"O PSDB é e continuará a ser oposição. Mas isso não significa que jogamos no quanto pior, melhor"
Ribamar Oliveira e Vandson Lima | Valor Econômico
BRASÍLIA - O senador José Serra (PSDB-SP) considera que "apostar todas as fichas na reforma da Previdência para fomentar o crescimento econômico é um erro", embora acredite que o sistema previdenciário do Brasil está "totalmente desequilibrado". Para ele, há várias medidas que podem ser tomadas para estimular a demanda, organizar as contas fiscais e colocar a economia para crescer mais rapidamente, enquanto se aprova as reformas necessárias para o país, inclusive a da Previdência.
Serra avalia que o governo Bolsonaro encontrou condições bastante favoráveis na economia. A inflação está abaixo da meta, não há restrições externas, o déficit em transações correntes é muito pequeno e financiado pelos investimentos estrangeiros diretos e há muita capacidade ociosa, o que facilitaria a retomada.
Além disso, a lucratividade das empresas foi muito boa no ano passado, ou seja, "elas estão em situação propícia para investir". Para ele, há espaço até mesmo para reduzir "sensatamente" a taxa de juros.
O senador paulista disse que está convencido de que "algo vai avançar" na reforma da Previdência, mas não o projeto do Executivo. E anunciou um projeto para instituir o parlamentarismo a partir de 2022.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Porque a economia brasileira não está crescendo? Esta é a recuperação mais demorada da história.
José Serra: O não crescimento está relacionado, principalmente, com o quadro de início de governo e as incertezas que permeiam a política brasileira. É interessante notar que as condições que o governo Bolsonaro encontrou na economia são bastante favoráveis. Não só a economia cresceu um pouco no ano passado, como a lucratividade das empresas teve um excelente desempenho. Ou seja, elas estão em uma situação propícia para investir. Então, internamente existem boas condições para um avanço nos investimentos. Hoje, não se tem nenhum tipo de restrição externa, o déficit em transações correntes é muito pequeno e os investimentos estrangeiros diretos superam o déficit com folga. A inflação está abaixo da meta e há muita capacidade ociosa, o que facilita a retomada. Eu creio, inclusive, que há espaço para, sensatamente, reduzir os juros. Reduzir a Selic, basicamente, sem fazer grandes pressões sobre a economia. Se for alguma coisa gradual e minimalista, digamos. Evidentemente que, se se conseguisse um pouco de crescimento, o país entraria em um círculo virtuoso, no sentido de recuperação da capacidade de arrecadação pública. Isso facilitaria a política fiscal.
Valor: O senhor acha que a situação fiscal tanto da União como dos Estados é o principal obstáculo para que se entre nesse círculo virtuoso de crescimento?
Serra: Não necessariamente. Os Estados estão em uma situação crítica e, evidentemente, o investimento público fica comprometido. Na esfera federal, o investimento público tem um peso muito grande sobre a demanda agregada, de um lado, e de outro, na possibilidade de crescimento de médio e longo prazos. Quando se investe, gera-se demanda e, ao mesmo tempo, gera possibilidade de crescimento. Para o crescimento, é importante ter um círculo virtuoso fiscal, no sentido de que o país consiga a retomada com o crescimento da receita.
Valor: O mercado acha que os investimentos e a retomada da economia dependem da aprovação da reforma da Previdência.
Serra: Acho um exagero condicionar tudo ao destino de uma reforma da Previdência. Que é uma reforma de profundidade, que não teria efeito de curto prazo, mas de médio e longo prazos, e que em algo vai avançar. Isso me parece claro. Não acredito que se vá aprovar a reforma tal como o projeto enviado. Mas nós vamos ter avanços, sem dúvida nenhuma. Talvez combinado com um gradualismo maior do que o previsto no projeto enviado. Mas isso é normal, e seria uma vitória de toda maneira dentro do Congresso. O Brasil está com um sistema previdenciário totalmente desequilibrado. E isso precisa ser corrigido. A reforma da Previdência é essencial. Agora, achar que por causa da Previdência as empresas não irão investir, me parece um exagero. Apostar todas as fichas na reforma da Previdência para fomentar o crescimento econômico é um erro. Há várias medidas que podem ser tomadas para estimular a demanda, organizar as contas fiscais e colocar a economia para crescer mais rapidamente, enquanto são endereçadas as reformas, inclusive a da Previdência.
Valor: O que o senhor acha que não passa na proposta de reforma do governo?
Serra: Acho que a mudança no BPC [Benefício de Prestação Continuada]. Também as alterações na aposentadoria da área rural.
Valor: E o novo sistema de capitalização?
Serra: Acho que pode instituir uma coisa gradual.
Valor: E a desconstitucionalização das regras previdenciárias?
Serra: Acho que muita coisa pode ser obtida, não só na Previdência, com a desconstitucionalização. Todos avaliamos o grau de complexidade exagerado da Constituição de 1988. E isso dificulta muito tudo. Na verdade, o instrumento da lei complementar é difícil também. Não é uma barreira como a emenda constitucional. A emenda constitucional não tem veto. O Executivo fica alijado.