Segundo o noticiário, a presidente Dilma Rousseff pretende buscar uma agenda
que rivalize com a CPI do Cachoeira, que desagrada ao Palácio do Planalto e
ameaça paralisar ainda mais a ação administrativa do governo federal. Creio que
essa intenção merece simpatia, sempre que a agenda rival seja positiva, feita
de coisas reais, e não de PACs inexistentes ou de novos programas contra a
miséria que só prosperam nos discursos oficiais e no noticiário. Tampouco vale
renovar as reclamações em off sobre os maus costumes da vida pública
brasileira, como se o PT nada tivesse que ver com isso.
Permito-me citar algumas iniciativas que estão ao alcance imediato do
governo, sem grandes obstáculos jurídicos ou parlamentares.
São apenas exemplos.
Um primeiro exemplo é a exigência de certificação ocupacional para o
preenchimento dos cerca de 24 mil cargos de livre provimento da administração
federal, bem como de suas empresas estatais.
Ou seja, embora esses cargos não exijam concurso público, as pessoas
nomeadas deveriam ter qualificações obrigatórias para ocupar certas funções,
como capacidade técnica e gerencial, formação escolar compatível e experiência
profissional, a ser em atestada sem prova de avaliação; e ainda ter bons
antecedentes.
Essa medida frearia o fisiologismo reinante, além de melhorar a qualidade do
serviço público.
E impediria casos como o do "amigo de 20 anos" do ministro da
Saúde que, sem qualificação alguma, foi nomeado seu assessor e embolsou R$ 200
mil de propina a fim de prestar favores impróprios.
A certificação poderia começar pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa),
estropiada depois da recuperação promovida no governo FHC, quando foram exigidas
qualificações específicas para os cargos de direção.
Logo no começo da era petista, em abril de 2003, o decreto que estabelecia a
exigência foi revogada, a fim de liberar o loteamento da instituição.
Uma certificação especial deveria ser exigida dos diretores das agências
reguladoras, hoje loteadas entre pessoas na sua maioria sem a qualificação
necessária.
São nomeações que favorecem grupos partidários e interesses privados,
fraturando a espinha de uma importante reforma do Estado brasileiro.
Sempre chegam à imprensa cochichos sobre a insatisfação da Presidência da
República com esse quadro deprimente.Porque, então, não adotar a certificação
imediatamente, privilegiando os ocupantes de cargos efetivos nas próprias
agências? Outra medida urgente é a reestruturação da dívida de Estados e
municípios com a União, vinculando seus benefícios a investimentos.
Tem cabimento, hoje, o BNDES cobrar juros nominais de 4%,5% ao ano de
grandes grupos privados, com dinheiro do Tesouro, e este cobrar de Estados e
municípios juros que, em alguns casos chegam a 12,5% ou 14%? Os efeitos são
óbvios: dívidas crescendo como bola de neve, apesar dos elevados pagamentos, e
corrosão da capacidade de investimento de governos estaduais e municipais.
Acredite o leitor: essas unidades da Federação respondem por dois terços dos
investimentos públicos do País, excluindo empresas estatais.
Outra providência fácil e oportuna é o descarrilamento do trem-bala Rio-São
Paulo.O projeto exige mobilizar recursos de R$ 65 bilhões para um trem de
passageiros que não tem demanda.
De tudo o que conheço da História brasileira posso assegurar: em face do
tamanho e do despropósito, trata-se do projeto governamental mais alucinado que
já tivemos desde o Descobrimento.
O governo precisa transferir esse esforço e os recursos virtuais para outras
finalidades com bons resultados assegurados: metrô/modernização de trens
urbanos (R$ 30 bilhões) em dez capitais e transporte ferroviário de carga
Brasil afora (R$ 35 bilhões).
Um quarto exemplo é a eliminação já dos tributos federais (PIS e Cofins) que
incidems obreas empresas estaduais e municipais de saneamento, tirando-lhes em
torno de R$ 2 bilhões anuais. Esses recursos seriam investidos pelos Estados e
municípios em obras prioritárias na coleta e tratamento de esgotos, que não
oferecem retorno financeiro adequado. Lembre- se que somente 55% dos domicílios
no Brasil e stão ligados à rede de esgotos e apenas 38% dos esgotos coletados
são tratados.
Por último, a adoção da Nota Fiscal Brasileira, nos moldes da bem-sucedida
Nota Fiscal Paulista, coma devolução de tributos federais que incidem sobre o
consumo no varejo.Isso reduziria a carga tributária individual dos
consumidores, que receberiam de volta parte dos impostos recolhidos pelo
comércio, ao lado de uma redução significativa da evasão fiscal.
A presidente precisa ainda exigir que seu ministro da Educação tire do
papel, de modo rápido e competente, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec) – uma espécie de ProUni do ensino técnico.
Mais ainda, que o descentralize e estenda ao ensino técnico privado.
E que o ministro da Saúde tire da lenga lenga o programa Rede Cegonha,
voltado para a assistência à maternidade, desde o início da gravidez até as
primeiras semanas do bebê.São programas baseados nas propostas que fizemos em
2010: o Protec e o Mãe Brasileira.Sinceramente, em políticas públicas, cópia
não é plágio nem gera royalties. Ao contrário, se o projeto é bom, a cópia
expressa inteligência administrativa.
Exceto, é claro, quando é distorcida ou se serve mais para marketing
eleitoral, sem sair do papel.
Sugeri acima, algumas poucas medidas que dependem da determinação e da
clarividência do governante.
Há várias outras.Reparem que nem falo em "vontade política", um
conceito sempre fluido. A pequena lista de providências citadas está entre as
prerrogativas de fato e de direito do Poder Executivo.
Há muita coisa a melhorar na vida dos brasileiros e na institucionalidade do
País que passa longe do famoso "toma lá, dá cá".O governo federal só
se tornará refém da eventual paralisia do Congresso Nacional se quiser, se
continuar na letargia.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO