Comércio e indústria dizem que, se moeda ficar em R$ 1,90, repasse será gradual
Bruno Villas Bôas
Com elevados estoques de produtos importados, as empresas brasileiras seguem cautelosas para repassar aos consumidores a escalada do câmbio nos últimos dois meses, tempo em que o dólar comercial avançou 13,4%, para R$ 1,926 na sexta-feira passada, uma valorização de 23 centavos. Segundo executivos do comércio e da indústria, se a moeda continuar acima de R$ 1,90, os repasses vão ser sentidos por consumidores a partir de junho, ou seja num prazo de 30 a 90 dias, quando os estoques serão renovados. Poucos falam, por enquanto, em substituir bens e insumos importados por equivalentes nacionais, que ficaram mais competitivos com a valorização da moeda americana. Isso ocorreria mais intensamente com a moeda cotada acima de R$ 2 - um cenário hoje menos provável.
Na rede de supermercado Zona Sul, por exemplo, a oscilação do dólar não influenciou no mix de produtos. Segundo o diretor comercial da rede, Pietrangelo Leta, a empresa faz planejamento anual e negociação prévia com fornecedores. O estoque de importados é negociado, em média, com 90 dias de antecedência.
- Até o momento, não houve reajuste nos preços no segmento de importados e, a empresa não prevê este aumento a curto prazo. Talvez aconteça mais adiante se o câmbio se mantiver neste patamar - explica o diretor comercial.
Fábrica de roupa começa a ver nacional mais barato
No Supermercado Prezunic, poucos preços foram repassados até agora. Os mais sensíveis ao câmbio seriam vinhos e bacalhau, por exemplo. Os importados são basicamente da Europa, Chile e Argentina.
- A questão é se o câmbio vai continuar subindo e passar de R$ 2. Isso sim pode mudar o cenário - diz Genival Bezerra, diretor do Prezunic.
Habituados aos movimentos do câmbio, o presidente da Lidador, Joaquim Cabral Guedes, tradicional importador carioca, explica que o comércio faz repasses graduais.
- Aos poucos, ninguém se incomodaria de pagar um pouco mais pelos produtos, como vinhos. Os clientes criam hábitos de consumo e podem pagar um pouco mais por um vinho francês, chileno - acredita.
Na indústria que trabalha com insumos importados, o peso dos estoques também é uma realidade que freará os reajustes. Segundo Julio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), os efeitos do avanço do câmbio devem começar a ser sentidos em seis meses.
- Os empresários vão aguardar para ver se o câmbio a R$ 1,90 veio para ficar. Isso os fará traçar estratégias, o que não é algo simples. As empresas criam ao longo de anos uma relação de clientela com fornecedores estrangeiros, firmam contratos e acordos de financiamento, no caso de máquinas. Isso não muda de uma hora para outra - explica Almeida, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula e tinha como missão equilibrar os mercados interno e externo brasileiros.
No setor de máquinas e equipamentos importados, o avanço do câmbio foi comemorado. Mesmo que implique produtos importados mais caros e menos competitivos, as vendas do setor à indústria passou por um longo período de baixa, segundo Ennio Crispino, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais.
- O dólar era ruim para o exportador e muitos projetos ficaram na gaveta. Nosso produto era barato, mas não havia demanda. Acreditamos que isso pode agora mudar - explica.
Os efeitos do avanço do câmbio, no entanto, começam a ser sentidos nos custos das indústrias. Em março, o Índice de Preços ao Produtor (IPP), calculado pelo IBGE, subiu 1,05%, após recuo de 0,42% em fevereiro, puxado principalmente pela valorização do dólar, além da alta de preços de alimentos.
A fabricante de roupas Gatto Blu foi uma das que sofreu com o aumento dos custos. O quilo do estampado chinês, insumo da produção de roupa, custava R$ 33 quando o dólar era negociado a R$ 1,70. Com o avanço da moeda americana, o quilo do produto passou a ser cotado a R$ 37. A empresa quer agora começar a trocar o importado da China por nacionais, que custam R$ 35 o quilo.
- Estou começando a negociar agora a compra de tecidos para a coleção de verão e provavelmente o nacional vai ganhar mais espaço. Hoje, ele representa 40% das compras de tecido. Deve passar para algo como 60% - explica Aldo Marra, sócio-gerente da marca.
Mercado aposta em câmbio acima de R$ 1,90
Segundo especialistas, o avanço do câmbio é resultado tanto das incertezas da crise na Europa quanto da atuação do governo brasileiro. O Ministério da Fazenda e Banco Central (BC), numa sintonia fina poucas vezes vista, atuaram com medidas no fluxo de entrada da moeda no país - via aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) - e compras de dólares no mercado à vista para valorizar o dólar. O objetivo do governo é melhorar a competitividade da indústria brasileira.
Essa atuação do governo no câmbio é agora menos intensa. No boletim Focus, os economistas preveem, em média, o câmbio a R$ 1,80 ao fim deste ano. Mas a estimativa do Focus se move de forma lenta. No mercado, os especialistas apostam num câmbio acima de R$ 1,90. O banco BofA Merrill Lynch, por exemplo, elevou na semana passada sua expectativa para o dólar de R$ 1,85 para R$ 1,92 ao fim de dezembro. Para 2013, a projeção foi elevada de R$ 1,92 para R$ 1,95.
Para o professor da Fundação Dom Cabral, Rodrigo Zeidan, mesmo com os repasses de preços, a alta do câmbio não deve pressionar a inflação. Ele diz que o câmbio não está caro, só estava barato demais. O importante é a moeda estabilizar.
- Pior do que um câmbio barato ou caro, é uma moeda volátil - acredita.
FONTE: O GLOBO