“Mas a concepção de Justiça que alimentou o fenômeno da Lava-Jato também está impregnada de arbítrio jacobino, salvacionismo messiânico, autoritarismo e, como elemento central, de uma concepção de Justiça que se coloca acima das leis. Eis aqui o ponto mais preocupante de todo esse processo desvendado pela "Vaza-Jato": a aliança entre a força-tarefa do MP e a simbiose de promotor com juiz que se transformou Sergio Moro teve um resultado antirrepublicano - em outras palavras, os desígnios privados dos "paladinos da Justiça" prevaleceram sobre a ordem pública.
O que está em jogo é mais do que o tratamento parcial e arbitrário que foi dado ao caso do ex-presidente Lula. Se vencer o lado jacobino e salvacionista da Lava-Jato, os cidadãos vão achar que é melhor substituir a engrenagem lenta e incremental da democracia liberal por outras formas mais rápidas de justiça, como o linchamento, o armamento generalizado da população e, quem sabe, a delegação do poder popular a alguém ou alguns que possam governar sem os obstáculos trazidos pela imprensa, pelo controle dos Poderes e pela oposição.
Em vez desse caminho jacobino da Lava-Jato, a Justiça só se estabelecerá no país se houver a garantia do primado da lei e sua aplicação igualitária a todos. Buscar atalhos e heróis não nos levará a uma sociedade mais justa.”
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP. ‘O que está em jogo é a noção de Justiça’. Eu & Fim de Semana / Valor Econômico, 14/6/2019