O hiper-antipetismo é um mix de três atitudes. A crítica e negação permanente do PT e seu governo, a denúncia como método e a afirmação do fim próximo do lulopetismo como mantra. Por não ser autônomo, ele requer aquilo que nega para existir e dele depende.
Na sua origem, temos as razões pelas quais reagimos ao petismo e vice versa.
A principal delas é que eles surrupiaram o lugar que entendíamos nosso, enquanto a ditadura nos perseguia e esmagava.
Depois, dividiram a história da esquerda em duas, uma antes e outra depois deles.
Segundo a narrativa petista, no tempo do PCB vigiam os acordos de cúpula e o controle das massas pelas elites. Com o advento do PT, instala-se a era inaugural da verdadeira esquerda, independente e autônoma, não colaboracionista do capital. A esquerda que chegou ao poder.
Outra razão de disputa, menos visível, é que nós e eles sempre tivemos pretensão à hegemonia da esquerda e nisso somos parecidos.
Para nós, eles nunca aderiram de fato à democracia e às instituições. Para eles, somos vira-casacas e subalternos da direita representada pelos tucanos e demistas.
Se nós do PCB/PPS sempre colocamos o conjunto, as frentes democráticas e a política de alianças em primeiro lugar, eles, egoístas e estreitos, privilegiaram a construção do seu partido e projeto, sem concessões.
Esse caldo e disputa desandaram de vez quando deixamos o governo Lula em 2004, que queria, via Ciro Gomes, nos transformar em barriga de aluguel.
De lá para cá, fomos ficando mais e mais críticos, até que o antipetismo tornou-se a principal raison d’etre da nossa ação política.
Não que nos faltassem motivos, ao contrário.
Lula e o PT descambaram para um despudor nunca visto no uso e acobertamento da corrupção. Aparelharam o Estado até tornarem-no um quase apêndice do petismo. Ameaçaram amordaçar liberdades em nome da impunidade e da ojeriza as críticas.
Destroçaram e cooptaram a oposição. Rasgaram seu programa e roubaram as bandeiras dos seus antecessores. Engoliram ou cooptaram os movimentos, sindicatos e a sociedade civil.
A isto tudo respondemos radicalizando na ação e no discurso, até chegarmos ao “hiper-antipetismo” e dele nos tornarmos dependentes, com graves efeitos colaterais.
O primeiro deles é que fomos reduzindo nosso interesse por quaisquer outras preocupações e propostas. Deixamos de ter uma agenda própria e global para concentrar todas as nossas energias em negar, denunciar e combater o mal simbolizado pelo PT e seu demiurgo, Lula.
Assim, passo a passo, descolamos da política e mergulhamos num embate moral, do bem que representávamos, versus o mal personificado no lulopetismo.
Com isso, empobrecemos nosso discurso e prática. Descuidamos de nós mesmos, atados que fomos à nossa némesis.
O segundo dos efeitos negativos é que delegamos aos nossos aliados a construção de um projeto de poder próprio e de como chegar até ele, pois o nosso projeto era, e segue sendo, derrotar o PT. Donde resulta que pouco ou nada temos a anunciar, preocupados em denunciar que estávamos e estamos.
Terceiro, gradativamente abdicamos de elaborar políticas para o país. Aliás, deixamos de olhar as transformações positivas pelas quais o Brasil passa. Enquanto nós só vemos o que está errado, a grande maioria da população percebe e apóia o que está dando certo.
Diante dessa “ilusão” que se alastrava pelos campos e cidades, contagiando os ingênuos ou manipulados, apelamos ao milenarismo, passando a avistar o “juízo final” em cada esquina da conjuntura.
Num momento, o fim estava próximo porque os juros subiam a níveis insustentáveis; mais adiante, porque o endividamento das famílias ia explodir. Depois, batemos na tecla da crise global, que faria descer sua espada sobre os maus e os males do reino.
Hoje o mensalão; amanhã o último escândalo e o próximo, já engatilhado. Sem falar do retorno inexorável e descontrolado da inflação...
Trocamos a análise dos fatos e sua penosa interpretação pela paixão.
Nesse andar, tornamo-nos um “partido decente” não por escolha, mas por decantação. Se eles eram indecentes, não nos restava outra alternativa.
Ser decente não é um programa para o país, nem um projeto partidário. Sabemos disso. Mas, como decretamos a morte do comunismo, que a socialdemocracia está moribunda e sobre o socialismo nada temos a dizer, a “decência” foi preenchendo nosso vazio ideológico.
Fomos também ficando rígidos e isolados, no desconforto de conviver com adversários de ontem, parceiros de hoje.
Noutro nível, falhamos em entender o lulopetismo e dele extrair lições. Em analisar a razão de sua ascenção; as condições de formação do seu bloco de poder de ciclo longo e que ainda não apresenta sinais de entropia – algo que nos negamos terminantemente a reconhecer.
Em decorrência, sucumbimos também em desenvolver uma política de resistência e convívio de médio e longo prazo com o PT no poder, preparando o partido para essa lenta travessia.
Aferrados à negação deles, tropeçamos em (re)construir nossa identidade, abalada desde a passagem do PCB para PPS. Afinal, ser “anti” não basta ou é suficiente para afirmar uma identidade, dado que permanecemos presos e dependentes do outro, nosso oponente.
Nesse sentido, o hiper-antipetismo é uma prisão, pois nos deixa atados ao campo do lulopetismo, que detestamos. Psicologicamente, estacionamos no terreno da contra-dependência, sem nos alçarmos à independência plena, que é essencialmente afirmativa.
Presos à nossa paixão negativa pelo lulopetismo, esquecemos que a liberdade não passa apenas pela negação de outro, mas pela afirmação de nós mesmos.
Resultado: de 2004 para cá fomos estiolando. Não produzimos nada de envergadura e riqueza comparáveis aos nossos primeiros anos como PPS.
O corolário do hiper-antipetismo dependente, enterrada a 3ª via com Ciro Gomes, tem sido a gravitação em torno do projeto tucano. Estes crescem no desdém por nós, na mesma medida em que diminuímos eleitoralmente.
Nesse cenário, a proposta de candidatura própria a presidente em 2014 representa uma ruptura com a cultura da denúncia, cuja cristalização se dá no hiper-antipetismo. É o retorno a uma política de afirmação partidária e de anúncio de um novo tempo.
É passar da negação do outro, a sua “morte” (tanatos), para a nossa afirmação e vida (eros). É transitar da prisão e da dependência para a liberdade de se (re)criar.
Isso não implica deixar de ser oposição, de denunciar desvios, abandonar o nosso campo de alianças ou de dar duro combate ao lulopetismo.
Sem qualquer auto glorificação, posso afirmar que poucos o combateram tão dura e persistentemente como fiz . Mas não sou antipetista. Sou pepesista, com orgulho, alegria e confiança.
Orgulho, pela nossa história, altivez e ética partidárias. Alegria pela democracia interna que desfrutamos e valores que possuímos.
Confiança porque, como de tantas outras vezes, saberemos construir uma saída para a crise que passamos. Que não é apenas nossa, mas geral e ampla dos partidos e da política representativa.
Porém, temos convicção que não alcançaremos essa saída com base apenas na negação do outro, dissociada da afirmação de um projeto próprio, do resgate de uma agenda positiva e de poder do PPS.
Raul Jungmann, ex-deputado federal, ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário e atual presidente do PPS/PE.
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