Centenas de entusiastas fazem pequenas doações comprando produtos, como camisetas, mas grosso do dinheiro que financiará criação do partido sai do bolso de uma dezena
Julia Duailibi, Isadora Peron
O partido que a ex-senadora Marina Silva pretende criar neste ano, o Rede Sustentabilidade, deverá consumir pelo menos R$ 500 mil no processo de captação de assinaturas pelo País. O financiamento desses recursos reproduzirá a pirâmide social do "movimento", como os marineiros chamam a legenda. As menores doações vêm de centenas de entusiastas, que compram uma camisa de R$ 20, mas o grosso é concentrado em uma dezena de fundadores, alguns deles ligados às maiores empresas do País.
Os organizadores do partido esperam a obtenção do CNPJ da Rede, que deve sair na próxima semana, para começar a arrecadar as contribuições. Por enquanto, foram levantados pouco mais de R$ 150 mil, destinados a pagar os custos do evento de lançamento da legenda em Brasília há uma semana.
Os recursos foram obtidos com a venda de 500 camisetas e outros produtos, mas a maior parte veio de cerca de 80 dos 250 fundadores, entre os quais Neca Setúbal, socióloga e herdeira do Itaú, e Guilherme Leal, copresidente do Conselho de Administração da Natura, que foi candidato a vice na chapa de Marina, pelo PV, nas eleições de 2010.
Questionada sobre para onde vai o dinheiro arrecadado, já que ainda não há uma conta corrente do partido, Neca, responsável pela área financeira da Rede, brincou: "Embaixo do colchão do Marcelo Estraviz", numa referência ao especialista em captação de recursos que atua no "movimento".
De acordo com a legislação eleitoral, são necessárias quase 500 mil assinaturas em pelo menos nove Estados para fundar uma nova legenda. Para que o partido esteja apto a disputar a eleição em 2014, quando Marina deverá ser candidata a presidente, precisa obter o registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até um ano antes da eleição. Portanto, no começo de outubro - até agora, foram baixadas cerca de 20 mil fichas de apoio do site da Rede.
Adilson Barroso, presidente do PEN (Partido Ecológico Nacional), demorou quase seis anos para conseguir fundar sua legenda, que obteve o registro definitivo em 2012. "De cada dez pessoas que você chega para pedir a assinatura, apenas uma aceita. As pessoas estão com raiva da política. Depois, tem o cartório que não aceita a assinatura, fala que está diferente. Inclusive as assinaturas dos fundadores do partido", declarou Barroso.
Os maiores entraves apontados por quem procura criar um partido são a burocracia nos cartórios eleitorais e a demora dos Tribunais Regionais Eleitorais, a segunda instância no processo, para homologar as listas de apoio enviadas, depois, ao TSE. "O TRE de Roraima demorou 13 meses para homologar as listas. É muito difícil mesmo. Fiquei quatro meses longe de casa atrás de assinaturas. Avisei: estou indo para a guerra", contou Barroso.
Há hoje 30 partidos fundados no País - e, pelo menos, mais 30 na corrida para a formalização. A regra é demorar mais de ano para obter as assinaturas. O Partido Pátria Livre (PPL), por exemplo, foi fundado em 2009, mas conseguiu o registro apenas em 2011.
A exceção foi o PSD (Partido Social Democrático), do ex-prefeito Gilberto Kassab. Da aprovação da ata de fundação até o registro final, em setembro de 2011, foram apenas seis meses, um recorde. A legenda não divulgou o quanto foi gasto no processo, mas Barroso, conhecedor do processo, aposta que as questões políticas pesaram mais que o dinheiro gasto na empreitada. "Não acredito na questão do dinheiro. Teve grande interesse do governo de fundar o partido do Kassab para quebrar o DEM e o PSDB. O partido da Marina sai em menos de um ano se for do interesse do governo", avaliou.
Doações. A Rede começa a montar uma estrutura de arrecadação para tentar bancar o custo de R$ 500 mil para buscar os apoios. O dinheiro servirá para criar uma estrutura mínima de coleta em todos os Estados, além do pagamento de uma empresa de auditoria que fará a verificação da autenticidade das assinaturas recolhidas. Entre os modelos criados, está o que os fundadores do partido escolhem um entre os quatro tipos de doação: R$ 10, R$ 50, R$ 90 ou um valor acima das três opções. Para aumentar a captação de recursos, será criada a figura do "mantenedor", que fará contribuições mensais, mas que não necessariamente será filiado.
"Muita gente está doando. Estamos fazendo um esforço em busca de qualquer doação", declarou Neca. Além do gasto com a procura de assinaturas, há as despesas com a estrutura de comunicação, a manutenção do site e atendimento à imprensa. De acordo com a fundadora, esses valores só começarão a ser pagos à empresa que atende à Rede a partir de março. "Também estamos recolhendo doações para pagar o advogado que está cuidando de organizar o estatuto do partido", lembra André Lima, membro da Executiva da nova legenda.
Se, por um lado, o grosso do financiamento vem dos fundadores, há uma militância incipiente, que passou a fazer contribuições mais modestas, e artistas do eixo Rio-São Paulo que, atraídos pela figura de Marina, devem ajudar na arrecadação - o cantor e ex-ministro Gilberto Gil e os atores Wagner Moura e Marcos Palmeira vão gravar um vídeo para ensinar as pessoas a preencherem as fichas.
Professor de história da rede pública de Contagem, (MG), Otto Ramos ganha R$ 1.910 por mês. Foi a Brasília participar do lançamento da Rede por conta própria. Dividiu em 3 vezes a passagem aérea, de R$ 250, comprada numa promoção. Para economizar, optou inicialmente pela hospedagem oferecida por pessoas que moram em Brasília. Depois preferiu um hotel. Ramos contribuiu com R$ 50 para pagar as despesas do evento e comprou ainda duas camisetas para ajudar no rateio.
O empresário paulista João Ramirez, que trabalha com desenvolvimento de produtos digitais, também foi ao encontro em Brasília. "Estou fazendo tudo o que posso para ajudar. Imprimi as fichas em casa e já distribuí para a minha família assinar. Também vou ver o que posso fazer na área da comunicação, que é do que eu entendo", afirmou Ramirez.
Entusiasta da Rede, a estudante Michelle Portela, que faz doutorado na Unicamp, disse que vai trabalhar como voluntária. Ela pretende criar um circuito de debates nas universidades sobre o partido.
A Rede espera recolher também algum recurso com artistas em eventos sociais ou através do crowdfunding, por meio do qual artistas captam recursos para seus projetos na internet. Nesse caso, os valores arrecadados na rede serão doados à Rede de Marina.
Fonte: O Estado de S. Paulo