segunda-feira, 8 de maio de 2023

Fernando Gabeira - A extrema direita que cai das nuvens

O Globo

Oficiais do Exército se comportam como milicianos, e suas bases mais profundas são estruturas políticas barra-pesada

A ideia inicial era escrever um texto que falasse da negação da realidade como atitude humana.

Já mencionei aqui um importante artigo de Freud sobre o tema, e o exemplo que cita. É o do rei que manda decapitar o mensageiro que trouxe uma carta anunciando que sua cidade seria sitiada por invasores inimigos. Bolsonaro negou o maior acontecimento da História recente. A tragédia se abateria sobre o povo, arrastando-o no caminho a ponto de se tornar um vulgar falsificador de documentos sanitários.

Nem sempre voltar as costas à História significa atropelamento de morte. Em vidas singulares, costuma ser inteligente. Lembro-me do filme de Ettore Scola que no Brasil se chamou “Um dia muito especial”. No dia 6 de maio de 1938, Hitler visitou Mussolini em Roma. Quase todos os romanos foram para as manifestações bater os tambores da guerra que se aproximava. Duas pessoas entram num prédio em busca de um pássaro que fugira. Ela (Sophia Loren), mulher de um fascista que estava nas manifestações; ele (Marcello Mastroianni), um radialista demitido porque era gay. O encontro dos dois, a delicada amizade que surgiu naquela conversa, os enriqueceu para a vida inteira.

Miguel de Almeida - Lula, modelo 1989

O Globo

Com o atual Lula em modelo 1989, do tipo retrô, o verso de Cazuza se torna um dístico: “Suas ideias não correspondem aos fatos”. Repisa o refrão de que deseja governar para os pobres, com a ladainha de picanha para todos, mas sua prática ideológica perpetua os desvalidos.

Por sorte, a Câmara derrubou sua tentativa de solapar o Novo Marco do Saneamento Básico. A permanecerem seus decretos, seria uma condenação, se tanto, à fossa rudimentar sob o varal e à lata d’água na cabeça. Na outra mão, infelizmente, permanece no limbo petista a reforma do ensino médio. À beira de sua implantação, tudo foi suspenso. Uma tal comissão (!) deve avaliar os pormenores de uma lei aprovada há mais de quatro anos.

Irapuã Santana - Frente ampla racista

O Globo

Levantamento da Uerj depois das eleições constatou que candidatos brancos receberam o dobro de dinheiro que os negros

Em abril do ano passado, o Congresso promulgou uma emenda constitucional para liberar de punição os partidos que não cumpriram a exigência da destinação das verbas eleitorais até 2020.

O que já era um esvaziamento da autoridade do TSE no primeiro momento ganhou mais força quando, no dia 22 de março deste ano, 184 deputados de várias siglas — compreendidas entre esquerda, centro e direita — apresentaram a PEC 9/2023 com o objetivo de estender a anistia até 2022.

Marcus André Melo* - O que explica as derrotas?

Folha de S. Paulo

Três interpretações rivais sobre as relações entre Executivo e Legislativo

Há três interpretações rivais sobre o funcionamento das relações Executivo-Legislativo no país. A primeira defende que a governabilidade é garantida pela distribuição de benefícios para a base de parlamentares, o que seria produto, em última instância, da adoção da representação proporcional de lista aberta. Sustenta-se que esta individualiza a disputa eleitoral, mina a disciplina partidária e enfraquece os partidos e a dimensão ideológica da política.

segunda argumenta que a governabilidade é garantida pela partilha de governo via coalizões e distribuição de ministérios e cargos. Dada a assimetria de poderes estabelecida pela Constituição, o Executivo é dominante, e o Legislativo tem forte incentivos para se aliar a ele. Essa dominância e a partilha de governo asseguram disciplina e apoio para a aprovação da agenda, sem necessidade de compra de apoio individual.

Angela Alonso* - Os 36

Folha de S. Paulo

As tradicionalistas são muitas, mas não são poucas as mulheres que querem paridade

Não é novidade que o partido Novo é velho. A votação da igualdade salarial entre homens e mulheres no exercício de mesma função apenas o confirmou. Três deputados Novos ficaram contra. Poucos, mas recobrem a circunferência da bancada. Gilson Marques a vocalizou com argumento figurinha carimbada contra medidas corretivas da desigualdade. É o que começa sem bater de frente: "É óbvio que nós todos aqui queremos a igualdade de direito". Depois, acusa os reformistas de ingenuidade: "Esse projeto bota nas costas do empreendedor uma série de responsabilizações e multas que vão inibir a contratação das mulheres". Em nome da economia, manda os direitos para a cucuia.

Ana Cristina Rosa - Desigualdade que beira o ridículo

Folha de S. Paulo

É aviltante o looping de carências dos pobres no Brasil ante a qualidade de vida dos ricos

Uma das características mais cruéis de uma sociedade tão desigual como a brasileira é o menosprezo da elite —que usufrui de todos os direitos, além de muitos privilégios— em relação aos problemas cotidianos da massa de desvalidos que compõem o povo.

Não é de hoje que as classes C, D e E vêm se encalacrando para sobreviver. Diversas pesquisas apontam o endividamento crescente entre os mais pobres, que contraem dívidas até para comprar comida a crédito! Sem falar nos milhares que estão à margem, literalmente passando fome.

Lygia Maria - Regulação sem censura

Folha de S. Paulo

Se projeto de lei não definir o que é fake news e regulador, corremos o risco de construir nossa própria prisão

Há milênios filósofos se debatem sobre quem pode dizer o quê, onde e como. De Aristóteles a Sartre, passando por Espinosa e Rousseau, foram muitos os que falaram sobre a liberdade de expressão.

Mas parece que a questão é simples para o Parlamento brasileiro, e a regulação do tema poderia ser decidida de supetão —o chamado PL das Fake News data de 2020, mas cerca de 40% de suas disposições foram acrescentadas há pouco tempo. Decisão perigosa para tratar de um dos pilares da democracia moderna.

No geral, países não autoritários baseiam-se no famoso "princípio do dano" (harm principle) de John Stuart Milll: tudo pode ser dito, contanto que o dito não faça mal a alguém.

Fazer mal é muito amplo, então o filósofo restringe o dano à invasão de direitos. Direitos objetivos, diga-se. Apenas sentir-se incomodado muitas vezes não é suficiente —afinal, o mal-estar é intrínseco à civilização, já dizia Sigmund Freud.

Bruno Carazza* - Na política atual, não há infidelidade, e sim poliamor

Valor Econômico

PL das fake news e decreto do saneamento mostram que lua de mel acabou

Para o presidente que não se cansa de repetir que tem “energia de 30 e tesão de 20 anos”, é bom se acostumar à modernidade. Quase uma década e meia depois de ter deixado a capital federal, os relacionamentos em Brasília estão diferentes. Em tempos de Tinder e afins, hoje ninguém é de ninguém. Com parceiros empoderados e o patriarcado questionado, fidelidade é coisa do passado.

Há 20 anos não era assim. No jogo de sedução entre o presidente e os parlamentares, as relações eram desiguais. O governo controlava o dinheiro - do orçamento e dos cargos - e com isso impunha as suas vontades. Havia traições, muitas na verdade, e casamentos se mantinham por aparência. Mas quase sempre o Executivo conseguia o que queria, mesmo pagando caro por isso.

Com o passar dos anos, deputados e senadores se empoderaram. Aprenderam a dizer “não” para medidas provisórias abusivas. Trataram de criar fontes de recursos, primeiro com as emendas impositivas e depois a liberdade do orçamento secreto. Se o presidente não os tratar com respeito, ameaçam com derrubada de projetos, CPIs e até impeachment.

Dani Rodrik* - A nova narrativa econômica americana

Valor Econômico

Biden se afasta radicalmente dos governos democratas anteriores

Duas agendas concorrentes estão no momento competindo para moldar as políticas econômicas interna e externa dos EUA. Uma agenda é voltada para dentro, concentrando-se na criação de uma economia americana inclusiva, resiliente, próspera e sustentável. A outra está voltada para a geopolítica e a manutenção da primazia dos EUA sobre a China. O futuro da economia mundial depende do resultado desse conflito e se as prioridades opostas podem coexistir.

O governo do presidente Joe Biden representa um afastamento radical dos governos democratas anteriores, perseguindo políticas industriais ambiciosas para revitalizar a manufatura interna e facilitar a transição verde. Ele também adotou uma posição mais dura em relação à China do que qualquer governo anterior, incluindo o do ex-presidente Donald Trump, tratando o regime chinês como um adversário e impondo controles às exportações e investimentos em tecnologias críticas.

Alex Ribeiro - Galípolo no comando do BC preocupa o mercado

Valor Econômico

Histórico acadêmico e indicação pouco usual do atual secretário-executivo da Fazenda são principais inquietações

O balão de ensaio sobre uma eventual indicação do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, para a presidência do Banco Central ganhou força na semana passada - e disseminou preocupações entre economistas e operadores do mercado financeiro.

São dois aspectos que causam inquietação, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Primeiro, a ideia pouco usual de indicá-lo para, primeiro, ocupar uma diretoria colegiada no Banco Central e, depois, ser alçado ao comando, substituindo Roberto Campos Neto. Também causa aflição o seu histórico acadêmico. Ele assina, por exemplo, com o economista André Lara Resende, um texto com propostas na linha da Nova Teoria Monetária (conhecida pela sigla em inglês, MMT). Há apenas dois anos, defendia em “lives” uma política econômica não ortodoxa.

Jairo Saddi* - Medidas positivas para o crédito

Valor Econômico

Reformas microeconômicas enviadas ao Congresso são fundamentais para que o Brasil volte a crescer

Medidas microeconômicas, em geral, nunca fazem muito sucesso, especialmente quando seu alcance só se efetivará no longo prazo. É raro o assunto ocupar grande espaço da mídia e da opinião pública, porque o efeito não é imediato e os fatos conjunturais prementes acabam atropelando o debate mais profundo e necessário sobre elas. Isto posto, merece destaque o conjunto de treze medidas para melhorar o acesso ao crédito e reduzir os juros que foram promovidas na semana passada pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda do atual governo Lula.

Felipe Moura - Projeto de controle

O Estado de S. Paulo

Lulismo quer reescrever capítulo corrupção, retomar controle das estatais e conter a imprensa

O verdadeiro plano do lulismo tem três frentes complementares: 1) Reescrever o capítulo corrupção; 2) Retomar controle das estatais; 3) Controlar imprensa e redes sociais.

O método da frente 1 é demonizar juízes e procuradores para emplacar a tese da “criminalização da política”, desviando para questões processuais o foco das relações financeiras e imobiliárias de Lula e seus pares com empresas que, em seus governos, receberam contratos públicos e praticaram suborno.

Denis Lerrer Rosenfield* - Política externa ideologizada

O Estado de S. Paulo

Diante das manifestações do presidente da República, o que pode bem significar esta nova reinserção internacional do País?

A tão propalada reinserção do Brasil no mundo, liderada pelo novo presidente da República, está se revelando uma nave sem rumo, cuja única bússola consiste num regresso a ultrapassadas ideias de esquerda. O ranço fica tão evidente que o próprio presidente fica dizendo e se desdizendo o tempo todo, numa mistura de desconhecimento do mundo, talvez de má-fé, sob a ótica de uma espécie de anti-imperialismo. Isso o leva a alianças as mais esdrúxulas, como o alinhamento à China comunista, ao imperialismo regional russo, de extrema direita, mas recuperando o passado stalinista e czarista. Aliás, como dizia Hannah Arendt, os totalitarismos desconhecem as distinções de esquerda e direita, compartilhando determinações essenciais. Isso sem falar em suas afinidades eletivas com Venezuela, Cuba e Nicarágua. Manifesta-se, assim, o mesmo desprezo pelos valores da democracia e da liberdade.

A reinserção seria especialmente bem-vinda, considerando o desprezo da política bolsonarista pelo meio ambiente influenciando negativamente a imagem brasileira no mundo. Surgiu uma espécie de aliança contra o País, como se tivéssemos nos tornado responsáveis por todos os males ambientais do Planeta, quando sabemos que boa parte dessas críticas provinha de países rivais do agronegócio brasileiro. Em todo caso, a percepção americana e europeia era essa. Acrescente-se a canhestra tentativa de golpe do dia 8 de janeiro, para dar a Lula todo um verniz de simpatia e, mesmo, de democrata. Ora, é todo esse capital que Lula e sua política externa estão rapidamente pondo a perder.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo regime evita descontrole, mas não estabiliza a dívida

Valor Econômico

Crescimento da economia precisa ser superior a 2% para sustentar o ajuste fiscal

O novo regime fiscal proposto pelo governo Lula não será capaz de estabilizar nem a dívida bruta nem a dívida líquida pública até 2026. Mas, por outro lado, a evolução das dívidas será muito mais lenta caso a regra proposta não existisse - a expectativa, sem as mudanças, era de crescimento descontrolado. A redução das turbulências nos mercados financeiros se deve a essa perspectiva, enquanto que persistem as incertezas sobre a capacidade de o governo executar o que prometeu.

Há um virtual consenso entre os economistas de que o complexo desenho fiscal traçado só consegue entregar o resultado previsto se a arrecadação crescer bem, algo entre 1,5% e 2,3% do PIB até 2026. Esse esforço não é trivial, ainda mais quando o governo, reconhecendo as limitações que o Congresso certamente colocará, promete arrumar mais dinheiro sem aumentar os impostos existentes. Esse volume de recursos é ainda mais expressivo quando se considera que eles têm de ser líquidos, isto é, já descontadas as transferências para Estados e municípios.

Estudo de Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV-Ibre, estima que, em um cenário básico, com crescimento do PIB em 1,5% ao ano e juro real de 4,5%, a arrecadação precisaria em 2026 ser 1,51% do PIB superior ao do ano corrente - 0,49% agora, 0,24% em 2024, 0,58% em 2025 e 0,2% em 2026. Mesmo assim, em seus cálculos, durante o mandato de Lula nem a dívida bruta nem a líquida se estabilizariam. A dívida líquida só pararia de crescer e começaria a declinar a partir de 2027, em boa parte devido ao aumento das receitas advindas da exploração do petróleo (royalties, partilha etc).

Poesia | Murilo Mendes - O Cristo subterrâneo

 

Música | Dorival Caymmi e Tom Jobim - Saudades da Bahia