domingo, 16 de junho de 2019

Opinião do dia: Fernando Abrucio*

Mas a concepção de Justiça que alimentou o fenômeno da Lava-Jato também está impregnada de arbítrio jacobino, salvacionismo messiânico, autoritarismo e, como elemento central, de uma concepção de Justiça que se coloca acima das leis. Eis aqui o ponto mais preocupante de todo esse processo desvendado pela "Vaza-Jato": a aliança entre a força-tarefa do MP e a simbiose de promotor com juiz que se transformou Sergio Moro teve um resultado antirrepublicano - em outras palavras, os desígnios privados dos "paladinos da Justiça" prevaleceram sobre a ordem pública.

O que está em jogo é mais do que o tratamento parcial e arbitrário que foi dado ao caso do ex-presidente Lula. Se vencer o lado jacobino e salvacionista da Lava-Jato, os cidadãos vão achar que é melhor substituir a engrenagem lenta e incremental da democracia liberal por outras formas mais rápidas de justiça, como o linchamento, o armamento generalizado da população e, quem sabe, a delegação do poder popular a alguém ou alguns que possam governar sem os obstáculos trazidos pela imprensa, pelo controle dos Poderes e pela oposição.

Em vez desse caminho jacobino da Lava-Jato, a Justiça só se estabelecerá no país se houver a garantia do primado da lei e sua aplicação igualitária a todos. Buscar atalhos e heróis não nos levará a uma sociedade mais justa.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP. O que está em jogo é a noção de Justiça. Eu & Fim de Semana / Valor Econômico, 14/6/2019

*Luiz Sérgio Henriques: Reconstruir o bem comum

- O Estado de S.Paulo

Esquerda e direita voltam a se contrapor de modo desabrido, gritado e caótico

Em tempos de interdependência, nos quais até mesmo antiglobalistas convictos se reúnem em redes globais, nada demais recorrer a uma anedota húngara, muito embora de uma Hungria ainda “vermelha”, já distante no tempo. Um grande filósofo, um dos poucos de firme adesão comunista que permaneceu relevante, conta ter ido certa vez até um burocrata partidário, intrigado que estava com bruscas e inexplicáveis mudanças de orientação. O cinzento funcionário assegurou a Lukács, o personagem desta breve história, que o partido incorrera em sucessivos desvios da “linha justa”, ora de “direita”, ora de “esquerda”, numa sequência velocíssima que nada explicava e deixava o filósofo ainda mais confuso do que antes.

É que “esquerda” e “direita”, naquele contexto, já não significavam muita coisa. O uso convencional só atestava que a linguagem – qualquer linguagem, inclusive a do marxismo supostamente científico – podia degenerar em jargão e quaisquer conceitos, inclusive alguns firmemente estabelecidos, podiam se transformar em casca vazia, ainda que brandidos em meio a muito som e a muita fúria. E isso com os efeitos nocivos que se podem adivinhar – afinal, costumamos nos odiar e matar por palavras banais e bandeiras sem sentido.

É bem provável que hoje, num mundo em que usuários das redes sociais se engalfinham e “politizam” rigorosamente tudo, ameaçando o tecido minimamente unitário que deve sustentar as sociedades, aquela degeneração de nomes e de linguagem esteja novamente dando seus frutos envenenados. Esquerda e direita voltam a se contrapor de modo desabrido, gritado e caótico, produzindo e reforçando o “colapso do centro” que se registra em muitos lugares e já não poupa nosso país.

Centro, aqui, não pretende valer por um termo médio inexpressivo, socialmente desabitado e politicamente irrelevante. No auge da social-democracia, as boas sociedades conseguiram encurtar distâncias e redistribuir renda: eram as sociedades ditas dos dois terços, uma vez que, grosso modo, só um terço delas estava mais ou menos fora dos benefícios do progresso, enquanto uma substancial maioria convergia nas faixas centrais. No Brasil, território por excelência da desigualdade, não poucos historiadores de esquerda chamaram a atenção para o persistente papel das camadas médias em transformações decisivas. E na primeira década deste século, quando se celebrou até com exagero o sucesso do petismo, a emergência de novas classes médias terá sido o aspecto mais destacado, como a certificar o êxito dos programas implementados.

*Celso Lafer: Holocausto, negacionismo e direitos humanos

- O Estado de S.Paulo

A validade do direito à verdade e à memória vem sendo afirmada crescentemente

O Holocausto é o crime dos crimes dos direitos humanos porque é uma deliberada e intencional denegação da pluralidade da condição humana. Era um crime sem nome até ser tipificado pelo jurista Raphael Lemkin, a quem se deve a Convenção Internacional para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, promulgada em nosso país em 1952.

Lemkin cunhou o termo combinando grego e latim. Genos vem do grego (tribo, raça) e cidio do latim, do verbo latino que designa esmagar, derrubar, matar, por aproximação analógica com homicídio.

A Convenção tipificou, no art. 2.º, o genocídio como atos criminosos perpetrados com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, tipifica os crimes de maior grandeza que afetam a comunidade internacional. Incorpora no elenco o crime de genocídio nos termos da Convenção de 1948, diferenciando-o dos crimes contra a humanidade, porque adiciona à atrocidade objetiva dos atos perpetrados o dolo da intenção de praticá-los.

O negacionismo contesta a verdade factual de um genocídio cometido. É o caso do persistente não reconhecimento pela Turquia do genocídio armênio, do qual foi vítima 1,5 milhão de pessoas, entre 1915 e 1923. É, também, o caso dos propósitos do “revisionismo histórico” denegador do Holocausto judaico, um dos instrumentos da propaganda antissemita contemporânea, voltada para um ideológico resgate do regime nazista que o executou.

Estas duas grandes vertentes do negacionismo foram recentemente avaliadas na USP. Em 24 de maio, na sala do Conselho Universitário, no lançamento do livro 100 anos do genocídio armênio, negacionismo, silêncio e direitos humanos, num evento que muito deve à professora Maria Luiza Tucci Carneiro. E na Faculdade de Direito, em 2 de abril, em seminário sobre Genocídio. História, Justiça e Memória, organizado pelo professor Marcos Zilli.

Vera Magalhães: E se fosse o juiz do Flávio?

- O Estado de S.Paulo

Gravidade da relação entre juiz e procuradores no caso Moro extrapola os personagens

A irracional fulanização de todos os assuntos nacionais turva a capacidade de análise de amplos setores da sociedade e coloca questões complexas e com graves consequências para a vida institucional do País sujeita à falsa dicotomia do bem contra o mal. O fenômeno é amplo, vem se agravando desde 2013, e se repete no caso, que completa uma semana hoje, do vazamento de conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato.

Para se analisar corretamente a gravidade do que está em curso e como os apoios de hoje são gelatinosos e podem mudar amanhã, proponho um exercício de abstração. Suponhamos que em vez de Moro e Deltan Dallagnol, os diálogos divulgados pelo The Intercept Brasil se dessem entre o juiz e o procurador do caso Fabrício Queiroz-Flávio Bolsonaro, que completa seis meses ainda envolto numa névoa de explicações mal dadas e de iniciativas tíbias por parte do sempre combativo Ministério Público.

Qual seria a reação do presidente Jair Bolsonaro neste caso? Como reagiria ao ler/ouvir os procuradores do caso do “garoto” confabulando com o juiz que, cedo ou tarde, teria de julgá-lo? Daria o mesmo apoio que deu ao seu ministro da Justiça, sem saber ainda a totalidade dos diálogos que estão em poder do site que os vem ministrando a conta-gotas?

Evidentemente, a resposta é não. E ela pode ser extrapolada de Bolsonaro para a claque inflamada que vem defendendo Moro nas redes sociais. Vale o exercício, da mesma maneira, para o caso de amanhã ou depois o tal site divulgar uma conversa de Rogério Favreto, que mandou soltar Lula num domingo, com os advogados do petista, por hipótese.

Eliane Cantanhêde: ‘Usina de crises’

- O Estado de S.Paulo

Joaquim Levy não tem alternativa: demitir-se ou ser demitido

Estão em campo dois Jair Bolsonaro: o populista paz e amor e o poderoso arrogante, capaz de confrontar os outros Poderes, humilhar o presidente do BNDES em público e demitir três generais na mesma semana, um deles, Santos Cruz, prestigiado como “pitbull” na campanha e defenestrado como o “pitbull” que reagiu ao guru Olavo de Carvalho e defendeu os colegas militares.

O Jairzinho Paz e Amor participa de toda e qualquer solenidade militar, como ontem, quando foi até Santa Maria (RS) para o Dia da Infantaria, uma das Armas mais nobres do Exército. Há, inclusive, uma relação de causa e efeito entre a demissão de Santos Cruz na quinta-feira e a solenidade militar no sábado. Primeiro, morde, demitindo um general prestigiado. Depois, assopra, confraternizando com as forças e amenizando o desgaste.

Bolsonaro também descobriu onde voltar a ser aplaudido e reverenciado como na campanha: nos estádios de futebol, como o general Emílio Médici, no auge do regime militar. A lembrança, aliás, é do próprio Bolsonaro. No jogo Flamengo x CSA, com o ministro Sérgio Moro, ambos foram mimados com aplausos e camisetas flamenguistas.

Foi a partir daí que, quatro dias depois do início da chamada “crise Moro”, com o vazamento de conversas do então juiz com procuradores da Lava Jato, que tanto Bolsonaro fez declarações a favor do ministro quanto o próprio deu entrevista ao Estado desafiando a publicação de novas mensagens.

Confirmou-se no estádio, ao vivo e em cores, que a sociedade não está dando bola para os diálogos de Moro com procuradores, que tanto impactaram o mundo jurídico, principalmente advogados e até mesmo ministros do Supremo. Moro continua sendo o grande herói do combate à corrupção e o maior troféu do governo.

Angela Alonso: A moral do moralizador

- Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Só não viram deslizes do herói Moro os cegos de ódio pelo vilão

“Moralmente as colchas inteiriças são tão raras! O principal é que as cores não se desmintam umas às outras —quando não possam obedecer à simetria e regularidade.” (“Quincas Borba”, capítulo 55).

O problema é quando se vende colcha moralmente monocromática que se revela bicolor. Nesta semana, o preto sóbrio da cruzada lavajatista da moral contra a política desbotou, exibindo a política cinzenta dos moralizadores.

Houve quem se espantasse. Não foram decerto os leitores de Machado de Assis, céticos das grandezas integrais e atentos às mesquinharias humanas. A figura do moralizador impoluto, que põe o interesse coletivo acima dos comichões de sucesso individual, é sempre desmascarada na ficção machadiana. Apenas opera nas narrativas maniqueístas, nas quais bem e mal são monolíticos e apartados como Deus e o Diabo.

Mas, no debate público brasileiro, Machado perdeu para a Marvel. O que mais se ouviu nos últimos anos foi a narração do triunfo da vontade da novela “A Faxina Moral da Nação”. Sua estrela: o então juiz Sergio Moro. Já faz tempo que vem na subida da rampa de sua jornada de herói. Elogio pra cá, prêmio pra lá, sucesso de livro e filme, smoking e toga. Em 2015, a revista Veja deu seu rosto na capa e, ao pé da imagem, “Ele salvou o ano!”.

Mídias tradicionais e alternativas (Mônica Bergamo lembrou os elogios de Glenn Greenwald à Lava Jato, em 2017), parcelas gordas das elites social e econômica, políticos, juristas e intelectuais trabalharam com afinco para tornar a novela moralizadora um estouro de público. A Lava Jato foi cantada em prosa, verso e série da Netflix.

No enredo, os problemas públicos todos —disfunções da gestão, má qualidade de serviços e políticas estatais, ineficiência econômica— foram reduzidos a um fator único: a corrupção sistêmica.

Ignoraram-se as causas múltiplas de processos complexos e jogos sobrepostos, com muitos atores, valores e interesses —nem todos negativos— na berlinda. É que a complexidade, sabem os roteiristas da Marvel, afasta espectadores.

Agrada aquilo que é simples: um vilão para o qual aflua o ódio coletivo. Feitos adquirem grandeza por contraste com malfeitos de mesmo quilate. A Lava Jato começou na onda antissistema “contra tudo o que está aí”, mas elegeu o antagonista principal.

Janio de Freitas: Delinquência múltipla

- Folha de S. Paulo

A imprensa e a Justiça aceitaram e incensaram as condutas de Moro e Deltan

Nada aconteceu ao acaso nesta etapa fúnebre do nosso fracasso como país. A partir de tal premissa, é preciso dizer que os atos delinquentes de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros da Lava Jato só puderam multiplicar-se por contarem com o endosso de vozes e atitudes que deveriam eliminá-los. É preciso, pois, distribuir as responsabilidades anexas à delinquência, não pouco delinquentes elas mesmas.

É preciso dizer que a imprensa, incluído o telejornalismo, foi contribuinte decisivo nas ilegalidades encabeçadas por Sergio Moro. Aceitou-as, incensou-o, procurou tornar o menos legíveis e menos audíveis as deformações violadoras da ordem legal e da ética judiciária.

Os episódios de transgressão sucederam-se, ora originários de Moro, ora do ambiente de fanatismo imperante entre os procuradores. Com o cúmulo do desatino e do extemporâneo no espetáculo de Deltan e da psicótica rosácea de acusações ao alvo de sua obsessão.

É preciso dizer que as advertências de juristas e advogados de alta reputação, não faltando nem livros de reunião e análise de muitas das transgressões, tiveram mais do que o espaço para o escapismo do “nós publicamos”. Foram vistos muitas vezes como interesseiros políticos ou profissionais. Era, no entanto, o caso de clamor, de defesa aguda dos princípios constitucionais e da legislação, se a imprensa quer afirmar-se democrata, ao menos quando se trata da sua liberdade plena.

Bruno Boghossian: O descuido do ministro

- Folha de S. Paulo

Ex-juiz derrapa ao admitir que tentou praticar uma espécie de caixa dois processual

Até agora, Sergio Moro não se saiu muito bem no papel de inquirido. O ex-juiz derrapou ao admitir que indicou uma testemunha aos procuradores da Lava Jato sem respeitar formalidades. “Recebi aquela informação e, vamos dizer, foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo”, afirmou, na sexta (14).

Embora tenha reconhecido o desvio, o ministro diz que não há nada anormal no caso. A alegação, porém, falha em alguns testes básicos. Ao fazer uma colaboração não declarada com a parte acusadora, Moro não parecia ser vítima de distração.

Em diálogo publicado pelo The Intercept, o procurador Deltan Dallagnol afirma que uma testemunha indicada informalmente pelo juiz não estava interessada em falar. Ele diz, então, que faria uma intimação com base numa notícia anônima. Só depois da sugestão dessa farsa Moro afirma que seria “melhor formalizar”.

O ministro da Justiça argumenta que a lei prevê esse tipo de repasse de informações, mas deixa de dizer que o envio deveria ter sido registrado oficialmente desde o início. Se a testemunha tivesse aceitado o contato de Dallagnol, a colaboração teria sido mantida em segredo, numa espécie de caixa dois processual?

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro rebaixa os superministros

- Folha de S. Paulo

Fraqueza no Congresso e desordem da Presidência tiram status de Guedes e Moro

Era uma vez um governo que teria dois superministros, Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Entraram por uma porta, saíram por outra.

São príncipes transformados em plebeus da Esplanada dos Ministérios pelo caldeirão da política de Jair Bolsonaro, que tem intestinos envenenados, filé de serpente, pelo de morcego, língua de cão e múmias de feiticeiras, como o cozido das bruxas de Macbeth, mas não tem coalizão parlamentar. Fim.

Os superministros foram rebaixados porque o quase governo do Congresso independente poda suas capas heroicas. Porque Bolsonaro não tem um programa que respalde na prática os projetos de Guedes e Moro. Porque o presidente implicou com Moro, que não incorporou o bolsonarismo "raiz", como no caso menor do decreto faroeste.

Pior, o ministro da Justiça se tornou suspeito de querer a cadeira presidencial em 2022, assunto cada vez mais frequente de Bolsonaro, diz seu entorno.

Elio Gaspari: O autoengano de Moro e Deltan

- Folha de S. Paulo / O Globo

Ministro acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo

Uma semana depois da divulgação das conversas do juiz Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol pelo site The Intercept Brasil, consolidou-se a linha de defesa do governo segundo a qual o que houve ali foi um crime.

Trata-se de uma magnífico exercício de autoengano. Foi praticado um crime na forma, mas a essência do episódio está no seu conteúdo. A divulgação dos Pentagon Papers, em 1971, decorria de um indiscutível crime contra a segurança nacional dos Estados Unidos, pois os documentos que contavam a ação americana no Vietnã eram secretos e foram roubados. A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a tentativa do governo de proibir a sua divulgação.

Governantes inventam (e fingem que acreditam) coisas incríveis. O governo petista e seu comissariado desqualificavam o conteúdo das colaborações de alguns de seus companheiros e cúmplices com a Lava Jato de Sergio Moro denunciando a forma como os procuradores obtinham as confissões (encarcerando os suspeitos). Em junho de 2015 a presidente Dilma Rousseff disse: “Não respeito delator”.

O autoengano petista custou o mandato a Dilma e a liberdade a Lula, bem como aos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci.

Um ano depois da fala de Dilma, Sergio Moro lembrou a Deltan Dallagnol que a Lava Jato estava há “muito tempo sem operação”.

(Dias depois foi para a rua a Operação Arquivo X.) Na mesma conversa, o juiz ofereceu ao procurador o nome de uma “fonte séria” que “estaria disposta a prestar a informação”. (Não devia ser séria porque oferecia informações que não se materializaram sobre o filho de Lula. Além disso, não topou falar.) À época não se sabia que o juiz Moro e o procurador Dallagnol tinham tamanha fraternidade. Sabe-se agora, graças ao The Intercept Brasil.

Em 2015 autoenganavam-se empreiteiros e petistas. Hoje, quem acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo é o ministro Moro.

Em novembro de 1971 a filósofa Hannah Arendt publicou um artigo intitulado “Mentindo na Política: Reflexões sobre os Papéis do Pentágono” e nele cuidou do mecanismo do autoengano. Ela disse o seguinte:

“O autoengano pressupõe que a distinção entre a verdade e a falsidade, entre a realidade e a fantasia, desaparece numa cabeça que se desligou dos fatos. No campo político, onde o segredo e a dissimulação sempre desempenharam um importante papel, o autoengano é o perigo por excelência: o enganador autoenganado perde todos os contatos, não só com seu público, mas com o mundo real”.

Merval Pereira: Intolerância política

- O Globo

O presidente demonstra considerar lealdade mais importante do que competência e não admite pensamentos diferentes no governo

O presidente Jair Bolsonaro deu várias mostras nos últimos dias daquilo que já havia sido evidenciado desde o início do governo: o que considera lealdade é mais importante para ele do que competência. E de que não admite diversidade de pensamentos em qualquer instância do governo.

O que ele fez com o presidente do BNDES, Joaquim Levy, foi demiti-lo publicamente ontem, ao anunciar que ele está “com a cabeça a prêmio” há muito tempo, e que já está “por aqui” com ele, que não estaria cumprindo o que combinara ao ser nomeado.

Isso porque Levy indicou para uma diretoria do BNDES Marcos Pinto, que trabalhou na gestão de Lula como chefe de gabinete de Demian Fiocca na Presidência do BNDES, de quem era assessor quando Fiocca foi vice-presidente.

Fiocca encaminhou a indicação de Marcos Pinto para a diretoria da CVM em 2012, na gestão de Guido Mantega. Essa relação de Marcos Pinto com a gestão petista irritou Bolsonaro, que exigiu publicamente sua demissão, ameaçando demitir Levy amanhã se não cumprisse sua ordem.

Por trás da confusão com Marcos Pinto está a irritação de Bolsonaro com o próprio Levy, a quem aceitou no BNDES por insistência do ministro da Economia, Paulo Guedes. A desconfiança do presidente recai até sobre pessoas que o auxiliaram muito de perto, como os ex-ministros Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz, de quem era amigo há 40 anos. Foram vítimas de intrigas do mesmo grupo, comandado pelo filho Carlos e pelo guru esotérico Olavo de Carvalho. Bolsonaro faz jus a um conselho que recebeu de seu pai, que lhe dizia para confiar apenas nele e na sua mãe. 

Ascânio Seleme: Silêncio profano

- O Globo

O presidente do Sindicato Rural de Rio Maria (PA), Carlos Cabral Pereira, foi assassinado no final da tarde de terça-feira passada, abatido com um tiro na cabeça quando voltava de moto para casa. Cabral é o terceiro sindicalista morto na cidade desde 1985. Todos perderam a vida em razão de questões fundiárias. Ele próprio já havia sido objeto de um atentado, em 1991, quando foi alvejado na perna. Rio Maria fica na região conhecida como Bico do Papagaio, que abrange o norte do Tocantins, o leste do Pará e o sudoeste do Maranhão, onde se acumulam histórias de violência no campo.

Apesar de ser parte de uma estatística macabra que comove o Brasil desde 1988, quando o seringueiro e sindicalista Chico Mendes foi assassinado em Xapuri, no Acre, a morte de Cabral quase passou despercebida. Dos poderes constituídos, apenas o Ministério Público Federal se manifestou. Por dever de ofício, anunciou que vai acompanhar as investigações da morte do sindicalista. Não se ouviu uma palavra sequer do presidente da República ou de seus ministros da Justiça, da Agricultura e dos Direitos Humanos.

De Jair Bolsonaro não devia se esperar qualquer manifestação mesmo. O presidente defende um campo armado para que os proprietários possam defender suas terras a bala. Mas por que as ministras Damares Alves e Tereza Cristina não se manifestaram? Damares é ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e Tereza chefia a pasta da Agricultura. Também nada se ouviu de Sergio Moro. Talvez porque o ex-juiz estivesse no meio do seu inferno particular, que começou a arder no domingo com as revelações de seus diálogos com o procurador Deltan Dallagnol.

Míriam Leitão: Papel da oposição é reduzir danos

- O Globo

Entre críticas e elogios à Lava-Jato, o petista Jaques Wagner defende que o papel da oposição não é interditar o governo

O senador Jaques Wagner (PT-BA) tem fala mansa e evita clichês ao explicar o atual momento do país. Acha que o papel da oposição neste momento é “minimizar os danos”, das decisões oficiais, “mas não interditar o governo”, até porque “eles ganharam a eleição e têm o direito, o dever, de governar”. Sobre as conversas reveladas no âmbito da Lava-Jato, ele diz que nunca foi daqueles que acham que os fins justificam os meios, ou que se a causa é boa, como é o combate à corrupção, então pode-se deixar a lei de lado. Uma crítica que faz ao governo Bolsonaro é que “o presidente fica muito na ideologia”.

Eu o entrevistei essa semana, um pouco antes de ele ir para a sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, da qual é membro, onde seria discutida uma resolução dele contra a decisão do governo de abrir mão do status de país em desenvolvimento na OMC. “A Coreia é, a China é, e nós não?”, me disse ao chegar para a entrevista. Carregava na lapela uma fitinha verde. Contou que isso é pela campanha de que haja não apenas um dia do meio ambiente em junho, mas o mês inteiro.

O PT tem tido uma posição inteiramente contrária à reforma da Previdência, o que é contraditório com o que o próprio partido fez quando estava no poder. A reforma do ex-presidente Lula, que atingiu o funcionalismo, provocou tanto debate que rachou o partido, e uma ala saiu para fundar o PSOL. Ele criticou quatro pontos que têm “a ojeriza nossa”. Eram os mesmos que ficaram de fora do relatório do deputado tucano Samuel Moreira. Definiu a proposta de mudança do BPC como “uma insanidade”. Mas tirando-se os quatro pontos, como ele votará quando a proposta chegar ao Senado?

— Eu acho que fazer uma atualização da questão da idade sempre será necessária. Perguntei sobre a posição dos governadores de esquerda que fazem declarações públicas contra a reforma, mas precisam dela, o que levou à retirada dos estados da proposta. —Na verdade não se convidou para estar dentro. É até bom para os estados que estejam dentro, na medida em que se faz uma coisa geral e não é necessário enfrentar mais uma vez todo esse debate. Mas na verdade havia uma chantagem com os governos, do tipo ‘eu só deixo vocês entrarem se isso, se aquilo, se aquilo outro’. Ele elogiou e criticou a Lava-Jato, e explicou a corrupção pela forma de financiamento das campanhas.

— O financiamento privado de campanha criou uma promiscuidade muito grande entre o público e o privado. Essa relação não começou com o PT. Ela continuou com o PT no governo. A nossa convicção é que havia um foco de tentar atingir o ex-presidente e o próprio PT. 

Lembrei que vários partidos foram atingidos. Ele concordou, mas disse que a operação “criminalizou” a política como um todo. Apesar disso, considera que ela foi bem-sucedida em alguns pontos.

Dorrit Harazim: Clóvis Rossi, nosso olheiro

- O Globo

Apesar de tudo o que vivenciou, ele manteve distância da tribo de veteranos cínicos que existe em qualquer profissão

‘Repórter é fundamental. É certamente a única função pela qual vale a pena ser jornalista”, escreveu Clóvis Rossi no longínquo ano de 1990, em texto de apresentação do livro “A aventura da reportagem”, de Ricardo Kotscho e Gilberto Dimenstein. Explicou:

“Jornalista não fica rico, a não ser um punhado de iluminados. Jornalista não fica famoso, a não ser um outro (ou o mesmo) punhado, e assim mesmo no círculo que frequenta ou no qual é lido. Jornalismo, por isso, só vale a pena pela sensação de se poder ser testemunha ocular da história de seu tempo. E a história ocorre sempre na rua, nunca numa redação de jornal. Rua pode ser a rua propriamente dita, mas pode também ser um estádio de futebol, a favela da Rocinha, o palanque de um comício, o gabinete de uma autoridade, as selvas de El Salvador, os campos petrolíferos do Oriente Médio. Só não pode ser a redação de um jornal”.

Ao morrer nesta sexta-feira aos 76 anos, Rossi deixou o batente de apurar notícias nas ruas da vida. Nunca se serviu do ofício para compor um figurino. Nem o do repórter solitário, indomável e charmosamente rabugento como Seymour Hersh, a quem o mundo deve revelações seminais como My Lai e Abu Ghraib. Tampouco o do repórter que aposta no estilo intrépido, incansável, dono da notícia. Não era tímido nem falsamente modesto. Muito menos invisível (tinha 1m98), o que ajudava em coberturas de manada como cúpulas mundiais ou Copas do Mundo. Se andava curvado, era para ouvir melhor os demais bípedes.

Ricardo Noblat: Um mata, o outro esfola Levy

- Blog do Noblat / Veja

Demitir não basta. Tem que fritar antes
Espera-se para hoje, no máximo amanhã, a carta de demissão de Joaquim Levy do cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É só o que lhe resta fazer depois de ter sido humilhado publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro com a ajuda do ministro Paulo Guedes, da Economia.

O motivo fantasia da demissão é este: Bolsonaro ficou furioso ao saber por meio de um amigo que um antigo servidor do governo Lula, Marcos Barbosa Pinto, fora nomeado diretor de Mercado de Capitais do banco. O motivo real da demissão: Levy não atendeu a ordem de Bolsonaro para “abrir a caixa preta” do BNDES.

Quando candidato, Bolsonaro garantiu que promoveria uma devassa no banco para identificar as operações irregulares feitas ali durante os quase 14 anos de governos do PT. Mandar embora petista era o mínimo que ele queria. Esperava mostrar para o Brasil e o mundo a roubalheira de que fora capaz um partido de esquerda.

Como nada disso aconteceu até agora, atirou na cabeça de Barbosa Pinto para na verdade acertar na cabeça de Levy. Barbosa Pinto, um economista de renome, que já foi sócio de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central nos governos de Fernando Henrique Cardoso, pediu demissão ontem mesmo. Falta Levy pedir.

Como Barbosa Pinto, Levy serviu a governo do PT, no caso o segundo da ex-presidente Dilma Rousseff como ministro da Fazenda. Nem por isso o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou de convidá-lo para presidir o BNDES. A mão que afagou Levi foi a mesma que o esfolou tão logo Bolsonaro anunciou que poderia demiti-lo.

“O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou uma solução para o futuro”, disse Guedes ao jogar a última pá de cal no seu ex-protegido. Mais uma vez, a dupla Bolsonaro-Guedes deu razão a Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, que chama o governo deles de “usina de crises”.

Tal como se dá, a demissão de Levy é mais um produto do modelo adotado por Bolsonaro para livrar-se daqueles que aos seus olhos caíram em desgraça. O modelo foi descrito pelo próprio Bolsonaro durante o café da manhã que tomou com um grupo de jornalistas na última sexta-feira, no Palácio do Planalto.

“O Carlos é mais imediatista”, explicou Bolsonaro. Referia-se ao Zero Dois que cobra do pai decisões rápidas. E continuou: “Tem que dar um tempo para, ao dar o cartão vermelho para essa pessoa, não ter dúvidas. E tem que deixar a pessoa se enrolar um pouco mais”. Assim ele procedeu para demitir três ministros em menos de seis meses.

Cuide-se o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública. Cuide-se também Guedes, se não de imediato pelo menos a partir do momento em que o Congresso aprovar a reforma da Previdência. Perguntaram a Bolsonaro se ele confiava plenamente em Moro. Resposta: “Só mãe e pai merecem 100% de confiança”.

Joaquim Levy pede demissão da presidência do BNDES

Saída de Levy do banco de fomento é mais uma crise do governo Bolsonaro

Alexa Salomão, William Castanho e Bernardo Caram / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - O economista Joaquim Levy renunciou à presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) neste domingo (16), após o presidente Jair Bolsonaro declarar que ele estava “com a cabeça a prêmio”.

A saída de Levy do banco de fomento é a primeira baixa na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e mais uma crise do governo.

“Solicitei ao ministro da Economia meu desligamento do BNDES. Minha expectativa é que ele aceda”, disse Levy, em mensagem a Guedes.

O economista agradeceu a lealdade, dedicação e determinação de sua diretoria. “Agradeço ao ministro o convite para servir ao país e desejo sucesso nas reformas.”

No sábado (15), Bolsonaro disse estar “por aqui” com o economista. O estopim, segundo o presidente, foi a indicação de Marcos Barbosa Pinto para a diretoria de Mercado de Capitais do banco. Ele foi assessor do BNDES no governo do PT e voltaria ao banco para o cargo de diretor de Mercado de Capitais.

Levy não comentou as declarações de Bolsonaro. Levado por Guedes para a presidência do BNDES durante a atual gestão, ele foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT). Antes, foi secretário do Tesouro Nacional de Lula. Assim como o ministro da Economia, fez doutorado na Universidade de Chicago —reduto do pensamento econômico liberal.

Bolsonaro disse que "governo é assim, não pode ter gente suspeita" em cargos importantes. "Essa pessoa, o Levy, já vem há algum tempo não sendo aquilo que foi combinado e aquilo que ele conhece a meu respeito. Ele está com a cabeça a prêmio já há algum tempo", afirmou.

A resistência do presidente a Levy vem desde o governo de transição. Em novembro de 2018, quando já estava eleito, Bolsonaro disse que, ao aceitar a indicação, precisava “acreditar em Guedes”.

Na ocasião, o presidente afirmou que “houve reação” ao nome de Levy por ele ter “servido à Dilma e ao [ex-governador do Rio do Janeiro Sérgio] Cabral”. Ele foi secretário de Finanças.

Antes de assumir o cargo de presidente do BNDES, Levy foi diretor financeiro do Banco Mundial, em Washington. Também trabalhou como técnico do FMI (Fundo Monetário Internacional). No setor privado, o economista foi diretor do Bradesco.

CRISE
Barbosa Pinto, no sábado, enviou uma carta a Joaquim Levy, à qual a Folha teve acesso, para renunciar ao cargo.

Bolsonaro havia dito pouco antes que o presidente do BNDES tinha de demitir o advogado ou seria demitido até esta segunda-feira (17).

Moro tenta fazer plebiscito da crise

Com aval do Planalto, Sérgio Moro transforma vazamento de conversas com procuradores em “plebiscito” dos que são contra e a favor da Lava Jato.

Vera Rosa / O Estado de S. Paulo

Estratégia do ministro, com aval do Planalto, é transformar o vazamento de mensagens atribuídas a ele em um debate entre quem é a favor ou contra a operação

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, traçou uma estratégia para transformar o vazamento da troca de mensagens atribuídas a ele, quando juiz, e a procuradores da força-tarefa em Curitiba em uma espécie de plebiscito dos que são contra e a favor da Lava Jato. A contraofensiva tem o aval do Palácio do Planalto e foi discutida com o próprio presidente Jair Bolsonaro, na semana passada, após a análise de pesquisas encomendadas pelo governo sobre o episódio, além do monitoramento das redes sociais.

Os resultados indicaram que o apoio à Lava Jato – operação sempre associada ao combate à corrupção – supera a desconfiança em relação ao conteúdo de conversas pelo celular, no aplicativo Telegram, entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Foi somente após essa avaliação reservada que Bolsonaro quebrou o silêncio e saiu em defesa do ministro da Justiça, um dos pilares de sustentação de seu governo.

Apesar de destacar o legado do ministro, o presidente disse ontem que não existe confiança 100%. “Eu não sei das particularidades da vida do Moro. Eu não frequento a casa dele. Ele não frequenta a minha casa por questão até de local onde moram nossas famílias. Mas, mesmo assim, meu pai dizia para mim:

‘Confie 100% só em mim e minha mãe’”, afirmou Bolsonaro. A declaração foi feita um dia após novas conversas divulgadas pelo site The Intercept Brasil indicarem que Moro teria pedido aos procuradores da Lava Jato a produção de uma nota à imprensa para responder o que chamou de “showzinho” da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois do depoimento do petista no caso do triplex do Guarujá. O ministro não reconheceu a autenticidade da mensagem.

Com idas e vindas, a tática para blindar Moro e afastar a crise do Planalto consiste em jogar a opinião pública contra deputados, senadores e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que tentarem vincular os diálogos vazados a ilegalidades em julgamentos, como o de Lula, preso desde abril do ano passado.

O argumento usado contra os críticos é o de que existe uma “orquestração” para esvaziar a Lava Jato.

Bolsonaro defende armar a população para evitar golpe de Estado

Presidente participou de evento do Exército em Santa Maria (RS) na noite deste sábado (15)

Paula Sperb / Folha de S. Paulo

SANTA MARIA (RS) - Em evento do Exército em Santa Maria (RS) neste sábado (15), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse que armar a população pode evitar golpes de Estado.

"Nossa vida tem valor, mas tem algo com muito mais valoroso do que a nossa vida, que é a nossa liberdade. Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para o nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta. Temos exemplo na América Latina. Não queremos repeti-los. Confiando no povo, confiando nas Forças Armadas, esse mal cada vez mais se afasta de nós", falou em pronunciamento. Ele não atendeu a imprensa.

O presidente participou neste sábado (15) da Festa Nacional da Artilharia (Fenart), no 3º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado, que celebra o aniversário do marechal Emílio Luiz Mallet, seu patrono.

Bolsonaro assistiu a uma encenação da Batalha de Tuiuti, de 1866, durante a guerra do Paraguai, vencida pela Tríplice Aliança (Brasil, Uruguai e Argentina). A apresentação contou com tiros, cavalos, luzes, narração e soldados com os uniformes da época.

Com ares de superprodução, a encenação foi acompanhada pela orquestra da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) que interpretou a trilha ao vivo, incluindo a música de abertura do seriado "Game of Thrones".

Na chegada, os convidados foram recepcionados por soldados com os uniformes usados na Guerra do Paraguai em acampamento cenográfico com direito a churrasco e chimarrão.

Antes, Bolsonaro deu tapas em um "pixuleko" e depois o jogou para cima. O boneco com a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vestido como presidiário foi entregue por um apoiador que estava com o grupo que o recepcionou na chegada na base aérea da cidade. O presidente foi acompanhado por carreata até o evento do Exército.

O presidente volta a Santa Maria 26 anos depois de ser considerado "persona non grata" da cidade. 

Em junho de 1993, por unanimidade, os vereadores aprovaram moção de repúdio contra Bolsonaro, na época deputado federal, por ter defendido o fechamento do Congresso e a volta da ditadura em uma entrevista ao jornal A Razão. A moção nunca foi revogada. O caso foi relembrado na última semana pelo jornal Zero Hora.

Política em tempo real: Editorial / O Estado de S. Paulo

Política requer maturidade, não necessariamente no aspecto etário – afinal, há muitos jovens políticos que desempenham muito bem seu ofício. O amadurecimento, aqui, refere-se principalmente à capacidade de refletir sobre a realidade antes de tomar decisões e defender ações que a modifiquem.

Nesse sentido, a política é muito trabalhosa, pois requer um diálogo constante com todos os que são atingidos pela realidade que se pretende alterar e que, portanto, têm algo a dizer sobre ela. Numa democracia plena, é esse processo de negociação, geralmente longo e desgastante, que amadurece as ideias antes de convertê-las em realizações.

Como consequência, os verdadeiros estadistas são os que tomam decisões não como resultado de algum dom excepcional, e sim em razão de sua capacidade de julgar os fatos pelos olhos dos outros e de arregimentar apoio, por meio da persuasão, para mudar esses fatos, isto é, para alterar a realidade que a tantos afeta.

Todo esse processo, ademais, deve se dar no âmbito das instituições democráticas, pois é ali, sob a égide das leis, que o poder de quem tem autoridade para tomar decisões é moderado. É o respeito a essas instituições – também estabelecidas por consenso ou por maioria democrática, e não pela força – que legitima as decisões que delas emanam.

O alarido, portanto, não é bom conselheiro. Decisões de Estado tomadas ao sabor da gritaria das redes sociais, como tem se tornado perigosamente comum, carecem dos elementos básicos de uma política madura. São iniciativas que primam pela irresponsabilidade, como acontece em regimes que se pretendem em conexão direta com o “povo” – nestes, invoca-se a suposta cumplicidade do líder com a massa para considerar como legítima qualquer ação dessa autoridade, mesmo as que seriam consideradas flagrantemente ilegais caso vigorasse o Estado Democrático de Direito.

Nova Previdência: Editorial / Folha de S. Paulo

Modificação se mostra satisfatória; doravante cumpre restringir concessões e incluir estados e cidades

As alterações na reforma da Previdência Social tiveram, quando menos, o mérito político de dificultar a tarefa dos que pretendem acusar a proposta de inimiga dos pobres.

Afinal, saíram do texto as diretrizes mais rigorosas para a concessão de benefícios a idosos de baixa renda e a trabalhadores rurais. Trata-se, nos dois casos, de programas de caráter assistencial.

Daqui em diante, adversários da reforma —como os sindicalistas que tentaram promover uma greve geral na sexta-feira (14)— terão de concentrar suas críticas na fixação de uma idade mínima para a aposentadoria, exigência corriqueira no restante do mundo.

Ainda que não se possam minimizar as resistências a serem enfrentadas, o momento se mostra menos hostil para o avanço do projeto. Afora alguns lamentáveis incidentes de violência, o movimento de sexta esteve longe de impressionar pela capacidade de mobilização. No Legislativo, obstáculos importantes foram removidos.

A longa história do desmonte da economia: Editorial / O Globo

Num cenário em que uma crise alimenta a outra, reforma da Previdência é essencial para recuperar a confiança

A situação em que se encontra o país é uma obra que veio sendo construída há muito tempo. Dados do relatório de junho da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, ilustram capítulos da história da atual debacle econômica do país. O início deste drama de 13 milhões de desempregados tem início na gestão Lula, empossado em 2003.

No seu primeiro mandato, até 2006, Lula seguiu o mapa da ortodoxia na política econômica. O candidato Lula, conhecido por propostas econômicas radicais, provocou inquietação crescente nos mercados, durante a campanha, à medida que avançava nas pesquisas.

Mas com Antonio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central, ajudados por um grupo de economistas liberais, Lula patrocinou a estabilização da economia, tirando o dólar da faixa de R$ 4,00. Para isso, aceitara que a equipe econômica usasse ferramentas “neoliberais” para evitar a evolução da crise — juros elevados e gastos contidos, uma heresia. Como esperado, funcionou, permitindo que a economia aproveitasse o vento a favor de uma fase de crescimento mundial sincronizado.

É visível no gráfico dos resultados primário e nominal das contas públicas — no primário, não está incluído o gasto com juros, o que acontece no nominal — como o superávit cai em 2008 e entra um pouco depois em descida íngrime, para se transformar em déficit. É o registro estatístico da guinada de Lula, no segundo mandato (2006/10), para a esquerda. Registre-se, nesta mudança de rumo, a influência de Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, futura presidente, que, na sua gestão, lançaria a “nova matriz econômica”: gastos em alta, descuido com a inflação. Não deu certo, o que era previsto.

Os déficits levaram o Tesouro a se endividar. No ano da reeleição de Dilma, 2014, o endividamento estava em 51,5%, mas a explosão fiscal já estava contratada: este índice continuou a subir, no governo Temer, e chegou a 78,8% em abril, com Bolsonaro no Planalto. Mesmo com a reforma da Previdência, permanecerá em alta até começar a retroceder em 2022.

Carlos Drummond de Andrade: Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Nelson Gonçalves: Moça