• Decisão do tribunal será enviada ao Congresso como recomendação
Governo afirma não ver motivos legais para rejeição; oposição diz que votação abre caminho para impeachment
O Tribunal de Contas da União ( TCU) recomendou ontem a rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma. A decisão unânime será apreciada pelo Congresso, que dará a palavra final sobre o processo. Os ministros seguiram o voto do relator, Augusto Nardes, que apontou incongruências nas explicações do Planalto para as “pedaladas fiscais”, entre outras irregularidades nas contas. Antes da votação no TCU, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou pedido do governo para afastar o relator e adiar o julgamento. Para a oposição, a recomendação do TCU é o primeiro passo para a abertura de processo de impeachment contra a presidente. Já o Planalto afirmou não ver motivos legais para a rejeição das contas. A única vez em que uma decisão como esta aconteceu foi em 1937, no governo Getúlio Vargas.
Rejeição unânime
• Por 8 a 0, TCU reprova contas de 2014 de Dilma; governo fala em recorrer ao Supremo
Vinicius Sassine e Fernanda Krakovics - O Globo
- BRASÍLIA- Depois de forte pressão do governo, que tentou até o último instante afastar o ministro relator e adiar o julgamento, o plenário do Tribunal de Contas da União ( TCU) aprovou ontem, por unanimidade, parecer recomendando ao Congresso a reprovação das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Este é o argumento que a oposição buscava para dar andamento aos pedidos de impeachment.
De acordo com o voto do relator, ministro Augusto Nardes, ficou evidenciada a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF), e a existência de distorções envolvendo R$ 106 bilhões na execução orçamentária do governo, dos quais R$ 40 bilhões se referem às chamadas “pedaladas fiscais”.
O voto foi seguido pelos outros sete ministros aptos a votar. Agora, a palavra final sobre a aprovação ou a rejeição das contas caberá ao Congresso Nacional, que não tem prazo pré- determinado para se pronunciar.
Para o TCU, a situação fiscal brasileira em 2014 foi agravada por dívidas omitidas, por operações de crédito irregulares de bancos oficiais com o governo, e pelas liberações de gastos orçamentários sem autorização do Congresso. O argumento da Advocacia- Geral da União ( AGU), de que as práticas ocorreram em governos passados sem ser reprovadas, não convenceu os ministros.
Planalto minimiza decisão
O governo pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal ( STF) para tentar anular a decisão do TCU. O advogadogeral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que o parecer do tribunal ainda será objeto de análise. Em nota, o Palácio do Planalto minimizou a decisão do TCU e disse que é apenas um “parecer prévio”, que ainda será submetido ao Congresso. O governo afirma ter “a plena convicção de que não existem motivos legais para a rejeição das contas”.
No texto, o Planalto considera “ser indevida a pretensão de penalização de ações administrativas que visaram a manutenção de programas sociais fundamentais para o povo brasileiro, tais como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida”. A presidente Dilma Rousseff fará hoje uma reunião ministerial, às 16h, para discutir as derrotas que sofreu durante a semana, como a falta de quorum para aprovar os vetos no Congresso e o parecer do TCU.
Um clima de tensão dominou o tribunal nas horas que antecederam o julgamento, diante da possibilidade de a votação ser adiada por liminar do Supremo Tribunal Federal ( STF). A AGU impetrara mandado de segurança com essa finalidade. Mas o ministro do STF Luiz Fux indeferiu o pedido.
O TCU foi, então, tomado por deputados e senadores da oposição, especialmente os que defendem o impeachment da presidente. Eles sentaram nas duas primeiras fileiras do plenário, em torno do advogado- geral da União, que fez sustentação oral em defesa das contas do governo. Do lado de fora do TCU, movimentos que defendem o impeachment fizeram ato contra Dilma e o PT. Encerrada a sessão, houve foguetório e músicas de “Fora PT” num carro de som. Os parlamentares da oposição tiraram selfies e gravaram vídeos.
A sessão começou com a aprovação, por unanimidade, da manutenção do ministro Nardes na relatoria das contas de Dilma. Primeiro, o colegiado concordou com a proposta de arquivamento do pedido de processo disciplinar que investigaria a conduta do relator. Depois, rejeitou a arguição de suspeição do ministro. Os dois casos foram relatados pelo ministro Raimundo Carreiro.
O governo acusa Nardes de ter agido de forma parcial no processo e de ter antecipado voto pela rejeição das contas da presidente. Carreiro criticou a atitude de Adams e defendeu o colega de tribunal. Ele criticou a “peculiar criatividade processual” da AGU, “não amparadas nas normas em vigor”. Nardes não participou desta votação.
Depois, o procurador- geral do Ministério Público junto ao TCU, Paulo Bugarin, leu seu parecer, em que falou em “piora significativa do quadro fiscal do governo”. Adams fez a sustentação oral em seguida.
— Eu acredito que o TCU tomará sua decisão, o que não pode é artificiosamente tentar se transformar isso em processo de cassação de mandato presidencial — disse Adams.
Ao votar pela rejeição das contas de 2014 da presidente, o relator citou a existência de distorções de R$ 106 bilhões, tanto as “pedaladas fiscais” quanto gastos e créditos orçamentários suplementares sem autorização do Congresso. Nardes concordou integralmente com o relatório técnico que subsidiou seu voto. Neste relatório, 14 auditores elencaram 12 indícios de irregularidades, dos 15 indícios apresentados inicialmente. O entendimento foi que as duas defesas apresentadas por Dilma não eliminaram as irregularidades, o que acabou mantido no parecer prévio do relator.
— A situação fiscal é incompatível com a realidade. Comprometeu a gestão fiscal, feriu diversos dispositivos constitucionais e legais, especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) — disse Nardes, sugerindo ao Congresso a rejeição das contas.
O ministro considerou que os atrasos dos repasses do Tesouro aos bancos oficiais, as “pedaladas”, representaram operações de crédito, o que infringe a LRF. O atraso somou R$ 40 bilhões entre 2009 e 2014. Os bancos se viram obrigados a arcar com pagamentos de benefícios como Bolsa Família, seguro desemprego e abono salarial.
O último episódio semelhante ocorreu em 1937, no governo de Getulio Vargas, quando o então relator, ministro Francisco Thompson Flores, fez um relatório pela rejeição. O motivo: desrespeito às leis orçamentárias. Integrantes do TCU afirmaram que, naquele ano, não houve uma aprovação colegiada de parecer pela rejeição, como ocorreu ontem.
Nardes planeja encaminhar o parecer ao Congresso “o quanto antes”.
• “A situação fiscal é incompatível com a realidade. Comprometeu a gestão fiscal, feriu dispositivos constitucionais e legais” Augusto Nardes Ministro do TCU
• “O que não pode é artificiosamente tentar transformar isso em processo de cassação de mandato presidencial” Luís Inácio Adams Advogado- geral da União