Após a revelação da tentativa de suborno do jornalista Edmilson Edson dos Santos, o Sombra, uma nova diligência da Polícia Federal é aguardada para o meio da semana, o que pode aprofundar a crise no governo do DF

Campanha/A ministra Dilma Rousseff será a estrela do encerramento do Encontro Nacional da Juventude do PT, hoje, em Brasília. Ela será recebida pela jovem militância como candidata, sob o jingle que repete “ela é a mãe do PAC. É a Dilma, é a Dilma”.

''Somos favoritos. Mas eleição será dura''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Guerra diz que PT quer comparar o governo atual com o de FHC para esconder fraquezas da candidata petista

Ana Paula Scinocca


O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, afirmou que o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra Dilma Rousseff, pré-candidata ao Planalto, quer comparar seu governo com o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para "esconder" a ministra candidata. "Eles (petistas) reconhecem que a candidata é fraca, que não tem suficiente currículo, que não tem experiência feita", afirmou. Guerra disse que o candidato tucano, José Serra, não fará o papel de anti-Lula na eleição de outubro e que espera do PT "terrorismo e mentira". A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

O governo insiste na tese de comparar os oito anos do presidente Fernando Henrique com os oito anos do presidente Lula. Será a eleição do passado contra o passado?

É uma comparação equivocada. Cada governo desempenha um papel em um determinado tempo social, econômico e político. Há convicção muito clara entre nós que fizemos um excelente governo. Se há o que comparar, nenhum problema de fazer essa comparação. Importante que ela seja feita inclusive agora e todo tempo. Temos que discutir nesta eleição o que vai acontecer, não adianta esconder a candidata, o que ela é, o que diz e com o que ela se compromete. O PT e seus aliados não têm confiança na sua candidata. Eles reconhecem que a candidata é fraca, que não tem suficiente currículo, que não tem experiência feita.

A que o senhor atribuiu o crescimento da ministra Dilma nas últimas pesquisas?

Nunca ninguém imaginou que a candidata do presidente da República, do governo atual, do PT, tivesse 10, 15 ou 20% de intenções de votos ou fosse para a eleição desse tamanho. Somos favoritos, mas a eleição vai ser dura. É inevitável que a candidata cresça. Mas estamos monitorando isso a cada dia. Nada além das expectativas que sempre tivemos.

O PSDB se considera favorito por quê?

Estamos na frente, temos o que dizer e temos o melhor candidato.

Mas o PT também tem o que dizer.

Evidente que tem o que dizer sobre o que fizeram, mas o problema é que a população vai decidir entre um candidato que pode fazer mais e muito mais e uma candidata que seguramente fará muito menos do que aquilo que foi feito. Até porque o exemplo da administração da candidata é negativo. Ela trabalha com fundamentos autoritários, não consegue produzir nada organizado, tem uma visão preconceituosa e uma cabeça muita atrasada.

O PSDB está convencido de que só vence a eleição se Aécio Neves for vice de Serra?

Nós decidimos no partido não tratar disso. Não faz sentido para nós políticos cuidar disso agora.

O que o senhor espera da campanha?

O que já começou a ser feito. Terrorismo e mentira. Documentos do Ministério do Desenvolvimento Social, de maneira explícita, levantam suspeitas que o próximo governo não deverá continuar com o Bolsa-Família. É uma ação desavergonhada e não ética. É o padrão que está sendo desenvolvido aí. Estamos enfrentando um adversário que não respeita limite, não os considera e que não faz a menor questão de falar a verdade.

O Serra será o anti-Lula na campanha?

Não. O Serra não será. O Serra tem de se posicionar, como já se posiciona, como o José Serra, do PSDB, partido que fez muito pelo Brasil e que vai fazer muito mais.

De que forma o PSDB pretende apresentar o Serra na campanha?

Não vamos precisar fazer nenhuma cirurgia nele. Ele vai ser como ele é, como foi. A gente sabe qual o candidato que nós temos e confiamos nele.

Para juristas, Lula já faz campanha, mas é difícil punir

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente do TSE sugere que tribunal publique advertência sobre limites da divulgação antes do prazo

Luciana Nunes Leal


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito piada com a situação, a oposição não acha a menor graça, mas juristas ouvidos pelo Estado são praticamente unânimes na avaliação de que o petista exagera na promoção de sua candidata, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A maioria reconhece, porém, que é difícil a fundamentação jurídica de antecipação da campanha eleitoral e aposta em uma tendência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de continuar a considerar improcedentes as denúncias encaminhadas até agora por PSDB, DEM e PPS contra Lula e Dilma. O tribunal argumenta que há falta de provas ou não é possível vincular os fatos denunciados à disputa eleitoral.

Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, o TSE deveria publicar imediatamente uma advertência sobre os limites da divulgação de candidaturas antes do início permitido da propaganda eleitoral, que neste ano será 6 de julho. Com isso, ficaria mais claro o que podem e o que não podem candidatos e não-candidatos, como o presidente da República. "O tribunal também tem função administrativa das eleições, de disciplinar. Não julga apenas. Poderia fazer uma advertência e, se não for cumprida, aplicar as punições", sugere.

Ex-presidente do TSE e do STF, Velloso diz que o presidente da República deve "assumir posição de magistrado, ter um comportamento severo em relação à lei". "Se o presidente faz discurso e menciona a candidatura da ministra Dilma, que todos sabem que será candidata, está havendo campanha antecipada. Como ficam os candidatos ao Parlamento, às Assembleias, aos governos dos Estados? É um mau exemplo", diz.

Além da Lei Eleitoral (9.504/97), que pune com multa a propaganda antecipada, a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64, de 1990) trata de abuso do poder econômico e político, praticado por autoridades que buscam favorecer partidos ou candidatos aliados. As penas são proibição de candidatura nos três anos seguintes e cassação do registro de candidatos beneficiados. No entanto, a legislação não cita casos concretos de abusos, deixando para a Justiça Eleitoral a análise de situações específicas denunciadas pelos adversários ou pelo Ministério Público Eleitoral.

PRÉ-CANDIDATOS

Ex-presidente da Comissão de Direito Político Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Luciano Santos vê campanha antecipada também na prática de outros pré-candidatos. Cita como exemplos os encontros do PV em torno da senadora Marina Silva e o fato de a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) fazer anúncios em outros Estados, quando já é sabido que o governador José Serra é o pré-candidato do PSDB à Presidência. Tanto o PV quanto o governo paulista dizem que não há propaganda em suas ações e tudo está dentro dos limites legais.

O destoante, na avaliação de Santos, é a participação direta de Lula, que não é candidato, em defesa de Dilma. "Em tese, os pré-candidatos teriam paridade de armas. Mas o presidente extrapola os limites de administrador quando diz que tem candidata, que ela vai ganhar a eleição. Ele tem direito de ter candidata, mas não de usar os meios da Presidência em favor dela", afirma Santos, em referência ao fato de que Lula tem falado da sucessão e da candidatura de Dilma, embora sem citar o nome da ministra, em discursos oficiais, durante compromissos da Presidência.

O professor de direito eleitoral da Universidade Federal de Juiz de Fora Geraldo Mendes aponta as dificuldades para comprovar ilegalidade nas ações do presidente. "Quando inaugura uma obra e faz discurso, o presidente exerce uma função que é própria dele e a imprensa está no papel de acompanhar e divulgar. O grande problema é quando o agente público beneficia seus correligionários. Entendo que a conduta é reprovável e até imoral, mas juridicamente é muito difícil de impedir", diz.

DEFESA

A Advocacia-Geral da União (AGU), encarregada da defesa de Lula e da ministra, rejeita qualquer ilegalidade. Até agora, foi bem-sucedida. Quatro representações da oposição por campanha antecipada foram consideradas improcedentes pelo TSE. Outras quatro aguardam decisão do tribunal.

Os advogados da União insistem que não há propaganda nos discursos de Lula. "O presidente, assim como os demais administradores públicos, têm o dever de prestar contas à população da destinação dada aos recursos do Estado, o que pode ser realizado com pronunciamentos, campanhas institucionais e inaugurações de obras e serviços públicos, entrevistas, publicação de balanços periódicos, entre outros meios. Os discursos e manifestações estão de acordo com a legislação eleitoral e a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral", respondeu a assessoria de imprensa da AGU ao Estado.

PT, o suplício de uma saudade :: Francisco de Oliveira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aos 30 anos de sua fundação, o PT realiza todas as previsões da ciência social sobre a estrutura e o funcionamento das grandes organizações. No caso dos partidos, foi Robert Michels quem traçou essa rota.

Burocratizado, previsível, com abissal espaço entre suas elites e a massa, mesmo a hoje fracamente militante. Prestou uma excelente contribuição à democratização nacional, e continuará sendo um dos dois principais partidos políticos no Brasil. Mas não ampliou a democratização nem a republicanização do Estado.

De partido ideológico, transitou rapidamente para "partido-ônibus" e deste para "partido paraestatal". O partido paraestatal se define como uma organização ambígua, que realiza tarefas que o Estado lhe delega.

No caso do PT, o Estado lhe delega as funções de legitimação na massa popular, e o Bolsa Família é seu maior instrumento.

A mídia e a oposição, em geral, acusam o PT de aparelhamento do Estado. O fenômeno real é o oposto: é o Estado quem aparelha os partidos, embora esse aparelhamento venha coberto de deliciosos chantillys de bons salários, influência nas licitações e descaradamente na corrupção desenfreada.

Por isso, o PT já não é um partido da transformação. Na periferia subdesenvolvida, um partido patrimonialista, na versão machadiana/schwartziana da cultura do favor.

O pós-Lula não conhecerá grandes mudanças no rol dos partidos. O PT é o que mais sofrerá com uma magra dieta não governamental, se sua até agora pretensa candidata não se eleger: tensões internas ou a luta pelo espólio pós-Lula podem aproximá-lo do peronismo sem Perón. Se Dilma se eleger, a luta interna pelo controle de um governo sem personalidade e força partidária própria será também muito feroz.

A luta será para saber quem ocupa os cargos-chave, já que o próprio Lula tem a vocação de eminência parda, mas dirigirá Dilma de muito perto. Se os deuses favorecerem o atual governador de São Paulo, então será a vez de o tucanato voltar a engordar, e tratar de desfazer os trunfos lulistas.

Mas a política real passará longe dos partidos, como já acontece, e o Banco Central e as outras instituições serão os verdadeiros eixos da política.

Por último, convém frisar que o PT não tem nenhuma contribuição para a ampliação tanto da participação popular nas decisões mais importantes, como não melhorou a musculatura institucional do Estado.

Desde Vargas, o último grande reformador do Estado, ele segue o mesmo. FHC tentou introduzir um semiliberalismo via agências reguladoras, mas não foi muito longe; Lula, nem tentar tentou. E La Nave Va

Francisco De Oliveira,76, é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Nabuco, um visionário::Paulo Gustavo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Em 24 de outubro de 1893, num dos trechos mais discretos dos seus Diários, Joaquim Nabuco antecipa, com o visionarismo que lhe foi peculiar, o que hoje, passados 117 anos, a moderna medicina pôs em prática com amplos benefícios para a gestão da saúde e do tempo de médicos e pacientes. O conceito lhe ocorre como um verdadeiro achado pragmático para o qual naturalmente a mentalidade da época ainda não estava preparada. O texto é tanto mais significativo quanto menos se sabe (ou se divulga) que Nabuco - homem voltado tanto para o passado quanto para o presente -, a seu modo, intuía e sonhava o futuro. Não por acaso há uma gigantesca atualidade em seu pensamento, do mesmo modo que na forma límpida e segura em que o registrou. Assim o que nele há de apolíneo e grave e belo continua bem maior do que a exegese (aliás, ainda escassa) operada por uma inteligência nacional pouco preparada para compreendê-lo e estudá-lo. Aproveitando suas próprias palavras, pode-se dizer que ao Brasil faltava "mundo" para lê-lo e apreciá-lo em sua inteireza de pensador complexo e cosmopolita.

Bem, neste ano nacional Joaquim Nabuco, que outros, especialistas e competentes, cuidem, nesta província ou alhures, dos diversos Nabucos. Contento-me humildemente em trazer aos leitores - por curiosa, pitoresca e embebida de futuro - apenas uma esquecida página de seus Diários. Uma página visionária e simbólica em que o pensador e o homem de ação parecem sonhar juntos. Vale transcrevê-la em sua íntegra.

"Uma ideia. Não existe ainda um estabelecimento onde a gente se possa fazer examinar e medir do ponto de vista médico na perfeição. Eu imagino que os haverá no futuro. Antes de se ir a um especialista ou notabilidade, ter-se-á que passar pela casa de observação. Ali o indivíduo será examinado durante o tempo preciso em todos os detalhes e funcionamento do seu organismo por pessoas entendidas. Examinar-lhe-ão os órgãos, os movimentos, as urinas, as digestões, o sono, as forças, tomar-lhe-ão os precedentes, tudo por um grupo de especialistas, e com as informações ou o registro ele irá consultar o especialista indicado, levando a sua folha com as assinaturas de cada perito abaixo da coluna respectiva. Depois de uma vez examinado, o indivíduo poderá apresentar-se de tempos a tempos para observarem a marcha de sua saúde e compará-la com as notações feitas. Um estabelecimento destes, bem montado, cientificamente montado, daria resultado desde já.

Ajudaria muito aos médicos esse exame preliminar do laboratório. Eu imagino uma folha assim: F., nacionalidade, idade, antecedentes, dimensões, anormalidades, proporcionalidades (falhas para mais ou para menos na vitalidade relativamente às médias), observações nos diversos órgãos, urinas, diabetes, digestão, força nervosa, pontos fracos do organismo, lados fortes, hábitos, etc., etc. O indivíduo passaria de mão em mão de especialista, digamos que cinco especialistas bastavam para o exame completo de cada pessoa. Por 100 francos o indivíduo teria um exame completo e minucioso de seu organismo com suas deficiências, seus maus hábitos, as economias que devia fazer por um lado, o que devia queimar por outro, etc., etc., e ninguém dirá que esse passaporte para todos os médicos que ele tivesse que consultar era caro por 100 f. O estabelecimento teria que ser cosmopolita para a sua papeleta em diversas línguas valer em toda parte."

Como se observa, não faltava a Nabuco imaginação criadora de futuro aliada a um sentido quase tátil de concretude e de ação. Eis por que soube responder às grandes questões que a realidade social lhe impunha. Seu cosmopolitismo não excluiu a nação, seu refinamento não o impediu de ver o real agônico que o cercava, as causas que abraçou nunca o cegaram para o amanhã. Tanto o passado quanto o futuro igualmente lhe interessavam. Seus Diários, sua obra e seu ideário espelham essa atitude. Por isso, valeu por muitos e sonhou por muitos que não podiam sonhar.

» Paulo Gustavo é escritor e mestre em teoria da literatura

Ferreira Gullar::Carta tardia a um poeta arredio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Saquear a estátua de Carlos Drummond de Andrade é coisa de gente demasiado ignorante

Poeta Carlos Drummond de Andrade, desculpe-me se venho lhe perturbar o sossego, dizendo-lhe coisas que, para você, a esta altura, não têm qualquer importância. Estarei sendo mesmo impertinente, ao manifestar-lhe, deste modo, minha solidariedade em face do vandalismo com que têm agredido sua estátua, ali, no calçadão da avenida Atlântica.

Saquear a estátua de um poeta é coisa de gente demasiado ignorante.

Falo de impertinência minha porque, pelo que sei de você, estou certo de que não aprovaria essa ideia de materializá-lo em bronze como se estivesse sentado num dos bancos da praia a observar os banhistas e as banhistas sob o sol escaldante. Não que fosse indiferente à beleza das moças exibindo-se nos maiôs sumários que usam. Mas uma coisa é um poeta de carne e osso e outra, muito diferente, um poeta de bronze.

Tenho certeza de que jamais imaginou, ao passear por esse mesmo calçadão, que um dia estaria ali, metalicamente moldado, exposto ao sol e à chuva, à contemplação dos turistas como à solidão das noites intermináveis, quando o bairro inteiro dorme e mal se ouve, distante, o quebrar das ondas na areia.

Já que você, agora, é de bronze, e não me ouve, aproveito para dizer-lhe o que não disse nas raríssimas vezes em que nos encontramos e nas poucas, também, em que falamos, porque a verdade é que, se não sou tão arredio quanto você, sempre me foi difícil procurar as pessoas, muito mais ainda, poetas célebres, como é o seu caso. Já bastava ser célebre para me assustar; pior ainda se, além de célebre, era esquivo como você.

Vi-o, pela primeira vez, ao sair do elevador do "Correio da Manhã", na avenida Gomes Freire, aonde fui com Oliveira Bastos e Décio Victório, certa tarde, em que decidimos escandalizar as pessoas. Meus dois companheiros tinham as respectivas gravatas presas à cintura, enquanto eu trajava calças, paletó e gravata mas, em lugar de sapatos, calçava tamancos. Você não deve ter se dado conta da provocação, pois mal nos olhou, ao sair do elevador. Subimos até o andar da Redação e, numa saleta, nos deparamos com Otto Maria Carpeaux que, míope como era, escrevia à mão com a cara grudada no tampo da escrivaninha. Entramos os três e nos pusemos, ali, imitando-o, também com a cara colada na mesa. Ele se assustou e nos lançou um olhar indignado que nos fez deixar a saleta às gargalhadas.

Isso foi em 1955, quando alguns poucos que me conheciam tinham-me por maldito. Eu vagabundava, naquela época, pelas ruas do centro da cidade e às vezes me sentava à porta de um restaurante, ali na esquina de Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; para contemplar o edifício do hoje Palácio Gustavo Capanema, que parecia flutuar, onde você trabalhava. E o vi, certa vez, deixar o trabalho, de mãos dadas com uma mocinha, que, soube depois, era sua namorada. A sua cara, porém, nada dizia.

Muitos anos se passaram até que você chegasse aos 70 anos e me convidassem para participar de um programa de televisão em sua homenagem. Escolhi, para dizer, aquele seu poema "Memória", por ser curto e por ser belo:

"As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão."

Fiquei todo bobo quando, dias depois, recebi um bilhete seu, agradecendo minha participação na homenagem e elogiando o modo como havia dito o poema. Tenho esse bilhete comigo, até hoje, guardado em alguma gaveta.
A última vez que o vi foi no velório de Vinicius de Moraes, no cemitério São João Batista. A morte, neste caso, serviu para nos aproximar: fui falar com você e, para minha surpresa, em vez do homem tímido e reservado, deparei-me com um sujeito irritado, reclamando da doença que lhe tinha aberto uma ferida no rosto, como me mostrou. Havia, de fato, uma cicatriz que lhe marcava a face direita.

Depois disso, só voltaria a vê-lo naquele mesmo cemitério, desta vez em seu próprio velório. Eu tinha, naquele dia, um compromisso de trabalho em Brasília mas, a caminho do aeroporto, fui, por assim dizer, despedir-me de você. E, desta vez, quem estava revoltado era eu, revoltado com sua morte, com esse fato inevitável e inaceitável, que é a morte das pessoas que amamos ou admiramos. As declarações, que dei aos jornalistas, naquela ocasião, estavam mais perto do insulto que de outra coisa. A quem eu insultava, na verdade, não sei.

Mais uma vez, é proibido proibir:: Luiz Roberto Nascimento Silva

DEU NO JORNAL DO BRASIL/Caderno B

Se há uma pessoa que, por sua personalidade leonina e precisa metralhadora mental giratória, não necessite de defesa e proteção, é Caetano Veloso. Mas o objetivo deste artigo vai além disso.

Fui informado pelo escritor baiano e meu amigo Ildásio Tavares, em seu blog, que determinados grupos políticos organizam um movimento para vaiar o grande artista durante sua participação no carnaval de Salvador.

Isso seria uma retaliação pública a sua crítica sobre o presidente da República expressa em entrevista recente. Prefiro não crer nesse fato julgando que com um pouco de bom senso esse grupo irá abandonar essa ideia absurda.

Caetano Veloso representa a grande tradição de contribuição baiana à nossa cultura e formação do que temos de melhor como nação. Segue a linhagem de Gregório de Matos, Castro Alves, de Jorge Amado que trouxe o povo para a ficção, de Dorival Caymmi, que trouxe o povo para a música, de João Gilberto, que modificou a estrutura da linguagem musical criando uma nova sintaxe que desembocaria na bossa nova. Se em todos os segmentos culturais a participação da Bahia é exemplar, na música é excepcional, sendo o estado que mais produziu artistas e movimentos musicais de expressão nas últimas décadas no Brasil.

Poucos artistas divulgaram a Bahia dentro e fora do país quanto Caetano. Poucos expuseram suas posições políticas com tanta clareza e contundência quanto ele, que foi obrigado a exilar-se do Brasil exatamente por isso. Além das posições políticas, do ponto de vista artístico poucos artistas foram tão prolíficos e ousados, renovando sempre sua linguagem e correndo sempre novos riscos, saltando para novos espaços sem redes de proteção, quando muitos se acomodam. Inventou a tropicália, resgatou cantigas do folclore baiano, defendeu a importância de Roberto Carlos quando ela estava fora de foco, trouxe a poesia para as letras musicais com o máximo de invenção e sofisticação, mergulhou no rock em sua versão despojada, seca, gutural. Como se não bastasse, é um dos maiores cantores do país, a ponto de reinventar clássicos esquecidos da MPB transformando essas músicas quase em criação sua.

Ora, como um artista dessa importância pode ser vaiado no estado, na cidade de onde partiu para revolucionar a nossa cultura? Não faz sentido. Tudo isso ainda por cima no Carnaval, que é a festa da liberdade do povo brasileiro, a explosão simbólica que permite em sua curta duração uma aproximação das classes sociais, uma inversão de papéis sociais ajudando a manter certa doçura nessa porção portuguesa da América Latina.Para denunciar esse equívoco, fomos buscar na própria obra de Caetano a melhor argumentação contra ele. O título do artigo tem origem no refrão do movimento estudantil europeu e francês de 1968 e na música homóloga que ele compôs no mesmo ano. No 3º Festival da Canção, após ser vaiado enquanto tentava cantar sua composição, Caetano fez um discurso ontológico, em certo sentido ainda mais atual que a própria música. Numa das passagens, ele disse: “O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. Viva Cacilda Becker!”.

A essência da democracia é a liberdade de expressão. Tenho a esperança que a crônica dessa agressão anunciada não ocorrerá. Os foliões chegando à Praça Castro Alves ficarão imbuídos do espírito do homenageado.

Lembrarão sua advertência: “A praça é do povo/ Como o céu é do condor.

/ É o antro onde a liberdade / cria águias em seu calor!”.

Luiz Roberto Nascimento Silva foi ministro da Cultura do governo Itamar Franco e secretário da Cultura do governo Aécio Neves. É mestre em direito econômico pela UFRJ

BOM DIA! - Marchinhas de Carnaval

Eliane Cantanhêde:: Titanic do século 21

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Brasília - O regime Hugo Chávez faz água por todos os lados. Quinto produtor de petróleo do mundo, a Venezuela vive uma crise interna grave, vê minguarem os seus aliados "esquerdistas" nas Américas e está pendurada internacionalmente na Rússia e no Irã, o que já diz tudo.

Chávez fez uma faxina institucional na Venezuela, virou-se de costas para os EUA e de frente para a América do Sul e planejou investimentos externos e a conversão dos fabulosos lucros do petróleo na transformação da sociedade e da quase inexistente planta industrial. O messianismo bobo, porém, afundou todos esses sonhos.

Onze anos depois, a Venezuela convive com fuga de investidores, estatizações, fechamento de TVs e uma crise na economia que não fica só nos números, mas atinge a vida das pessoas: que tal racionamento de água e de energia? Os aliados de primeira hora pulam do barco.

Chávez também imaginou uma América do Sul "bolivariana", unida e pronta a enfrentar a potência com regimes fechados e discursos a la Fidel. Falou-se até da "esquerdização" da região, com as eleições na Bolívia, no Equador e na Nicarágua, como se houvesse um processo. Mas o processo engasgou.

O Brasil, em vez de fechar, abre-se para o mundo. Na Colômbia e no Peru, a aliança com os EUA só recrudesceu. Na Argentina, os Kirchner têm problemas demais para brincar de esquerdistas. Agora, o Chile dobra à direita, e Honduras corta o fio da meada bolivariana na América Central e no Caribe.

A Rússia tem o pior desempenho dos Bric na crise econômica, e o Irã, isolado da comunidade internacional e matando seus dissidentes políticos e religiosos, só pensa naquilo: enriquecer urânio. Ambos têm mais o que fazer do que embalar a Venezuela.

Chávez sonhava com o "socialismo do século 21". Os venezuelanos acordam no "titanic do século 21" e sem comandante alternativo.

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