sábado, 25 de maio de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

IHU On-Line - As manifestações podem produzir algum impacto no governo?

Luiz Werneck Vianna – É insondável; esse governo é imprevisível e não tenho como responsavelmente prever o que o governo vai fazer. Imagino que ele deva ter ficado sensibilizado com a proporção e a envergadura dessa movimentação, que foi uma movimentação estudantil de verdade, com o tema dos estudantes, o tema da universidade, do ensino. A questão do ensino está sendo posta na rua; isso é para ser saudado. A educação tornou-se parte da agenda dos jovens; isso é novo e é bom.

Não sei direito quem é o governo; temos que ver quem é o governo de verdade. É claro que os setores mais atentos e mais lúcidos estão fazendo a leitura correta dentro do governo sobre essa movimentação. Agora, há os que querem um antagonismo a todo preço, porque na verdade o que eles visam é instabilizar instituições: é fechar o Congresso, é fechar o STF. Essa é que é a ideia de fundo desses grupos mais “tresloucados”, como os “olavetes”. Eles querem essa mudança, mas isso não é o governo inteiro. O governo inteiro é outra coisa. Há uma disputa permanente de setores que sabem interpretar direito o que está se passando. Imagino que esses setores vão pressionar no sentido de mudanças na política educacional

*Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002): Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018). Entrevista: “#15M e o retorno da política às ruas. Algumas análises”
em 20/5/2018, Humanitas Unisinos - IHU

*Ignacio Cano: Os erros da esquerda

- O Globo

Corrupção é mais um mecanismo de acumulação seletiva e de incremento da desigualdade

A última década testemunhou o surgimento, em muitos países, de personalidades e grupos políticos contrários às elites tradicionais, de discurso agressivo contra o status quo, muitas vezes denominados de populismos. Com algumas exceções parciais, como Grécia e Espanha, estes populismos bebem na tradição da extrema direita. É cedo ainda para avaliar em detalhe este fenômeno, de causas complexas e diferenças de país a país, mas é possível refletir sobre os possíveis equívocos da esquerda que contribuíram para esse cenário.

O primeiro é o foco, nos últimos anos, em pautas políticas identitárias. Nada mais justo do que defender as minorias sexuais ou raciais de um tratamento discriminatório. Contudo, num cenário de desigualdade econômica crescente que, como mostra Piketty, está chegando em níveis que só existiam antes dos anos 40, boa parte da esquerda deixou de lado as políticas de redução da desigualdade econômica, como a política fiscal, para se centrar na defesa das minorias. Essa escolha não acalmou o mal-estar das classes baixas, cujos integrantes migraram para opções políticas cada vez mais conservadoras. A direita, por sua vez, aceitou o desafio identitário e desenvolveu projetos políticos identitários para as maiorias, a partir da percepção de uma suposta ameaça.

Míriam Leitão: O desgaste de Bolsonaro

- O Globo

Desgaste da avaliação é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente como no governo Bolsonaro

Em apenas 144 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro atravessou uma importante linha de desgaste. Há mais pessoas achando que sua administração é ruim e péssima do que avaliando que é boa e ótima. É o presidente desde a redemocratização cuja popularidade caiu mais rapidamente no primeiro mandato. Interessante também notar que há uma quase unanimidade de que a relação dele com o presidente da Câmara deveria ser melhor, e a maioria considera que o presidente poderia ser flexível para que suas propostas passem no Congresso.

A pesquisa XP/Ipespe ouve mil pessoas, e por telefone. É metade da amostra do DataFolha, mas tem sido capaz de apontar as tendências do eleitorado. O governo deveria olhar com cuidado esses sinais, porque tem três anos e sete meses pela frente e muita necessidade de aprovar mudanças difíceis para que a economia saia do descaminho em que entrou.

Apenas 10% acham que a crise atual é culpa do presidente Bolsonaro. De forma justa, eles responsabilizam mandatos passados, principalmente os do PT, quando o país entrou em recessão e o desemprego passou a aumentar. Mas eram 5% na última pesquisa. Quanto mais o tempo passar, mais subirá a tendência de pôr na conta do atual governo o que estiver dando errado.

De fevereiro para maio, aumentou de 17% para 36% os que fazem avaliação negativa do governo Bolsonaro e caiu de 40% para 34% os que têm visão positiva. Os que consideram regular eram 32% e agora são 26%. Essa turma do meio está indo para a visão de que a administração é ruim ou péssima.

Merval Pereira: Refis de ganho de capital

- O Globo

É bem mais abrangente do que atualizar o valor dos imóveis. No projeto, era aplicável a quaisquer bens ou direitos

A estimativa do presidente Bolsonaro de o governo arrecadar mais de R$ 1 trilhão com a permissão da atualização do valor venal dos imóveis no Imposto de Renda, em troca de uma taxação menor do imposto sobre a valorização patrimonial, está baseada no montante de bens e direitos declarados pelos brasileiros em 2017, e não apenas nos imóveis: R$ 8,9 trilhões.

Uma taxa de 10% sobre esse total, que inclui aplicações financeiras e outros ativos, redundaria em um ganho para o governo de R$ 890 bilhões. Se todos aderissem ao programa, o que é improvável. Essa taxa de 10% foi prevista em um projeto apresentado em 2017 pelo então senador tucano Flexa Ribeiro, que não se reelegeu.

Provavelmente foi essa proposta, arquivada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no final da legislatura passada, que deu origem à discussão atual. É bem mais abrangente do que simplesmente atualizar o valor dos imóveis. No projeto, era aplicável a quaisquer bens ou direitos.

O advogado Luiz Gustavo A. S. Bichara assessorou o senador nessa proposição, e continua convencido de que é uma solução ganha-ganha. O projeto acrescenta o artigo 22-A na Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, “para prever a possibilidade de atualizar o custo de aquisição de bens e direitos sujeitos à tributação do ganho de capital mediante a incidência de alíquota reduzida”.

Manifestação errada em hora inadequada: Editorial / O Globo

Mobilização de bolsonaristas amanhã em nada ajuda o governo nos desafios políticos

O presidente Jair Bolsonaro diz que não irá às manifestações de amanhã, alegadamente para defendê-lo e a seu governo de um suposto avanço da esquerda, demonstrado pelas passeatas em defesa da Educação. As derrapagens do governo no MEC criaram mesmo um chamativo pretexto. Mas não havia apenas a cor vermelha nas passeatas.

O estranho é fazer manifestação como se estivéssemos em período eleitoral. Diante da evidência de que o movimento foi criado a partir das redes sociais, por onde transitam frações da extrema direita e suas propostas radicais, inconstitucionais, o presidente, que teria chegado a admitir comparecer, recuou. Seria uma sandice ir. Ele mesmo, em viagem ao Paraná na quinta-feira, criticou quem planeja levar às ruas pedidos de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Em café da manhã, também quinta, com jornalistas, para o qual O GLOBO não foi convidado, o presidente afirmou que quem defender essas palavras de ordem no domingo “estará na manifestação errada”. Fechar instituições republicanas é “golpe”, o que também era defendido pelo lulopetismo quando pregava a convocação de uma ilegal “Constituinte exclusiva”, para alterar a Carta sem quorum qualificado, ao seu bel-prazer.

*Marco Aurélio Nogueira: Fumaça, ruído e desertos

- O Estado de S.Paulo

Presidente não percebe que sua atuação corrói a República ao esvaziar a atividade política. Ou...?

O que faz um governo eleito governar?

A resposta canônica é conhecida, mas nem sempre é praticada. Consta de três pontas.

Em primeiro lugar, apoio social, expresso na manifestação eleitoral dos cidadãos, mas reproduzido ao longo da gestão. Votos que elegem nem sempre são os votos que sustentam os atos governamentais ou coonestam as atitudes do governante. São colhidos em muitos cestos e orientados por variadas escolhas, até a de impedir a vitória de alguém. Precisam ser organizados enquanto se governa. É a batalha da legitimidade. A tentação de permanecer em campanha após a eleição demonstra o medo do eleito de perder os apoios manifestados nas urnas, muito mais do que a pretensão de conquistar novos. Sem novas adesões, porém, restringem-se suas condições de futuro.

Em segundo lugar, uma boa equipe de governo, um bom Ministério, com adequada estrutura de pessoal, técnica e gerencial, sem o que o governo não terá como formular propostas, levá-las à execução, controlá-las, avaliar o que consegue realizar. Em sociedades complexas, com Estados avantajados e repletos de atribuições, a equipe de governo responde por boa parte do sucesso. Ministros pouco qualificados, estranhos às suas pastas, guindados ao primeiro plano com pretensões eleitorais ou em busca de prestígio são tão perniciosos quanto ministros que se prestam a funcionar como meras extensões do chefe (e de seu partido, se for o caso) ou como lobistas de segmentos da sociedade.

Em terceiro lugar, capacidade de articulação política e disposição para construir consensos parlamentares, algo decisivo em qualquer situação. Num regime presidencial como o brasileiro, por exemplo, por suas características, isso implica manter uma agenda aberta à interação com dezenas de partidos e grupos de parlamentares, dialogar com governadores e corporações, movimentar-se para ouvir demandas, auscultar os humores políticos, conceder entrevistas. É o trabalho principal do chefe, que só em pequena dose pode ser delegado a auxiliares, posto que a parte nobre, mais pesada, dependerá sempre da palavra final e da modelagem do vértice superior.

João Domingos: Cuidados de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Congresso e o Palácio do Planalto

Quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu anunciar publicamente que não participará nem incentivará as manifestações de domingo, além de pedir a seus ministros que delas fiquem distantes, no fundo o que ele fez foi buscar proteção contra um eventual pedido de impeachment por crime de responsabilidade. Porque a Lei 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e as regras do julgamento, diz que é crime atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados (item II do artigo 4.º); tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras (parágrafo 1.º do artigo 6.º); incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (parágrafo 7.º do artigo 7.º); entre tantos outros constantes da lei que possibilitou o impeachment de Fernando Collor (1990/1992) e de Dilma Rousseff (2011/2016).

Não que se pense que Bolsonaro fosse infringir qualquer uma dessas vedações. Apesar de dizer que o mal do Brasil é a classe política, ele não atacou o Congresso com seu raciocínio. E depois se incluiu no grupo dos que ele criticou. Tem pregado o respeito às instituições que são pilares do estado democrático de direito e prometido que jamais se voltará contra a liberdade de expressão e de imprensa. Mas haveria o risco de alguém associá-lo a uma das vedações da Lei do Crime de Responsabilidade caso viesse a participar das manifestações, ou mesmo incentivá-las.

Vera Magalhães: Guedes e o risco do ‘olha o lobo’

- O Estado de S. Paulo

Paulo Guedes ameaçou deixar o governo caso a reforma da Previdência vire uma “reforminha”. Fixou até um piso: economia de R$ 800 bilhões em dez anos. Quais os riscos da ameaça do titular da Economia?

É lobo mesmo? Não é a primeira vez que o ministro mais importante do governo Jair Bolsonaro ameaça pedir o boné caso as coisas não saiam como planejou. Ao usar essa retórica reiteradamente, Guedes vai minando, aos poucos, seu próprio papel de âncora da estabilidade de um governo altamente instável.

Os riscos. Na entrevista à Veja em que afirma que sairá caso haja uma “reforminha”, o ministro: 1) passa o tom de que está pressionando um Congresso já pressionado; 2) deixa Jair Bolsonaro vulnerável num momento em que enfrenta crise de popularidade e as primeiras manifestações de rua, e 3) fixa um novo “piso” para a Previdência, algo temerário no atual momento.

Bolsonaro não gostou. Guedes age como trader, mostrando que pode “rever a posição” caso o cenário não se configure como ele imaginou. Compreensível a reação de Bolsonaro, ao dizer que ninguém é obrigado a ser seu ministro –seria isso ou ficar refém eternamente de ameaças reiteradas. O principal e um dos mais preparados ministros do governo age um pouco como o Pedro da fábula, que, de tanto gritar “olha o lobo”, pode não ser ouvido quando o lobo de fato vier.

José Márcio Camargo*: Os custos e benefícios do protagonismo

- O Estado de S.Paulo

Câmara e Senado sinalizam para a sociedade que têm votos para aprovar proposta da Nova Previdência

O deputado federal Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial que analisa a Nova Previdência, anunciou que, diante da incapacidade do Poder Executivo de liderar a negociação das reformas, o Legislativo irá assumir o protagonismo na negociação e na aprovação da Nova Previdência. Para tal, segundo o deputado, a Comissão Especial irá apresentar um substitutivo ao projeto que foi enviado pelo governo, que terá o “DNA da Câmara”. Segundo ele, as premissas desta nova proposta são: seguir o cronograma já anunciado e manter a economia de R$ 1 trilhão do projeto original.

Esta é uma decisão ousada. O Poder Legislativo tem muito menos instrumentos para convencer os parlamentares do que o Executivo. Em especial, o Legislativo não tem emendas parlamentares para serem liberadas nem cargos para serem alocados a seus apoiadores. Os principais instrumentos disponíveis para o Legislativo são a representatividade de seus líderes e a percepção de estar atendendo ao interesse público. A questão é: por que as lideranças parlamentares decidiram correr este risco?

Nossa avaliação é de que existe hoje um consenso (verdadeiro) de que, caso a Nova Previdência – ou uma proposta com características similares no que se refere à economia de recursos a ser obtida – não seja aprovada, as consequências serão bastante negativas. Neste caso, a emenda constitucional que criou o teto para o crescimento do gasto público – Emenda Constitucional (EC) 95 – e, desta forma, reduziu substancialmente a incerteza quanto à solvência do Estado brasileiro não seria sustentável. 

Profissão de fé política: Editorial / O Estado de S. Paulo

O Congresso Nacional está sob ataque do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais. Por ora, são ataques retóricos, mas embutem um profundo desprezo pela política e bastam para provocar perniciosos efeitos na relação entre os Poderes e na construção de uma agenda de interesse do País.

Quando se lança uma turva névoa de suspeição sobre todos os parlamentares e quaisquer negociações políticas, a vigência da Constituição corre riscos. A Lei Maior proclama a democracia representativa logo em seu preâmbulo. E não há símbolo maior de sua vitalidade do que o pleno funcionamento do Congresso Nacional.

Em 128 anos de história – desde a Constituição de 1891, que determinou que o Poder Legislativo seria exercido pela Câmara dos Deputados e pelo Senado –, as duas Casas tiveram de lidar com toda a sorte de ameaças e violências. Não foram poucos os períodos em que o Congresso Nacional esteve subjugado. A luta para acabar com os vácuos de liberdade e restabelecer a democracia no País foi árdua e contou com a união de várias forças da Nação. Sem Congresso livre, não há democracia. E democracia é um regime frágil que requer a diuturna vigília de todas essas forças.

As novas investidas contra o Congresso vêm na forma de uma demonização indiscriminada da atividade política, como se tudo que dela deriva fosse espúrio. Não raro, este sentimento tem sido promovido por autoridades que, por dever de ofício, dever moral ou simplesmente decoro, deveriam formar a primeira linha de defesa de um Congresso altivo e da política como locus e meio para a concertação da miríade de interesses que merecem atenção em Estados Democráticos de Direito, como é o caso do Brasil.

*Demétrio Magnoli: Medo

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro fomentou protestos de rua porque teme governar na democracia

"Aqui tem olavetes, intervencionistas, católicos e templários", explicou uma certa Elizabeth Rezende, que está entre os organizadores das manifestações deste domingo (26) mas esqueceu-se de elencar os trilobitas, os entoproctos, os braquiópodes, os caminhoneiros e os reptilianos.

"Aqui", contudo, não tem Bolsonaro. O líder inconteste, "Mito" e "Messias", traiu a fauna paleozoica de seus devotos. O porta-mentira oficial, general Rêgo Barros, precisou ler uma nota que qualifica os eventos como "espontâneos". De fato, a mobilização foi incitada (com "c", viu Weintraub?) pelas redes do clã presidencial, mas o capitão recuou para a retaguarda, abandonando seus soldados na trincheira enlameada.

Medo. A incitação e a fuga têm motivo idêntico. Mais: o medo é a melhor chave explicativa do comportamento geral do presidente da República.
Na política, o medo está sempre presente. FHC temia, mais que tudo, o retorno do monstro inflacionário. Daí, a sobrevalorização do real, seu único grave erro de política macroeconômica. Antes de surfar a onda ascendente do ciclo global, Lula temia a ruptura da estabilidadeeconômica herdada.

Daí, o acerto decisivo na escalação da equipe econômica de seu primeiro mandato. Os medos de FHC e Lula referenciavam-se, principalmente, no interesse nacional. O medo de Bolsonaro, pelo contrário, referencia-se exclusivamente no interesse pessoal. Ele fomentou a mobilização de rua porque teme governar na democracia e desertou, assustado, porque teme o impeachment.

Julianna Sofia: Fumacê

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro contribui para 'reforminha', e Guedes sonha com aposentadoria precoce

No quinto andar do Ministério da Economia, ninguém sabia do que falava o presidente Jair Bolsonaro ao anunciar na quarta-feira (22) um estrambólico projeto com potência fiscal maior que o trilhão da reforma da Previdência. Não havia nem há nos escaninhos do ministro Paulo Guedes (Economia) & cia. proposta para tributar reavaliação patrimonial de contribuintes.

O episódio vem sendo tratado na pasta como fumaça. Não tem densidade. O sub do sub do sub da Receita Federal até confirmou que existem estudos em curso —mas quem é ele para contradizer o presidente da República? Desconcertado, o chefe do fisco, Marcos Cintra, que coleciona saias justas com Bolsonaro, prometeu fazer contas e analisar a medida, que poderia turbinar a arrecadação. Há quem fale em R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões em recursos extras para o Tesouro, mas é um cálculo ainda a ser esclarecido.

O fumacê de Bolsonaro gera efeito colateral direto na reforma da Previdência. Constitui mais uma incrível peripécia em que o presidente joga contra a PEC das mudanças nas aposentadorias. Afinal, mais vale arrancar bilhões de especuladores imobiliários do que maltratar velhinhos pobres e viúvas indefesas.

*Roberto Simon: Populismo das redes sociais fracassou

- Folha de S. Paulo

Ao colocar Brasil em perspectiva global, limites do bolsonarismo ficam evidentes

Desde o início, a emergência de Jair Bolsonaro foi corretamente interpretada em seu sentido global, à luz dos populismos nos EUA de Donald Trump e na Europa do brexit e da extrema direita “anti-globalista”.

Em cinco meses de governo, essa mesma perspectiva internacional —ao se comparar o Brasil a modelos de populismo na Europa de hoje e na América Latina de décadas recentes— agora ajuda a entender a acelerada deterioração da versão tupiniquim.

Experiências populistas mundo afora somaram a ambição de um governo “da maioria silenciosa” e “contra as elites” à hipertrofia do poder Executivo.

Governantes acumularam poder em detrimento do Legislativo, Judiciário, imprensa e sociedade civil.

Bolsonaro vive a contradição de almejar a primeira parte da equação, em textos de WhatsApp ou lives de Facebook, enquanto seu governo se atrofia com espantosa rapidez.

Várias causas arrastam o Brasil a esse populismo distinto, com outros riscos institucionais. Mas uma das questões-chave é a natureza da base de apoio ao poder populista. Hungria, Venezuela e Peru oferecem comparações ilustrativas.

O centro do poder do premiê húngaro, Viktor Orbán, é o Parlamento. Orbán e seu partido, o Fidesz, jamais consolidaram um apoio popular acima dos 50%. Mas o sistema parlamentar e as regras eleitorais húngaras, somadas à fraqueza do establishment e ao clima de xenofobia, deram à extrema direita sucessivas supermaiorias legislativas, desde 2010.

Com poderes de mudar a Constituição, Orbán passou a desmantelar a democracia.

Clóvis Rossi: Brexit envenenou toda a política britânica

- Folha de S. Paulo

Com renúncia de Theresa May, saída britânica da UE já derrubou dois primeiros-ministros

Três anos depois do plebiscito que decidiu pelo brexit, o único “exit” (saída) até agora produzido é a porta aberta do número 10 de Downing Street, residência e gabinete dos primeiros-ministros britânicos, pela qual já saiu David Cameron e, em breve, sairá Theresa May.

Mas, a bem da verdade, a pira que consome os conservadores nas suas relações com a Europa já queimou líderes com estatura bastante maior, caso, por exemplo, de Margaret Thatcher. E de seu sucessor, John Major.

Todos foram obrigados a deixar Downing Street porque não conseguiram unificar o Partido Conservador em torno de uma política para as relações com a Europa.

De certa maneira, aplica-se a todos eles o sardônico comentário de Marina Hyde, colunista do Guardian, para a batalha pela liderança dos conservadores, que corria surda até agora e será escancarada com a partida de May.

A saída de May: Editorial / Folha de S. Paulo

Renúncia de conservadora diminui chances de recuos no rompimento com a EU

Não se discute a abnegação de Theresa May em sua missão de viabilizar a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida em plebiscito há quase três anos. O discurso em que anunciou sua renúncia, nesta sexta (24), terminou com voz embargada e um choro quase incontido ao admitir o fracasso no que era a razão de existir de seu governo.

A despeito do empenho, faltou à primeira-ministra, com efeito, convicção sobre o que entendia por “brexit é brexit”, a tautológica declaração com a qual ela reiterava compromisso em fazer valer a vontade de 52% dos britânicos.

May chegou ao poder um mês após o sufrágio, em julho de 2016, e desde então oscilou entre promessas de uma ruptura integral com a UE —como quer a ala mais radical do Partido Conservador— e tentativas de suavizar os termos da retirada, temerosa dos impactos na economia do país.

Não por acaso, o acerto costurado por ela com os europeus foi rejeitado três vezes pelo Parlamento. No último intento de salvar o acordo, a governante apresentou uma proposta no início desta semana que abria a possibilidade de uma segunda consulta popular. Com isso, perdeu de vez o esquálido apoio de correligionários.

May transfere o imbróglio ao sucessor, tal como fizera o antecessor dela, David Cameron. Este deu aval ao plebiscito, para afagar parte do eleitorado, mas defendia a permanência no bloco. A surpresa que veio das urnas tornou sua situação insustentável.

Vicente Vilardaga: Bolsonaro e seus demônios

- Istoé

Presidente é um ungido, se chama Messias e foi batizado no Rio Jordão. Quem lhe fizer oposição é das forças do mal

Sabe-se que o presidente Jair Bolsonaro só governa pelas mídias sociais. No fim de semana passado, ele publicou em seu Twitter uma carta ameaçadora, atribuída ao investidor Paulo Portinho, filiado ao Partido Novo, e distribuiu pelo WhatsApp um vídeo esquisito de um pastor congolês residente na França chamado Steve Kunda. Na primeira publicação, os inimigos de Bolsonaro eram identificados com as “corporações”, que incluem “políticos, servidores-sindicalistas, sindicalistas de toga e grupos empresariais bem posicionados nas teias de poder”. Segundo o texto, a pressão que o mandatário sofre envolve resistências das corporações e do Congresso, que o impedem de aprovar medidas renovadoras, dificultando a governabilidade. Ele sugere que os processos democráticos são empecilhos para governar.

Bolívar Lamounier: Emigrar, protestar ou manter-se fiel

- Istoé

O que um país estagnado pode ter em comum com um grande clube de futebol em franca decadência? O pequeno clássico econômico de Albert Hirschman mostra as similaridades

O Brasil é um caso de laboratório para examinarmos uma questão. Nossa economia cresceu aceleradamente dos anos 1950 até 1980, quando a megalomania do presidente Ernesto Geisel nos legou uma megadívida externa e uma inflação cada vez mais alta. Aquela conjuntura, depois os desatinos da presidente Dilma Rousseff e a corrupção nos precipitaram no buraco onde hoje nos encontramos.

No futebol, temos o espantoso caso do Clube de Regatas Vasco da Gama, outrora uma potência esportiva, quatro vezes campeão brasileiro, uma vez da Libertadores e hoje um permanente candidato ao rebaixamento à Série B do futebol.

O economista Albert Hirschman (1915-2012) estudou como os membros de uma organização (ou seja, os cidadãos de um país, os consumidores de determinado produto, os torcedores de um clube…) podem reagir quando percebem uma persistente deterioração daquilo que os cerca e estão acostumados. Professor em Yale, Harvard, Columbia e Berkeley, em seu livrinho clássico “Saída, voz e lealdade”, de 1970, ele mostra que as pessoas partem (cidadãos mudam de país, consumidores trocam de marca, torcedores optam por outro clube) ou protestam. Em países pequenos, pobres e repressivos, ir embora pode ser uma resposta prática. Em países grandes, nos quais sempre há uma esperança de desenvolvimento, é mais difícil. Ou seja, entre sair ou protestar, existe um fator psicológico de grande importância: o grau de lealdade que os membros sentem pela organização a qual acreditam pertencer.

Murillo de Aragão: A névoa e a ponte

- Istoé

Um grupo minoritário almeja colonizar um governo que habita um sistema político semipresidencialista. Se no lugar disso tentassem construir consenso, tanto melhor. Felizmente, o Congresso se mantém comprometido

Ao nos aproximarmos da ponte que nos levará a um futuro de investimentos e desenvolvimento, nos deparamos com um intenso nevoeiro político. Parte dele artificialmente produzido por máquinas de gelo seco de aliados do governo. Outra parte decorre da ausência de clareza no modelo de relacionamento político entre o governo e o Congresso. Alguns até consideram que esse não relacionamento é uma espécie de modelo. E sendo assim, o governo estaria abrindo mão da primazia da agenda para aceitar a coautoria das reformas com o Congresso.

Aos observadores da cena política, fica um alerta. Não se deve considerar que o nevoeiro é homogêneo. Existem variações de intensidade e de consistência. As crises geradas pelas disputas internas fragilizam mais o governo do que a agenda das reformas. Basta constatar que o Congresso está comprometido com a nova Lei de Licitações e as reformas previdenciária, tributária e das agências reguladoras.

Um presidente ingovernável: Editorial / Istoé

São imprudentes, obscuros e arbitrários os objetivos por trás da manifestação arquitetada por idólatras do “Mito” e fomentada pelo capitão em pessoa nas redes sociais. Não vá se falar em mero protesto. A insurgência contra os poderes constituídos flerta diretamente com o autoritarismo — ainda mais levada a cabo diretamente pelo mandatário.

Ele, prudentemente, depois de alertado, resolveu recuar da ideia tresloucada de estar à frente participando ativamente nas ruas. Se assim o fizesse poderia incorrer em crime de responsabilidade por atentar, de maneira insofismável, contra a Carta Magna que no artigo 85, incisos II, III e IV condena qualquer afronta ao livre exercício dos Poderes.

Uma mobilização com esse intuito empurraria Bolsonaro à porta do impeachment. De qualquer maneira, ele procura impor o conceito de um governante vivendo sem a necessidade de dialogar com forças moderadoras, tal qual um monarca absolutista com pendores ditatoriais.

Não se engane: o problema de Bolsonaro não é com o Congresso ou com a massa amorfa de políticos classificada como “Centrão” que, no seu julgo, converteu-se em inimigo número um do Brasil.
O mandatário tem algo mesmo, de verdade, contra a democracia e daí a ofensiva às instituições basilares que lhe dão respaldo — Parlamento, Judiciário, imprensa e Forças Armadas.

*Marcus Pestana: Fora do diálogo, não há salvação; ainda há tempo para recomeçar

- O Tempo (MG)

A liberdade e a democracia estão em risco aqui e no mundo

Confesso que cheguei a tal nível de maturidade política que persigo uma radical independência intelectual e não me apaixono mais por nenhum líder carismático ou projeto ideológico salvacionista. Quando era um jovem líder estudantil, guardava, na cabeça e na alma, projetos muito mais radicais e mais certezas do que dúvidas. Poucas certezas da juventude sobreviveram. E me intriga ver nosso país, uma máquina de desenvolvimento no pós-guerra, estar se especializando em jogar oportunidades fora.

Quando, na juventude, abandonei a ortodoxia de esquerda, passei a admirar profundamente personagens como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Mário Covas, FHC e JK. Com eles aprendi que adversário não é inimigo, que política é a arte de somar, não de dividir, e que a natural radicalização das campanhas não serve de base para bons governos.

Hoje, fico perplexo com o embate sectário e desqualificado, potencializado pelas redes sociais, entre polos que não se reconhecem legítimos. Não seria grave se o próprio presidente da República, sua família e seu séquito olavista não entrassem pesado no mesmo jogo.

A única ideia que ainda me apaixona é a defesa da liberdade e da democracia. E elas estão em risco aqui e no mundo. Edmond Burke alertou: “Quanto maior é o poder, tanto mais perigoso é o abuso”.

Ricardo Noblat: Dois homens e um destino

- Blog do Noblat / Veja

Guedes ameaça sair. Bolsonaro abre a porta
De tédio jamais morreremos nos próximos três anos e sete meses. O governo mais acidental e conflituoso de todas as épocas desrespeita a trégua que deveria se dar, e também ao país, pelo menos nos fins de semana. Em tempos idos, a sexta-feira era o dia do boato. E a segunda-feira, de feriado bancário para o anúncio de medidas econômicas extraordinárias.

Agora, qualquer dia é dia de conflito interno no governo, sem esquecer os externos alimentados diretamente por ele que não sabe viver em paz. Em entrevista à VEJA, o ministro Paulo Guedes, da Economia, admitiu pedir as contas se o Congresso aprovar “uma reforminha” ao invés da robusta e ambiciosa reforma da Previdência desejada por ele e capaz de abrir as portas para um mundo novo.

De Pernambuco, onde se encontrava durante sua primeira visita ao Nordeste depois de empossado, o presidente Jair Bolsonaro respondeu de bate pronto: “Ele está no seu direito [de ir embora]. Ninguém é obrigado a continuar ministro meu”. Haveria espetáculo mais atraente do que um duelo ao por do sol entre dois velhos pistoleiros ligados pelo mesmo destino?

O temperamento irascível liga Bolsonaro a Guedes. O gosto por uma polêmica, também. Igualmente a disposição que eles têm para o uso da retórica como arma letal. Em linguagem das redes sociais, Guedes tentou lacrar Bolsonaro, que revidou tentando lacrar Guedes. E antes que esqueçamos, é bom lembrar que os dois estão do mesmo lado. Deveriam marchar no mesmo passo.

Guedes, diante do primeiro revide de Bolsonaro, fez questão de repetir o que também dissera na entrevista. Não, ele não é um homem irresponsável. Não, ele não deixará o cargo por qualquer motivo. Não isso, não aquilo. O Ministério da Economia apressou-se a distribuir uma nota para abortar mais uma crise capaz de abalar o governo. Ou de pô-lo abaixo, no extremo.

Aconselhado por assessores, Bolsonaro passou o resto do dia demolindo sua própria declaração inicial. Não, se Guedes quiser sair deve ser para ir a uma praia (kkkkkkkkkk). Não, Guedes está certo quando alerta para o perigo de o Congresso aprovar uma reforma do tamanho de “pinto de japonês” (kkkkkkkkkkkkkk). O casamento dos dois é forte e seguro, taokey?

A verdade é que Guedes está irritado com Bolsonaro e desesperado com a falta de articulação política do governo. Sente-se praticamente só à frente da batalha para que a reforma da Previdência acabe aprovada. E, pior, à frente de tropa nenhuma. Talvez de um arremedo de destacamento mal treinado e sem disciplina para a tarefa a se que propõe.

O ministro aproveitou a entrevista para dar um abatimento na reforma pretendida. Ela deveria representar uma economia de 1 trilhão e duzentos milhões de reais. Guedes baixou para 800 bilhões. Ora, ora, ora… Guedes piscou primeiro. Se ele baixa para 800 bilhões, aceitará um pouco menos. Quem sabe 600 bilhões e não se fala mais nisso?

Presidente da CNBB: ‘Não vamos construir a paz com armas’

Presidente da CNBB diz temer impacto de decreto ‘numa sociedade cheia de polarizações’ e defende uma Igreja apartidária

Pablo Pereira / O Estado de S. Paulo

BELO HORIZONTE - D. Walmor Oliveira de Azevedo, Eleito no início deste mês presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o arcebispo de Belo Horizonte, d. Walmor Oliveira de Azevedo, afirmou ao Estado que o “caminho da paz” não será construído “pela força das armas”. “Tememos o que pode acontecer numa sociedade cheia de polarizações”, disse ele sobre o recente decreto do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizou a posse e o porte de armas.

O novo presidente da CNBB defendeu ainda a importância de uma atuação da Igreja “sem ser partidária”. “O ponto de partida é o diálogo. Diálogo para poder dizer aquilo que a Igreja tem a dizer para além de qualquer tipo de ideologia ou partidarização.”

• Como será a relação da CNBB com o governo federal?

O ponto de partida da relação com o governo federal e com todas as instâncias de governo, assim como com outros segmentos da sociedade, é o diálogo. Diálogo para ouvir e ser ouvido, para poder dizer aquilo que a Igreja tem a dizer para além de qualquer tipo de ideologia ou partidarização, pela força de seu Evangelho.

• O País tem mais de 13 milhões desempregados. Como o senhor analisa essa situação?

Quando a gente constata cenários de pobreza e de miséria, isso nos aflige. Inclusive deve nos envergonhar, exigindo de nós que encontremos novos caminhos. Porém, há urgência de novas respostas. A Igreja, sem ser partidária, sem mover-se por ideologias, está para dialogar, para ajudar, por uma compreensão que nos dê saídas, novas respostas. Mas sempre respeitando as competências das instâncias que têm a tarefa de resolver esse problema.

• O que o senhor pensa a respeito da questão da flexibilização da posse e do porte de armas?

Não compreendemos que o caminho para a paz, para o entendimento, para a solidariedade, nós construiremos pela força das armas. Nós construiremos pela força da educação, pela força do diálogo, do amor. Não é para nós uma opção dizer que vamos trabalhar mais a paz exatamente com uso de armas. Pelo contrário. Tememos o que pode acontecer numa sociedade como a nossa, cheia de polarizações.

Governo só joga para sua torcida, diz Lilia Schwarcz

Por Diego Viana | Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

"Faz parte dos governos populistas mexer com os afetos. Neste caso, afetos de divisão, supondo que é preciso incluir alguns e excluir muitos"

SÃO PAULO - Em 2014, a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz demonstrava otimismo com o país, ao publicar "Brasil: uma Biografia", em coautoria com Heloisa Starling. O Brasil parecia ter consolidado sua democracia, com um processo incipiente de inclusão social. Em 2019, a autora lança "Sobre o Autoritarismo Brasileiro" (Companhia das Letras, 288 págs., R$ 49,90), cujo espírito é o oposto: "Uma reação ao que está acontecendo". O livro busca instrumentos para entender a polarização política e os riscos à democracia nos conceitos clássicos da história brasileira, como mandonismo, patrimonialismo e escravidão.

Professora da Universidade de São Paulo (USP) e de Princeton, nos Estados Unidos, Lilia falou ao Valor poucos dias depois das manifestações de professores e estudantes contra cortes orçamentários no ensino superior. A historiadora mostrou entusiasmo com os protestos, que se contrapuseram a uma estratégia característica dos populismos atuais, o confronto com a universidade. A magnitude da resposta nas ruas, para ela, é "sintoma de que a reação deve partir da sociedade civil".

A atmosfera tensa e a ascensão do populismo exigem dos intelectuais uma atuação pública mais intensa, diz a professora. E ela responde a esse apelo recorrendo à presença nas redes sociais. Por trás do clima beligerante e superficial das discussões nessas redes, Lilia identifica um público ávido por debate e informação. Aos intelectuais, cabe sair de suas bolhas, um processo que a autora diz já ter começado.

Historiadora com interesse particular pela interpretação do país, Lilia enxerga a emergência de uma nova maneira de narrar e pensar o Brasil, menos apoiada na ótica eurocêntrica e colonial. A novidade é fruto de quatro décadas de ativismo, que garantiu a grupos minoritários o acesso, embora ainda limitado, à universidade e outros espaços de poder. Essa ampliação das narrativas significa "restituir memórias e histórias, que dizem respeito a essas populações. Significa oferecer um cardápio mais variado", afirma.

A capa de "Sobre o Autoritarismo Brasileiro" exibe a obra "Memória" (2004), de Sonia Gomes, que usa retalhos de tecido para compor uma escultura de pano. Segundo Lilia, o uso de obras de arte nas capas é um modo de compartilhar um espaço com outras maneiras de interpretar o país. Sobre "Memória", ela afirma que a obra "tem tudo a ver com minha reflexão, no modo como vai puxando fios do passado e, a partir deles, tem um impacto no presente".

Valor: "Brasil: uma Biografia" aparentava um certo otimismo. O livro atual é mais sombrio. Isso expressa uma mudança de avaliação?

Lilia Moritz Schwarcz: Muito. Escrevemos uma nova conclusão no ano passado, para a edição em inglês. Dizemos que nos equivocamos, porque aquele livro via a democracia bastante assegurada no Brasil, com instituições fortes e operantes, embora a república seja falha, incompleta, inconclusa. Escrevemos antes do impeachment de Dilma Rousseff. Não conseguimos antever a polarização crescente, com a ascensão de políticas de ódio. Já este livro foi um pedido da editora, para que retomasse minhas leituras do Brasil e fizesse um panorama do país atual. É uma reação ao que está acontecendo, como tenho feito no Instagram.

Valor: A senhora tem atuação intensa nas redes sociais. Como tem sido essa experiência?

Lilia: No Instagram, desde que [Jair] Bolsonaro foi eleito, posto uma notícia por dia, tentando informar e dialogar com um público mais amplo. Faço vídeos no YouTube, também. Estamos vivendo um momento em que é preciso uma mudança de atitude dos intelectuais. O Brasil pede que atuemos mais como intelectuais públicos. Nos EUA, o intelectual público é muito valorizado. Aqui, nem tanto, mas está ganhando força. Tem mais intelectuais escrevendo nos jornais, dando entrevistas. O Brasil tem uma universidade forte, reconhecida internacionalmente, com publicações importantes, mas uma intelectualidade ensimesmada. A universidade deve se expor mais. Estamos sendo desafiados a oferecer uma face pública mais ampla e alguns estão tentando sair da bolha.

Valor: As primeiras grandes manifestações contra o governo foram motivadas por cortes nas universidades. O Brasil tem fama de ser anti-intelectual e negligenciar a educação. Esse seria um sinal de que o lugar da universidade no Brasil é maior do que se pensa?

Lilia: E foi uma beleza. Maravilhoso. Na segunda-feira anterior, tive uma reunião com uma instituição internacional e previ que na quarta aconteceria um grande fenômeno no Brasil. Duvidaram. Acharam que só iam alguns professores e alunos. Mas tivemos uma adesão sensacional da população, das escolas privadas, de diferentes áreas. O governo procurou atacar as universidades mexendo nessa suposta falta de tradição. Foi um erro. É sintoma de que a reação deve partir da sociedade civil, uma reação de cidadania vigilante. Estamos agindo como cidadãos, lutando pelos nossos direitos, um deles sendo a universidade pública de qualidade.

Fernando Pessoa: Domingo Irei

Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —

Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!

Moraes Moreira: Sintonia