sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O piriPAC de Lula::Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

Faltando pouco mais de 20 dias para o término de seu mandato, o presidente Lula não consegue sair do palanque, onde instalou seu governo itinerante. No começo desta semana, enquanto discursava para prefeitos, regozijando-se do PAC, insistindo que terá continuidade no governo Dilma, seu ministro da Fazenda veio informar ao digníssimo público que o mesmo sofrerá cortes importantes.

Pego de surpresa com tal informação o presidente Lula aproveitou uma outra solenidade para desautorizar o futuro ministro de Dilma, negando que o PAC vá sofrer qualquer tipo de corte. Este o melhor retrato de um governo movido e sustentado pela propaganda enganosa quando confrontado com a cruel realidade.

Sobre o PAC - o nome que se inventou para um conjunto de obras que foram projetadas nos últimos vinte anos e apropriadas pelo governo Lula como feito original - o que se sabe é que, fora um terço das embargadas pelo TCU por irregularidades, nas quais o sobrepreço é o vício mais constante; os dois terços restantes vêm se arrastando em câmara lenta. Se excluirmos os investimentos das estatais, sobretudo da Petrobras, o que resta é irrelevante.

E isto por uma única e exclusiva razão: sua monumental incapacidade gerencial e política de articular os diversos entes da federação, visando um trabalho comum. Não por acaso, Lula termina seu governo, mas não se sabe de nenhuma obra significativa concluída do PAC. A não ser o que deixa para o próximo governo de restos a pagar, estimado em torno de R$ 14 bilhões, segundo dados do Siafi.

A realidade que agora se revela é muito diferente da mostrada na campanha, onde as cores esfuziantes da propaganda a emolduravam.

O aperto fiscal anunciado, em grande medida, é fruto da irresponsabilidade de um governo que não soube aproveitar a janela de oportunidades propiciada por uma conjuntura econômica mundial favorável ao país, para efetivar as importantes reformas do Estado, atingindo, prioritariamente seu sistema tributário, previdenciário e sindical-trabalhista.

Especializado em gastos não produtivos, sobretudo com o custeio da máquina pública, o governo Lula pouco investiu, de fato, na ampliação e modernização de nossa infraestrutura, nem enfrentou os componentes essenciais do famoso "custo-Brasil" que torna nossos produtos manufaturados cada vez menos competitivos no mercado internacional.

Ao ser confrontado com a necessidade de cortes, que a então candidata Dilma negava peremptoriamente, o presidente Lula busca os holofotes do palanque midiático e apresenta seu mundo colorido para um povo sofrido e carente de bons serviços que o Estado deveria prestar.

As crescentes dificuldades financeiras, como deixa claro o ministro Mantega, não se cingem apenas ao PAC, mas à própria capacidade de o governo fazer frente a uma conjuntura internacional crescentemente incerta, que prenuncia uma diminuição importante das trocas comerciais, em que nosso país, nos últimos anos, tem conhecido um déficit crescente, e uma diminuição preocupante dos manufaturados de nossa pauta de exportação.

Por tudo isso, compreende-se o piriPAC do presidente quando informado de nossa real e delicada situação.


Roberto Freire é presidente do PPS

Processo distorcido:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A briga no Congresso por vagas no Ministério, da maneira como se dá, é uma deturpação dos valores do presidencialismo e indica mais uma tendência ao patrimonialismo e ao fisiologismo do que propriamente uma disputa de poder, já que, na teoria, um parlamentar que vai para o Ministério abre mão de exercer um papel efetivo como membro de um dos poderes da República para aceitar um papel secundário num outro poder.

O hiperpresidencialismo, regime político caracterizado pelo excesso de poderes concedido pelo Congresso ao Executivo, está em pleno vigor na organização do Ministério do futuro governo Dilma Rousseff.

Tanto ela quanto Lula exercitam seus poderes, cada um à sua maneira. O presidente em exercício tenta prolongar seu comando para além de seu mandato, e a presidente eleita procura dar sinais de que não será manipulada nem pelos partidos aliados nem pelo presidente Lula.

O nosso presidencialismo de coalizão, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches, pode funcionar tão efetivamente quanto o parlamentarismo, demonstram estudos acadêmicos que medem o grau de fidelidade partidária dos partidos-membros da coalizão governamental desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

Mas cada presidente dá seu toque pessoal na maneira como compõe seu ministério e assume compromissos com os partidos da base.

A desagregação cada vez maior dos partidos políticos, e a abrangência sempre ampliada da base governista, com um agrupamento disparatado de partidos que não fazem liga programática, mas fisiológica, leva a que a composição ministerial obedeça cada vez mais a interesses esparsos e pessoais, e os políticos fiquem apenas com a aparência de poder.

Um sinal claro é que, no núcleo decisório do governo Dilma, não há ninguém eleito pelo voto, embora todos sejam da máquina partidária petista.

Como não estamos no parlamentarismo, a maneira como os partidos negociam seus pedaços de poder os transforma em meros coadjuvantes, que não palpitam - e nem desejam - nas diretrizes que porventura vierem a ser adotadas pelo governo a que aderiram por mero desfrute do poder.

Há raras exceções, que só confirmam a regra. É o caso do ex-governador do Amazonas Eduardo Braga, eleito senador. Recusou ser o futuro ministro da Previdência Social simplesmente porque, quando o sondaram, ninguém lhe disse qual era o plano para o setor.

E ele se diz a favor de uma reforma previdenciária, tema que ficou de fora da campanha presidencial porque nenhum dos candidatos se atreveu a dizer a seus eleitores que ela é necessária.

O finalmente escolhido, senador reeleito Garibaldi Alves, não tem a menor ideia do que fazer na pasta e só foi parar lá para deixar o caminho aberto para a recondução à presidência do Senado de José Sarney.

Outro que também está resistindo é o senador eleito Antônio Carlos Valadares, mas quase certamente ele se tornará ministro para que sua vaga seja preenchida pelo suplente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Esse é o típico caso em que se quer corrigir no canetaço o que as urnas vêm rejeitando.

José Eduardo Dutra tem um problema sério com a família Alves, de Sergipe, estado onde atua politicamente, mas principalmente com os eleitores, que teimam em não o eleger.

Disputou o governo de Sergipe em 1990 e foi derrotado por João Alves. Eleito senador em 1994, ao final dos oito anos de mandato candidatou-se novamente ao governo de Sergipe e foi derrotado de novo por João Alves.

Como prêmio de consolação, foi nomeado presidente da Petrobras em 2003. Tentou eleger-se senador novamente em 2006 e, dessa vez, foi derrotado por Maria do Carmo Alves, mulher de João Alves.

Ganhou outro prêmio de consolação, a presidência da Petrobras Distribuidora, de onde saiu para presidir o PT, com mandato até 2012. E finalmente pode retornar ao Senado pelas mãos da presidente eleita, Dilma Rousseff.

Todos os políticos que se digladiam por uma vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam, em teoria, renunciar aos mandatos, não podem servir ao Poder Executivo no exercício do cargo para o qual foram eleitos.

O então senador Aloizio Mercadante teve essa noção rara em político brasileiro e, no primeiro governo Lula, não quis ocupar um ministério porque fora eleito para o Senado por mais de dez milhões de votos e não quis abrir mão do mandato popular.

No presidencialismo, deputados e senadores eleitos governam o país no Parlamento, no Congresso, como parte principal de um dos poderes da República.

Para ser presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás em 2002, teve que renunciar ao mandato.

Abrindo mão do mandato, passam a exercer papel secundário do Poder Executivo, mais secundário ainda quanto mais forte for o presidente da República.

Mas raros são os que têm essa percepção ou essa visão da política. A maioria quer um ministério para, a partir dele, fazer política própria, e não para ajudar a implementar um programa de governo previamente aprovado nas urnas.

E ainda encontram brechas para manter alguns privilégios que o mandato parlamentar lhes confere, como passagens de avião, por exemplo, quando isso era possível, e o salário. E, de quebra, a possibilidade de voltar ao Congresso caso deixem o ministério, por vontade própria ou demissão.

Como os parlamentares ganham mais que os ministros, geralmente estes preferem manter seus salários originais.

O ex-deputado José Dirceu é exemplo desse procedimento, que por sinal lhe custou muito. Ele tentou no Supremo Tribunal Federal anular seu processo de cassação na Câmara dos Deputados sob a alegação de que, sendo chefe da Casa Civil da Presidência, e não estando exercendo o mandato parlamentar, não poderia ser cassado por quebra do decoro parlamentar por fatos acontecidos naquela ocasião.

Mas ele tinha optado por receber o salário de deputado e desistira de continuar participando do conselho da Petrobras porque o artigo 54 da Constituição Federal afirma que, a partir da diplomação, um deputado ou senador não pode exercer, sob penas de perda de mandato, funções remuneradas em órgãos da administração pública, como fundações, empresas estatais, empresas públicas e autarquias.

Barriga de aluguel:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, perdeu as últimas eleições que disputou em Sergipe, mas nas duas vezes saiu ganhando: na primeira, a presidência da Petrobrás e na segunda o comando da subsidiária BR Distribuidora.

Na eleição de 2010 foi mais prático e ajeitou-se como suplente de senador na chapa de Antônio Carlos Valadares, enquanto cuidava da campanha de Dilma Rousseff.

O plano óbvio era chegar ao Senado pelo meio mais fácil, amplamente difundido e atualmente responsável por pouco menos de um terço da Casa ser ocupado por gente que não recebeu um só voto.

Dutra, portanto, não é o único, não é o primeiro nem será o último a recorrer ao estratagema.

O que se inaugura agora é uma nova modalidade não só na forma de se conquistar uma cadeira no Senado, mas também de adoção de critério para preenchimento de cargos no ministério.

Conforme demonstrado diariamente, sabemos todos que não existe critério de mérito específico para a escolha de ministros. A mesma pessoa tanto pode ser cotada para a Saúde como para a Agricultura, pois o que importa é a força do padrinho.

Agora, em Brasília nunca se havia visto nada parecido com que acontece com o senador Antônio Carlos Valadares. É ministro nem que não queira para que o suplente possa ser senador. O que fará de Dutra o único senador indicado pela Presidência da República.

Já Valadares faz de conta que não sabia o que Dutra fazia em sua chapa e valoriza o passe: "A opinião pública pode interpretar isso como um arranjo para acomodar políticos", diz para justificar a recusa ao Ministério das Micro e Pequenas Empresas, ressalvando, porém, que se o convite for para uma pasta já estruturada tem conversa.

Tradução. Quando Marta Suplicy afirma que pretende ser "o braço direito" de Dilma no Senado, está dizendo que é candidata a líder do governo.

Matriz e filial. As duas alas em conflito no DEM falam em afirmação partidária e busca de identidade singular, mas, na prática, o partido continua funcionando como sucursal do PSDB.

Rodrigo Maia se movimenta sob orientação de Aécio Neves e Gilberto Kassab se mexe conforme a conveniência de José Serra. A briga interna no DEM absolve a situação de racha que se delineia entre os tucanos.

Aécio de um lado avançando com desenvoltura para se consolidar na posição de referência e Serra, de outro, articulando no bastidor para sustentar a influência no PSDB.

Nenhum dos dois assume o cisma, mas quem viver logo verá o espetáculo do crescimento das hostilidades.

Estranho no ninho. Tem gente no PMDB que engoliu vários sapos para ficar ao lado do governo na eleição, inconformada com a escolha do senador Garibaldi Alves para o Ministério da Previdência.

O currículo, de fato, contraria a lógica: foi o único presidente do Senado até agora a devolver uma medida provisória para o Palácio do Planalto; presidiu a CPI dos Bingos, também conhecida como CPI do fim do mundo; disfarçou mal - ou mal disfarçou - sua preferência por Serra na eleição.

Acontecimentos adiante que talvez desvendem o mistério.

Quanto pior. O deputado federal mais votado do Brasil aparece para dizer que sabe ler e escrever três meses depois de ser denunciado como inelegível por analfabetismo e falsidade ideológica, e quem é alvo de críticas é o promotor denunciante.

Há uma corrente (robusta) que considera a posição do Ministério Público uma perseguição tola, pois os votos recebidos pelo acusado funcionariam como salvo conduto a toda sorte de condutas.

Desse tipo de mentalidade, e não só das falhas do sistema e da falta de ética de políticos, é que se alimenta a desqualificação do Congresso Nacional.

Brasil, EUA e o elo perdido: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A vinda do subsecretário de Estado dos EUA, William Burns, na segunda-feira, marca a retomada de um processo iniciado em fevereiro e interrompido abruptamente com a campanha eleitoral brasileira e a desconfiança (não de todo infundada) de que o antiamericanismo seria requentado.

O secretário de Justiça, Eric Holder, veio em 25/2. O próprio Burns, no dia seguinte. A secretária mandachuva Hillary Clinton, quatro dias depois. Estava formada a corrente para a vinda de Barack Obama, mas o elo final se rompeu e ele nunca deu as caras. Provavelmente em represália, Dilma recusou o convite para ir a Washington antes da posse -como seria de praxe.

A volta de Burns recompõe a corrente que vai trazer Obama aqui e levar Dilma lá, melhorando o humor bilateral. E não será surpresa se Hillary vier para a posse, com a mensagem de que o que é bom para o Brasil é bom para os EUA.

Burns voa também para o Chile e a Argentina, onde vai se reunir com os respectivos chanceleres. Aqui, a agenda não falava até ontem em Celso Amorim, que sai, nem em Antônio Patriota, que entra, mas em "equipe de transição". Leia-se, portanto, que haverá encontros com Patriota e com Marco Aurélio Garcia, não estando descartada a possibilidade de um cafezinho de Burns com a própria Dilma.

Garcia, homem internacional de Lula e de Dilma, estará a bordo e aberto ao que definiu ontem como "temas generalizados" -como Irã, direitos humanos e aqueles pássaros voando (ou melhor, não voando) da FAB, para ficar em três. E o mais objetivo: as datas das idas e vindas de Obama e Dilma.

"O que ele [Burns] quiser tratar será tratado", disse Garcia ontem, já antecipando o tom de bons amigos e a volta da tal agenda que Amorim definia como "positiva e propositiva" e foi borrada durante a eleição. Em outras palavras, a tentativa é recuperar o pragmatismo perdido - nos dois lados.

A política depois do WikiLeaks:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Primeiro grande conflito armado transmitido em larga escala ao vivo e em cores, a Guerra do Vietnã marcou a ascensão da mídia nos ditames do poder. As imagens da guerra injusta numa sociedade embalada por ideais libertários impulsionaram a retirada dos americanos e a inflexão na sua política externa até a era Reagan.

Primeiro grande conflito armado vazado pela internet, a Guerra do Afeganistão repagina a influência da mídia. O WikiLeaks mostra um poder que mata, corrompe e subverte qualquer noção de ordem democrática mundial que os Estados Unidos algum dia possam ter pretendido representar.

O vazamento dos despachos de embaixadas americanas no mundo agora ganhou escala planetária, mas foi nos documentos do Afeganistão que o WikiLeaks começou a delinear seu alvo. As imagens militares de fuzileiros em helicópteros alvejando civis no Iraque e documentos mostrando os desmandos do governo de Karzai foram divulgados antes das eleições legislativas americanas. E pouco a impactaram. O eleitor que ainda vê no Afeganistão a resposta ao 11 de setembro inflou o Tea Party e acreditou ser capaz de castigar Barack Obama pelas promessas de emprego não cumpridas.

Julian Assange conseguiu até devolver notoriedade internacional à candidata derrotada à Vice-Presidência, Sarah Palin, para quem os Estados Unidos deveriam caçar o criador do WikiLeaks como a Bin Laden. A distância da Era de Aquário parece maior que quatro décadas. Custa imaginar que enredo a acusação de crime sexual contra Assange daria para Milos Forman.

Em manifestos, o criador do WikiLeaks busca desamarrar sua guerrilha virtual de teses de direita ou de esquerda e firma seu único compromisso com os benefícios à população que podem advir de instituições mais transparentes. E nem os movimentos filhotes, como o Anonymous, desprezam a política tradicional. Num texto recente urge seus seguidores a pressionar parlamentares locais, prefeitos ou qualquer autoridade pública: "Peça seus comentários sobre os vazamentos. E grave cada palavra que for dita".

Se o WikiLeaks dependesse unicamente da personalidade desse australiano de 39 anos que margeou a educação formal e cismou com o poder institucional ao enfrentar um processo pela guarda do filho, poderia ter sido ferido de morte com a prisão do seu criador esta semana em Londres.

A invasão de hackers nos serviços de Visa e Mastercard, que interromperam o recolhimento de doações ao site, é apenas uma medida da adesão da comunidade virtual à guerra pela informação livre. As empresas que repentinamente descobriram em seus estatutos vetos a parcerias com o WikiLeaks já estão sendo vítimas de campanhas virtualmente orquestradas que expõem contratos com entidades financiadoras de movimentos racistas, como o Ku Klux Klan. "Derrubem-nos e mais fortes nos tornamos", diz o lema.

Os vazamentos do Afeganistão tiveram acolhida de parte da mídia americana que reconheceu o endosso dado ao engodo das armas de destruição em massa no Iraque. Já os vazamentos dos despachos de embaixadas americanas, que trouxeram à tona até estratégias de espionagem avalizadas pelo Departamento de Estado, colocaram na berlinda o grau de comprometimento da imprensa com a informação livre.

Ao advogar limites a essa liberdade, a diplomacia defende a tese de que é preciso consultar, especular e discutir até que um argumento possa se tornar uma posição oficial abertamente exposta à crítica. E que, sem confiança, não existe diplomacia. Muitos jornalistas também poderiam argumentar que sem o "off the records", a informação passada sob sigilo do informante, não é possível produzir notícia.

O que há de mais comprometedor no WikiLeaks, no entanto, não é a política que consulta, especula e discute, mas a que corrompe. E os interesses cimentados pelo poder que corrompem são aqueles que a imprensa tem mais dificuldade em combater.

Os vazamentos custariam a ter repercussão sem os acordos que os permitiram ser editados nos principais jornais do mundo. O papel da imprensa na esfera pública passará a depender do seu grau de compromisso com os interesses que a comunidade virtual tem enfrentado e de sua disposição para resistir a pressões políticas.

É desastroso para a diplomacia americana que sua visão sobre um Berlusconi fantoche de Putin ou um Nelson Jobim como atalho a um Itamaraty anti-ianque seja escancarada ao contribuinte. O que é realmente comprometedor, porém, são os planos americanos para espionar o secretário-geral das Nações Unidas, o sul-coreano Ban Ki-Moon, que passam até pelo rastreamento de seu cartão de crédito ou os subornos oferecidos a governos para que abriguem presos de Guantánamo.

A diplomacia americana sempre usou o apelo à liberdade de informação como trunfo de sua pressão sobre ditaduras não aliadas. A questão agora é como restringir essa liberdade sem apagar Thomas Jefferson do mapa da história americana - "Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção". Ainda que o vazamento de informações sigilosas seja crime em qualquer lugar do mundo, é nos fundadores da democracia americana que a Suprema Corte tem se baseado para garantir que sua divulgação não o seja.

Os críticos do WikiLeaks têm argumentado que os vazamentos só foram possíveis porque o ataque às torres de Nova York levaram a que o governo americano decidisse por compartilhar mais informações. E os vazamentos, que um chanceler italiano considerou o 11 de setembro da diplomacia, acabariam contribuindo para que o compartilhamento de informações fosse reduzido.

Essa visão talvez subestime a capacidade de a comunidade virtual romper as fronteiras que lhe são impostas. Se a economia não sobrevive mais sem a internet, tinha que chegar o dia em que a política deixaria de lhe ficar incólume.


Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

COP 16: A esfinge sorri:: Raul Jungmann *

DEU NO PORTAL DO PPS

Foto: Agência Câmara

Jungmann representa o PPS e a Câmara dos Deputados na COP 16

De Cancún

Recapitulemos.
Em 1997 foi firmado o Protocolo de Kyoto, que se tornou efetivo oito anos depois, em 2005. Com ele, passou-se a ter toda uma arquitetura global para a redução das emissões de CO² ou equivalente (outros gases que provocam o efeito estufa).

O protocolo se organizava em duas partes: o Anexo I, com países que assumiam metas vinculantes (ou seja, verificáveis pela ONU), e o Anexo II, com nações que definiriam metas voluntárias, contribuindo para o esforço global de evitar o aquecimento do planeta.

No Anexo I, estavam os países europeus e o Japão. No dois, os emergentes, os pobres e os insulares (ilhas). Isto porque se admitia que o efeito estufa era responsabilidade comum e as obrigações eram diferenciadas, dado que europeus, por exemplo, vinham lançando CO² na atmosfera há séculos e os demais não.

Os EUA, por este critério, deveriam estar no Anexo I, por óbvio, mas jamais subscreveram Kyoto. E criaram uma grande encrenca que perdura até hoje. Isto porque europeus e japoneses estão pagando um preço alto para reduzirem suas emissões. E vêem emergentes como a China e a Índia, gigantes que crescem sem parar, lhes conquistando mercados. E por outro lado, os EUA, até bem pouco tempo o maior poluidor global (a China lhe tomou o lugar), sem fixar qualquer meta de redução de emissões, dado que seu plano permanece travado no Congresso americano e lá deverá ficar ainda por muito tempo.

Ora, reduzir emissões e passar de uma economia de alto para baixo carbono custa dinheiro, muito dinheiro. Encarece produtos que, num primeiro momento, perdem competitividade.

Em meio a uma crise aguda como está vivendo a Europa e que é crônica no Japão, os custos políticos de continuar sob o Protocolo de Kyoto, com seus principais competidores ”soltos”, é alto demais para ser pago....

É em razão disso que o Japão afirmou no início da COP 16 que a segunda fase de Kyoto - a primeira expira em 2012 - eles não iam topar.

É que eles ainda tinham na memória a noite de quinta para sexta-feira em 1997, quando, lá pelas duas da manhã, foram praticamente forçados por Al Gore, então vice presidente dos EUA, e sob enorme pressão dos demais, a subscrever o protocolo que levava o nome da cidade aonde se desenrolava a conferência do clima, Kyoto.

O resto da história é conhecido. Apesar dos esforços de Gore e Bill Clinton, o Congresso americano disse não, recusando-se a referendar o Protocolo. E os japoneses pagaram uma conta amarga e inesquecível...

E os emergentes, o pessoal do Anexo II, gigantes como China, Índia e Brasil, relutaram, mas acabaram todos assumindo metas de redução de emissões ”voluntárias”. Isto é, eles fixam e eles checam o alcance das metas estabelecidas, e comunicam seus resultados à comunidade internacional.

Ou seja, eles não aceitarão que a ONU monitore seus planos e programas de redução de emissões. Vantagem óbvia, vis a vis os países do Anexo I, cujas metas são, lembrem,”vinculantes”.

É esse o impasse, entre os “de dentro” e os “de fora” de Kyoto, que explode em Copenhagen na COP 15.

Então, a China e os EUA acordam em “empurrar com a barriga” qualquer decisão, não assumindo nada que seja vinculante, enquanto os emergentes, que antes não queriam assumir nada, nem voluntariamente, evoluem para metas próprias, porém não internacionalmente verificáveis. Deu no que deu.

A duras penas chega-se ao acordo de Copenhagen, que virtualmente subverte a engenharia de Kyoto. Isto porque, ao lado dos países do Anexo I, com metas definidas em conjunto e de cima para baixo, tem-se agora um processo de “baixo para cima”, com cada país (emergentes mais EUA e demais) assumindo suas metas, prazos, anos de referência, sistemas de verificação, etc.

Resumindo, a COP 15 cristaliza dois sistemas. Um, dos países do Anexo I, vinculante; outro, voluntário, para os dos Anexo II, mais os EUA.

Aceitar ou não esse “duplo trilho” passa a depender crucialmente de como os países do Anexo II vão fazer as suas auditorias de alcance de metas, como vão comunicá-las e como se pode, ou não, questioná-los, aonde e como.

Essa esfinge começou a ser decifrada ontem à noite. Pelo acordo em andamento, Cancún, ao final, diria que as negociações para uma fase dois de Kyoto continuariam – sem metas e, em certa medida, sem data. Porém, o comunicado remeteria a dois anexos. Em um deles se faria menção a Copenhagen e aos seus compromissos compartilhados - segurar o aquecimento global abaixo dos dois graus centígrados até o fim do século XXI, por exemplo. No outro, se relacionaria, pela primeira vez, as metas “voluntárias” dos emergentes e dos EUA, que assim seriam gradualmente incluídas.

Caso essa solução vingue, somada a um processo de verificação dos emergentes proposto pela Índia e, ao que parece, aceito pelos EUA e China, o caminho estaria aberto para a subscrição do texto final.

De quebra, e mais importante, também estará aberto o caminho para que, um dia, todas as metas sejam vinculantes. Ainda que as metodologias e processos de verificação possam variar caso a caso, ou de anexo a anexo, a dicotomia entre os que estão de fora e de dentro, e que emperra um acordo realmente global de redução de emissões, estaria com os dias contados.

Se ao final do processo a que referimos a conta da redução das emissões vier a fechar, limitando o aquecimento aos fatídicos dois graus a mais, terá valido a pena Cancún?

Mais que isso, terá sido um sucesso. Mesmo que não tenha sido recheada de chefes de estado, pois “lá não vai dar em nada”, como disse Lula, negando-se a comparecer...


* Raul Jungmann é deputado federal, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e dirigente nacional do PPS.

Inimigo oculto :: Rogerio Furquim Werneck

DEU EM O GLOBO

Quarenta dias após o segundo turno, o presidente Lula ainda mostra irrefreável apego ao discurso mistificador. Permitiu-se agora um balanço peculiar da reforma tributária. "...já mandei duas propostas para o Congresso, a primeira em 2003, e algum inimigo oculto não permitiu que ela andasse..." Em 2007, "quando ela chegou ao Congresso, imaginei que seria aprovada no primeiro dia, por unanimidade, tal era a coesão em torno da política tributária. O que aconteceu? Nada. Porque o inimigo oculto se manifestou outra vez e não permitiu que acontecesse". (O GLOBO, 4/12/2010)

A tentação de atribuir desfechos desfavoráveis a atores absconsos é um velho cacoete de Brasília. Vem assombrando ocupantes do Alvorada há quase meio século, desde que Jânio Quadros imputou a "forças ocultas" o retumbante fracasso da cambalhota política que tentara dar com intempestiva renúncia.

A verdade é que a agenda da reforma tributária compõe um desafio de ação coletiva extraordinariamente complexo. Envolve um jogo de soma zero que, ao exacerbar os temores de perda de receita nos três níveis de governo, cria enormes resistências à aprovação de mudanças mais ousadas. E exige a abertura de negociações que podem facilmente desandar em tentativas de redistribuição radical do bolo tributário no Congresso.

Nunca é demais lembrar o que ocorreu em 2003. Em abril daquele ano, Lula atravessou a Praça dos Três Poderes, acompanhado de 27 governadores, para entregar ao Congresso propostas supostamente consensuais de reforma nas áreas previdenciária e tributária. Essa iniciativa espalhafatosa até redundou em avanços importantes na área previdenciária. Mas a reforma tributária não teve o mesmo sucesso. Logo se instalou na Câmara um ativo mercado persa, no qual se tentava remover qualquer resistência à proposta do governo com promessas de favores federais aos estados alegadamente prejudicados. Em poucas semanas, essa conta em aberto passou a totalizar cifras inviáveis. E as negociações descambaram para a disputa em campo aberto pelo bolo tributário. Tendo o projeto sido desfigurado na Câmara, o governo decidiu baixar a bola, abandonar pretensões mais ousadas e concentrar atenção na aprovação de mudanças menos controversas, de interesse mais imediato.

Em 2007-2008, o governo até conseguiu desenvolver uma proposta mais articulada de reforma, graças ao empenho de Bernard Appy, que sobreviveu à desmontagem da equipe de Antonio Palocci. A verdade, no entanto, é que, escaldado pelo susto de 2003, o governo jamais apostou para valer na tramitação dessa nova proposta no Congresso.

A perspectiva de folga fiscal trazida pela descoberta do pré-sal abriu ao país uma excelente oportunidade de romper o jogo de soma zero da reforma tributária. A apropriação dessa folga fiscal pelos três níveis de governo poderia ter sido engenhosamente acoplada à reforma tributária, de forma a mitigar resistências advindas de temores de perda de receita. Mas isso teria exigido visão estratégica e suprapartidária, bem diferente da perspectiva que pautou a formatação corporativista e eleitoreira que o governo acabou dando ao pré-sal.

O fato é que a oportunidade foi perdida. Como mostra a entrevista do presidente da Petrobrás no "Valor" de 6/12, boa parte do excedente potencial da exploração do pré-sal deverá ser dilapidado num faustoso programa de favorecimento à produção local de equipamentos para a indústria petrolífera. A folga fiscal vai ser muito menor do que poderia ter sido. E o pior é que o Planalto parece ter aprendido bem menos do que deveria com a experiência de 2003. Atiçado mais uma vez o vespeiro federativo, o governo perdeu completamente o controle da disputa no Congresso pelo butim dos recursos provenientes do pré-sal. Na falta de um plano de jogo do Executivo que pudesse conciliar interesses antagônicos, o que se viu foi o conflito federativo aberto correndo solto no Congresso, sob olhares atônitos das lideranças do governo. Coisa de inimigo oculto, dirá Lula, contemplando o desastre.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.

A esfinge :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O australiano Julian Assange, educado para duvidar das instituições, aos 39 anos faz uma revolução em vários mundos: põe em nu frontal a diplomacia, cria dilemas para o jornalismo, produz embaraços e perigos para os governos, principalmente o americano, e testa o limite das democracias. Ele foi preso porque incomoda os governos e não por sua suposta má conduta sexual.

Ele nega as acusações contra ele, mas vamos acreditar nos acusadores. Imagine que tudo o que foi dito sobre ele é verdade. Assange foi caçado no mundo inteiro, entrou na lista vermelha da Interpol, teve o endereço eletrônico cancelado por grandes operadores, cartões de crédito bloqueados, acabou preso em Londres sem poder sair com fiança, e pode ser extraditado para a Suécia. Nada aconteceria nessa intensidade se não fosse ele o fundador do Wikileaks, a ONG cujo objetivo é vazar documentos oficiais porque acha que as informações pertencem às pessoas.

Ele é controverso, esquisito, capaz de sair de uma entrevista no meio se não gostar da pergunta, já foi criticado até por integrantes da organização que representa, cultiva hábitos e estilo de um espião mais do que de um jornalista ou de um militante de uma causa pública. Mas não age sozinho. Há uma organização por trás, com outros integrantes. E não podem todos ser acusados de má conduta sexual. Nas últimas horas, eles reagiram com suas armas: hackers atacaram todos os que acham que são inimigos. Outra conclusão óbvia é que quem vaza documentos é quem tem acesso a eles. Por mais competente que seja como hacker, o que ele conseguiu dos documentos da diplomacia americana ou de qualquer outro governo ou organização foi com a ajuda de dentro. E quem é responsável por velar pelos segredos do Departamento de Estado é o Departamento de Estado.

Há controvérsias em relação à Wikileaks: quem financia? Com que propósitos? Que tipo de seleção é feita nos documentos antes de serem tornados públicos? Os segredos de fato colocam em risco a segurança dos países e de pessoas em posições vulneráveis, como soldados? Por que não tem a mesma agilidade para vazar segredos das ditaduras como a China? Estarão as democracias pagando pelos seus méritos? Isso é jornalismo ou não?

Enfim, tudo é intenso em relação à Wikileaks. Há muitas perguntas, algumas ainda sem resposta. Fiquemos nas que têm resposta. É uma espécie de jornalismo, tem subsidiado a imprensa com documentos que não podem deixar de ser publicados, e, neste aspecto, virou fonte também. Mas o que não pode ocorrer é uma instituição como essa enfraquecer o jornalismo investigativo, essa vertente da imprensa, que tem trazido a público no Brasil fatos valiosos, como os vídeos do governador José Roberto Arruda e sua base política recebendo dinheiro. Esse foi o mais importante momento do jornalismo investigativo brasileiro este ano, que teve outras revelações importantes como o uso do sigilo fiscal em mãos da Receita para constranger adversários políticos do governo Lula. Foram muitos os fatos relevantes divulgados nos últimos anos pelo jornalismo investigativo. O trabalho desses profissionais sempre será relevante, tanto na procura de suas próprias pautas, quanto no esforço de conferir e confirmar informações divulgadas por organizações especializadas como a Wikileaks. Então, a resposta é que a ação da entidade de Julian Assange é de certa forma jornalismo, mas não o substitui, nem desobriga a imprensa de seu trabalho.

O que ele revelou na última onda de vazamentos foi uma rede de intrigas que em muitos casos não vão além de fofocas, que causam constrangimentos, mas pouco prejuízo real. Há dúvidas sobre a delicadeza de certas informações, como a localização de arsenais nucleares do Ocidente. Em outros casos, mesmo sendo só fofocas revela a hipocrisia de governos e governantes.

Claro que diplomatas são mais sinceros em seus relatórios aos governos que servem do que em entrevistas à imprensa. O formalismo e a linguagem empolada são deixados de lado. Seria estranho se a forma como se reportam aos seus superiores fosse idêntica a como falam em público. O que é curioso é quando o conteúdo muda completamente e passa a ser o oposto do que é dito.

Não deixa de ser engraçado o chanceler Celso Amorim, que tanto defendeu Chávez, dizendo que ele é cão que mais late que morde; países muçulmanos empurrando os Estados Unidos para controlar o Irã. Ou saber que John Kerry foi à China conspirar contra o sucesso de Copenhague. Na Cop-15, a diplomacia brasileira insistia em dividir o mundo entre ricos, de um lado, e pobres e emergentes, do outro. Fico feliz de ter dito aos meus leitores que a briga era mais complexa do que essa divisão binária do mundo.

O ex-embaixador americano no Brasil Clifford Sobel não é de carreira, é um empresário. Seus relatórios têm muito da linguagem direta de um empresário. Eles são curiosos, mas nada revelam de fundamental: divisões dentro do governo Lula em relação aos Estados Unidos e suas interpretações de que o ministro Celso Amorim acabou submerso pelo poder do assessor Marco Aurélio Garcia não são segredo de Estado. Qualquer um poderia chegar àquelas conclusões, bastando acompanhar com atenção as atitudes públicas.

O mais assustador no caso Wikileaks são as ameaças feitas pelo governo americano que sempre se orgulhou da sua primeira emenda à Constituição, garantindo o direito à informação, e a mobilização do aparato que se formou para prender Julian Assange. Sua má conduta sexual parece pretexto. E é.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Balanço do governo Lula (1) :: Alberto Carlos Almeida

DEU NO VALOR ECONÔMICO

São Paulo - Há ainda dois artigos desta coluna até o fim do ano, o de hoje e o da antevéspera de Natal. Neles vou fazer um balanço não tradicional do governo Lula. Hoje proponho uma reflexão de qual tenha sido a principal inflexão de Lula em relação a Fernando Henrique Cardoso. Todos nós estamos cansados de saber que Lula deu continuidade à política econômica da era FHC. Nesse sentido, a campanha de 2002 foi inteiramente transparente, na famosa "Carta aos Brasileiros", acerca do que Lula faria a partir de 2003. Ele manteve a política de metas de inflação, o superávit primário (manteve e aumentou no início de seu primeiro governo) e o câmbio flutuante. FHC criou essa política, Lula manteve e Dilma tenderá também a mantê-la.

No sábado, Lula disse na imprensa que se limitou a fazer o óbvio na Presidência. Trata-se de uma afirmação verdadeira. Lula manteve o que funcionava e contou, sem nenhum demérito nisso, com uma enorme sorte. Aqueles que esperavam pelos erros ficaram a ver navios, os erros não vieram. Ou vieram, sim: foram tão óbvios como os acertos. Há algumas meias-previsões fáceis de ser feitas. Uma delas é que a cada seis meses vai eclodir um grande escândalo de corrupção, algum que tenha ou cenas chocantes, ou quantias exorbitantes, ou declarações desavergonhadas, ou uma mistura disso tudo.

Trata-se de uma meia-previsão porque não sabemos em que nível será o escândalo e qual governante atingirá. O mensalão se enquadra nesse critério de grande escândalo que ocorre a cada seis meses. No governo anterior aconteceram, também, grandes escândalos de corrupção. No governo Dilma eles também acontecerão.

Há algo que qualquer presidente tem que fazer, obrigatoriamente. A Presidência é a instituição última de arbitragem dos conflitos políticos. Todo e qualquer presidente da República, no Brasil e alhures, tem que exercer essa arbitragem. Fernando Henrique foi o árbitro último de todas as disputas internas de sua aliança: eleições de presidentes da Câmara e do Senado, conflitos federativos, o inesquecível duelo político e verbal entre ACM e Jáder Barbalho etc. Lula fez o mesmo no mensalão, na entrada triunfal pela porta da frente do PMDB em seu governo, na escolha e manutenção de Palocci à frente da política fiscal austera a quem Lula deve o sucesso de seu governo etc. Dilma já está fazendo e continuará a fazer o mesmo.

Lula, Fernando Henrique e Dilma foram e serão semelhantes, ao menos, nestas três coisas: política econômica, escândalos de corrupção e arbitragem de conflitos. Há, obviamente, diferenças de grau em cada um desses três aspectos. Todavia, ao menos no que tange a uma coisa extremamente relevante, Lula foi uma grande inflexão em relação a Fernando Henrique: ele transformou a Presidência em um órgão de comunicação com a sociedade. Nesse sentido, Lula foi um presidente extremamente americanizado.

Sim, uma das características mais importantes, senão a mais importante, da Presidência moderna americana é o papel de comunicador do presidente. Falar de Obama nesse quesito é covardia. Convém, todavia, lembrar de Ronald Reagan, o ator de cinema que continuou representando no cargo máximo do país. Clinton e seu charme, Bush filho e seu senso de oportunidade, JFK e seu enorme treinamento antes de cada aparição pública, FDR e a necessidade de esconder a paralisia das pernas. Em todos esses casos estamos falando de grandes comunicadores e de suas fortalezas (e fraquezas deliberadamente escondidas) com a finalidade de persuadir seus eleitores do acerto de suas decisões.

Nos Estados Unidos, o presidente fala regularmente à nação, seja por meio de entrevistas coletivas, seja em situações mais controladas. Todos se lembram de Bush filho falando ao público pelo megafone, em pé sobre os destroços do atentado de 11 de setembro de 2001. É possível que nos recordemos de inúmeras vezes que diferentes presidentes americanos se reúnem em eventos públicos cheios de simbolismo com suas tropas que operam em outros países.

Existe uma grande razão para que o presidente dos Estados Unidos se comunique de forma emblemática e regularmente com a população: trata-se de uma nação na qual os indivíduos se concebem, muito mais do que no Brasil, de maneira igualitária. Assim sendo, não há aprovação automática para o que o presidente faz. O presidente vai a público para dar argumentos àqueles que simpatizam consigo para defender o seu governo. A persuasão é parte do exercício democrático e igualitário. Aqueles que se consideram acima dos outros não precisam persuadir ninguém de nada. No passado, antes da democracia, eles apenas impunham suas políticas e azar de quem fosse contra.

Líderes que rejeitam a comunicação sistemática e profissional na democracia, pode ser que assim o façam porque avaliem erradamente que a população, uma vez reconhecendo a correção de determinadas ações, vai automaticamente aprová-las. Trata-se de um terrível engano.

A ascensão de Lula na política se deveu em grande medida a suas habilidades de comunicador. Não me venham com o argumento de que isso é nato porque não é. Algumas pessoas podem aprender mais e outras menos, mas todas aprendem a se comunicar bem. Lula aprendeu na prática da vida sindical. Lula teve, à frente de greves e manifestações, um longo e penoso treinamento nessa habilidade que lhe foi muito útil na Presidência da República. Sob esse aspecto é interessante analisar os debates presidenciais da eleição de 2010. Neles foi possível notar a falta de treino na comunicação de Dilma, Serra e Marina. Nenhum deles passou pela escola de comunicação de Lula.

A primeira eleição de Serra foi ganha de cima para baixo: primeiro é secretário de governo e depois disputa a eleição e vence. Não é a trajetória daqueles que começam, realmente, de baixo para cima, daqueles que não dependem do governo para ganhar votos, mas sim de sua habilidade de persuasão.

Lula, sendo alguém que vem de baixo, e não de uma elite já estabelecida, teve que contar com as palavras e o discurso para vencer. A experiência dele foi devidamente incorporada às suas práticas: no mesmo ritmo em que aprendia a se comunicar, passou a valorizar essa habilidade. Não são poucos os presidentes americanos que vêm da classe média. Precisaram da comunicação para alçar voo alto na política. Obama se enquadra nesse perfil. Já os líderes que vêm de famílias ricas nos Estados Unidos são submetidos ao ambiente de extrema mobilidade social e ideologia igualitária daquela sociedade. Assim, por isso, passam a valorizar a comunicação. A persuasão é fundamental para vencer.

Esqueçamos os detalhes dos discursos de Lula com seus argumentos precários, do ponto de vista da elite, e muitas vezes com palavras inadequadas (também do ponto de vista da elite tradicional brasileira). Em cada aparição pública Lula estava dando argumentos para seus eleitores defenderem o seu governo. Pensando assim, não importa ver este ou aquele discurso, analisar esta ou aquela palavra, mas, sim, entender o conjunto da obra: a cada discurso e evento emblemático, Lula estava tentando persuadir a sociedade a apoiá-lo. Uma das teclas em que o presidente bateu insistentemente foi a defesa dos pobres. Quando questionado sobre o que faria depois de deixar a Presidência, Lula disse que defenderia os pobres da África.

Analisando por que o Brasil não sofreu muito com a crise de 2008, Lula disse que foi porque os pobres não pararam de comprar. Existem muitos exemplos de pronunciamentos nessa direção.

A Presidência de Lula foi uma grande inflexão frente a Fernando Henrique no que diz respeito à comunicação com a sociedade. Lula americanizou a Presidência da República. Fez isso não porque tenha sido criado em uma sociedade de ideologia igualitária, mas porque veio de baixo e teve que contar com a comunicação para vencer na vida. A grande questão agora é saber se o que Lula fez ficará restrito à sua pessoa ou se tornará padrão na política brasileira. Dilma não tem os mesmos incentivos de seu mentor para se comunicar. O desafio é, portanto, institucionalizar a necessidade de se comunicar com o público.

A lição que Lula deixa, junto com os recentes presidentes americanos, é que é útil e apropriado fazer da Presidência, na prática, um órgão de comunicação e fazer do presidente o maior comunicador do Brasil. Os ministros e auxiliares existem (somente) para tocar o governo e fazer políticas públicas. O único que pode trazer o apoio da opinião pública, que é o apoio político necessário para bem governar, é o presidente.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: menos Imposto, mais Consumo".

Temer desagrada o PMDB mais uma vez

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Ao sinalizar que não pretende renunciar ao comando da sigla, vice-presidente eleito pode descumprir acordo firmado com correligionários e irrita os demais caciques da legenda

Izabelle Torres

Depois de deixar insatisfeitos os integrantes do PMDB por conta da sua atuação na briga da legenda por poder no próximo governo, o vice-presidente eleito, deputado federal Michel Temer (SP), vai enfrentar novamente a fúria de parte da bancada de seu partido. Na última quarta-feira, ele anunciou informalmente que não pretende renunciar à Presidência da legenda, mas apenas licenciar-se do cargo. Com isso, ele descumpre um acordo feito com caciques da sigla em fevereiro, quando negociava apoio à reeleição. Na época, a ideia era que ele renunciasse ao comando do PMDB quando seu nome se viabilizasse como vice de Dilma Rousseff. Isso abriria espaço para o senador Romero Jucá (RR) se eleger para a função. Foi graças a esse acordo que o grupo aliado a Jucá aceitou reconduzir Temer.

A promessa de renúncia ao cargo quando assumisse uma função no Executivo rendeu ao vice-presidente eleito o apoio de lideranças da legenda como Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP). A dupla, apesar de ser ligada a Valdir Raupp (RO) — que é o atual primeiro vice do Diretório Nacional do partido —, não pretendia transformar o aliado em presidente da legenda num eventual licenciamento de Temer, já que encabeçaram o grupo que costurou o acordo em torno da futura eleição de Jucá.

O anúncio de que desistiu da renúncia e vai optar pelo licenciamento irritou os peemedebistas, que chegaram a cogitar um motim para tirar Michel Temer das articulações por cargos em ministérios. Na última terça-feira, caciques da legenda se telefonavam a todo instante.

O assunto era o mesmo: a péssima atuação do vice-presidente eleito em defesa dos interesses do partido. Segundo eles, a confusão de papéis desempenhados pelo deputado — que ora atuava como presidente do PMDB, ora como representante do governo — estava atrapalhando as negociações da sigla e amenizando o tom de ameaças de uma possível ruptura com Dilma Rousseff, caso os pleitos não fossem atendidos.

Os peemedebistas decidiram, no mesmo dia, tirar Temer da função de principal interlocutor da legenda nas negociações por ministérios. Mas a decisão durou apenas algumas horas.

Prevaleceu a tese de que, como o novo governo ainda não começou, um racha antes da largada poderia prejudicar definitivamente futuras negociações. Decidiram, então, digerir a atuação de Michel Temer e armazenar munição para os ataques por espaço e poder a partir do próximo ano.

Com ministérios de peso menor do que os que mantiveram nas mãos nos últimos anos, os peemedebistas articulam agora a ofensiva aos cargos-chaves das estatais. Eles vão alegar que aceitaram as pastas oferecidas por Dilma, mas não pretendem engolir calados a baixa no orçamento que administram.

Motim

As pressões para que Michel Temer dê o recado e pressione a presidente eleita já começaram. A bancada do PMDB diz que a ideia agora é avaliar a forma como ele vai atuar no remendo das feridas abertas na divisão de cargos já anunciada. A depender, podem retomar o motim e tentar novamente tirar o parlamentar das negociações em nome da legenda.

Nascimento é acusado pelo MPF

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Diego Abreu

O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas protocolou uma representação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do estado em que pede que senador Alfredo Nascimento (PR-AM) seja declarado inelegível, sob a acusação de que teria comprado votos na disputa eleitoral deste ano — ele concorreu ao cargo de governador do Amazonas, mas foi derrotado por Omar Aziz (PMN). Presidente do Partido da República, o nome de Nascimento foi confirmado, na quarta-feira, pelo gabinete de transição, para voltar à chefia do Ministério dos Transportes. Ele foi indicado dentro da cota do PR, um dos partidos que apoiou a candidatura de Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto.

De acordo com a denúncia do MPF, Alfredo Nascimento teria sido beneficiado por um esquema de captação ilícita de votos a partir da oferta de combustível a eleitores feita pelo vereador do município de Humaitá (distante 680km de Manaus) Herivânio Seixas (PSB).

Então membro do comitê de campanha da coligação de Nascimento, o vereador chegou a ser preso depois de ter sido flagrado pela promotora eleitoral Simone Lima, em 21 de agosto, no momento em que distribuía combustível a eleitores. Segundo o MPF, o esquema foi confirmado por testemunhas. Uma delas disse ter recebido dois cheques do vereador, um de R$ 1,7 mil e outro de R$ 1,4 mil, ambos para colocar gasolina nos veículos de apoiadores da campanha.

“Vários carros, táxis e motocicletas estariam sendo abastecidos por orientação do vereador Herivânio para participarem de uma carreata em favor de Alfredo Nascimento, que visitaria a cidade naquele dia”, destaca trecho da representação. Ao MPF, o vereador alegou que estava no posto de combustível comprando água para levar a cabos eleitorais que aguardavam a chegada de Nascimento no aeroporto. Procurado pela reportagem, o senador negou, por meio de sua assessoria, ter praticado qualquer irregularidade.

Bloquinho promete fazer um barulhão

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Leandro Kleber

Com receio de serem engolidos pelos partidos aliados considerados grandes durante o mandato de Dilma Rousseff, os nanicos deram o primeiro passo para se unir no Congresso. Em reunião na Câmara, líderes do PRTB, do PRP, do PTC, do PSL, do PMN, do PHS e do PTdoB discutiram a formação de um “bloquinho”. “Queremos nos fortalecer. Separados, somos fracos. Juntos, podemos influenciar a decisão da Presidência da Casa, marcar posição na Mesa Diretora e ter maior presença nas comissões”, afirma o presidente do PRTB, Levy Fidelix, candidato à Presidência da República derrotado nas urnas em outubro.

Para não perderem espaço nos próximos quatro anos e ainda ganharem força para as eleições municipais de 2012, os sete partidos — que terão 15 deputados federais e um senador em 2011 — também pensam em maneiras para não serem prejudicados caso alguma proposta de reforma eleitoral seja votada.

Telma Ribeiro, secretária-geral do PMN, que elegeu quatro deputados federais e um senador para a próxima legislatura, acredita que, diante da criação dos “blocões” no Congresso, a formação de um grupo dos pequenos é uma maneira de sobreviver. “Claro que não dá para mudar o Legislativo, mas dessa forma ganharemos mais visibilidade e atuaremos de forma mais tranquila. A união faz a força. Da maneira como está hoje, nós nem sequer somos ouvidos na votação de matérias”, afirma. “A ideia é ser um bloco independente, sem vínculo governamental. Mas essa adesão não pode passar por cima das posições definitivas de cada partido. Se tivermos mais em comum do que diferenças, vale a união. Caso contrário, fica muito difícil atuar”, completa.

Qualquer união entre partidos para a nova legislatura só poderá ser oficializada no fim de janeiro de 2011, dias antes da posse dos novos parlamentares, em 1º de fevereiro. Até lá, o “bloquinho” que começa a ser formar agora poderá ficar maior. Na próxima quarta-feira, lideranças do PRB — que terá oito assentos na Câmara — deverão se encontrar com os representantes do grupo para discutir uma possível adesão. Assim, o bloquinho ficaria com 23 parlamentares, o que daria direito de pleitear a 4ª Secretaria, responsável por supervisionar o sistema habitacional da Câmara.

Petistas de MG reagem a 'paulistério'

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Vera Durão Do Rio

Hoje, os 105 prefeitos do PT de Minas se reúnem com o presidente do partido, José Eduardo Dutra, em Belo Horizonte, em um encontro que vai receber também deputados estaduais e federais do Estado. Os prefeitos pretendem entregar uma carta a Dutra em que expressam grande insatisfação em relação às escolhas de ministros pela presidente eleita, Dilma Rousseff. "A maioria é paulista", diz Anderson Costa Cabido, prefeito de Congonhas, que foi coordenador da campanha de Dilma na região central de Minas.

Na carta, os petistas mineiros defendem a indicação de Fernando Pimentel, ex-prefeito da capital mineira em dois mandatos, para o Ministério das Cidades. A mobilização, porém, pode ter chegado tarde, já que ontem Dilma convidou Pimentel para assumir o Ministério do Desenvolvimento.

Cabido considera que esta foi a terceira eleição presidencial em que "o PT de Minas se sacrifica", referindo-se à indicação de Hélio Costa, do PMDB, que disputou o governo do Estado com apoio do partido, em detrimento de candidatura própria. "Por isso gostaríamos de ver Pimentel como ministro das Cidades. O próprio nome indica que a Pasta deveria ter como titular quem entende de administração dos municípios e o Pimentel entende". Expressando ainda o desconforto dos prefeitos petistas mineiros, Cabido revela que eles gostariam de ver também Patrus Ananias de volta ao Ministério do Desenvolvimento Social.

O prefeito de Congonhas adianta ainda que pedirão a Dutra que seja mantida a interlocução direta entre as prefeituras e o governo federal no tocante a obras do PAC e outras verbas federais. "Vamos pedir ao Dutra para evitar que as prefeituras se sujeitem às políticas estaduais". Segundo ele, o tratamento dado pelo governo Aécio Neves (PSDB) às prefeituras do PT não foi o esperado. "As prefeituras se sentiram escanteadas, nossa sorte foi que o governo federal se relacionou direto com as prefeituras". (VSD)

Bernardo sugere 'pacote de corte' de R$ 8 bilhões

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lu Aiko Otta, Adriana Fernandes, Fabio Graner, Célia Froufe

O governo vai sugerir ao Congresso um conjunto de R$ 8 bilhões em projetos e obras a serem cortados no Orçamento de 2011 para ajustar as contas a nova estimativa de receitas, que ficou menor. A lista será entregue à Comissão Mista de Orçamento na segunda-feira, segundo o ministro do Planejamento Paulo Bernardo. Quinze técnicos trabalharão no fim de semana concluir a proposta.

Pressionada por todos os lados para aumentar as despesas, a área econômica vem propagando a necessidade de cortá-las. É uma tentativa de frear a aprovação de novos gastos, como o aumento do salário mínimo para além dos R$ 540 propostos e o reajuste do Judiciário. Os parlamentares já queriam incluir no Orçamento até mesmo as receitas de concessão do pré-sal.

Apoio de Temer. Na terça-feira, Bernardo foi ao Congresso dizer que a arrecadação bruta de 2011 ficou menor - daí a necessidade do corte de R$ 8 bilhões. Antes, reuniu-se com o vice-presidente eleito, Michel Temer de quem obteve apoio para a ideia.

A arrecadação de 2010 tem sido menor por causa do fraco desempenho do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). É possível que essa tendência se mantenha em 2011.Ao mesmo tempo, a equipe econômica empenha-se em manter os investimentos cumprindo orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente eleita, Dilma Rousseff. A futura ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse ontem que Dilma quer preservar ao máximo os investimentos do programa de Aceleração do Crescimento, versão 2. Bernardo disse que haverá diálogo com as centrais sindicais para defender a fórmula de correção pela inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos antes. Isso resulta num mínimo de R$ 540 para 2011.

Lula agradece 'lealdade e conselhos' de Sarney

DEU EM O GLOBO

Depois de ser alvo de várias denúncias, presidente do Senado indica dois ministros e mostra força no novo governo

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Durante o jantar que selou a nomeação dos cinco ministros do PMDB no futuro governo de Dilma Rousseff, o presidente Lula deu as explicações que alguns buscavam sobre o grande poder de influência do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), nesta composição. Em um discurso de improviso, Lula rendeu suas homenagens a Sarney, a quem se referiu como seu "grande amigo e conselheiro", que nunca lhe faltou nos momentos mais difíceis de seus oito anos de mandato.

- Tenho muita honra de ser seu amigo. Nunca ninguém vai conseguir nos intrigar. Pude contar com sua lealdade e seus conselhos nos momentos mais difíceis de meu governo - reconheceu Lula na mesa principal do jantar oferecido pelo senador eleito Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Nomeação de Garibaldi é vista como um golpe de mestre

Além da gratidão de Lula, outro fator que contribuiu para que Sarney emplacasse pelo menos dois maranhenses na equipe de Dilma - o senador Edison Lobão no Ministério das Minas e Energia e o deputado federal Pedro Novais na pasta do Turismo - foi sua influência política não só no Senado como na Câmara.

E a nomeação do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) para o Ministério da Previdência ainda está sendo vista como um golpe de mestre do próprio Sarney, já que tira o colega de seu caminho na disputa pela reeleição para a presidência do Senado em fevereiro.

Nas eleições de outubro passado, Sarney não só viu sua filha, Roseana Sarney, ser reeleita em primeiro turno para o governo do Maranhão como também comemorou a eleição de dois aliados como senadores: Edison Lobão e João Alberto. E a coligação de Roseana elegeu ainda 13 dos 18 deputados federais da bancada maranhense. Além disso, Sarney também assegurou a reeleição de outro companheiro de partido no Amapá, o senador Gilvam Borges.

Jogando em dobradinha com o líder da bancada peemedebista, senador Renan Calheiros (AL), o poder de fogo de Sarney no Congresso Nacional se ampliou nos últimos anos para além do seu partido e das bancadas do Maranhão e do Amapá. Tanto que Sarney e Renan passaram a ter uma interlocução privilegiada com Lula, que retribuiu o apoio salvando a ambos de perderem seus mandatos em processos por quebra de decoro parlamentar.

Há quem diga, contudo, que ter essa dupla na base aliada é fundamental para qualquer governo, muito menos pelos votos que controlam e mais pela capacidade que os dois teriam, como adversários, de criar problemas.

Depois de ter sido contemplado com uma cota no governo Dilma maior do que a oferecida a vários partidos da base aliada, a expectativa é que Sarney ajude a presidente eleita a conter insatisfações entre os peemedebistas, que não escondem sua frustração diante das pastas oferecidas ao partido.

O ex-governador Eduardo Braga (PMDB-AM) é um desses insatisfeitos. Embora tivesse o apoio da bancada para assumir uma vaga na Esplanada dos Ministérios, Braga recusou a oferta para que fosse para o Ministério da Previdência. E, para piorar a situação, um dos postos em que estava de olho, o Ministério dos Transportes, acabou indo para um adversário político do estado, o senador Alfredo Nascimento (PR-AM). É um insatisfeito declarado.

Renan, que deverá ajudá-lo na pacificação do partido no Senado, já planeja uma aproximação de alguns senadores peemedebistas que fizeram campanha para o candidato tucano à Presidência, José Serra, como o ex-governador Luiz Henrique (SC).

Lula reclama de 'acanhamento' do PT no mensalão

DEU EM O GLOBO

Durante café com a bancada do PT, presidente diz que críticas feitas por Tasso Jereissati demonstram ódio da oposição

Chico de Gois

BRASÍLIA. Em mais uma sessão de despedida, em café da manhã com a bancada do PT no Congresso, ontem no Palácio do Planalto, o presidente Lula criticou a oposição e pediu que os petistas não deixem sem respostas os ataques dos adversários. Ele reclamou, de acordo com o líder do PT, Fernando Ferro (PE), que em 2005, na época do escândalo do mensalão, ele era mais atacado do que defendido no Congresso.

- O presidente disse que, em alguns momentos, houve acanhamento (na defesa de seu governo). Na dúvida, tem de defender o companheiro - disse Fernando Ferro, relatando que Lula declarou que havia, em 2005, uma ação política para derrubar o governo.

O presidente, de acordo com o mesmo relato, se incomodou com o discurso feito anteontem pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), derrotado nas eleições deste ano. Tasso, despedindo-se do Senado, disse que Lula foi uma decepção em vários aspectos e afirmou que o presidente teria sido conivente com a desonestidade e fraco diante das mazelas dos companheiros petistas. As críticas de Tasso não foram rebatidas por nenhum petista ou aliado do governo.

Lula volta a defender reforma política

Para Lula, segundo Ferro, as declarações do tucano demonstram o ódio da oposição e revelam a incapacidade de Tasso em administrar a derrota. Por conta disso, nas palavras de Lula, o senador fica destilando o ódio.

Lula pediu união na bancada e disse que é importante que a base eleja o presidente da Câmara na próxima legislatura. Lembrou que em 2005, por ter lançado dois candidatos - Luiz Eduardo Greenhalgh e Virgílio Guimarães -, o PT perdeu a eleição e acabou sendo eleito o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). Ele defendeu um acordo com o PMDB para definir as presidências das duas Casas.

Embora não tenha falado especificamente na criação de um novo imposto para financiar a saúde, Lula disse que os parlamentares da próxima legislatura terão de encontrar uma forma para obter mais verbas para o setor. Ele também voltou a defender uma reforma política.

Os parlamentares deram de presente para Lula um álbum de fotos do tempo da campanha e também de algumas ações das quais participou no governo.

Brasil cresceu na era Lula menos que emergentes e AL

DEU EM O GLOBO

A economia brasileira pisou no freio no terceiro trimestre deste ano. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) avançou apenas 0,5% frente aos três meses anteriores, depois de ter crescido 1,8% no trimestre anterior. Os números são do IBGE e mostram que a indústria e a agropecuária tiveram queda no período. Em relação ao terceiro trimestre de 2009, no entanto, o país cresceu 6,7%. Apesar do freio, analistas reviram as projeções e já apontam expansão de 7,4% a 7,8% este ano. Seria, portanto, o melhor resultado em 24 anos. O IBGE divulgou ontem ainda que a recessão de 2009, na esteira da crise global, foi maior do que se pensava. O PIB brasileiro encolheu 0,6% e não apenas 0,2%. A ""marolinha", como disse o presidente Lula, foi maior do que o esperado e representou uma perda de R$19,1 bilhões para o país. Nos oito anos de govemo Lula, o país cresceu, em média, 4% ao ano. O resultado é inferior ao de China (10,95%), Índia (8,2%), Rússia (4,8%) e América Latina (4, 64%), de acordo com o FMI.

PIB menor, mas ainda recorde

EM RITMO MAIS LENTO

País cresceu só 0,5% no 3º tri, mas deve fechar 2010 com a maior alta desde 1986

Cássia Almeida, Fabiana Ribeiro e Clarice Spitz

Com a produção menor da indústria e da agropecuária, a economia brasileira diminuiu o ritmo no terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) avançou apenas 0,5% frente aos três meses anteriores, depois de ter crescido 1,8% no segundo trimestre, informou ontem o IBGE. Apesar de ter andado mais devagar de julho a setembro, o Brasil já tem garantida expansão de 7,4% este ano, mesmo que não haja crescimento algum no fim do ano. A elevação forte nos primeiros trimestres explica essa taxa que será recorde. Aumento semelhante só foi visto em 1986, quando o PIB crescera 7,5%, no auge do Plano Cruzado.

No terceiro trimestre, frente ao mesmo trimestre de 2009, a alta foi de 6,7%. O resultado do PIB veio dentro das projeções dos analistas.

- O Brasil saiu com velocidade forte da crise. Agora não dá para continuar no mesmo ritmo. Entramos num ritmo mais normal - afirmou Roberto Olinto, coordenador de Contas Nacionais do IBGE.

Na ótica da oferta, os serviços sustentaram o crescimento do PIB no terceiro trimestre. Com peso de 66,2% na economia, a alta de 1% dos serviços compensou as quedas de 1,5% na agropecuária e de 1,3% na indústria. Entre as cinco atividades econômicas que cresceram acima da média do PIB, quatro foram serviços, com a liderança da intermediação financeira, que avançou 3,1%, refletindo o aumento do crédito.

No comportamento do PIB pelo lado do consumo, só há taxas positivas. Os gastos das famílias, que representam 61,7% do PIB, subiram 1,6%. Mas a liderança coube ao investimento, com expansão de 3,9%. Assim, a demanda interna cresceu mais que a oferta de bens e serviços interna. E foi suprida pelas importações, que subiram 7,4%.

- O investimento surpreendeu. Veio mais forte que o esperado - afirmou Luiza Rodrigues, economista do Santander.

Contra o terceiro trimestre do ano passado, época em que o país ainda estava se recuperando da crise, as taxas são todas positivas, tanto na produção como na demanda, e até recordes, como da importação que subiu 40,9%, a maior desde 1996, início da série histórica do IBGE.

- Tem um efeito taxa de câmbio. Isso é indiscutível, com o barateamento das importações. A taxa média de câmbio ficou em R$1,75 no terceiro trimestre, ante R$1,87 no mesmo período do ano passado - disse Olinto.

Os investimentos cresceram 21,2% frente ao ano passado. Já o consumo das famílias, que vem em alta há sete anos, subiu 5,9%. Assim, a demanda interna cresceu 8,1% na comparação com o mesmo trimestre de 2009 - ou seja, se a produção nacional tivesse conseguido suprir esse consumo, sem a ajuda das importações, o PIB também teria avançado nessa proporção, e não em 6,7%.

- Mesmo com o crescimento das exportações, houve contribuição negativa do setor externo no PIB, de 1,4 ponto percentual do PIB, maior que o 0,8 ponto percentual do trimestre anterior - afirmou Luiza, do Santander.

Na avaliação de Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o consumo das famílias vai continuar a puxar o PIB brasileiro no ano que vem.

- A demanda interna cresce acima do PIB, muito por causa do aumento da massa salarial dos brasileiros - disse Freitas.

Em 2009, recessão foi pior, de 0,6%

A construção civil foi o setor que teve a maior retração no terceiro trimestre, em relação ao início do ano. A queda foi de 2,3%. Em relação a igual período de 2009, no entanto, o setor registrou expansão de 9,6%, impulsionado pela maior oferta de crédito. Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) do Rio, Roberto Kauffmann, os números refletem um ajuste no setor, após um boom desde meados de 2009. Mas a expectativa ainda é de crescimento. A projeção é de avanço de 13% este ano, sobre os 5% de expansão em 2009.

- Não há acomodação, é apenas um ajuste. Devemos fechar o ano com R$40 bilhões de recursos da poupança direcionados ao crédito habitacional e em 2011 devemos permanecer nesse patamar - disse Kauffmann.

Segundo o economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), a indústria, que já estava com os estoques elevados, sofreu no terceiro trimestre a concorrência dos importados.

- O resultado já era esperado. Houve uma acomodação. A indústria acumulou estoque no primeiro semestre. E, com isso, aproveitou para reduzir seus estoques. O crescimento em relação ao ano passado é ainda um reflexo da economia deprimida (de 2009). Ou seja, ainda há vestígios de recuperação ainda. O crescimento segue forte neste quarto trimestre - prevê o economista.

As projeções dos analistas para o último trimestre confirmam essa aceleração. As projeções estão próximas de 1% na comparação com o período de julho a setembro. E, para o ano, estão revisando as projeções que, agora, superam os 7,5% de média previstos até a divulgação dos números do PIB ontem. As expectativas estão mais próximas de 8%.

O que motivou as mudanças nas projeções foi a revisão que o IBGE fez nos números do PIB de 2009. Até então, o instituto estimava uma queda de 0,2%. Agora, calculou uma recessão maior, de 0,6% - o pior resultado desde 1990, quando o PIB sofreu retração de 4,3%, ainda no governo Fernando Collor. Com uma base de comparação menor em 2009, o crescimento previsto para este ano fica maior.

Colaboraram Bruno Rosa e Danielle Nogueira

Metade do PAC fica para Dilma acabar

DEU EM O GLOBO

Quatro anos após ser lançado, 47,7% das obras previstas na primeira fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não ficarão prontos em dezembro. As obras também sairão mais caras do que o previsto, como no caso do Arco Rodoviário do Rio, que só deve ficar pronto em 2012 e custará o dobro do preço: R$ 1,499 bi. A pior situação é a da área social: no saneamento, só 8% das obras serão concluídas este ano.

No PAC, obras atrasadas e custo bem acima do previsto

Quatro anos depois, empreendimentos do programa destinado a superar gargalos de infraestrutura no país ainda apresentam problemas em vários setores, apesar de acertos

Gustavo Paul e Henrique Gomes Batista*

BRASÍLIA. Quatro anos depois, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conjunto de obras prioritárias para o país e para redução dos gargalos em infraestrutura, tem exemplos de sucesso, mas está igualmente recheado de obras atrasadas e bem mais caras do que o previsto. Os problemas ocorrem em vários setores e em todas as regiões do país. Há casos de atrasos de até cinco anos e obras que sairão pelo dobro do preço imaginado inicialmente.

O Arco Rodoviário do Rio, por exemplo, previsto no primeiro balanço do PAC - de abril de 2007, três meses após o lançamento do programa - para acabar em 2010, só deve ficar pronto em 2012 e pelo dobro do preço: o custo passou de R$715 milhões para R$1,499 bilhão.

O aeroporto de Macapá, importante por se tratar de um estado sem ligação rodoviária com o resto do país, deve atrasar cinco anos: era previsto para ser concluído em dezembro de 2008. Agora o governo prevê sua conclusão em 2013. O mesmo ocorre com o terminal de Vitória, previsto para dezembro de 2008 e agora estimado para 2013.

Atrasos não são informados nos relatórios do PAC

Estes atrasos não são informados no PAC, uma vez que o governo avalia a situação da obra no momento da elaboração do balanço. Se uma obra está atrasada há três anos, mas agora o problema que impedia a sua execução foi suprimido, como uma licença ambiental, o governo a classifica como "adequada".

Não há classificação de obra "atrasada", mas sim em situação de "atenção" ou "preocupante". Neste quesito, a preocupação da Casa Civil é se a obra possui algum problema que impeça seu avanço, sem qualquer análise em relação à previsão inicial do governo ou seu preço.

Não é incomum obras sofrerem simultaneamente os dois problemas: atrasos e orçamento reavaliado. A duplicação do trecho catarinense da BR 101-Sul, além de atrasar dois anos, exigirá mais R$700 milhões em investimentos, chegando a R$2,241 bilhões, ante previsão inicial de R$1,5 bilhão.

O polêmico projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio, São Paulo e Campinas, inicialmente previsto para ser licitado no primeiro semestre de 2009, de forma a ficar pronto para a Copa de 2014, teve sua licitação adiada para abril de 2011, custando quase US$8 bilhões a mais do que previsto. A Transnordestina também teve data de conclusão passada de 2010 a 2012.

Os problemas não se restringem ao transporte. Usinas hidrelétricas - que têm mega-obras que estão em pleno andamento, como Jirau e Santo Antônio - também carregam exemplos ruins. Algumas começaram janeiro de 2007 cheias de entraves a serem levantados e continuam quase na mesma situação. É o caso de Telêmaco Borba (PR), Pai Querê (SC/RS) e Baixo Iguaçu (PR).

A usina termelétrica de Candiota III, no Rio Grande do Sul, com conclusão prevista para este mês, sairá por R$1,2 bilhão, praticamente 50% mais cara que a previsão inicial de R$828 milhões. A hidrelétrica de Belo Monte, agora orçada em R$19 bilhões, aparecia no primeiro balanço do PAC com investimentos necessários de R$7 bilhões.

Nem mesmo obras da Petrobras escapam dos problemas: a instalação de uma plataforma de petróleo no campo de Piranema, no litoral sergipano, atrasou seis meses, sendo concluída apenas em outubro de 2007, e seu custo saltou de R$310 milhões, na previsão inicial, para R$634 milhões efetivamente investidos. O alcoduto Senador Canedo (GO) - São Sebastião (SP), previsto para ser concluído este mês por R$4,1 bilhões, só deverá ficar pronto em junho de 2012 por R$4,5 bilhões.

O mesmo problema ocorre com as chamadas medidas institucionais do lançamento do PAC, ou seja, o grupo de 40 leis e normas que deveriam ser aprovadas para simplificar a economia e estimular a eficiência e a produtividade do país. São casos emblemáticos a limitação da expansão anual dos gastos com os servidores da União e o regime de aposentadoria complementar dos servidores públicos, bem como o marco das agências reguladoras. No total, 11 destas medidas ainda não saíram efetivamente do papel.

Craques da MPB fazem homenagem a Noel Rosa

Canção da parada do Lucas::Manuel Bandeira

Parada do Lucas
— O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Minha alma incendida
Pediria à Noite
Dois seios intactos.

Parada do Lucas
— O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Eu iria aos mangues
Dormir na escureza
Das águas defuntas.

Parada do Lucas
— O trem não parou.

Nada aconteceu
Senão a lembrança
Do crime espantoso
Que o tempo engoliu.